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CAPÍTULO I

O Marquês de Aldridge bocejou. Se havia coisa que o aborrecia de verdade eram os bordéis.

Quem não sabia que sempre se divertia com mulheres? Era o assunto preferido das altas rodas, o foco de maledicências, o alvo dos cochichos mais entusiasmados. Mas jamais pagara pelos favores de uma prostituta.

Naquela noite, no entanto, tinha sido impossível recusar o convite de seu anfitrião, que fazia o possível para divertir o Príncipe de Gales e tirá-lo da melancolia em que se encontrava há algumas semanas.

As doze tão faladas «ninfas» executavam uma dança complicada, mas o Marquês não prestava a mínima atenção, preocupado que estava com o Príncipe, pelo qual tinha uma afeição sincera e profunda. Eram amigos há nove anos.

Disfarçou o bocejo e continuou a pensar no caso. O Príncipe tinha toda a razão de estar deprimido. Não só seu casamento havia sido um desastre, como estava cada vez mais difícil romper a ligação com Lady Jersey. Para escapar da esposa, a Princesa Caroline, que detestava, e de Lady Jersey, a amante que já o cansava, decidira reatar seu caso com a Sra. Fitzherbert. O problema era que a referida Lady, teimosa e persistente, não queria abrir mão da Sua privilegiada posição de favorita.

Aliás, quem mais, senão ela, havia sido responsável pelo fracasso do casamento do Príncipe? Claro que a noiva foi uma desastrosa escolha dos ministros do rei, mas o casal poderia pelo menos viver em paz, não fosse a intervenção de Lady Jersey, que começou antes do casamento real.

Na época, o Príncipe estava envolvido com a Sra. Fitzherbert. Irresponsável e namorador, ele mordeu a isca de Lady Jersey, que o perseguia, não só por sua posição social, mas porque o jovem Príncipe herdeiro era divertido, atraente, culto e, como o Marquês bem sabia, um companheiro agradável e interessante. Seria realmente difícil escapar das malhas de alguém com tanta vontade de vencer. As cenas de ciúmes da Sra. Fitzherbert só ajudaram a atirar o amante nos braços da rival. Além disso, Lady Jersey era uma beleza que os homens achavam irresistível e as mulheres, sem princípios e astuta.

Nove anos mais velha do que o Príncipe! Já avó! Nada disso foi obstáculo, pois ele gostava de mulheres maduras. Mas que idiota tinha sido ao se apaixonar por ela! Impressionável como um menino, deixou-se prender pela sagacidade de uma mulher sem coração, ambiciosa, experiente, sensual. Com mais de quarenta anos, conseguiu fazer o Príncipe perder a cabeça.

—Como é que ele pôde me tratar assim?— lamentou a Sra. Fitzherbert, ao contar ao Marquês que o jovem lhe escrevera uma carta, sob a sábia direção de Lady Jersey, dizendo que havia encontrado a felicidade em outro lugar.

—Parece-me, madame, que Lady Jersey vem, há bastante tempo, persuadindo Sua Alteza Real de que a relação amorosa que mantém com a senhora não é aconselhável. Já ouvi inclusive que, segundo ela, a impopularidade do Príncipe é devida ao fato de a senhora ser uma católica romana.

—Mas como poderia alguém acreditar em tais mentiras?

—Parece-me também que a ouvi afirmar— continuou o Marquês—, que o Príncipe não teria dificuldade financeira, se não fosse pela senhora!

A raiva dela era compreensível. Todos sabiam que, muito pelo contrário, o Príncipe tinha gastado toda a fortuna que o marido lhe deixara e que não era pouca! E agora ele queria as duas mulheres ao mesmo tempo! As brigas começaram a se tornar mais frequentes e, apesar da mediação dos amigos, Sua Alteza rompeu com madame Fitzherbert e avisou ao pai que, se tivesse todas as dívidas pagas, consideraria a ideia de se casar.

Daquele momento em diante, pensou o Marquês, tudo saíra dos eixos.

