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COLONISAÇÃO DE LOURENÇO MARQUES

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É consultando mais o desejo de corresponder ao honroso convite da illustrada direcção d'este Atheneu do que as minhas forças e competencia, que eu venho hoje dizer aqui algumas palavras ácerca de Lourenço Marques. Outros o fariam com mais auctoridade e sobretudo com mais eloquencia, pois que, pela minha parte, só a boa vontade e bons desejos poderão ser titulos á benevolencia de tão distincta assembléa para com as deficiencias necessarias da minha exposição.

Pouco direi ácerca da situação, topographia e historia de Lourenço Marques, hoje bem conhecidas, graças aos excellentes trabalhos do visconde de Paiva Manso e do meu camarada Eduardo de Noronha.

De todas as nossas colonias, é Lourenço Marques a unica que apresenta os caracteres de um centro commercial em principio de um grande desenvolvimento, só comparavel ao das cidades da Africa do sul. A affluencia de navios ao porto, a actividade que se vê por toda a parte, as mercadorias amontoando-se nos caes, o movimento e a vida que se revelam ali, são um estimulo grandioso e magnifico que nos deve levar a acompanhar sem demora a corrente de trabalho e de progresso rapido da Africa do sul, sob pena de sermos esbulhados da mais bella joia do nosso dominio colonial.

A cidade de Lourenço Marques acha-se naturalmente dividida em duas partes: a velha ou baixa situada no local onde se estabeleceram as primeiras feitorias, e a nova ou alta, que, projectada sobre a vertente que se desdobra da Ponta Vermelha ao Mahé, se vai a pouco e pouco erguendo, por entre cerrados arvoredos, mostrando-se sob risonho aspecto a quem vem procurar o porto. Entre as duas encontra-se uma depressão larga e extensa, onde se reunem as aguas das chuvas e por vezes as do mar, produzindo um vasto pantano, causa principal da insalubridade da povoação.

Pelo snr. conselheiro Ennes foi mandada ultimamente construir uma estrada de 3,5 kilometros ligando a cidade com a Ponta Vermelha, local bastante salubre, com 45 metros de altitude sobre o nivel do mar d'onde se ergue abruptamente e que está destinado a um largo desenvolvimento, pois que permittirá ao habitante, cançado do labutar diario na cidade commercial propriamente dita, o ir pela tarde respirar lá em cima o ar mais puro do oceano.

Pouco se tem emprehendido até hoje para o saneamento do pantano, aterrado apenas n'uma pequena área e isso mesmo pelas exigencias crescentes do alargamento da parte velha da cidade, que, junto á margem da bahia, será sempre a de maior valor.

Muitas tentativas se têm feito já e as camaras e commissões municipaes têm diligenciado resolver o problema, mas sem resultado, e isto por variadas razões. De entre os projectos estudados, um, do engenheiro Almeida Soeiro, aproveitava para edificações a área aterrada e drenada convenientemente, e outro utilisava o pantano para ahi estabelecer uma especie de porto interior, construindo um canal navegavel na base da vertente em que assenta a cidade nova. Qualquer dos dois projectos deveria ser adoptado sem demora e os trabalhos principiarem desde já, por isso que a extincção do pantano, além de uma necessidade impreterivel, daria tambem margem para uma operação commercial muito rendosa, em que os capitaes empregados obteriam um lucro remunerador. Basta considerar o preço por que poderiam ser vendidos os terrenos utilisaveis depois de concluidos os trabalhos, para avaliar das vantagens da operação; facilmente se obteriam 400:000 metros quadrados de terrenos para aforar ou vender, que teriam decerto comprador por um preço superior a uma libra o metro; o custo do aterro, em qualquer dos casos, não devia exceder metade d'esta quantia para igual superficie.

Adoptando-se o projecto da construcção de um porto interior, o preço das obras augmentaria muito, mas o valor dos terrenos ao longo do canal, iria além do que poderiamos prevêr, tanto mais que, sendo o porto um pouco desabrigado por occasião dos temporaes de sueste, o porto interior seria de grande recurso e portanto muito appetecidos os terrenos que o orlassem.

O interior do districto de Lourenço Marques divide-se em tres zonas principaes. A dos Libombos, com algumas raras alturas de 600 metros, e formada pela vertente oriental dos montes do mesmo nome, que desce rapidamente até 200 metros de altitude, com arborisação basta e copada em alguns pontos, sobretudo nas margens dos rios, e constituida por porphyros feldspathicos e por uma extensa facha de conglomerados, parallela áquelles e correndo norte sul. A segunda zona é a das areias que, partindo dos conglomerados, vem descendo até á costa maritima, onde os depositos terciarios que a formam, se reunem aos do apparelho littoral; n'esta zona, geralmente secca e pouco povoada, o arvoredo ou é raro ou se concentra em mattas cerradas, de especies ora rachiticas e enfezadas, ora extremamente fortes e robustas, mas cujos troncos torcidos e recurvados parecem significar as difficuldades que oppõem ao seu crescimento aquelles terrenos tão aridos. Finalmente, a terceira zona ou zona argillosa é a constituida pelos depositos que os rios espalham largamente na occasião das cheias e ainda pelas argillas que arrastadas pelas chuvas, se vão depôr nas baixas da zona arenosa, constituindo assim os fundos impermeaveis de outras tantas lagoas, por vezes de muitos kilometros de extensão, que em grande numero se encontram principalmente para o sul do rio Incomati. A zona argillosa é a zona fertil, mas é tambem a zona pantanosa e insalubre por excellencia; o arvoredo é sempre forte e robusto, e as especies numerosas, dando por vezes madeiras de excellente qualidade, se bem que pouco aproveitaveis industrialmente.

