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CAPÍTULO I ~ 1816
ОглавлениеO homem, montado em um magnífico puro-sangue negro, percorria a estrada coberta pela vegetação crescida, evitando os galhos que haviam caído dos carvalhos existentes à margem dela.
Cruzou a ponte de pedra construída sobre o lago e avançou para o pátio, onde os pedregulhos estavam quase cobertos pelo musgo e pelas ervas.
Deteve o seu cavalo e permaneceu olhando para o grande timbre que encimava a porta antiga. Por um momento fixou-se nele, como que olhando para o passado, para a história daqueles a quem ele tinha pertencido.
Então, desviou os olhos para as janelas sem vidros, para os tijolos que precisavam de reparos e para a ornamentação de pedra quebrada.
Lentamente, voltando sua cabeça para cima, notou que a balaustrada do teto estava danificada em vários lugares.
Suspirou e, desmontando, bateu ligeiramente no pescoço de seu cavalo, dizendo:
—Vá e ache alguma grama, Salamanca, mas não se distancie muito!
O cavalo pareceu entender o que fora dito pelo homem e atravessou o pátio, em direção às gramas altas que cobriam o que antigamente fora um gramado bem cuidado.
O dono ficou a olhá-lo. Depois, percebendo que era impossível entrar no castelo pela porta dianteira, deu a volta à construção, pelo lado que levava aos estábulos, à frente, e, à esquerda, para a entrada de serviço.
Viu que os loureiros e outros arbustos, em outros tempos, tinham sido bem cuidados e aparados.
Não havia sinal algum de vida e, a princípio, ele achou que a casa estivesse deserta. Então, circundando os arbustos, viu que a porta de trás estava entreaberta, e entrou.
Em frente dele havia um grande corredor em decadência, e à sua direita, uma leiteria.
Notou que as grandes lajes de mármore, onde antigamente se depositavam imensos potes de creme, estavam vazias, continuou caminhando, até chegar, primeiramente, à copa, e depois, à cozinha.
Lembrava-se de quando os presuntos pendiam das vigas e do fogão repleto de panelas e potes de latão.
A Sra. Briggs, que cozinhava para seu pai e era conhecida pela excelência de seus assados, estaria ocupada à mesa de cozinha impecavelmente lavada com escovão, com ao menos três criadas a seu lado, além de uma multidão de ajudantes.
Agora, notava que a grande cozinha estava tão vazia quanto a leiteria. Então, sentada a um canto, ele viu uma mulherzinha grisalha, que descascava algumas ervilhas, colocando-as em uma bacia que segurava no colo.
Por um momento, ficou a fixá-la incredulamente; depois, quando ela olhou em sua direção, ele se adiantou e disse:
—Sra. Briggs! É a Sra. Briggs?
A velha senhora olhou para ele com dificuldade. Então, exclamou:
—Master Tyson! Eu reconheceria sua voz em qualquer lugar!
Tentou levantar-se, mas Tyson Dale colocou a mão no ombro dela,
dizendo:
—Não, não se mova. É bonito vê-la assim. Tinha muito medo de que não estivesse mais aqui!
—Oh, estou aqui master Tyson, e é uma alegria vê-lo, depois de tantos anos!
—Treze, para ser exato!— disse Tyson Dale.
Apanhou uma cadeira e sentou-se ao lado dela, pensando, ao fazê-lo, que a Sra. Briggs deveria estar por volta dos oitenta anos, pois já era velha quando ele deixara a Inglaterra para ir à India, treze anos atrás.
—Como tem passado, master Tyson?— perguntou, convencionalmente, a velha senhora.
—Bem— respondeu Tyson Dale—, mas agora a guerra acabou e o Exército não precisa mais de soldados; portanto, voltei para casa.
A Sra. Briggs pareceu espantada.
—O senhor pretende morar aqui, master Tyson?
—Não tenho outro lugar para ir.
A Sra. Briggs balançou a cabeça.
—Não é muito confortável para o senhor. Eu e Briggs fazemos o possível, mas um castelo grande como este é muito para duas pessoas idosas!
—Não há ninguém para ajudá-los?
—Depois que seu pai morreu, master Tyson, não sobrou dinheiro para pagar a mais ninguém. Nós ficamos porque não tínhamos para onde ir.
Os lábios de Tyson Dale tremeram.
—O que aconteceu com o dinheiro de meu pai? Ele deve ter deixado algum!
—Como podemos saber, master Tyson?— perguntou a Sra. Briggs—, tudo o que nos disseram foi que a casa seria sua, se o senhor voltasse da terrível guerra, e, depois disso, ninguém mais apareceu.
—Como conseguiram manter-se?— perguntou Tyson Dale.
—Eu e Briggs tínhamos algumas economias, mas não eram muitas, e neste último ano foi difícil conseguirmos alguma coisa!
Tyson Dale enfiou a mão no bolso.
—Tentarei compensá-la por isto — disse ele —, mas, francamente, não será fácil. Aqui estão, ao menos, alguns soberanos. Talvez consiga alguma comida para mim.
A Sra. Briggs olhou para os soberanos de ouro, incredulamente, duvidando que fossem verdadeiros.
A seguir, fechando a mão com eles dentro, ela disse:
—Vou preparar o quarto de seu pai para o senhor. É onde deve dormir, agora que é o patrão, e agradeça aos deuses de não haver nada de errado com o teto lá.