Os amigos tinham a esperança de que, com o casamento, o Príncipe se livraria das dívidas. Mas, como devia a imensa soma de seiscentas e trinta mil libras, isso não foi possível. Também esperavam que rompesse com Lady Jersey; em vez disso continuou a vê-la mais do que nunca, instalando-a numa casa vizinha a Carlton House.

A Princesa só se referia a ela como «aquela bruxa velha», uma descrição que o Príncipe, ultimamente, começava a achar bastante adequada.

Tão distraído estava o Marquês com aquelas lembranças, que custou a perceber que a dança estava acabando.

As doze bonitas ninfas, «virgens imaculadas», como todos garantiam, dançavam sob a direção de Vénus, papel que a própria Sra. Hayes representava.

Charlotte Hayes dirigia o estabelecimento há anos, com enorme sucesso. O Marquês suspeitava de que, com a grande fortuna que juntara, iria se aposentar em breve. Tinha contra ela a idade e, a seu favor, muitos serviços prestados à aristocracia. Principalmente, conseguido aumentar o padrão dos bordéis londrinos. Seria realmente difícil encontrar em qualquer salão da corte um grupo tão selecionado como o presente naquela noite. Havia vinte e três nobres, comandados pelo Príncipe de Gales, e cinco membros da Câmara dos Comuns.

A comida era maravilhosa; os vinhos, excelentes. O Marquês sabia que pagariam caro pela festa, mas a Sra. Hayes estava preparada para retribuir à altura. As ninfas eram realmente muito atraentes e as outras mulheres, extremamente hábeis em sua profissão e escolhidas tanto pela beleza quanto por outros dotes especiais.

O Marquês tinha como companheira de jantar uma moça chamada Yvette, que se dizia belga, mas que ele podia jurar ser francesa. Uma criatura inteligente, com senso de humor e um jeito fascinante de olhar os homens, por entre os longos cílios. Era, no momento, um truque tão antigo, que o Marquês chegou a se irritar, ao sentir os dedos finos e elegantes acariciando seu pescoço.

—Está muito calado— disse Yvette, fazendo beicinho com os lábios vermelhos demais.

Poderia ter excitado um homem mais jovem, mas conseguiu dele apenas um novo bocejo.

—Detesto representações desse tipo. Elas me cansam.

Yvette chegou mais perto.

Venez para algum lugar calmo avec moi, mon cher. Sei divertir mais, muito mais, do que peças de teatro.

O Marquês olhou em volta. Os convidados que tinham comido e bebido demais estavam agora recostados nos divãs, abandonados ao prazer, ou com suas companheiras de jantar, ou as ninfas seminuas cuja representação chegara ao fim.

O Príncipe, cercado de mulheres, devia ter esquecido os problemas mais prementes. Mas, de manhã, voltariam todos. Inclusive Lady Jersey que o seguia por todos os lados e queria conversar com ele a todo custo, mesmo quando se recusava a falar com ela.

A única coisa boa desta reunião é que ela não podia segui-lo até ali, pensou o Marquês.

De repente, percebeu, com raiva, que estava na mesma situação, no caso de Lady Brampton.

—Por que as mulheres nunca percebem que um caso acabou? Que amolação!

Vous dites alguma coisa, senhor?— Yvette perguntou, e ele viu que estava falando alto.

A moça aproximou-se mais, e agora seus lábios vermelhos estavam bem perto dos dele.

—Vamos nos divertir, mon brave? Você esquece todo o mundo, mas não esquece Yvette. Faço você tão feliz, oui?

O Marquês levantou-se, livrando-se delicadamente dos braços dela.

—Peço desculpas, mas de repente me sinto terrivelmente indisposto. Por favor, transmita minhas desculpas à Sra. Hayes e dê-lhes os parabéns pela festa tão diferente e divertida. Foi maravilhoso.

Non, non, senhor.

Yvette parou de protestar, quando o Marquês pôs em sua mão uma nota tão alta, que a fez perder a voz.

Rapidamente, para que ninguém tentasse segurá-lo mais um pouco na festa, ele deixou a sala, atravessou a rua e chegou em King’s Palace, sem que notassem sua ausência.

