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A dois dos «Vencidos da Vida»

Os Senhores

Conselheiro Antonio Candido

e

Conde de Sabugosa

SENHORES:

A Vós, meus senhores e amigos, que sois, com o grande poeta Guerra Junqueiro e o illustre diplomata Marquez de Soveral, os derradeiros sobreviventes d'uma selecta companhia de homens-de-lettras e homens-do-mundo: é a Vós que eu me permitto offerecer este palido e leve estudo – ephemero artigo de indole folhetinesca – sobre determinada feição da personalidade litteraria de um dos Vossos.

Eu creio que ninguem, melhor do que Vós, avaliará o intuito admirativo e piedoso d'estas paginas de critica facil em que a exegese subjectiva quasi que completamente desappareceu para dar logar á palpação material ao facto litterario que mal encobre, na maioria dos casos, a genese espiritual d'onde provém.

Ramalho Ortigão foi bem e em verdade um preclaro representante da sua epocha mental; Vós, seus socios de Escóla e companheiros das veladas celebres, no aristocratico Braganza e na democratica Perna-de-Pau, ao lerdes este escripto, regressareis momentaneamente a essa já affastada quadra, em que o espirito esfusiou na troca de pontos-de-vista sobre as questões mais variadas e mais complexas que commoviam, então, a humanidade pensante. E, depois da visita retrospectiva a esse tempo saudoso, demorareis a vossa attenção, liberta de qualquer facciosismo, no quadro que nos offerece o Portugal de hoje e… concluireis.

A theoria da «Arte pela Arte», onde a vossa Escola entroncava, conduzia o artista em geral, e muito particularmente o homem-de-lettras, á inteira despreoccupação do significado moral da sua obra e das consequencias que d'ella resultariam para a vida pratica. Ia-se mais longe: essa vida pratica inspirava o maior dos despresos e tanto que, para muitos, elle chegou a ser formulado no seguinte paradoxo – o pensamento jamais poderá influir na vida pratica!

«O unico dever do philosopho, do poeta, do auctor dramatico e do romancista – diz-nos T. de Wyzewa, n'um estudo sobre o Disciple– era procurar exprimir plenamente as suas ideias, os seus sentimentos, os resultados da sua observação ou da sua phantasia sem se preoccupar com os vãos e estupidos lamentos do cego rebanho dos «moralistas» de qualquer proveniencia e feitio».

A grande massa dos leitores portuguezes dos livros de Oliveira Martins, dos romances de Eça e das Farpas de Ramalho não tinha a preparação sufficiente para distinguir um processo artistico nas malhas tecidas com oiro d'aquelles trechos lapidares. Direi mais: a maioria dos leitores dos romances de Eça perdia o fio da efabulação, levada, attrahida como que n'uma suggestão hypnotica pelo pormenor picante que lhe passava, nos lombos, um arrepio delicioso…

Quem viu na Reliquia, por exemplo, o castigo da hypocrisia e a rehabilitação do hypocrita quando se decidiu a trabalhar e a pôr de banda a mentira?

E, sem contestação, se não fosse este tenue veiosinho doutrinario (e, é claro, aquelle assombroso sonho palestiniano, inspirado, talvez, na vulgarisação d'um evangelho apocrypho por Petruccelli della Gattina) o que ficaria d'essa colossal Reliquia senão o monumento mais monstruoso, mais gratuito e mais perversamente levantado, pelo genio, á indignidade das lettras?

De fórma que esses livros, peccando pelo que em si continham de pernicioso, lançados para um meio que não sabia dar-lhes o desconto das demasias, duplamente eram perigosos.

Pois padece duvida que a concepção dos nossos deveres e direitos nos advém das emoções estheticas ou intellectuaes que os Mestres verteram com subtileza e tacto, atravez das suas obras, no nosso espirito ávido de luz?!

E não é certo que essas emoções serão tanto mais fortes e duradouras quanto mais bello e paramentado de atavios seja o seu fautor?!

Da obra hegemonica (e chamo-lhe assim porque a obra-de-regresso é pequena e tardia) d'estes tres grandes vultos litterarios, a de Ramalho, sendo talvez aquella que mais influencia teve por – pela sua indole e facilidade de acquisição – penetrar n'um maior ambito de ledores, em todo o caso, é a que menos presta o flanco ás tremendas responsabilidades de ter fomentado este estado de espirito e de factos que caracterisa a Actualidade Portugueza.

O Sr. Dr. Ricardo Jorge, n'um, como todos os que da sua penna diamantina saem, estudo magistral ultimamente publicado sobre o illustre morto, diz-nos:

«Ramalho, o censor, alía n'uma congruencia equilibrada o cosmopolitismo ao congenialismo; domina-o o instincto racial e topico…», profunda observação, d'um analysta consumado, que explica muitas das passagens, se não todo o recheio d'este desataviado escripto, que a Vós, meus senhores e amigos, dedico, porque de Ramalho fostes socios e companheiros, esperando que, ao lêl-o, n'elle reconheçaes (como para si desejava Louis Blanc) o accento d'uma voz sincera e as palpitações d'um coração sedento de justiça.

1915, 2 de Des.º

H.

Ramalho Ortigão

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