Tyson Dale ia perguntar o que ela queria dizer, quando intuiu a resposta. Naturalmente, com a decadência da casa e a ausência de reparos.
o teto começara a desabar com a humidade. Sem mesmo perguntar, ele se deu conta de que todo o teto estava imprestável.
Ao sair da cozinha, verificou que havia poeira e teias de aranha por toda a parte. Não tinha a quem culpar, a não ser a si próprio, mas não havia nada que pudesse fazer quanto a isso.
Ele retornara da índia e estivera lutando com o Exército de Wellington, em Portugal, quando recebera uma carta com muito atraso, relatando a morte de seu pai.
Somente um ano mais tarde foi que ficara sabendo que, como os procuradores não tinham conseguido reunir qualquer documento provando o casamento de seu pai, seu tio reivindicara a posição de herdeiro presuntivo de seu avô, lorde Wellingdale.
Um ano mais tarde lera, por acaso, uma nota no The Morning Post a respeito da morte do avô, sendo que seu tio, irmão mais moço de seu pai, fora investido no título de sexto lorde Wellingdale.
Na época, Tyson Dale não deu muita importância ao fato. Estava mais preocupado em lutar contra Napoleão. A Inglaterra e os problemas da vida social pareciam-lhe pequenos demais e muito distantes.
Somente ao retornar à triunfante Inglaterra, que derrotara o maior tirano da Europa, é que começara a se perguntar o que lhe aconteceria no futuro.
Parecia incrível que a Grã-Bretanha tivesse conseguido derrotar, ao contrário de todas as expectativas, um Estado marcial que, no início da guerra, possuía uma população três vezes superior à sua.
A despeito da maioria da Europa ter sido mobilizada contra o país que Napoleão chamava sarcásticamente de “terra de pequenos comerciantes”, eles tinham conseguido destruir todo o seu poder.
Mas enquanto que as comunicações, a tonelagem mercante e as conquistas por todo o mundo tinham criado para a Inglaterra um rico e poderoso império, Tyson Dale tinha que encarar o fato de muitos daqueles que eram os verdadeiros responsáveis por esse enriquecimento estarem na miséria.
Como sempre acontecia depois das guerras, os homens que tinham sido aclamados heróis nos campos de batalha precisavam voltar à vida civil, e a maioria deles sem qualquer pensão.
Não havia recompensas por terem arriscado suas vidas, mas também por terem abandonado seus ofícios, suas economias e, em muitos casos, suas esposas, seus lares e suas famílias.
Tyson Dale, ao menos, não tinha com quem se preocupar, a não ser consigo mesmo!
Ao mesmo tempo, dera-se conta, ao desembarcar em Dover, que seus únicos pertences eram seu uniforme e seu cavalo, Salamanca.
Pelo menos tenho Revel Royal!, pensava ele.
—Revel Royal! — exclamou ele, amargamente, enquanto caminhava pelo corredor—, não há nada de real nisto aqui, agora!
A casa tinha sido deixada para seu pai não pelos Dale, que a tinham reivindicado, assim como ao título e às propriedades de seu avô, mas pela mãe dele, que era uma Osborne.
Ela queria que seu filho mais velho, Hubert, se sentisse independente do pai. Por isso, transmitiu a ele a casa que herdara, mas, infelizmente, o dinheiro não pudera ser repartido.
Tyson Dale, no entanto, sabia que seu pai, quando era jovem, tinha recebido mesada de seu avô, o que lhe permitiu, de uma forma ou de outra, constituir uma pequena fortuna, podendo, assim, fazer o que bem entendesse.
Para fúria da família, ao invés de se casar com a moça que haviam escolhido para ele, seu pai fugira com a bonita filha do pastor local, que, na época, ainda era muito jovem e necessitava da autorização paterna para se casar.
Como essa autorização não foi dada, Hubert Dale e Mary Dawson simplesmente desapareceram.
A despeito de todas as buscas que foram feitas, de um lado por lorde Wellingdale, que estava furioso, e de outro pelo reverendo Dawson, porque foi obrigado a isso, eles não reapareceram, até que Mary tivesse completado vinte e um anos.
Aí, então, eles se dirigiram a Revel Royal e passaram a viver lá, anunciando que eram marido e mulher e que tinham um filho de dois anos, chamado Tyson.
Lorde Wellingdale não se mostrou interessado. Era um homem obstinado, que odiava qualquer tipo de opinião contrária à sua, e que desejava que seus filhos o obedecessem como soldados a um Comandante.
Seu segundo filho, George, era mais flexível e achava que o irmão era um tolo em desprezar todos os confortos do lar, e em ignorar as vantagens de se casar com alguém que seria aceito pela Rainha e pelo Rei e por aqueles que faziam a corte de Londres. Essa era a sua perspectiva! George casou-se com uma mulher totalmente aceita pelo pai, e que era uma herdeira de pleno direito!
Lady Edith Dale não tinha desejo algum de travar relações com a filha de um pastor, mesmo sendo sua cunhada, e George sempre tivera ciúmes de seu irmão.
Tyson não conseguia se lembrar nem de seu tio, nem de sua tia ou de seu avô. Além disso, seu pai sempre se referira a eles com amargura.
A mãe de Tyson, no entanto, sentia-se muito feliz em estar distante deles.
Ela amava o homem com quem fugira com tal devoção que transformara a vida em Revel Royal em uma grande alegria, não só para seu marido, como também para seu filho.