A carruagem o esperava. Aliviado, jogou-se nos assentos almofadados. Um lacaio usando o libré dos Aldridge colocou uma manta leve sobre seus joelhos e esperou ordens.

—Para casa!

Os cavalos partiram pela íngreme subida de St. James até Piccadilly e desceram a rua Berkeley até a praça Berkeley.

A mansão Aldridge era linda por fora e de tirar a respiração por dentro. Tinha sido reformada pelo pai do Marquês, que apreciava arquitetura, competindo com as mais belas mansões do país, inclusive com Carlton House, tanto em tamanho quanto em luxo.

Os Aldridge sempre foram grandes admiradores de arte, e os tesouros acumulados através dos séculos formavam uma relação magnífica, igualada por poucas grandes famílias inglesas.

Mas agora, atravessando o hall de mármore, o Marquês só tinha consciência de sua grande preguiça, de seu tédio total e nem percebia as belezas à sua volta. Entrou na grande biblioteca, cujas janelas davam para o jardim e onde habitualmente se sentava quando não havia visitas. As paredes de livros deixavam algum lugar para quadros clássicos e famosos.

O mordomo esperou até que estivesse no meio da sala e anunciou:

—Há um bilhete em sua escrivaninha, senhor. O rapaz que trouxe disse que era urgente.

O Marquês não respondeu. Só relanceou os olhos pelo envelope e reconheceu a letra.

«Maldita mulher!», disse para si mesmo. «Por que não me deixa em paz?»

Nem pegou o recado. Sentou-se numa cadeira de balanço e, distraído, aceitou o cálice de conhaque que o mordomo lhe serviu. O empregado deixou a sala silenciosamente, para não perturbar o patrão.

O Marquês olhava para a parede em frente, onde havia um quadro de Rubens, sem saber o que via. Não se impressionava com as cores vibrantes, os tons de pele e o tema alegórico. Nada, nada podia impressioná-lo agora.

Pensava apenas na beleza loura de Nadine Brampton e na determinação de seus olhos azuis, olhos que informavam a ele que Nadine era feita na mesma fôrma de onde saíra Lady Jersey. Não seria fácil livrar-se dela.

Jovem, pois ainda não tinha vinte e seis anos, Lady Brampton casara aos dezessete com um homem muito mais velho e que ficou inválido logo depois. Conquistou Londres assim que chegou. Era bonita, educada e, como se não bastasse, rica, muito rica. Além de tudo, sua aparência de louça de Dresden, de boneca de biscuit, escondia um temperamento fogoso que a fazia trocar de amantes constantemente; tão logo se cansava deles.

Isso, até encontrar o Marquês. O que deveria ser somente um caso, um interlúdio divertido, transformou-se numa ardente paixão que envolveu completamente seu coração.

O Marquês sentia-se como preso num redemoinho tão forte que era perigoso até se mexer. Nadine Brampton perseguiu-o com um fôlego de sete gatos e ele, que tinha fama de não se dar a ninguém, de ser egoísta e caprichoso, deixou-se vencer por sua persistência.

Se Lady Jersey o incomodava, Lady Brampton deixava-o louco, a ponto de não saber como acabar com uma ligação que tinha se tornado um inferno de tédio e mau humor. Ela o bombardeava com bilhetes, presentes e convites. Ia à sua casa nos momentos mais imprevisíveis, parecendo não desconfiar de que acabava assim com o pouco de reputação que lhe restava. Conseguia, por métodos só dela, estar em toda festa, toda reunião, todo espetáculo junto com o Marquês. Se fosse andar a cavalo no parque, ela aparecia por milagre a seu lado. Se estivesse no Palácio, o que acontecia diariamente, lá estava a mulher, solicitando uma audiência com Sua Alteza Real. Como o Príncipe tinha bom humor e apreciava mulheres bonitas, era difícil para o Marquês convencê-lo a mandá-la embora.

