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CAPÍTULO I 1842

O camareiro-mor estava nervoso. O Duque viu-o mexer no mata-borrão sobre a escrivaninha e depois endireitar o tinteiro e mudar de posição um abridor de livros.

Finalmente, o homem disse:

—Creio, Vossa Graça, que tem uma ideia do que vou lhe falar.

—Nem por sombra!— respondeu o Duque.

Estava sentado confortavelmente numa cadeira, diante da escrivaninha, de pernas cruzadas e parecendo completamente à vontade.

O camareiro-mor olhou para ele e achou que era de fato um dos homens mais bonitos que conhecia. Não era de estranhar que sua reputação com as mulheres fosse tão má, a ponto de já ter chamado a atenção da Rainha.

Mas, como o Duque se comportava sempre com a maior correção, tanto no Palácio de Buckingham quanto no Castelo de Windsor, não havia nada que a Rainha pudesse dizer ou fazer.

Apesar disso, como ninguém podia evitar que as mulheres mexericassem, quer vivessem num chalé ou num Palácio real, os falatórios sobre o Duque vinham aumentando a cada ano, agora ganhando proporções que tornavam inevitavelmente num problema mais sério.

Era verdade que Sua Majestade tinha dado ao Duque mais liberdade do que o costume, porque gostava de homens bonitos. Além do mais, de certo modo, ele se parecia com o querido Alberto, o marido da Rainha. Mas isso só na aparência; em todo o resto, os dois homens eram opostos.

Rígido, consciencioso, fazendo questão de que o protocolo fosse sempre obedecido, o Príncipe Alberto era completamente diferente do terceiro Duque de Ilminster.

Desde que saíra de Eton, o Duque gozava a vida ao máximo, causando um escândalo atrás do outro, todos envolvendo mulheres bonitas.

Nas corridas, era um esportista amado pelas multidões, que jamais se teria desviado das regras rígidas do turfe, como também nunca teria trapaceado no jogo de cartas.

Mas, no que dizia respeito as mulheres, essas regras não se aplicavam. Os maridos cerravam os dentes, furiosos, quando ele entrava num salão de baile; as mães tratavam de afastar as filhas, com o instinto protetor de uma galinha diante de uma raposa.

Não seria necessário dizer que o Duque não se interessava por moças solteiras, e sim, apenas pelas beldades atraentes, sofisticadas e espirituosas que o divertiam durante um certo tempo, até seu interesse ser despertado por um novo rosto ou pelas curvas de um novo corpo.

Mas agora, como era inevitável, o castigo o alcançava e o camareiro-mor se viu com a desagradável incumbência de participar o desagrado de Sua Majestade a um homem que ele invejava secretamente.

—Suponhamos que me diga francamente o que tem em mente— sugeriu o Duque.

—Não na minha mente, milorde, e sim, na mente da Rainha.

—Eu devia ter adivinhado— comentou, com um sorriso ligeiramente cínico.

Apesar de sua bela aparência, nos últimos dois anos tinham aparecido em seu rosto as rugas de um homem frequentemente desiludido, que não encarava mais a vida com a mesma despreocupada excitação que tinha sentido quando mais moço.

Para dizer a verdade, o Duque geralmente estava mais entediado do que alegre. A razão de seus casos de amor durarem tão pouco e variarem tanto era ele achar que as mulheres sempre diziam as mesmas coisas, sendo iguais umas às outras depois que a excitação da conquista desaparecia.

—O número de corações partidos por Ilminster é maior do que o número de meus eleitores— disse, pilheriando, um membro do Parlamento, na Câmara dos Comuns.

No livro de apostas do Clube White, estavam inscritas, constantemente, várias apostas grandes sobre a duração da última favorita do Duque.

O camareiro-mor limpou a garganta.

—Lamentavelmente, Sua Majestade ficou sabendo do que aconteceu na galeria dos quadros, ontem.

—É claro que estou pronto a substituir o vaso quebrado— declarou o Duque.

—É o que ela espera do senhor. Mas a Rainha não ficou aborrecida pelo fato de o vaso ter quebrado, e sim, pela causa do acidente.

O Duque, achou que devia ter previsto que seria essa a atitude de Sua Majestade e do Príncipe consorte. Todo o incidente tinha sido lamentável.

Ilminster andava pela galeria, a serviço do Príncipe, quando notou, vindo na sua direção, uma das mais bonitas damas de honra da Rainha.

Era uma criaturinha namoradeira, que lhe havia lançado olhares convidativos em várias ocasiões. Mas o Duque não lhe dera atenção, ocupado com outros interesses.