Olhando para o passado, para quando era uma criança, Tyson não podia se dar conta de um só momento em que se sentira solitário, ou que sentira falta de companhia de outras crianças.
Sempre tivera muitas coisas para fazer, cavalos para montar, jogos, pesca no lago, árvores para subir, e um pai que discutia com ele todos os problemas e êxitos da pequena propriedade rural. Tudo isso fazia com que se sentisse muito feliz naquele mundo. Entrara para o Exército porque desejava ampliar seus horizontes, e tinha se tornado um soldado excepcional porque aprendera a comandar homens.
Conversava com aqueles que serviam sob suas ordens como seu pai tratava os empregados; e eles o obedeciam e estavam prontos a lutar e a morrer por ele.
Ao saber da notícia da morte do pai, e que seu tio se nomeara herdeiro presuntivo, Tyson achara que seria fácil, ao retornar, provar que seus pais tinham se casado. Nesse caso, ele teria o direito a ser o herdeiro de seu avô.
No entanto, fora-lhe impossível regressar imediatamente para a Inglaterra, para resolver o que considerava ser um problema trivial, frente à luta contra Napoleão Bonaparte. Mas escrevera ao procurador de seu pai, um homem que o conhecera por toda a vida, pedindo-lhe que procurasse os dados particulares da cerimônia, e indagasse de sua mãe onde o casamento, se realizara.
Alguns meses depois, ficara sabendo que sua carta fora recebida após a morte de sua mãe e, embora tenha sido feita uma busca em Revel Royal, não havia qualquer documento que provasse ter sido o casamento realizado ou que ele, Tyson, tivesse nascido de vínculo conjugal.
Tyson Dale considerara toda a situação ridícula, sem perceber a seriedade daquilo, até ler nos jornais que seu tio se tornara o sexto lorde Wellingdale.
Isso dava o direito a seu primo Manfred de se tornar o Honorável, enquanto que ele, Tyson, não poderia assumir, mesmo sendo o nome Dale legalmente seu.
—Resolverei isso tudo quando voltar para casa— dissera, com otimismo.
Mas agora, olhando para toda a decadência que o rodeava, deu-se conta de que tal luta lhe custaria muito dinheiro.
Além disso, não poderia custear as despesas com um procurador.
A biblioteca do castelo pareceu-lhe menor do que em suas lembranças, mas ainda era uma peça bonita.
As brilhantes encadernações de couro dos livros há muito tinham desbotado e escurecido com a poeira. O pó obscurecia as cores das pinturas do teto e havia muitas vidraças cujos vidros quebrados tinham sido substituídos por trapos, de tal forma que o sol filtrava-se timidamente para dentro da sala.
Tinham se transcorrido dez anos desde a morte de seu pai, e muita coisa deveria ter acontecido nesse intervalo.
No andar superior, as coisas estavam mais próximas de suas lembranças.
As amplas camas de quatro colunas não tinham sido trocadas. Estavam em Revel Royal, segundo a lenda, desde que a casa recebera esse nome de Charles II, que ali passara um fim de semana luxuriante, em companhia de belas mulheres.
Antes de partir, o Rei dissera ao seu anfitrião, sir Thomas Osborne, que, como se divertira imensamente, a casa deveria passar a ser conhecida como Revel Royal, orgia real.
A aparência surrada e gasta de agora era um simples arremedo da grandeza e do encanto que possuíra então.
Tyson Dale continuou a caminhar, ouvindo estalos sob seus pés, vendo por toda a parte o reboco caído ou o papel de parede despregado, esperando, a qualquer momento, que o teto desabasse.
Os corredores estavam quase que intransitáveis e, ao descer por uma
escada, cujo corrimão se mostrava parcialmente destruído, indagou-se sobre que faria com a casa e consigo mesmo.
O Exército dera-lhe autoconfiança. Era impossível comandar um certo número de homens sem assumir uma autoridade que, rapidamente, tornava-se habitual.
Agora, pela primeira vez em muitos anos, Tyson Dale sentia-se incerto e inseguro, e essas eram sensações das quais não gostava.
As sombras do começo da noite principiavam a descer lá fora e o velho Briggs, que fora o mordomo de seu pai, apareceu arrastando os pés no salão, que parecia estar mais desgastado e empoeirado que todos os outros cômodos da casa.
Era ali que sua mãe sempre ficava, e Tyson podia se lembrar de que, quando era muito criança, descia excitadamente as escadas, à frente de sua babá, porque era hora de sua mãe brincar com ele, e ela estaria esperando ali no salão.
As janelas davam para um jardim de rosas que tinha sido o especial prazer dela, com o relógio de sol trazendo a inscrição que ele ajudara a montar laboriosamente, quando ainda era bem pequeno:
«Colha as rosas em maio, o velho tempo não tem pressa».
Isso era verdade, pensava agora, e imaginava se teriam havido outras rosas que poderia ter colhido ainda jovem, embora muitas delas permanecessem em sua lembrança, sem que ninguém conseguisse tirá-las de lá.
Sempre que se encontrava acampado em algum lugar inóspito, ou aquartelado em alguma casa portuguesa, sua mente se voltava para Revel Royal.
Sentia-se, então, transportado para um mundo que amara enquanto criança, e no qual se esquecia da guerra e dos desconfortos dela.
Conseguia lembrar-se claramente da primeira perdiz que caçara, e de como entrara triunfalmente na cozinha, para mostrá-la à Sra. Briggs.
—Eu a cozinharei para o seu jantar, master Tyson— dissera-lhe ela, alegremente.