Só naquela noite conseguira livrar-se dela, o que o Marquês considerava um presente caído do céu, a única coisa boa que acontecera na reunião. Era apenas trégua, sabia, porque com certeza a melancolia do Príncipe não ia desaparecer por causa das ninfas da Sra. Hayes. Amanhã seria outro dia, com o herdeiro a desfiar lamentações, reclamar de sua ligação com Lady Jersey e exagerar seu já exagerado desejo de unir-se outra vez à Sra. Fitzherbert. O pior é que tanto o Príncipe fugia de Lady Jersey, quanto a Sra. Fitzherbert fugia dele. Não frequentava mais a corte e morava, sossegada, numa pequena casa em Castle Hill, recusando qualquer possibilidade de reconciliação.

—Nunca se pode reparar um vaso quebrado— disse quando o Marquês lhe pediu para ouvir o que Sua Alteza tinha a dizer.

Para ajudar naquela delicada tarefa, o Marquês levou vários presentes, como uma pulseira com a inscrição «Rejoindre ou mourir».

A Sra. Fitzherbert aceitou os presentes, mas continuou se recusando a encontrar o ex-amante.

—Vou morrer! Fico doido se ela não me aceitar de novo!— dizia o Príncipe, dramático—, meu coração... meu coração não vai aguentar!

Estava em tal estado que o Marquês, como muitos de seus amigos, temia por sua saúde. Mas não havia nada a fazer.

«Nossas situações, é claro, são completamente diferentes», pensou o Marquês. «Não vou morrer, nem adoecer por causa de Nadine Brampton». Ainda assim, precisava tomar alguma decisão em relação a ela. Aquilo não podia continuar assim!

Mordeu o lábio. Graças à persistência e teimosia dela, ele já estava se tornando motivo de riso. Sabia que no passado machucara muitos corações. Mas que culpa tinha? Era inevitável, pois, além de ser um homem bonito, tinha aquela espécie de indiferença cínica em relação ao amor que fazia com que as mulheres o perseguissem ainda mais. Todas achavam que teriam sucesso onde as outras falharam. Bastava olhar para uma mulher, para que ela visse nisso um encorajamento e resolvesse que com ela seria diferente: dessa vez, ele se apaixonaria. Invariavelmente e com uma rapidez desconcertante, descobriria que estava errada.

O Marquês era generoso quanto a presentes. Seus elogios, mais gentis e mais inteligentes do que os da maioria dos homens, e um perito na arte de amar, como todas as suas amantes diziam! Mas era muito independente…

Ninguém jamais conseguira tomar de assalto a cidadela bem defendida que era seu coração. Ninguém, depois de uma noite de amor, podia dizer que tinha possuído algo mais do que seu corpo. Ou mesmo, que sentira o que dizia.

—Você é desumano!— uma linda mulher acusou, certa vez—, você pensa que é um Deus, concedendo favores aos que estão a seus pés? Por que tanta distância, por que essa insistência em não descer à terra?

Ele aplacou sua fúria com um beijo, mas ela sabia que, quando a deixasse, nunca mais o veria.

—Oswin, por Deus— disse um dia seu melhor amigo, Capitão George Summers—, se você trocasse de cavalos como troca de mulheres, o país ficaria sem puros-sangues!

O Marquês riu. Summers servira com ele no Exército. Como sofreram juntos as agruras de uma guerra, permitia que o tratasse com uma familiaridade que não concedia a ninguém mais.

—As mulheres são indispensáveis, George. É por isso que nunca me casarei!

—Mas você vai ter que se casar, mais dia menos dia. Meu caro Oswin, os Marqueses têm que se casar. Precisam de herdeiros!

—Tenho alguns primos respeitáveis e interessantíssimos que podem tomar o meu lugar e me substituir de modo invejável. Qualquer deles honraria meu título!

—É ridículo tomar uma decisão importante assim na sua idade. A verdade é que já está em tempo de assentar essa cabeça. Não pode passar o resto da vida enxugando lágrimas reais e mudando de cama toda noite.

—Um ponto para você, Summers. Estou cansado de subir escadas barulhentas na ponta dos pés e me encolher por corredores mal iluminados. De agora em diante, ficarei apenas na casa agradabilíssima que comprei em Chelsea.

