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ОглавлениеCAPÍTULO II
—As respostas afirmativas, chegam aos montes!— disse Elizabeth excitada.
—Todo mundo do condado virá, e será um baile ainda maior do que o que mamãe deu para minha irmã Anne.
—Papai contou que foi maravilhoso— Lucretia sorriu.
—Devemos ter mais de quinhentos convidados. Mas é claro que o Marquês, com a mania de ser superior, não vem.
—O Marquês de Merlyn?
—Seu vizinho!— respondeu Elizabeth—, tive a esperança de que aceitasse o convite, mas já devia imaginar que não se dignaria a comparecer a uma festa como esta.
—Gostaria de saber por quê.
—Se está muito interessada, posso lhe explicar. Mamãe estava ansiosa que ele viesse ao baile de Anne. Acho que pensava que ele poderia ser um ótimo marido para ela. Quando o Marquês recusou o convite, mamãe pediu a meu irmão Henry para falar com ele no clube.
—E o que ele respondeu?— perguntou Lucretia, com curiosidade.
—Ele respondeu: “Meu caro Henry, se há alguma coisa que me aborrece são cavalos mal-amansados, vinhos verdes e garotas imaturas!”.
Lucretia riu.
—Garanto que seu irmão não conseguiu dizer mais nada, depois disso.
—Nada. E mamãe ficou furiosa. Afinal, papai é o Governador do Condado, e pensamos que o Marquês podia ser gentil, pelo menos uma vez.
—Mas sua mãe foi bastante magnânima para convidá-lo pela segunda vez— comentou Lucretia.
—Ela simplesmente espera que eu tenha uma oportunidade! Pobre mamãe! Sempre foi muito otimista!
—E por que não? Afinal, Elizabeth, você é muito bonita.
—Mas definidamente imatura— respondeu a outra, torcendo o nariz—, além disso, não era o que eu queria. Garanto-lhe que não tenho o menor desejo de casar com esse Marquês aborrecido. Pode imaginar coisa pior do que ter um marido que está sempre com um ar enjoado?
Elizabeth fez uma pausa e continuou, pensativa:
—De qualquer modo, ele vai ter que casar algum dia. Senão, aquele odioso Jeremy Rooke herdará Merlyncourt!
Mal acabou de falar, Elizabeth tapou a boca com a mão.
—Oh, desculpe, esqueci que é amigo de vocês.
—Não é meu amigo. Papai é que passa a vida pedindo para ele ficar lá em casa. Não entendo por quê. Para dizer a verdade, eu o acho asqueroso.
—Acha mesmo, Lucretia?
—Claro que acho. Por que haveria de mentir para você?
Elizabeth hesitou um pouco, antes de dizer:
—Pensei que soubesse que todo mundo está falando de você e de Jeremy Rooke.
—De mim? Por quê, se o simples fato de falar com ele me dá alergia?
Elizabeth deu uma gargalhada.
—Lucretia, você diz coisas incríveis! Mas, desta vez, tenho que concordar com você. Com certeza, tem admiradores mais atraentes do que esse nauseabundo Jeremy Rooke.
A outra não respondeu. Passando um momento, Elizabeth perguntou, meio encabulada:
—Você não gosta deles, Lucretia?
—Se está falando desses garotos corados e dos dom-juan de meia-idade que andam com um olho em mim e outro na minha fortuna, a resposta é NÃO!
Elizabeth olhou para ela, interrogativamente.
—Acha mesmo que estão mais interessados no seu dinheiro do que em você? Mas isso é ridículo! Você é linda e muito inteligente! Tenho certeza absoluta de que qualquer homem que a conheça vai amá-la pelo que é.
—Você é muito amável e muito lisonjeira, mas creio que herdei o senso prático de meu pai. Posso lhe garantir, Elizabeth, que, se não tivesse um tostão, não sobraria nenhum admirador.
—Claro que sobrariam dúzias e dúzias deles. Mas não Jeremy Rooke!
As duas desataram a rir.
—Pelo menos de uma coisa posso ter certeza— disse Elizabeth—, ninguém vai casar comigo por interesse. Com três irmãos, duas irmãs e o pobre do papai sempre fugindo dos credores, esse perigo eu não corro!
—Mesmo assim, seu pai pode lhe oferecer um baile para quinhentas pessoas!
—Isso é jogar a isca para apanhar o peixe. E eu sou a isca! Afinal, Anne casou com Lorde Bolton logo na primeira temporada que passou em Londres, e meus pais depositam grandes esperanças em mim.