—Não. A perdiz é para mamãe, mas espero que ela me dê um bocadinho!
—Tenho certeza que sim, e ficará muito orgulhosa em saber que o senhorzinho é tão bom caçador quanto seu pai.
Havia também lembranças dos campos de feno, quando ele brincava entre os montes. Lembranças, também, de quando tudo ficava branco de neve, e de quando o carpinteiro da propriedade lhe fizera um trenó, com o qual deslizava triunfalmente pelas encostas. Havia muitas outras recordações.
Tyson sempre acreditava que, quando acabasse a guerra, voltaria a Revel Royal e encontraria tudo como deixara.
—Por onde começar?— perguntava-se agora, quando ouviu o Sr. Briggs dizer:
—O seu jantar está pronto, sir.
Assim que se voltou, Briggs completou, com um tom diferente na voz:
—É muito bom vê-lo de volta, master Tyson.
Briggs parecia mais velho ainda que sua esposa, mas Tyson lembrou-se de que, na verdade, ambos tinham a mesma idade.
Ele também parecia ter emagrecido, mas achara sua antiga libre em algum lugar, e a vestira. Esta ficara frouxa em seu corpo franzino, mas para Tyson significava um gesto de boas-vindas que, naquele momento, aqueceu seu coração. Por um instante, saiu da escuridão e da incerteza de seus pensamentos.
Estendeu sua mão para o velho e leal criado.
—Sinto-me em casa, encontrando o senhor e a Sra. Briggs aqui. Não seria a mesma coisa sem vocês.
—As coisas não são mais as mesmas, master Tyson, mas talvez o senhor consiga arrumá-las novamente.
—Tentarei— respondeu Tyson Dale, sabendo, no entanto, que isso era uma promessa vã.
Ele precisava de dinheiro, mas onde o conseguiria?
Comeu a refeição simples que a Sra. Briggs lhe preparara e deixou de lado as desculpas do velho Briggs de que fariam melhor, se tivessem tido mais tempo.
Amanhã, disse Tyson a si mesmo, irei caçar algo e, ao menos, isso não nos custará nada.
Então, ficou pensando se ainda teriam cartuchos para as espingardas que vira penduradas, como sempre estiveram, na sala de armas, e se, na verdade, ainda haveria algo para se caçar.
Havia tanta coisa que não sabia, tanto a descobrir a respeito de sua casa que, embora não quisesse admitir, estava temeroso com o que viesse a saber.
Deveria ter voltado na época da morte de papai, pensou, quando terminava a refeição.
—A Dog and Duck ainda está lá?— perguntou, em voz alta.
—Sim, sir— respondeu Briggs—, mas mudou de dono. O Sr. Tug morreu há cinco anos, e agora a estalagem pertence a um homem chamado Finch.
—Vou procurar por ele— disse Tyson, com um sorriso—, mas não me demorarei. Não precisa esperar. Apenas deixe a porta da frente aberta.
—Farei isso, sir, e talvez o senhor queira empurrar o trinco quando voltar.
As trancas estão quebradas há muitos anos.
—Teremos que fazer muitos reparos, Briggs!
Tyson saiu da sala de jantar, onde sua refeição fora servida, e seguiu pelo corredor que conduzia ao vestíbulo.
Havia muitas pinturas dos ancestrais de sua mãe olhando para ele em meio às molduras douradas.
Nunca pensara neles como uma coleção particularmente interessante, mas subitamente sentiu-se dominado pela raiva ao se lembrar dos retratos dos Dale, muitos dos quais executados por grandes mestres, que se achavam agora em posse de seu tio!
—Maldição!— praguejou—, terei que arrumar um meio de lutar por meus direitos, mesmo que isso consuma toda a minha vida!
Ao falar, atravessou a porta da frente, batendo-a em razão de sua raiva. Depois, ficou apreensivo com a ideia de tê-la tirado fora de seu eixo, o que seria mais um reparo a fazer.
Desceu os degraus cobertos de mato, onde algumas flores coloridas brotavam entre as fendas das pedras, e assobiou para Salamanca.
Como que tendo se lembrado das ordens de seu dono, o cavalo não se afastara dali, e, naquele momento, apareceu trotando em direção a Tyson.
Tyson Dale o acariciou no pescoço.
—Teve uma boa tarde, rapaz?— perguntou ele—, bem, isto é tudo o que tenho! Quando voltarmos, iremos olhar os estábulos e ver se estão em condições de abrigá-lo!
Salamanca focinhou, como se tivesse entendido tudo o que fora dito, então, eles trotaram em direção à estrada que os conduziria ao vilarejo.
Era um alívio encontrar os chalés de palha com o mesmo aspecto de antes, a velha igreja normanda ainda em pé, e, a fila das Casas das Esmolas, que seu pai construíra, ainda intocada.
Achou que faltavam telhas e que as portas e os batentes das janelas
precisavam de pintura, mas, como não queria inspecionar mais detidamente, seguiu em frente, até alcançar o povoado.
Ali, ao menos, tudo estava como em sua lembrança.
O pequeno lago com os patos no centro, os antigos troncos de tortura que não eram usados há centenas de anos, e, do outro lado a Estalagem Dog, and Duck com seus bancos para fora, onde os velhos habitantes da cidadezinha se sentavam para mexericar horas a fio.