Lady Brampton está ficando exigente, não? Sabe que o marido dela está à morte? Não dura dois meses. Aí, então, Oswin, ela vai querer casar de véu e grinalda.

—Não fará absolutamente nada disso— respondeu o Marquês, rude—, já disse, George: não tenho intenção de me casar. Muito menos com Nadine Brampton!

—Ela ficaria maravilhosa com as tiaras dos Aldridge.

—Mas nunca vai usá-las— arrepiou-se com a ideia das mãos possessivas de Lady Brampton segurando-o pelo pescoço com suas unhas compridas como garras. Nunca imaginou que uma mulher pudesse ser tão obsessiva e insistente—, raios, George! Tenho que fugir! Até me passa pela cabeça a ideia de me juntar outra vez ao regimento e lutar contra Bonaparte!

—Você? Não seria bem-vindo lá.

—Por que diabos não seria bem-vindo? Fui um ótimo soldado, você sabe.

—Não nego. Mas não querem marqueses no campo de batalha. Posso imaginar você, marchando de lá para cá no acampamento Wellington.

O Marquês não respondeu e Summers continuou:

—Se você fosse feito prisioneiro, seria um grande trunfo para Bonaparte. Garanto, Oswin: se voltasse ao Exército, não seria mandado para o exterior!

Sentado na biblioteca, o Marquês lembrou-se dessa conversa e sentiu que o amigo tinha razão. Também estava certo ao dizer que não podia passar o resto da vida como pajem do Príncipe e imaginando meios de se livrar de Lady Brampton.

Sabia que o amanhã seria igual a todos os dias, ouvindo as lamentações do herdeiro e, sem dúvida, como a maioria dos amigos de sua Alteza Real, levando mensagens histéricas a Castle Hill.

Quando acabasse, haveria Lady Brampton esperando por ele, tentando descobrir seus horários, suas cavalgadas, seus jantares ou batendo em sua porta de Berkeley Square.

—Vou para o campo— decidiu o Marquês.

Levantou-se pronto para puxar o cordão da campainha para chamar o mordomo. Parou a tempo.

Se fosse para Aldridge House, em Hertfordshire, com toda certeza Nadine Brampton o seguiria. Já havia feito isso antes, quando ele resolveu dar uma festa lá.

Era impossível mandá-la embora sem causar uma cena que logo seria comentário em toda a corte. Sabia que, no momento, um escândalo seria bem-vindo para ela. Queria que as pessoas falassem deles. Assim, depois de viúva, ela o forçaria a reparar sua reputação manchada, obrigando-o a oferecer-lhe a proteção de seu nome.

—Com mil diabos! Estou como uma raposa que não pode nem correr para procurar refúgio!

Então, teve uma ideia.

Um dia antes, seu secretário, Sr. Graham, que fazia de tudo um pouco, havia trazido uma carta de um dos seus administradores. Como o Marquês tinha muitas propriedades, cada uma era dirigida por um agente que mandava mensalmente relatórios para o Sr. Graham, em Berkeley Square.

O secretário não o incomodava com esses assuntos, a não ser que fossem necessárias ordens sobre algum problema fora de sua jurisdição.

A carta da véspera era um relatório do Castelo Ridge e Graham tinha chamado sua atenção para o seguinte parágrafo:

«Tem havido muita instabilidade entre os trabalhadores da fazenda, desde que o Sr. Harold Trydell morreu. Sir Caspar, que herdou as propriedades, está trazendo muitos problemas, mudando tradições, de tal modo que não só os fazendeiros, como também os camponeses estão profundamente ressentidos.

Tenho minhas razões, talvez infundadas, para achar que, se as coisas continuarem como estão, teremos em nossas mãos tumultos e agitações. Espero estar enganado, mas apreciaria a autoridade do senhor Marquês para acalmar os ânimos exacerbados, talvez empregando mais trabalhadores locais, aliviando assim a tensão reinante.»

Sir Harold morreu!— disse o Marquês, devolvendo o relatório ao Sr. Graham.

—Morreu há três meses atrás, senhor. Avisei-o na época, mas talvez não me tenha dado atenção.