—E não se importa com a ideia de casar com alguém que mal conhece, só porque seus pais arranjaram esse casamento?
Elizabeth encolheu os ombros.
—Não há outra alternativa, a não ser ficar em casa e me tornar uma solteirona, há? Daqui a um ano, quando Belinda tiver dezassete, também terá seu baile. Se casar antes de mim, juro que morrerei de vergonha.
Lucretia ia começar a dizer alguma coisa, mas mudou de ideia. Em vez de falar, despediu-se da amiga e, deixando a imponente, mas decrépita, residência do Conde de Munster, dirigiu seu elegante coche para casa.
Ia pensativa através das vielas ladeadas de arbustos recobertos das primeiras folhinhas verdes da primavera. Tinha poucas amigas de sua idade e gostava de Elizabeth, embora soubesse que tinham pouca coisa em comum. A ideia de qualquer mulher ser atirada no competitivo mercado do casamento era-lhe insuportável e não compreendia como Elizabeth a aceitava tão tranquilamente.
Ainda pensava em Elizabeth, na elegante e dispendiosa festa que o Conde e a Condessa de Munster iam lhe oferecer, embora dificilmente tivessem condições financeiras para isso, quando passou pelos portões de ferro forjado de Merlyncourt.
Olhou para dentro, para a mansão grande e bonita, com pequenos lagos em volta, que pareciam formar um colar estranho com a luz do sol. Reparou que havia uma bandeira hasteada, isso significava, que o Marquês estava em casa.
«Por que será que ele voltou?», pensou Lucretia. Talvez fosse dar uma de suas alegres festas, que causavam invariavelmente os mais maldosos mexericos no condado. Principalmente, porque ninguém de lá era convidado.
Andou mais uns duzentos metros e entrou na pequena estrada que levava a Dower House.
Dower House tinha sido construída durante o reinado de Carlos II e, embora não fosse tão imponente como Merlyncourt, era também uma bonita mansão. No alto dos portões estavam gravados leões heráldicos e, na parede da casa, podia-se ver o mesmo brasão de Merlyn.
As reformas e melhorias que o pai de Lucretia tinha feito dobraram o tamanho da casa e a tomaram muito confortável e excecionalmente luxuosa.
A moça desceu do coche em frente da porta principal e deu as rédeas para um dos criados.
—Obrigada, Gerrie.
—Vai montar a cavalo esta tarde, senhorita?
—Acho que sim. Traga os cavalos por volta das duas horas.
—Muito bem.
O criado fez uma pequena reverência e outro apareceu para ajudar Lucretia a subir os degraus. Entrou no hall onde uma magnífica escada de carvalho contrastava com uma lareira em mármore.
—Sir Joshua está na biblioteca, senhorita— disse o mordomo.
Lucretia encontrou o pai sentado à escrivaninha.
Levantou assim que a viu entrar e Lucretia deu-lhe um beijo carinhoso.
—Comprou o cavalo que queria?— perguntou ela.
—Comprei três. Acho que você vai gostar. Um deles é um campeão.
—Se você ganhar mais corridas, o Jockey Club vai acabar convidando-o a se retirar do turfe. Você tem tanto sucesso, papai!
—Costumo dizer que o sucesso que obtenho em tudo que faço é unicamente fruto do cuidado com que planejo e organizo as coisas.
Enquanto falava, foi para junto da janela. Era um homem muito atraente e cheio de personalidade. O cabelo que começava a ficar grisalho dava-lhe um ar distinto que nunca teve na juventude. Vestia-se muito bem, e tudo nele transpirava sucesso e prosperidade, embora não fizesse alarde disso e só tentasse mostrar seu bom gosto.
—Quero falar com você, Lucretia.
—Aconteceu alguma coisa? O que foi?
Era tão ligada ao pai desde a morte da mãe, que conhecia a menor entoação de sua voz e todas as expressões de seu rosto.
Tirou o casaco e colocou-o cuidadosamente em cima de uma cadeira, soltou as fitas de seda que seguravam o pequeno chapéu e foi para junto do pai.
—Você é muito bonita, Lucretia, e, como sabe muito bem, sempre quis para você tudo que há de melhor.
—Você sempre me deu tudo.
—Pelo menos, tentei. E agora, acredito que algo que planejei para você há muito tempo está prestes a se concretizar.