Era muito tarde para esses camaradas estarem lá, do lado de fora, mas Tyson podia ouvir suas vozes e risadas saindo por uma janela e achou que o bar da estalagem poderia estar repleto de velhos amigos.
Então, ao atras o portão ao lado da Dog and Duck, onde sabia poder encontrar um pequeno mas adequado estábulo para deixar Salamanca, quase perdeu a respiração de tanta surpresa!
Ali, certamente, as coisas tinham mudado, desde que ele partira! A Dog and Duck tinha sido aumentada nos fundos e a acanhada estalagem do vilarejo tinha se transformado em uma hospedaria.
A casa de dois andares deve conter agora muitos quartos, pensava Tyson, e do outro lado do pátio foram construídos estábulos novos.
Vários veículos estacionados no pátio vinham demonstrar-lhe que a transformação era real!
Os cavalariços, se é que os havia, deviam estar ocupados demais para atendê-lo e, assim, Tyson descobriu um estábulo vazio e ali alojou Salamanca.
Havia uma pequena mangedoura com alfafa fresca e alguma aveia, talvez deixadas por algum cavalo de dono rico, que estava saciado, e uma vasilha com água.
Tyson ouviu o barulho feito pelos cavalos alojados nos outros compartimentos e, quando caminhava através do pátio, passando pela porta da hospedaria que dava para o bar, achou improvável que encontrasse naquele lugar algum dos antigos aldeões que conhecera quando era criança.
Horas mais tarde, Tyson percebeu que, enquanto conversava com algumas pessoas e bebia a maior parte de uma excelente garrafa de clarete, não encontrara nenhum de seus amigos de infância e não aparecera ninguém para lhe dar as boas-vindas, como esperava que fosse acontecer.
O novo proprietário de Dog and Duck, o Sr. Finch, era bem diferente
do Sr. Tug, que não só tinha sido um dono de estalagem, como o principal mexeriqueiro da cidade!
Não havia nada que tivesse acontecido que o velho Tug não soubesse, e ele conseguia conversar sobre qualquer assunto horas a fio.
Finch, por outro lado, servira Tyson Dale sem demonstrar qualquer interesse por sua aparência, tratando-o somente como um freguês que gastaria algum dinheiro.
Como estivesse muito só e quisesse falar com alguém, Tyson Dale entabulou conversação com alguns homens que estavam se dirigindo às corridas, e dois outros que tinham acabado de retornar de uma luta, onde tinham ganho uma boa soma em dinheiro.
Teve que aceitar vários drinks que não queria, já que preferia aquele excelente clarete que, ao seu ver, devia ter sido contrabandeado através do canal.
Finalmente, quando o bar se esvaziou, e muitos daqueles com quem tinha ficado a beber subiram para seus quartos, Tyson Dale disse a si mesmo que era hora de voltar para casa.
Achava que agora que o proprietário estava menos ocupado, poderia dizer-lhe quem era, mas depois desistiu.
Poderia voltar um outro dia, quando, a Dog and Duck não estivesse tão cheia.
Além disso, estava cansado e a sua necessidade de conversa acabara.
Pagou o que devia e saiu para o pátio. Ao fazê-lo, percebeu que, para um dia inteiro em cima de uma sela e uma refeição frugal, bebera em demasia.
Usualmente, Tyson Dale era abstêmio.
Bebera os vinhos de Portugal e Espanha porque estes eram bons e saudáveis, e gostara também dos vinhos franceses. Mas sentia desprezo pelos bebedores contumazes, como aqueles que circundavam o regente, o qual, em sua juventude, havia sido retratado em muitas charges como Habitualmente bêbado.
«Ficarei sóbrio durante o trajeto até minha casa», pensou Tyson.
Abriu a porta do estábulo, e Salamanca virou a cabeça em sua direção.
Tyson ia dizer: “Espero que tenha tido uma boa refeição, meu velho, pois não sei quando será a próxima”, quando ouviu a voz de um cavalheiro que provinha do estábulo ao lado, perguntando:
—Você deu o bastante aos cocheiros, para mantê-los quietos nas próximas horas?
Tyson achou que era uma pergunta estranha e procurou ouvir a resposta.
—Não se preocupe, Excelência, eles dormirão pesadamente a noite inteira, e amanhã, quando acordarem, não saberão nem quem são.
—Isso é bom!— respondeu o cavalheiro, e eu coloquei a droga no vinho do velho casal também. Eles não serão problema.
Ouviu-se uma gargalhada e Tyson percebeu que havia três homens no compartimento ao lado.
—O que devemos fazer agora, Excelência?— falou o terceiro homem.
—Você vem comigo, Jake — respondeu o cavalheiro—, a fim de apanhar a bagagem da jovem dama, enquanto Bill coloca os cavalos nos varais da carruagem. Procure não deixar nada para trás. Estou levando tudo o que posso.
—Pode deixar— respondeu Jake.
—Então, siga-me— disse o mesmo cavalheiro —, e faça a sua parte, Bill. Tão logo eu traga a jovem, teremos que partir imediatamente.
—Sim, naturalmente, sir Neville— respondeu Bill.
Tyson ouviu o som das passadas de dois dos homens que se afastavam, seguidas pelas dos cavalos deixados no pátio.
Tyson Dale, soltando Salamanca, encaminhou-se para a porta, que ficara semi-aberta.
Um homem conduzia os cavalos, já equipados, em direção a uma carruagem fechada que estava no centro do pátio.
Isso não é de minha conta, pensou Tyson Dale.