—É realmente uma surpresa para mim. Nunca me dei bem com Casper Trydell. Pena que seu irmão mais velho tenha morrido afogado.

—Realmente, foi uma pena. Conheceu o Sr. John, creio.

—Fomos amigos quando ele era menino e vivia no Castelo.

—É claro, compreendo, senhor.

—Ele poderia ter administrado as propriedades muito bem, mas jamais teve oportunidade. Sir Harold era um velho intolerante e um tirano com os filhos— lembrou o Marquês.

—Parece que o Sr. Caspar herdou algumas das peculiaridades paternas.

—Creio que sim. Vi Caspar Trydell algumas vezes em Londres. Não faz parte do meu círculo de amizades. Sempre me pareceu um libertino. Talvez não seja essa a palavra certa, mas... devasso. Não importa: é um homem sem caráter. Lembro-me de John Trydell me contar que o irmão estava sempre endividado. Mas imaginei que Sir Harold tinha morrido rico e o filho sobrevivente fosse o único herdeiro.

—É verdade— concordou o secretário—, mas haverá uma série de problemas, se ele deixar o pessoal local magoado. Em Essex, senhor, os condados são diferentes dos outros condados. É uma parte isolada do país e parece-me que os camponeses têm costumes quase medievais.

O Marquês achou que o Sr. Graham exagerava, mas agora, ao recordar a conversa, teve uma ideia: visitaria o Castelo Ridge. Não ia lá há muitos anos; na verdade, quase nunca pensava em sua propriedade no alto de um promontório, limitado de um lado pelo rio Blackwater e do outro, pelo mar.

Lugar selvagem e desolado, ele o amava quando menino e tinha passado lá a maioria de suas férias, pois o pai não tinha paciência com crianças.

Iria ao Castelo. Diria a Graham que ninguém, absolutamente ninguém em Londres, devia saber onde estava. Isto enganaria Nandine Brampton. Mandarei uma explicação pessoal ao Príncipe.

Gostou tanto da ideia, que o tédio que o perseguira o dia inteiro começou a desaparecer.

Pensou até em visitar a deliciosa atriz que tinha instalado na casa de Chelsea. Hester Delfine era divertida e inteligente, e a única ruiva de sua coleção de mulheres. Sempre preferia as loiras de olhos azuis.

—Isso é porque você é moreno, querido— tinha dito Lady Brampton, num momento de intimidade, enquanto ele passava as mãos por seus cabelos dourados.

—É preciso fazer sempre aquilo que esperam de nós?— perguntou, com uma ponta de irritação.

—Por que não? Homens morenos gostam de mulheres loiras e homens altos e fortes gostam das baixinhas e miúdas.

Aquilo foi o suficiente para que o Marquês procurasse uma amante nova e com cabelos bem vermelhos.

Esperava-se que os homens da moda mantivessem uma amante com casa e carruagem, e o fato de Hester Delfine ser uma atriz muito admirada também influiu na escolha.

Apesar de ter dito a ela que não iria visitá-la depois da festa da Sra. Hayes, resolveu o contrário. Iria, sim.

Tocou a campainha chamando o mordomo.

—Peça uma carruagem ao Sr. Graham que vou para o campo amanhã bem cedo.

—Pois não, senhor. Ficará muito tempo?

—Não tenho a mínima ideia. Devo sair às sete horas.

Isto significava que os criados que já estavam na cama teriam que ser acordados às pressas para começar a fazer as malas do patrão. Que ele não viajaria só com sua carruagem, mas também com um coche para seus lacaios e a bagagem, seis batedores montados e seu cavalo favorito com um cavalariço.

Era uma viagem que normalmente precisava de muito planejamento. Para que nada fosse esquecido na correria de última hora, toda a criadagem de Berkley Square deveria ficar acordada à noite, tomando as providências.

Não passaria pela cabeça do Marquês que estivesse causando algum incômodo aos empregados. Era para isso que eram pagos e queria tudo perfeitamente organizado e suas instruções executadas com perfeição. Mesmo que fossem dadas no último momento.