—Planejou para mim? O que é?
—Seu casamento!
Lucretia ficou quieta, olhando para ele. Depois repetiu, incrédula:
—Disse... meu casamento?
—Sim, disse. Sente, Lucretia, quero lhe falar sobre isso.
Ela obedeceu, automaticamente, e ficou olhando para o pai, intrigada. Seus olhos estavam muito abertos e surpresos, como se ele tivesse acabado de pronunciar as últimas palavras que esperava ouvir.
Sir Joshua pareceu hesitar um pouco.
—Lembra que, quando comprei esta casa, há quatro anos, você e sua mãe ficaram muito admiradas por eu ter escolhido um pequeno lugar como este no campo, quando podia muito bem comprar alguma coisa bem maior e mais imponente?
—Sim, lembro de mamãe ter comentado esse assunto. Lembro também que você disse que gostaria muito de morar aqui, mas nunca nos disse por quê.
—Escolhi esta casa porque ela pertencia a Merlyncourt.
—E o antigo Marquês gostava muito de você, papai?
—Ele gostava muito daquilo que eu podia lhe dar. Era um jogador, Lucretia, e todos os jogadores precisam de amigos ricos.
—Quer dizer que você lhe dava dinheiro?
—Emprestava— corrigiu Sir Joshua.
—Então, foi assim que o convenceu a vender esta casa e a terra que durante tantas gerações pertenceu à família dele?
—Sim, foi assim que consegui. Também incluí no trato, dois cavalos meus que o Marquês queria muito. Um deles, você deve lembrar, ganhou o Derby e o outro teve ótimo desempenho em Newmarket. Teriam feito ainda mais, se o dono não os tivesse vendido.
—Mas por que fez tudo isso, papai?
—Porque, minha querida, eu queria que você se tornasse a Marquesa de Merlyn.
—Quer que eu case com o atual Marquês?
—É um jovem muito agradável. Tem muita classe e posição que eu queria para a minha filha. Além disso, todos gostam dele, o que também é muito importante.
Lucretia desviou o olhar para o jardim.
—Não posso acreditar, papai, que você planejou tudo isso quando eu tinha apenas catorze anos.
—Catorze anos, sim, mas sempre a minha única filha. A pessoa que, depois de sua mãe, eu mais amo neste mundo.
—Mas como é possível que se escolha um marido para alguém, pelo muito que se ame essa pessoa? Primeiro, eu posso não gostar do Marquês, que nunca sequer vi; depois, estou convencida, papai, de que ele não tem a menor vontade de casar comigo.
—É aí que se engana. Tenho sido esperto, muito esperto, Lucretia!
Falou com uma satisfação infantil que ela conhecia muito bem. Uma das coisas que mais a enterneciam no pai era que não conseguia resistir a se gabar um pouco daquilo que conseguia. Ficava ansioso pela aprovação da filha, sempre que fechava um bom negócio, descobria uma antiguidade para a casa ou que um dos planos que arquitetava meticulosamente dava certo!
Lucretia não conseguiu deixar de sorrir, ao dizer:
—O que foi que você andou fazendo, papai?
—Quando resolvi que você devia casar com o Marquês, sabia muito bem que seria difícil. Ele tem reputação de conquistador e frequenta a sofisticada sociedade que gravita em torno de Carlton House. Uma sociedade que não receberia de bom grado uma garotinha de sua idade!
—Já me disseram isso— murmurou Lucretia, lembrando da conversa que acabava de ter com Elizabeth.
—Sabia muito bem que, se quisesse que o Marquês andasse atrás de você, teria que jogar as cartas com muito cuidado.
—Que cartas?
—Eu tinha dois trunfos— respondeu Sir Joshua, com um olhar maroto—, o primeiro era dinheiro e o segundo era Jeremy Rooke!
—Jeremy Rooke? O que ele tem a ver com tudo isso?
Sir Joshua riu. Foi uma risada de garoto travesso.
—Fiz com que a sociedade e o próprio Marquês acreditassem que você está prestes a anunciar seu noivado com ele.
—Elizabeth me disse, esta manhã, que as pessoas estão falando sobre nós! Papai, como pôde fazer uma coisa tão inacreditável? Sabe que eu preferiria morrer, a casar com Jeremy Rooke!
—E eu preferiria vê-la dentro de um caixão do que casada com aquele porco!