Ao mesmo tempo, não gostava da ideia de um casal de velhos ter sido drogado.
Então, a ruga entre seus olhos se dissipou, quando chegou à conclusão de que tudo aquilo era um plano de fuga entre o cavalheiro e a jovem em questão.
Era muito romântico, embora se lembrasse de ter ouvido o cavalheiro dizer: “Procure não deixar nada para trás. Estou levando tudo o que posso!”.
Esse tipo de frase, não parecia muito amorosa.
Mas talvez a juventude tivesse mudado, desde que deixara a Inglaterra, e mais uma vez achou que isso não era de sua conta.
Mas, sentindo uma curiosidade irresistível, atravessou o pátio e entrou
pela porta que, sabia, tinha sido usada pelo cavalheiro e por Jake. Estava intrigado!
Além disso, não havia mal em ver o que estava acontecendo, e, certamente, a calma cidadezinha que nunca conhecera um escândalo, desde que ele era um menino, tinha mudado!
Caminhou lentamente, sabendo sem olhá-lo diretamente, que Bill não iria dar-se conta de sua presença, enquanto segurava os varais da carruagem.
Os animais pareciam bons e capazes de um bom trote; assim, o jovem casal não teria problema algum em deixar para trás quem eventualmente se dispusesse a persegui-lo.
Entrou na parte nova da construção e viu que tudo tinha sido planejado espaçosamente, com salas de jantar privadas, que davam para um amplo corredor e para uma escada a tapetada, que ligava ao andar superior.
Não havia sinal de ninguém no andar térreo e, calmamente, Tyson subiu as escadas.
Acabava de chegar ao topo delas, quando viu um homem que caminhava em sua direção, carregando uma pesada mala nas costas.
Rapidamente, postou-se na escuridão e Jake, pois não podia ser mais ninguém, passou por ele sem vê-lo, descendo as escadas cuidadosamente.
Tyson seguiu pelo corredor.
Viu uma luz que saía de uma das portas e parou junto a ela.
— Vamos, rápido!— ouviu a voz do cavalheiro dizer impacientemente.
—Como posso me trocar. . . com você me olhando?— sussurrou uma voz feminina.
—Eu já lhe disse que estou de olhos fechados — respondeu o cavalheiro.
— E se você não fizer como eu digo, acabará indo comigo assim como está.
—Você não ousaria! Eu não o permitirei! Como pode proceder dessa maneira. . . escandalosa?
—Já lhe disse que pretendo me casar com você! O que mais quer?
—Eu não me casarei com você! Você sabe que não o amo!
—Eu serei um ótimo marido, e você me agradecer por isso!
—Não quero me casar… com ninguém!— respondeu a moça, e Tyson pôde perceber que havia choro em sua voz.
—Rápido!— advertiu o cavalheiro—, e pare de falar. Juro que não esperarei muito mais!
A garota soltou uma exclamação, que parecia muito mais o lamento de um animal ferido, e Tyson surpreendeu-se involuntariamente cerrando seus punhos. Então, teve uma súbita ideia.
Rapidamente, voltou pelo corredor e, ao fazê-lo, percebeu que Jake estava ao pé das escadas. Teve tempo apenas de esconder-se novamente, antes que Jake passasse por ele.
Ouviu-se um murmúrio de vozes e, alguns minutos depois, o homem reapareceu, desta vez com outra peça grande da bagagem às costas e uma pequena caixa em suas mãos.
Desceu as escadas e saiu para o pátio. Tyson esperou no corredor e, quando Jake apareceu, ele o acertou com um soco no queixo, que o derrubou sem um murmúrio.
Era um homem grande e forte mas, apanhado pela surpresa, despencou como um carvalho.
Tyson abriu a porta do quarto mais próximo.
Era uma pequena sala de refeições privada, onde a nobreza preferia comer a sós, quando era obrigada a pousar em hospedarias.
Puxou Jake para dentro dela, fechou a pòrta, trancando-a, e subiu novamente as escadas.
Seguiu rapidamente pelo corredor e, nesse instante, ouviu a voz da jovem:
—Preciso de meu xale. Sentirei frio sem ele!
—Eu a aquecerei em meus braços!
Havia algo de zombeteiro e desagradável na maneira como o cavalheiro falava, e isso reforçou ainda mais o aperto que Tyson lhe deu, ao dominá-lo pelas costas.
Ele soltou um grito sufocado e tentou virar-se, mas Tyson acertou-lhe um soco, da mesma maneira que fizera com seu empregado, deixando-o caído a seus pés! Ao fazê-lo, o cavalheiro bateu com a cabeça no canto de uma cômoda. Ficou totalmente inconsciente, jazendo de pernas estendidas sobre o chão!
Tyson via que era um homem muito elegante, vestido conforme a moda, com uma gravata muito bem cuidada, que faria a inveja de muitos dândis!
Ouviu uma pequena exclamação atrás de si e voltou-se, desviando seu olhar do homem que derrubara.
—O senhor me salvou! Quem é o senhor? Como pode ter entrado para me salvar no momento exato?
As palavras pareciam sair em enxurrada e Tyson viu que elas provinham de um par de lábios adoravelmente desenhados em uma pequena face oval, cujos grandes olhos estavam voltados para ele.
Enquanto Tyson a fitava, achando que, sem dúvida, era a criatura mais bonita que vira até aquele momento, a garota pôs-se a bater palmas.
—Como posso lhe agradecer?— perguntou ela—, e por favor, leve-me daqui!