Em cinco minutos, mostrando a organização perfeita dos estábulos, uma carruagem parou na porta. Quando o Marquês deu o endereço de Chelsea ao mordomo, ele o passou ao lacaio da carruagem que o passou ao cocheiro. Não havia em suas vozes nenhuma entonação diferente, nenhum indício de que fizessem a menor ideia do que significava aquela rua. Mas todos o sabiam.

O único sinal foi um sorrisinho no rosto no mordomo, ao entrar de volta no vestíbulo iluminado de Aldridge House para dar as ordens que poriam em movimento a máquina complicada que deveria começar a funcionar imediatamente, se o Marquês saísse na hora marcada.

—Filho de peixe, peixinho é— murmurou o empregado. E agora havia realmente um grande sorriso em seus lábios.

Todos os homens da casa tinham um orgulho secreto pelo fato de o patrão ser um farrista. Era da tradição dos Aldridge.

O Marquês chegou em Chelsea com grande rapidez, coisa que esperava de seus cavalos com os quais gastava fortunas.

Pararam fora da casa, em Royal Avenue, um lugar agradável com árvores frondosas, onde havia um pouco da privacidade que ele achava conveniente.

O lacaio desceu para tocar a campainha. Passaram-se alguns minutos, antes que a porta fosse aberta por uma empregada assustada, a touca meio torta na cabeça, o avental amarrado às pressas.

—O senhor Marquês!— anunciou o lacaio.

—Nós não o esperávamos hoje!

—Está aqui, não está?— respondeu ele por entre os dentes, para que o Marquês não escutasse.

Voltou para abrir a porta da carruagem e o patrão desceu, vagaroso, lânguido. Já começava a se arrepender do impulso de visitar Hester, em vez de ter ido se deitar.

Ao mesmo tempo, como ia partir, seria justo informá-la de que estaria ausente por algum tempo. Se não o fizesse, ficaria preocupada.

Entrou no pequeno e estreito vestíbulo e percebeu, com desgosto, um cheiro de comida.

—A madame chegou há pouco de teatro, senhor— disse a empregada—, está na sala de jantar.

Era uma salinha pequena no fundo da casa, onde o Marquês pouco entrava. Sempre que oferecia um jantar a Hester, era, invariavelmente, num dos alegres lugares de West End frequentados por atores. Ou iam a uma das inúmeras festas dadas por pessoas que gostavam de receber as mulheres conhecidas e endeusadas pelas luzes do teatro.

Atravessou o vestíbulo, e a empregada abriu a porta da sala de jantar. Hester estava sentada à mesa e, com ela, um conhecido ator que tinha sido visto várias vezes em sua companhia.

Sua cabeças estavam juntas quando entrou, o que o fez ter a nítida impressão de que era um intruso.

Olharam para ele, atônitos, e Hester deu um gritinho.

—Marquês! Não tinha a mínima ideia de que viria me visitar hoje à noite!

—Nem eu. Foi um impulso, depois daquela enfadonha festa.

—Eu avisei de que seria horrível.

Ela se levantou, assim como o homem a seu lado.

Aldridge cumprimentou-o, friamente:

—Boa noite, Merridon!

—Hester estava se sentindo tão sozinha, que me pediu para lhe fazer companhia. O senhor não tem objeção, pois não?

—Por que teria?

—Aceita um cálice de vinho?— ela perguntou, puxando uma cadeira para a mesinha redonda no centro da sala.

Como o vinho que estavam bebendo era do Marquês, ele se sentiu aborrecido por terem escolhido o mais caro, do qual só tinha um estoque. Foi bobagem mandar duas caixas para Chelsea, mas achara que as visitas a Hester seriam uma ótima ocasião para tomar um vinho que se tornava cada vez mais raro, desde que as hostilidades entre França e Inglaterra começaram a ficar sérias.

Havia só um pouquinho no fundo da garrafa e Hester fez sinal ao lacaio para abrir outra. O Marquês teve que morder o lábio para não sugerir um vinho de qualidade um pouquinho inferior que fosse.

—Gostaria de comer alguma coisa?— Hester perguntou, amável, percebendo que estava aborrecido.