Lucretia olhava para o pai, completamente desconcertada. Ele continuou:
—Mas o que você e eu sentimos a respeito de Rooke não é nada, comparado com o que sente a própria família dele. Sei que o Marquês já pagou as dívidas do primo dúzias de vezes! E sei também que a Condessa de Brora não quer nem ouvir falar o nome dele! Nenhum parente tem uma palavra agradável a seu respeito.
Fez uma pausa e terminou, triunfante:
—É por isso, minha querida, que a ideia de ele vir a ser o senhor de Dower House é insuportável para todos eles!
—Então acredita que para salvar a propriedade de Jeremy Rooke, o Marquês vai me pedir em casamento?— gritou Lucretia—, papai, essa é a ideia mais absurda que já ouvi em toda a minha vida.
—Não é tão absurda assim, porque, há apenas meia hora, recebi uma carta do Marquês. Pede para nos encontrarmos para tratar de um assunto que interessa profundamente a nós dois.
—Ele disse isso?
—Escreveu. Já pensou, Lucretia, que é a primeira vez que ele dá sinal de saber da minha existência?— riu—, ora, eu sabia muito bem o que estava fazendo, quando tentava convencer o velho Marquês. Ele me devia muito dinheiro e, como haveria de precisar de ainda mais, o único jeito de pagar era me deixar ficar com a casa e os quinhentos acres! Para a família Rooke, isto tudo é sagrado, e devem ter ficado furiosos.
—E você não se importou com isso?
—Sabia que não teria nenhuma consequência. Eu estava aqui, era o dono, estava praticamente com um pé na porta! Por mais que o atual Marquês possa ter feito para me evitar, não conseguia esquecer que eu existia. Assim, quando conheci Jeremy Rooke, percebi que o destino o havia colocado em minhas mãos.
—Imagino que ele também quis dinheiro— comentou Lucretia sarcástica.
—Não só queria, como estava desesperadamente precisando! Mas eu não me excedi em generosidade. Um pouco aqui, um pouco ali, mas a isca principal com que eu lhe acenava era a hipótese de casar com minha única filha, que receberia um esplêndido dote ao casar e toda a minha fortuna, quando eu morresse.
—Continue— disse Lucretia, bem devagar e muito pálida.
—Sabia que essa ideia ia horrorizar o Marquês e a família. Como vê, Lucretia, eu estava avaliando corretamente a situação. O Marquês veio me procurar! Vou estar com ele esta tarde, e aposto o que você quiser como pedirá sua mão em casamento.
Lucretia levantou e foi até a lareira, ficando de costas para o pai. Não disse nada. Passado um momento, ele perguntou:
—Está zangada comigo, filha?
—Odeio pensar que estou sendo usada. Manipulada talvez seja a palavra mais correta. Repugna-me a ideia de casar com um homem que quer o meu dinheiro, a minha casa, mas que não está nem um pouco interessado em mim.
—E acredita que algum homem pode realmente separar você de tudo quanto possui?
Respondeu, triste:
—Acha mesmo, papai, que nenhum homem poderia... me amar... apenas por mim mesma?
—Acho que muitos homens vão amá-la, minha querida. Mas tem que lembrar que, mesmo sendo rico como sou e sua mãe sendo nobre por nascimento, nós ainda não conseguimos entrar na sociedade onde a quero ver brilhar! Você ainda é muito jovem, e o passaporte da maioria das mulheres para a sociedade é, inevitavelmente, o casamento.
—Eu... gostaria... de me apaixonar— disse Lucretia, baixinho.
—Isso é o que todos os seres humanos querem. Mas acha que poderá amar algum dos homens que conhece? Já reparei que você recusa muitos pretendentes. Alguns deles vieram pedir minha interferência e sei que nenhum deles estava realmente preocupado com você.
—E o Marquês? Pensa que ele cairá na armadilha que você armou?
—Já caiu! Ou ele aceita que o primo que odeia e despreza venha morar aqui e possua parte de Merlyncourt, ou evita isso, o que só consegue casando com você.
—Mas ele... nunca me viu.
—E nunca tentaria ver, se eu não tomasse a iniciativa. Esperava que o acaso nos pusesse em contato com o Marquês, ou talvez com a irmã, enquanto moravam aqui. Mas, assim que o velho Marquês morreu, percebi que eles me evitavam. Consideravam uma ofensa eu ter dado o dinheiro de que o pai precisava tanto, e o fato de ter obtido a propriedade em troca disso ainda aumentou mais o meu crime.