Dessa vez, a moça parou para falar com ele, e foi impossível o Duque não perceber que ela esperava, excitada, que ele cometesse algum excesso. Então, que poderia fazer, além de lhe satisfazera vontade?

Tomou-a nos braços e beijou-a. A moça retribuiu os beijos de um modo que indicava que se sentira frustrada por ter esperado por eles durante tanto tempo.

Somente quando o Duque se mostrou mais ousado, ela protestou e lutou, de maneira não muito convincente, mas que bastou para excitá-lo mais ainda.

O Duque fez então uma proposta que pareceu chocá-la. Quando a moça lutou de novo, ele a soltou bruscamente.

Seu gesto foi tão inesperado, que ela cambaleou e caiu contra um grande vaso chinês que estava numa coluna de ébano entalhado.

O Duque estendeu a mão para ampará-la, mas foi tarde demais.

A moça bateu com o cotovelo no vaso e este caiu, quebrando-se em vários pedaços.

Os dois olharam para os cacos, consternados. Com um gritinho apavorado, a dama arregaçou a saia do vestido e saiu correndo pelo corredor.

Infelizmente, foi vista, assim como o Duque. O vaso quebrado também foi visto por um dos bajuladores do Príncipe, que julgava de sua obrigação contar a Sua Alteza Real tudo o que acontecia, acreditando que, por fazer isso, sua importância crescia.

Aproximou-se do Duque, que olhava para os cacos no chão, e disse:

—Quebrou um vaso de muito valor, Vossa Graça!

—Isso é obvio.

—Sua Majestade, a Rainha, vai ficar muito aborrecida, pois Sua Alteza Real acaba de redecorar esta galeria.

—Então, Sua Alteza Real terá que encontrar outro vaso— declarou o Duque, afastando-se, para não ouvir mais nada.

Agora, achou que aquele cavalheiro e serviçal devia ter tido grande prazer ao fazer seu relatório por escrito.

Só sentia pena da dama envolvida no caso, que provavelmente seria severamente repreendida. Se ela não tivesse sido vista, Ilminster estaria disposto a assumir toda a culpa.

Perguntou ao camareiro-mor:

—Pois bem, de que maneira devo demonstrar meu arrependimento? Ficando de castigo num canto?

—Infelizmente, creio que é mais ou menos isso, milorde. Sua Majestade acredita que o senhor gostaria de passar os próximos dois meses no campo, em vez de cumprir suas árduas tarefas no Palácio.

O Duque atirou a cabeça para trás e riu.

—Tem toda razão; tenho que ficar de castigo! Estou admirado por você não ter recebido ordem de me dar também umas varadas!

O camareiro-mor sorriu, um tanto pesaroso.

—Não me agrada ter sido encarregado de lhe dizer isso, mas teria que acontecer, cedo ou tarde.

—Não se preocupe. Deixe que lhe diga, e não se trata de despeito de minha parte, que eu estava começando a achar o cerimonial do Palácio muito maçante.

—Todos nós sentimos isso, de vez em quando— comentou o outro, com um suspiro.

—Faz com que eu sinta que nasci na época errada— disse o Duque—, seria muito mais divertido se o tio de Sua Majestade ainda ocupasse o trono.

Referia-se a Jorge IV. Seu comportamento escandaloso como regente, suas extravagâncias e suas amantes gorduchas tinham feito com que as festas de Carlton House fossem as mais divertidas de Londres.

O Palácio de Buckingham devia a ele sua impressionante elegância, sendo um lugar agradável de se visitar e onde era também agradável trabalhar.

O camareiro-mor achou que o Duque estava certo e que aquele ambiente lhe teria sido realmente propício.

O comportamento de Ilminster era de todo georgiano. Seus piores excessos não teriam causado o mínimo escândalo, no reinado do «Príncipe dos prazeres», quando todo mundo só se preocupava em se divertir.

Por contraste, o desejo do Príncipe consorte e de sua adorada esposa Vitória de «serem bons» fazia com que as receções de Buckingham mais parecessem reuniões religiosas do que festas dadas por reis.

O Duque interrompeu a meditação do camareiro-mor, que fazia comparações entre Jorge IV e sua sobrinha Vitória, e perguntou:

—É só isso?

—Creio que é bastante. Só posso repetir, Vossa Graça, que lamento ter sido o portador das más noticias.

—Não se preocupe. Não choro meu destino nem me aborreço por não estar no camarote real, nas próximas corridas em Ascot, terei meu próprio camarote e espero que você vá tomar um drinque comigo, quando meu cavalo ganhar a taça de Ouro.

O camareiro-mor riu e levantou-se.

—Está muito certo de sua vitória.

—Por que não? Tenho o melhor cavalo.