—Já me regalei com um banquete gigantesco, uma mistura de comida inglesa e francesa, com predominância, infelizmente, da inglesa.

O ator riu.

—E como foi a representação, senhor?

—Amadora. Mas o que se podia esperar de virgens?

—Como se fossem virgens!— Hester comentou, sarcástica—, não confiaria um segundo em Charlotte Hayes. Ela está querendo competir com a Sra. Fanwkland, que abriu os Templos de Aurora, Flora e Mistério.

—Não experimentei nenhuma dessas exóticas maravilhas— comentou Merridon—, mas o Sr. Sheridan me disse que o Templo de Flora é interessantíssimo.

—É lá que ela deixa as moças mais velhas, experientes e bem-educadas... ou treinadas...— explicou Hester.

O Marquês não podia estar mais entediado. Já havia escutado dezenas de vezes seus amigos, no White’s, gabando as virtudes daqueles bordéis.

O Templo de Aurora oferecia quase meninas. O Flora, as mais velhas, e o Mistério era de mulheres exóticas, o que ele achava de mau gosto.

Era um lugar que nunca o interessaria. Mas como agora estava pensando em visitar o Castelo Ridge, lembrou-se de que alguém no clube havia dito que Caspar Trydell era sempre visto no Templo do Mistério.

Tomou seu vinho aos golinhos, apreciando. Mas era impossível, com aquele cheiro enjoativo de gordura. Olhou para a mesa; o casal comia pés de porco, um prato pelo qual sempre teve a maior aversão.

Como se lesse seu pensamento, Hester disse:

—Mil desculpas, senhor, se a escolha do menu não é do seu agrado, mas, Frank e eu descobrimos que temos esse gosto em comum, assim como adoramos sopa de enguia, que foi a entrada.

Era outro prato que detestava. Sempre via as enguias logo depois de serem pescadas no Tamisa, penduradas nas barracas nas margens do rio e perto das docas. Lembravam cobras e o medo que sentia delas na infância, quando um guarda-caça tinha sido mordido por uma.

Nunca esqueceu a dor do homem, que mais tarde se transformou em agonia; e depois, a semana em que sua vida ficou por um fio.

Cobras e enguias estavam ligadas em sua mente a tudo que era desagradável e que devia ser evitado. Resolveu não ficar mais um minuto com Hester.

Frank Merridon percebeu que devia ir embora e tomou rapidamente o vinho de um gole, levantando-se.

—Preciso ir dormir. Amanhã levanto muito cedo para um ensaio.

Hester lançou-lhe um olhar de desculpas.

Ele era tão importante, no teatro, e ela não queria ofendê-lo. Ao mesmo tempo, era óbvio que ele estava demais.

O Marquês levantou-se junto com o outro.

—Já vou indo também. Tenho que sair da cidade amanhã muito cedo. Por favor, acabem a ceia com calma. Deixo-os em paz.

—Não, não. Não pode sair assim— disse Hester, afobada.

O Marquês já se dirigia para a porta. Ela o seguiu segurando seu braço e olhando-o no rosto.

—Por favor, fique.

—Hester, só vim avisar que deixo Londres amanhã, bem cedo. Talvez não volte nesta semana.

—Mas o que aconteceu? É tão inesperado!

—Tenho assuntos importantes a tratar em uma de minhas propriedades. Mil desculpas por interromper uma ceia tão deliciosa. Foi extremamente indelicado de minha parte. Espero que você compreenda.

Beijou a mão dela, e aqueles que conheciam um pouco o Marquês sabiam que, quanto mais polido, mais perigoso ficava.

Atravessou o corredor até o vestíbulo e ela foi atrás.

—Não pode ficar nem um pouquinho mais? Quero você. Quero estar com você!

—Fica para outra ocasião.

Ao abrir a porta da frente, o ar quente da noite foi um alívio perto do cheiro de porco. Respirou fundo.

—Adeus, Hester—, e atravessou a calçada até a carruagem.

Ela não sabia, ao acenar para ele, que dessa vez era um adeus. De verdade.

A Feiticeira de Olhos Azuis

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