—Levá-la?— perguntou Tyson—, um casal idoso, que suponho sejam seus guardiães, foi drogado por este desagradável cavalheiro, mas tenho certeza de que estarão bem pela manhã, e você poderá continuar sua viagem.
A garota olhou para trás, como que esperando ver o casal em questão atrás de si. E disse:
—Você… não entende.
—Acho que não— disse Tyson com um sorriso—, tudo o que ouvi foi que o cocheiro deste cavalheiro havia drogado os seus cocheiros e esta desprezível criatura que agora jaz aos seus pés colocou a droga também no vinho daqueles que estão a acompanhá-la.
Viu que ela o ouvia espantada, e completou:
—A princípio, pensei que vocês dois fossem um casal de apaixonados que estavam a fugir.
A garota balançou os ombros.
—Isso é o que ele queria. E como eu me recusei a casar-me com ele… resolveu a situação por seus próprios meios.
Ocorreu a Tyson que não era surpresa que alguém quisesse se casar com uma criatura tão adorável.
Ela não usava chapéu e seus cabelos, sobre os quais a luz do candelabro provocava reflexos vermelhos, emolduravam-lhe o rosto. Ela era tão pequena e tão delicada, que parecia difícil acreditar que já tivesse idade para se casar.
Mas, ao olhar para seu corpo e para o vestido de viagem em seda azul que trajava, conforme a última moda, percebeu as curvas perfeitas de seus seios e o desenho delicado de sua cintura.
Sir Neville era… muito persistente— disse a moça—, ele não aceitava uma negativa como resposta… e não sei o que aconteceria se o destino não tivesse enviado o senhor para me salvar.
—Como já disse, não estou entendendo nada— respondeu Tyson—, mas, tendo salvo você, creio que posso ficar sabendo um pouco mais, se for possível!
—Oh… obrigada… obrigada!— exclamou a garota—, posso ver que é bondoso e que posso confiar no senhor!
—Como pode ter certeza disso?— perguntou Tyson.
Ela fez um pequeno gesto com as mãos.
—Não sei, mas confio… e além disso o senhor me salvou, quando pensei estar completamente perdida. . . Eu teria feito o que sir Neville queria, pois ele ameaçou…
Ela corou e pareceu confusa.
—Ouvi o que ele ameaçou. Esqueça!
A garota olhou para a figura caída, com um olhar de apreensão.
—E se ele se levantar?
—Acho que ele está “fora do jogo”— disse Tyson.
—Por favor, leve-me para algum lugar seguro… algum lugar onde possa me esconder.
—Por que quer fazer isso?
—Porque meu tio e minha tia estão me levando para Londres… para que eu me case com um homem que odeio… e detesto!
—E você tem que fazer isso?
—Eles são meus tutores! E eu tenho apenas dezenove anos.
Tyson se esquecera de que as mulheres com menos de vinte e um
anos e, frequentemente, até mais velhas, estavam sob completa guarda de seus tutores, mesmo que estes fossem o pai ou um tio.
Achava, também, extremamente improvável que uma criatura indefesa como aquela ousasse desafiar alguém, não fazendo o que a obrigavam.
—Pensei que preferia me matar, a casar-me com alguém que eu detesto— disse a moça, com voz trêmula—, mas não sei como fazer isso. Seria terrível se a arma negasse fogo… ou a faca apenas me cortasse.
—Não deve falar dessa maneira!— disse, asperamente, Tyson—, você é jovem e muito bonita, e deve haver alguém com quem queira se casar, ao invés desse que você não gosta!
—Nunca me deixaram conhecer muitos rapazes… somente aqueles que recebiam a aprovação de meu tio. Ele mandou sir Neville embora… e agora você viu o resultado.
—Nem todos os homens são tão desagradáveis— assegurou-lhe Tyson—, e, talvez, quando seu tio se recobrar de seu sono, você possa conversar com ele e convencê-lo a mudar de atitude.
—Nunca… nunca!— gritou ela—, ele colocou na cabeça que tenho que me casar com o cavalheiro com quem irei me encontrar em Londres, e a minha tia, que não gosta de mim, concorda que isso é a coisa certa a ser feita.
Tyson permaneceu olhando para aqueles olhos suplicantes voltados para ele.
Disse a si mesmo que, se tivesse alguma sensatez, pararia por ali. Já tinha salvo a garota de ser raptada. Agora deveria cair fora, e deixar que o destino cuidasse de tudo.
A moça, como que percebendo a indecisão que lhe ia pela mente, reforçou seu pedido:
—Por favor… por favor… o senhor é a minha única esperança. Se não me ajudar, realmente eu acho que me matarei. Não posso fazer o que eles querem… realmente não posso!
—Por quê?
—Porque, quando aquele homem me toca, sinto que há algo errado… algo de mau. Isso está em meu coração, mas quando tento explicar, dizem que é imaginação minha!
Tyson ficou em silêncio e ela chegou-se mais perto dele.
—Se pudesse me esconder por um dia ou dois… até saber o que tenho que fazer. Preciso de tempo para me lembrar se há alguém a quem possa recorrer. Eu lhe agradeceria durante toda a minha vida, do fundo do coração! Se o senhor se recusar… tentarei ir embora sozinha. Crê que seja possível alugar aqui uma carruagem que me leve até Londres?
—Você não pode ir sozinha para Londres!
—Então, para qualquer outro lugar. Dover não é longe daqui.