Depois que o Duque saiu, o camareiro disse, para si mesmo:

«E tem o melhor de tudo!»

Na manhã seguinte, Ilminster acordou com a cabeça pesada e a boca seca. Achou que tinha sido extremamente tolo por celebrar seu castigo excedendo-se na bebida, o que não era hábito seu.

Embora suas festas fossem escandalosas, com vários homens ficando embriagados, ele em geral era abstémio.

Na véspera, depois de deixar o camareiro-mor, convidou os amigos íntimos para jantar em Park Lane.

Depois de uma refeição excelente, onde os brindes foram por demais frequentes, tinham ido a uma festa em casa de Lady Duncan. As festas dessa senhora eram conhecidas como escandalosas, mas o Duque as achava muito divertidas.

Lady Duncan tinha sido atriz, se bem que, de acordo com os padrões artísticos, a palavra «atriz» era excessivamente lisonjeira. Havia conseguido que um par do reino, um homem velho (na realidade, senil), casasse com ela.

Embora o marido fosse imensamente rico, a nova Lady não procurou entrar na sociedade que, em todo o caso, mantinha as portas fechadas para ela. Em vez disso, recebia, em sua casa de Grosvenor Square, mulheres bonitas que, por sua vez, atraiam os cavalheiros que apreciavam a hospitalidade de Molly Duncan. Tal hospitalidade era reconhecidamente única.

A principio, as mulheres que compareciam às festas eram atrizes ou cortesas. Gradualmente, algumas pessoas que estavam à margem da sociedade, ou que, embora bem-nascidas, tinham sido deixadas no ostracismo pelas anfitriãs mais rigorosas, começaram a aceitar os convites de Lady Duncan.

Os convidados a Duncan House eram, portanto, uma mistura de tipos e de classes, apesar de todos divertidos e interessantes.

Homens que estavam sem programa ou não tinham aonde ir após um bom jantar apareciam na mansão nos dias em que «a Rainha Molly» recebia três vezes por semana.

Na véspera, o Duque foi até lá com os amigos e ela lhe estendeu os braços, com uma exclamação de alegria, descendo a escada correndo e beijando-o apaixonadamente.

Ainda era uma bela mulher, de um tipo avantajado. Seus olhos brilhavam, assim como os cabelos dourados.

O que também cintilava eram os diamantes do colar, dos brincos, das pulseiras.

—Senti sua falta!— disse ao Duque—, como é que me abandonou durante tanto tempo?

—É uma história monótona, minha cara. Agora que voltei, não me aborreça com recriminações.

—Nunca o aborreci. Nem seus amigos vão ficar aborrecidos, hoje. Chegaram de Paris umas moças muito bonitas!

No dia seguinte, o Duque se lembrou de que, de fato, as francesas eram lindas e alegres.

Mas, em vez de dar sua atenção a elas, permitiu que Dilys Chertsey o monopolizasse.

Lady Dilys era outra pessoa que tinha caído no desfavor da Rainha e estava definitivamente na lista negra de Buckingham.

Filha de um Duque, fugira, quando estava ainda no colégio, com um oficial do Exército, que tinha achado irresistível de uniforme e maçante sem ele.

Felizmente para a esposa, ele morreu num acidente de caça, três anos depois do casamento.

Dilys não voltou para a companhia da família. Montou casa em Londres e começou a se divertir de um modo que as grandes anfitriãs consideravam extremamente impróprio.

Mas não podiam desprezá-la completamente, levando-se em consideração a importância social de seus pais, o Duque sendo persona grata da Rainha.

Faziam o possível para evitar Dilys, que, por sua vez, pouco importância lhes dava, e falavam da jovem viúva cochichando.

Enquanto isso, ela, que era financeiramente independente, se divertia.

O Duque sabia que Dilys o perseguia há muito tempo, mas a evitava, pois seria, um erro envolver-se com uma mulher quase tão notória como ele.

Ao mesmo tempo, era impossível não admirar sua beleza e vivacidade.

Na véspera, como estava celebrando o fato de ter caído em desgraça, e celebrando-o com certo exagero, o Duque sucumbiu aos agrados de Dilys. De manhã, teve dificuldade em deixar a cama da bela viúva.

Quando começou a se vestir para voltar para casa, achou-a muito sedutora, com os cabelos ruivos espalhados sobre o travesseiro, os olhos verdes brilhando sob as longas pestanas escuras.

—Até logo, Vian— disse ela—, você me fez muito feliz. Quando estiver menos cansado, faremos nossos planos...

A essa altura, o Duque já se achava à porta. Apavorado, recordou-se de que as últimas palavras que ouvira, quando já estava no corredor, foram: «para nosso casamento».

