Читать книгу Memoria sobre o melhoramento da cultura da Beira e da navegação do Mondego - António de Almeida - Страница 1

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Um grande numero de rios da Europa, que antigamente corriam placidos entre as suas margens, appresentam hoje um curso extremamente irregular; as suas inundações formidaveis causam nos valles, que deveriam fertilisar, desastres, cuja repetição deu o alarme ás povoações marginaes.

O Sena, o Loire, o Saone, o Isère, o Rhodano o Durance têm assolado a França 'nestes ultimos annos com inundações cada vez maiores. Na Italia o Tibre e diversos outros rios, pelas suas frequentes enchentes, flagellam os valles. Em Portugal o Tejo e o Mondego offerecem phenomenos similhantes; se entre nós não foram estes tão desastrosos como em outros paizes, a perda das sementeiras, das colheitas, dos gados e dos instrumentos de lavoura, têm sido por vezes o resultado funesto para a importante classe dos lavradores.

Cabe pois ao Governo, sentinella avançada dos interesses do Paiz, mandar estudar e executar os trabalhos indispensaveis para remediar o mal, aos homens da arte indagar qual deva ser o remedio applicavel com mais vantagem e menos dispendio.

Conheço as minhas fracas forças para arrostar com tão ardua tarefa, porém desejo ser util em alguma cousa: se errar, sirva ao menos esta memoria de lembrar a penas mais habeis a importancia da questão, para, com a emenda, fazer surgir a verdade.

A causa das inundações é, como todos sabem, a concurrencia rapida e quasi simultanea em o leito dos rios das massas aquosas parciaes, trazidas pelos seus affluentes quando as chuvas são copiosas ou são reforçadas pelo derretimento das neves nas montanhas; mas sendo a bacia dos rios a mesma que outr'ora, não tendo variado as circumstancias climatericas, por que motivo os mesmos phenomenos naturaes produzem hoje na Europa effeitos que antigamente se não davam e não têm lugar ainda hoje na America, onde a civilisação está menos adiantada? A razão é obvia: é porque na America as montanhas ainda estão cubertas de mattas virgens que demoram as aguas, em quanto que na Europa a população mais densa roteou os montes para se alimentar.

Quasi todos os autores estão concordes em attribuir a esta causa os estragos produzidos pelas aguas nos valles.

Juliano narra que no seu tempo o Sena corria sempre limpido com um nivel quasi constante; hoje as suas aguas são turvas, e o seu nivel eleva-se ás vezes de 6 até 8 metros1. Esta mudança, diz M. Marry, é evidentemente devida á cultura dos terrenos inclinados, antigamente cobertos de mattas. Mais adiante, lê-se no mesmo tractado: «O que tem occorrido durante alguns annos successivos na bacia do Rhodano, prova que a roteação do Jura e principalmente dos Alpes teve para as bacias que recebem as suas aguas as consequencias as mais funestas.»

Voltando ao nosso Mondego, parece que antes de 1400 os senhorios obrigavam os rendeiros do campo a fazerem ahi pousadas e moradas, e a morar nas terras corporalmente por si e suas pessoas.

No cartorio de S. Pedro em Coimbra existe uma sentença proferida na éra de 1392 pelo Vigario da dicta cidade contra um inquilino: no pleito foi allegado pela senhoria que era costume antigo pagarem os lavradores que morassem nas terras que as Egrejas de Coimbra tinham no campo o dizimo dos fructos e crianças2 á Egreja, cujas forem as dictas terras3.

Ouvimos pela primeira vez fallar nas inundações do Mondego em uma Carta Regia de D. Affonso V, do anno de 1464, que prohibe as queimadas e roteação das alturas vertentes no Mondego. (Lei que se não executou por iniqua.) Mais tarde o Marquez de Pombal renovou esta lei com o mesmo resultado. D'essa épocha em diante os clamores dos lavradores do campo subiram ao throno de todos os nossos Monarchas sem que se achasse o remedio.

Vê-se que já em 1464 se conhecia a causa das cheias, a mesma que hoje apontamos, não só para o Mondego, mas tambem para grande numero de rios da Europa.

O mar é provavel banhasse em épochas anteriores á Monarquia todo aquelle valle a que chamam campos de Coimbra. Santa Eulalia ou Santa Olaia, pequeno castello situado em um monte isolado ao Oeste de Monte-mór o Velho, na entrada do paul de Fôja, tendo sido tomado aos Mouros pelo Conde D. Henrique, foi doado por elle ao Mosteiro de Sancta Cruz com todas as rendas, portagens e mais direitos dos navios que entravam pela foz do Mondego4. Quatro seculos mais tarde, El-rei D. Manuel mandou edificar uma ponte de pedra no paul de Fôja em lugar da de madeira que existia para obviar aos grandes fracassos que occasionavam aos povos as marés que a inundavam.

Em 1790 as marés ainda chegavam á barca de Monte-mór, junto ao monte da Ladroeira5; hoje o seu limite é muito mais visinho ao Oceano; sómente as marés grandes do equinocio do outomno fazem-se sentir até alli pelo empate da agua do rio, que então traz pouca.

Não me demorarei em demonstrar que o campo levanta com os nateiros depositados pelas cheias: O convento de Santa Clara, enterrado até ás impostas da abobada da Egreja, edificios que desappareceram completamente juncto a Coimbra, o provam de sobejo; ora, suppondo que os nateiros elevem o campo de um quarto de pollegada por anno, termo medio; de certo não serei taxado de exagerado pelos lavradores, admittindo que o rio começasse a transbordar desde o anno 1400, pois no anno 1464 já ouvimos queixas: serão 457 annos, o que nos dá 19 palmos d'elevação desde o anno 1400 até agora; ora, segundo o nivelamento feito por Estevão Cabral em 1790, a agua na ponte de Coimbra estava 63 palmos a cima do preamar, logo em 1400 achava-se sómente 44 palmos acima d'este plano; se o terreno conservou sempre a mesma inclinação relativa, resulta que a maré em 1400 chegava a uma legoa de Coimbra ou pouco mais, pois elle dá de declive 22 palmos á 1.ª legoa. Infelizmente não é sómente o campo que levanta; o alveo do rio eleva-se mais depressa pelos depositos d'arêa trazidos da Beira no tempo das cheias, a ponto que chega á altura dos campos, e o Mondego abre um novo leito; assim tem ido correndo á revelia por todo o valle nos seculos de que fallámos, apoiando-se, ora nos montes do norte, ora nos do sul, cubrindo as terras com camadas de arêa: haja vista o leito antigo ao nivel do campo, e o novo encanamento feito em 1792, já meio entulhado, deixando apenas um metro d'altura entre seu alveo e o nivel do campo.

1

Marry, Cours de navegation, pag. 6.

2

Criação.

3

O Instituto, Jornal scientifico e litterario, impresso em Coimbra.

4

Memorias Montemorienses.

5

Estevão Cabral, Memoria sobre os melhoramentos do Mondego.

Memoria sobre o melhoramento da cultura da Beira e da navegação do Mondego

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