—Foi uma atitude muito pouco elegante da parte deles— disse Lucretia, irritada.
—Não, não foi. Compreendo perfeitamente o ponto de vista deles. Aprendi a não esperar gratidão de ninguém, e você sabe muito bem que as pessoas não gostam dos muito ricos. Apenas os invejam ou bajulam.
—Que cinismo, papai.
—É a maneira mais sensata de encarar os fatos. É por isso que lhe peço, como uma moça inteligente que é, que os aceite. Pode continuar como é, sendo assediada pela plebe do condado, esperando que a qualquer momento apareça o príncipe encantado que a convença de que está apenas interessado em seu rosto bonito, e não na fortuna que possui!— a voz de Sir Joshua endureceu—, mas espero que seja bastante esperta para analisar sua situação imparcialmente e perceber que merece coisa melhor!
—E acha que vou admirar e considerar o Marquês?
—Estou certo disso! Primeiro, porque foi um aluno brilhante em Oxford; segundo, porque ouvi os elogios que o Comandante do seu regimento e Lorde Wellington lhe fizeram. O Príncipe de Gales, que não é nenhum bobo no que se refere a arte e cultura, tem o Marquês no maior apreço; tanto quanto a Charles James Fox. Isso é muito significativo, Lucretia! Os homens inteligentes, procuram a companhia de iguais!
—Você está pintando um quadro muito atraente, papai— disse Lucretia, com um tom de ironia.
—Quando vir o Marquês esta tarde, saberá que não estou exagerando.
—Você está convencido de que vou aceitar esse plano ultrajante! E se ele não quiser casar comigo?
—Nesse caso, não forçarei mais nada, prometo. Mas ele vai querer, sim.
Lucretia olhou para o jardim. O sol de abril estava encoberto momentaneamente por nuvens. Parecia que ia chover, e um vento forte espalhava por todo lado flores das amendoeiras que circundavam o gramado.
No céu cinzento apareceu subitamente uma revoada de pombas brancas que pousaram no telhado da casa. Formaram um quadro de uma beleza estranha, que Lucretia interpretou como uma mensagem simbólica.
Lentamente como se fossem forçadas, as palavras saíram de seus lábios:
—Muito bem papai, concordo com o que... sugeriu. Mas não estarei aqui esta tarde. Vou para Londres.
—Para Londres?
—Sim, papai. Quero comprar algumas roupas para ficar o melhor possível, antes de encontrar o Marquês. Você entende?
O pai olhou para ela, um pouco intrigado.
—Acha que é sensato, Lucretia?
—Acho que o que vou fazer é muito sensato. Vai confiar em mim, papai, como eu... confio em você?
Ele sorriu, com os olhos cheios de ternura.
—Você é tudo que tenho para amar no mundo inteiro. E estou grato por confiar em mim no momento mais importante de sua vida.
Lucretia deu um profundo suspiro.
—Diga ao... Marquês que estou muito honrada por ele ter me escolhido. Combine o casamento para a última semana de maio e assegure-se de que ele não tente me ver antes de eu voltar.
Sir Joshua levantou.
—O que está pretendendo fazer, Lucretia?
—Não deve fazer perguntas, papai! Mais tarde, conto-lhe o meu segredo. Na verdade, só você poderá ficar sabendo. Mas não tenho a menor intenção de deixar que o Marquês me veja como sou agora.
—Por quê? O que significa tudo isso?
Lucretia deu um beijo no rosto do pai.
—Vai saber, quando chegar a hora. Por favor, faça o que eu disse.
Antes que o pai pudesse dizer alguma coisa, ela saiu da biblioteca e ele ouviu sua voz pedindo que trouxessem a carruagem para a porta da frente.
Uma vez no quarto, Lucretia não chamou a criada imediatamente. Ficou se olhando no espelho como se fosse para uma estranha, reparando primeiro nos grandes olhos que pareciam brilhar mais do que de costume; traduzindo uma excitação especial. Eram uns olhos muito bonitos. Um par de olhos azuis irlandeses. Não um azul-pálido e transparente, mas escuro e tempestuoso, como o mar, antes de um temporal.
O cabelo de Lucretia era negro, emoldurando o rosto oval, muito bonito, com um nariz pequeno e uma boca doce e carnuda. Mesmo assim, ela olhava para o espelho, aflita, pensando na preferência do Marquês por mulheres sofisticadas como a Duquesa de Devonshire e Lady Hester Standish.