Recortando todos estes terrenos, vêem-se rios importantes, taes como o Maputo, o Incomati e o Limpopo, que, trazendo as suas aguas do Transvaal, se apresentam caudalosos, dando navegação, senão facil, pelo menos possivel: o Incomati em quasi todo o seu curso no nosso territorio e o Limpopo até ao rio dos Elephantes, e talvez ainda mais acima. Se, porém, estes rios são faceis meios de transporte, são tambem elles, que, alargando-se sobre milhares de kilometros quadrados, por occasião das chuvas, deixam quando voltam aos seus leitos normaes, innumeros charcos e brejos, que contribuem para a insalubridade das regiões que atravessam.

Tendo assim resumido de um modo geral o que para o nosso ponto de vista especial mais importa conhecer das condições naturaes do districto, vejamos qual o systema de colonisação que se deverá adoptar em Lourenço Marques. Facilmente se comprehende que da escolha do processo a seguir depende o exito da colonisação, e que não poucos desastres têm tido como origem o querer-se implantar uma colonia em desharmonia com as condições dos territorios que têm de a receber.

Leroy Beaulieu classifica as colonias em tres typos principaes:

a) Colonias de população ou agricolas.– São aquellas em que, como na Australia e no Brazil, o europeu vai encontrar um clima pouco differente do que tem no seu paiz e póde constituir familia, formando nucleos de população, que, ajudados pela affluencia constante de novos colonos, terminam por povoar completamente a colonia. Se a metropole não póde fornecer o contingente necessario em cada anno, é natural que outros paizes d'isso se encarreguem, chegando n'esse caso a mudar por completo a feição da colonia, que se desnacionalisa; é o que succedeu com a Nova Amsterdam e a Nova Suecia, e poderá talvez dar-se um dia n'uma parte do Brazil.

b) Colonias commerciaes.– Chamam-se assim as que pela sua situação sobre grandes caminhos de commercio, dispondo de um porto de facil accesso, d'elles se utilisam para servirem como entrepostos ou emporios n'uma nova região e introduzir n'ella, principalmente, os productos da metropole. Estas colonias, taes como Hong-Kong, Singapura, etc., são necessariamente cosmopolitas e se não necessitam uma grande colonisação de homens, precisam em compensação de muita industria, muito tino e muita energia, e por consequencia de uma emigração escolhida, acompanhada de um grande affluxo de capitaes.

c) Finalmente, as colonias de exploração são as que, pela sua situação e clima especiaes, podem fornecer generos de largo consumo e preços remuneradores, que ali se produzam com facilidade e a cuja cultura em especial se destinem. Reclamam estas colonias muitos capitaes, e um regimen especial de trabalho, por isso que, não podendo ahi o branco trabalhar a terra, terá necessariamente de recorrer ao trabalho indigena ou de raças adaptaveis ao clima. Taes são, entre outras, as Antilhas, as Filippinas e entre nós a colonia tão largamente desenvolvida de S. Thomé, tão genuinamente portugueza apesar de serem relativamente poucos os colonos saídos da metropole.

* * *

Dependendo o futuro de uma colonia do systema adoptado na sua colonisação, vejamos em qual d'estes typos se deve filiar Lourenço Marques.

Poderá ser uma colonia de população? Esta idéa, que tem tido larga corrente entre nós, a ponto de se querer fazer derivar para a provincia de Moçambique, e em especial para Lourenço Marques, uma parte da emigração que hoje se dirige ainda para o Brazil, deve, creio eu, ser completamente posta de parte. Centos de colonos têm desembarcado em Lourenço Marques, mais de mil nos ultimos annos, e quasi sem excepção, o seu destino invariavel tem sido o regressarem ao reino, mais doentes e pobres do que foram, com avultado dispendio do governo, ou a morte n'um periodo relativamente curto. Diz-se, e é certo, que a colonia não está preparada para os receber, mas não é menos certo que se lhes houvessem sido fornecidos terrenos para cultivar, alfaias agricolas, etc., o seu destino teria sido o mesmo.

E senão vejamos. O clima de Lourenço Marques, se não é absolutamente mau, podendo-se facilmente ali viver com uma alimentação regular e uns certos cuidados que só um relativo cabedal e instrucção podem dar, não é tambem bom.