Tyson pensou em Dover, onde es tivera naquela manhã, que estava
cheia de soldados procedentes do canal, homens bêbados excitados com sua recém conquista da liberdade!
Os oficiais estavam comemorando a vitória no Lord Warden Hotel, com qualquer tipo de vinho que conseguissem.
—Você não deve ir a Dover— disse ele, asperamente.
—Deve haver… outros lugares. Por favor, me ajude!
—Considere isso por um momento. Você, obviamente, está acostumada a viver no luxo e conforto, tendo tudo o que quer. Está sendo forçada a um casamento que não deseja, mas daqui a algum tempo talvez você ache aquele homem melhor do que esperava, e acabará amando-o!
—Nunca! Nunca! Eu já lhe disse que ele me… desgosta! Preferiria morrer... a deixar que ele se aproximasse de mim!
Tremia ao falar e levava as mãos às faces, onde as lágrimas, talvez imaginárias, eram reais para ela.
Mais uma vez uma voz dentro de Tyson avisou-o de que deveria cair fora enquanto era tempo.
Mas isso era difícil. Não sabia como deixar aquela moça adorável, com seu rosto lindo e roupas caras, que mostravam ser ela de um meio social de certa importância.
—Por favor. . .— disse ela, suplicante— juro que não serei um estorvo. Irei embora tão logo seja possível. Mas preciso de tempo para saber o que fazer.
Talvez em decorrência de os olhos dela estarem tão embaciados pelas lágrimas não derramadas, Tyson mudou de ideia.
Não podia ver uma mulher chorar, e, embora uma parte crítica de sua mente lhe dissesse que era louco, voltou-se para ela e falou:
—Muito bem. Eu a ajudarei, mas, como você disse, até que tenha tempo para pensar.
Toda a face dela pareceu se iluminar e os olhos brilharam.
—Obrigada! Obrigada!
—Tenho uma sensação desconfortável de que estou me metendo em uma grande confusão, mocinha!
—Se isso acontecer, de uma forma ou de outra… eu o recompensarei. Tudo o que quero é sumir daqui.
Tyson sorriu e apanhou a única mala que fora deixada no quarto.
—Então, vamos, mas é melhor antes apanhar o xale, como estava dizendo.
Ela não pareceu surpresa com o fato de ele saber disso.
Simplesmente abriu o guarda-roupa, tirou o xale, e com ele um chapéu enfeitado com laços que combinavam com seu vestido.
—Tem algo mais?— perguntou Tyson.
Ela olhou à sua volta.
—Não! Aquele outro homem levou tudo e sir Neville ficou dizendo que eu não deveria me esquecer de minhas jóias. Acho que ele as queria mais do que a mim.
—Duvido — respondeu, secamente, Tyson—, agora, vamos nos apressar, antes que alguém descubra o que lhe aconteceu.
—Sim, por favor. . . vamos — respondeu a garota, aflita.
Nervosamente, ela deu a volta, desviando-se das pernas de sir Neville, enquanto que Tyson pulava por cima.
Saíram para o corredor e ele trancou a porta ^ colocando a chave em seu bolso.
—Esperemos que eles não a chamem muito cedo, amanhã— disse ele.
Ela tentou sorrir, ao compreender o que ele queria dizer. Então, seguiu à frente de Tyson, até esperá-lo ao pé das escadas.
—O que faremos agora?— murmurou ela.
—Espere aqui.
Caminhou lentamente para o pátio.
Bill, o cocheiro de sir Neville, como esperava, estava sentado à boléia, com as rédeas na mão, olhando em direção à porta da qual ele emergira.
Tyson caminhou à volta da carruagem, até se postar ao lado dele.
—Tenho um recado para você — disse, em voz baixa.
Quando Bill se abaixou para ouvi-lo, Tyson puxou-o e jogou-o ao chão.
—Ei! O que está fazendo?— perguntou Bill, apenas para ser silenciado da mesma maneira que seu patrão e Jake tinham sido.
Tyson carregou-o pelo pátio até o estábulo, colocando-o em uma das cocheiras. A seguir, dirigiu-se ao outro compartimento e disse:
—Vamos, Salamanca.
O cavalo veio em sua direção. Tyson amarrou as rédeas à volta do pescoço dele e prendeu os estribos na barrigueira.
Depois, saiu para o pátio, com Salamanca seguindo-o.
Viu que a moça o espiava, em meio à escuridão do batente da porta, e acenou-lhe e ela correu em sua direção, e Tyson abriu a porta da carruagem.
—E o seu cavalo?— perguntou ela, em um murmúrio.
—Ele nos seguirá— respondeu confidencialmente Tyson, colocando a mala ao lado dela, dentro da carruagem. Logo depois, subiu para a boleia e apanhou as rédeas.
Os cavalos que vou dirigir parecem, ter cavalgado todo o dia, pois estão cansados e dóceis, pensou Tyson.
Ele guiou a carruagem para fora do pátio e em direção à estrada.
Olhou para trás, para ver se Salamanca o estava seguindo, e, então,sem pressa, dirigiu-se à cidadezinha, até tomar a estrada para Revel Royal.
Achei que a paz na Inglaterra seria calma e quase enfadonha, disse a si mesmo enquanto seguiam, mas comecei minha carreira de civil com uma aventura que, se não tiver cuidado, poderá me levar para a cadeia!
Ficou imaginando qual seria a penalidade para o rapto de uma menor, e teve a sensação desagradável de que era a deportação!