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A TENTAÇÃO DE SANTO ANTONIO

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FANTASIA BURLESCA

«O mundo acabar

Penso que vai,

Ai ai! ai ai!

Vou apitar!

Tão rodeado

Estou de diabos

Com unhas e rabos

D'assarapantar!

Raios, coriscos,

Bombas e traques

E mais petiscos

  A rabiar

  E a estoirar

Em torno de mim!

  Zás catrapaz!

Se Deus piedade

Não tem do frade,

Grande caurim

Me vai pregar

Dom Satanaz!»

Todo a tremer, Santo Antonio

Assim se poz a gritar

Quando o travesso demonio

Em pessoa o foi tentar.

  Sae do inferno

  Troça bravia

  De quantos demos

  Por lá havia.

  Em vassouras

  Vêem montados,

  Com tesouras

  E machados

  Sobraçados;

  Bem armados

  D'escupetas,

Estes coçam as carécas,

Aquelles fazem caretas,

Tocando grandes trombetas,

Cavaquinhos e rebecas.

Vem um tocando fagote,

E outro com um chicote

Já começa a sacudir

O habito empoeirado

Do alegre frei Antonio;

Mas o frade atomatado

Logo se põe a fugir

De tão chibante demonio,

Correndo conforme póde

E gritando todo afflicto:

«Aqui d'el-rei, quem m'acode!

Ó da guarda! Eu apito!»

  Dous feios diabos

  Mui cabelludos,

  Cornos agudos

  E longos rabos,

  Entram na cella

  Do bom santinho;

  Vão-lhe á panella

  Que ao lume tinha

  C'uma gallinha

  Paio e toucinho,

  Tiram-lhe a tampa,

  Comem-lhe tudo,

  Deitam-lhe trampa;

  Vão-lhe á borracha

  Que tem o vinho

  N'um esconderijo;

  Bebem-lhe tudo

  Deitam-lhe mijo.

  Á tal cambada

  Não escapa nada

  Tudo se acha

  Quebra e estraga

  Mija e caga.

Uma pequena bonita

Tambem lh'entra na caverna

Toda lépida e catita,

E começa a levantar

O ballão, e linda perna

Logo se põe a mostrar…

«Ai Jesus! diz Santo Antonio

Vai-te d'aqui ó demonio

Não me estejas a tentar…»

  «Façam dançar

  Contradançar

      Pular

      Cantar

      Saltar

  Esse santinho»

  Já diz gritando

  Um diabinho

  Que está tocando

  A desgarrada

  N'um cavaquinho.

  Eis toda aquella

  Endiabrada

  Troça bravia

  O bom do Santo,

  Que já n'um canto

  Se escondia,

  Vai buscar.

  E a tocar

  N'uma panella

  Com a tranca

  Da janella,

  N'uma banca

  O faz dançar

      Pular

      Saltar

      Cantar.

Até Plutão, o rei demonio,

Quiz assistir á funcção,

Pois quer ver se frei Antonio

Se livra da tentação;

E p'ro que der e vier

Comsigo traz a mulher.

O Santo todo encolhido

No meio d'aquella canalha

Cada vez mais se atrapalha;

Um demo mais atrevido,

Dá-lhe muita bordoada,

E outro feito cupido

Vem por traz com uma setta

E no coração lh'a espéta…

A nada se move o frade

Modelo de castidade!!

  Vendo porém

  Que fim não tem

  A seringação

  Fórma tenção

  De s'esconder;

  E mui callado

  Vai-se a metter

  Dentro da cama;

  Mas lá recúa

  Todo espantado

  Pois uma dama

  Toda janota,

  (Ainda que nua,

  Mesmo em pelóta)

  Acha deitada

  Em seu lugar…

  A concubina

  Com uns olhinhos

  Muito espertinhos

  A scintillar

  Já o fulmina

  E quer tentar…

  A tal menina

  É mesmo boa;

  Se Prosepina

  É em pessoa!

Santo Antonio atrapalhado

Contempla incendiado

Aquella erotica scena,

E em frente da belleza

De coisas que nunca viu…

Ao poder da natureza,

Com bem custo resistiu…

Mas quando quasi tentado

Com os olhos da pequena,

Vai a cair na esparrella

De saltar a cima della,

Lembra-lhe Deus derepente

Que vai cair em peccado,

Fica todo aforçurado

E como que inspirado,

Vai buscar muito apressado

D'agua benta seis canadas

E nos demos imponente

Ferra boas hysopadas.

Estoira que nem castanhas

Toda aquella diabada,

Cada demo dá um tiro

Que nem uma peça raiada;

E fugindo a bom fugir

Tudo vai em debandada,

Santo Antonio de contente

Dá tamanha gargalhada

Que até no traseiro sente

A fralda toda cagada.

«Se não vou buscar

Logo tão depressa

A tal agua benta,

De certo me tenta

Aquella travêssa…

Olhem que é ladina,

Mesmo de tentar,

A tal Prosepina!

Mal empregado pexão

Para o dente do Plutão!»

Lamenta tão pesaroso

A má sorte da pequena

O famoso Santo Antonio,

Que parece já ter pena

De se mostrar tão teimoso

Em resistir ao demonio…


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