A temperatura média, quer de verão quer de inverno, não é exaggerada, mas as differenças de temperatura, muito rapidas por vezes e que chegam a attingir 18°c. no mesmo dia, são extremamente prejudiciaes, sobretudo nas doenças dos orgãos respiratorios.

Na cidade, depois da época das chuvas, de fevereiro a maio, as emanações trazidas pelos ventos reinantes, que durante o anno passam de N. a O. rondando por L., são extremamente perniciosas, por isso que provêm dos muitos pantanos que rodeiam a povoação e ainda dos que orlam as margens da Catembe. A falta de esgotos, a accumulação de individuos de raças inferiores e o pantano do Infuléne, são ainda causas locaes, ás quaes se póde dar remedio, é certo, mas que ainda hoje existem, se bem que attenuadas.

Para aggravar este estado de coisas, as chuvas são por vezes torrenciaes, a ponto de em dez dias, como succedeu em 1895, se precipitar sobre o sólo uma camada de 40 centimetros de agua, o que concorre para a formação de novos charcos em pontos onde até então não tinham existido.

Se da cidade passamos ao interior do districto, as circumstancias, sobretudo nos terrenos mais ferteis, aggravam-se, e a quadra que se segue á época das chuvas é em geral perigosa, do que se faz facilmente idéa pela affluencia aos hospitaes.

Em 1893, uma estatistica da população de Lourenço Marques, certamente inferior á verdade, dava uma totalidade de 1:017 habitantes, europeus e asiaticos; a mortalidade no primeiro semestre d'esse anno foi de oitenta e oito individuos, entre europeus e asiaticos: da totalidade dos obitos 40 por cento proximamente foram devidos a febres de mau caracter e 8 por cento a tuberculose1.

Dos soldados que fizeram parte da expedição de 1895, raros foram os que não soffreram das febres, e se os officiaes não foram tão castigados por ellas, decerto se deve esse facto a serem em geral mais velhos do que aquelles, comprovando-se assim mais uma vez a conveniencia de não seguirem para as colonias individuos de idade inferior a vinte e cinco annos.

Estes exemplos bastam para comprovar que, se em Lourenço Marques se póde viver em melhores condições talvez do que em muitos pontos insalubres da Europa, nem por isso deixam, quer a cidade, quer o districto, de constituir uma região pouco salubre, onde a vida deve ser rodeada de certos cuidados, que não podem conseguir colonos pobres, sem recursos, a quem as regras da hygiene são desconhecidas, e que algumas vezes já partem da metropole anemiados pela miseria ou pelo vicio.

Estes, com poucas excepções, nada têm feito em Lourenço Marques, emquanto que é frequente vêr individuos permanecer dez, quinze e mais annos na cidade, sem grave damno, porque souberam e puderam manter as necessarias cautelas; tanto mais que as condições hygienicas da cidade vão progressiva, se bem que lentamente, melhorando.

Para constituir uma colonia de população é necessario poder crear familia; ora em Lourenço Marques as creanças não medram, e só por excepção se poderão vêr ali filhos de colonos europeus, nascidos e creados no districto. Não os conheço e as poucas creanças que se encontram, essas vivem custosa e difficilmente; é por isso que não posso sem pezar, vêl-as partir para Lourenço Marques inconscientemente levadas pelas familias, sem que os paes imaginem qual o fim quasi inevitavel que as espera.

É a agricultura o principal recurso das colonias de população e isso mesmo se tem supposto em varios projectos de colonisação propostos para Lourenço Marques; é, porém, um facto averiguado que o branco, o europeu, não póde trabalhar ali a terra ou cultival-a elle proprio, sem grave risco de vida; bem o demonstrou a grande mortalidade que houve durante a construcção do caminho de ferro do Transvaal e ainda ultimamente alguns factos passados em 1895 vieram corroborar a opinião que já tinha a este respeito. Em Magudi, n'um local secco, a 30 metros acima do rio e em terrenos de rocha e areia, foi necessario, por falta de cafres, que a guarnição do posto que ali se estabeleceu, removesse a areia para construir trincheiras, e este facto deu causa a uma excessiva mortalidade; em Xinavane, n'um terreno pantanoso, coberto pelas aguas na occasião das cheias, os soldados foram prohibidos de cavar, e não houve senão um obito e esse mesmo de uma praça vinda de Magudi. Em Taninga, onde se fizeram importantes remoções de terras, as febres atacaram com tal força a guarnição, que foi necessario retiral-a. Não póde, pois, o branco trabalhar a terra e luctará com tanto maiores difficuldades, quanto mais se aproximar da zona baixa e argillosa do districto, onde justamente se encontram os terrenos mais ferteis e mais povoados pelos cafres.

Não se póde, pois, em Lourenço Marques, constituir familia, cultivar a terra, e difficilmente se resiste por muitos annos, sem vir refrescar á Europa, á influencia deleteria do clima. Como se poderá pensar, em taes condições, em fazer d'aquelle districto uma colonia de população?

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Dados extrahidos do Districto de Lourenço Marques, por Eduardo de Noronha.

Colonisação de Lourenço Marques: Conferencia feita em 13 de março de 1897

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