Era compreensível que, vivendo ao lado de Merlyncourt, tivesse ouvido todos os mexericos sobre o mais falado, bonito e disputado jovem da alta sociedade. E agora sabia, instintivamente, quase inconscientemente, que sempre havia suspeitado das maquinações do pai.
Lembrava de ter sentido uma enorme curiosidade sobre o Marquês, desde o primeiro momento em que pisou em Dower House e viu os telhados de Merlyncourt despontando através das árvores.
Tinha ido sozinha muitas vezes para o bosque que ficava atrás da casa, onde, de seu posto de «vigia», como chamava, podia ver Merlyncourt em todo seu esplendor. Toda aquela beleza a deixava encantada e sentia que, de uma maneira qualquer que não sabia definir, iria significar muito em sua vida.
O Marquês tinha saído de casa para se alistar em seu regimento, o que não impedia as pessoas de pararem de falar dele. Os empregados da casa, os trabalhadores do campo, todos comentavam o jovem patrão, até que, com a morte do pai, passaram a tratá-lo apenas por patrão.
Lucretia tinha ouvido contar suas travessuras quando criança, suas escapadas de adolescente e seus casos de amor. Como era muito curiosa, incentivava sempre os mexeriqueiros para lhe contarem mais. Soube que a Sra. Munns, a governanta de Merlyncourt, estava praticamente inválida com reumatismo e conseguiu que a mãe lhe desse autorização para levar lá algumas ervas especiais.
Depois que Lady Mary morreu, a Sra. Munns achou que era uma obra de caridade deixar que a órfã viesse frequentemente conversar em Merlyncourt. Nunca saberia as vezes sem conta que Lucretia tinha inventado uma desculpa qualquer para ir lá pedir-lhe conselhos, e assim poder conversar sobre o Marquês e saber as últimas novidades sobre ele.
Havia também outras pessoas que serviam de fonte de informação.
Alguns jovens tinham-se encontrado com ele em Londres, e faziam comentários velados sobre seus casos de amor. Lucretia ficou sabendo que Lady Hester Standish andava atrás do Marquês, praticamente ao mesmo tempo que ele. Assim que se tornaram amantes, a notícia se espalhou rapidamente pelo condado.
Lady Hester era há muito tempo assunto de críticas e desaprovações. Mas ninguém questionava sua beleza.
—A criatura mais adorável que os meus olhos jamais viram!— Lucretia tinha ouvido o Conde de Munster comentar um dia, ao almoço.
—Seu comportamento é uma vergonha— rebateu a Condessa, imediatamente.
—O que você esperava, com todos os homens de St. James correndo atrás dela e a adulando?
A esposa torceu o nariz, e ele continuou:
—Mesmo na minha idade, não consigo deixar de invejar o jovem Merlyn!
—Francamente, Robert, falar assim em frente das meninas!
—Desculpe, minha cara, desculpe!
Lucretia tinha presenciado tudo com os olhos baixos, mas agora, olhando-se no espelho, constatava que era exatamente o oposto da tão falada Lady Hester.
Como é que iria competir com o louro platinado e a alva perfeição da maioria das beldades inglesas, se seus cabelos eram negros e seus olhos tinham a escuridão de uma tempestade?
—Não terei a menor chance— murmurou, desanimada.
De repente, orgulho e determinação fizeram com que levantasse o queixo e resolvesse não desistir facilmente. Não ia sucumbir sem luta.
Foi até a janela. Ao longe, podia ver as chaminés de Merlyncourt por cima das árvores.
Ele estava lá! Tinha voltado para casa e, se seu pai tinha razão, viria pedir sua mão em casamento!
«Tenho que conquistá-lo!», disse a si mesma. «Posso não ser o tipo de beleza que ele gosta, posso não ser sofisticada, mas tenho uma coisa que talvez falte a todas as outras: inteligência!»
Afastou-se da janela e tocou a campainha, chamando a criada.
—Ponha na mala meia dúzia de vestidos. Não preciso de muitos, porque vou fazer compras; só o suficiente para os primeiros dias que estiver em Londres. Vamos embora já! Imediatamente!
—Agora, senhorita? Mas eu preciso de um certo tempo!
—Não há tempo para discussões. Peça a alguém que a ajude e vá fazer suas malas. Vamos para Londres, Rose, e será uma viagem muito importante! Talvez, a mais importante que já fiz.