«Não posso ter ouvido isso. Devo estar sonhando.»

Mas agora que sua mente estava clara, o efeito da bebida tendo passado após algumas horas de sono, teve certeza de que ouvira aquilo.

—É impossível— murmurou, tocando a campainha para chamar seu criado de quarto.

Dali a uma hora, enquanto Vian comia o desjejum, a porta se abriu e o mordomo anunciou:

—O Major Edward Bicester, Vossa Graça!

O Duque empurrou o prato e olhou com alívio para seu maior amigo e confidente, que acabava de entrar.

—Bom dia, Vian. Como é que pode estar de pé tão cedo, depois de uma noite daquelas?

—Preciso falar com você, Eddie.

O Major sentou-se, com cuidado, numa cadeira que o mordomo tinha puxado para ele, perguntando-lhe o que desejava tomar.

—Conhaque, e bastante!

Impassível, o mordomo colocou um copo ao lado dele, serviu-o generosamente, acrescentou à bebida um pouco de soda e colocou na mesa a garrafa e o sifão.

Depois, seguindo as habituais instruções do patrão, retirou-se e fechou a porta.

O Major tomou um gole de conhaque e disse:

—Você está com uma aparência insultuosamente boa, depois de uma noitada como a de ontem!

—Mas não me sinto bem!— murmurou o Duque.

—Nem eu. Se quer saber a verdade, o vinho de Molly piora à medida que vai passando a noite. É um velho truque, do qual já devíamos desconfiar. Tenho certeza de que o vinho que nos oferecem no fim da noite não é o mesmo do princípio.

—Isso acontece em muitas casas. Mas não mandei chamá-lo para discutir a hospitalidade de Molly. Isto é, não diretamente.

Eddie olhou-o, apreensivo.

—O que aconteceu?

—Bebi demais, ontem à noite.

—Foi o que também achei, e isso não é hábito seu, Vian. Mas, naturalmente, tinha uma desculpa para se exceder.

—Uma desculpa idiota.

Eddie pareceu refletir e depois disse:

—Creio que você nunca deu um jantar tão bom, aqui, como o de ontem.

—Não quero falar do jantar, e sim, do que aconteceu depois.

O amigo tomou mais um gole de conhaque e perguntou:

—O que houve?

—Como eu estava meio alto, levei Dilys para casa. Ela tomou suas providencias para que eu a acompanhasse.

—Já há algum tempo que está atrás de você.

—Dilys foi muito clara. E, como eu estava no que se pode chamar de «estado de espírito recetivo», concordei com tudo o que sugeriu.

—Ela não é apenas bonita, mas também esperta como ninguém!

—Isso é o que me assusta: está querendo me obrigar a casar com ela.

—Não é novidade. Todas querem casar com você. E quem pode censurá-las? Não há muitos Duques bonitos e solteiros por aí!

—Eddie, estou falando sério.

—A respeito de Dilys? Ninguém pode levá-la a sério.

O Duque ficou em silêncio durante alguns momentos.

—Para ser franco, não me lembro do que disse ontem à noite.

—Tem muita importância?

—Tenho a impressão de que Dilys não apenas vai se aproveitar ao máximo do que eu disse, como inventar o que eu não disse.

O Major inclinou-se para a frente, com expressão incrédula.

—Quer dizer que está realmente preocupado com Dilys, Vian? Deus de piedade! Com a reputação que tem, ela não pode pretender casar com um homem como você.

—Pois bem, creio que vai tentar. E não quero um escândalo desse tipo, no momento.

—O que está dizendo é que, apesar de sua atitude de bravata, ontem à noite, não está contente por ter sido afastado de Buckingham, assim, sem mais nem menos.

—Se quer saber a verdade, é um fato que vai preocupar meus parentes, mais do que qualquer outra coisa que eu tenha feito até agora.

Eddie ficou em silêncio. Ao contrário da maneira como agia em Londres, seu amigo fazia questão de ter um ótimo comportamento, quando se achava em sua mansão ancestral, em Buckinghamshire. A mãe do Duque morava em Dower House e vários parentes residiam na propriedade. Quando ia para lá, Vian era um modelo do que um aristocrata e um senhor rural devia ser.

Eddie muitas vezes refletia sobre as duas facetas do caráter do amigo, achando que um homem muito inteligente poderia, de maneira tão astuta, manter o equilíbrio entre o que era e o que os parentes queriam que fosse.

—Estou começando a compreender por que você bebeu tanto, ontem.

—Foi estupidez minha— observou o Duque—, e não quero aborrecer minha mãe, que não está bem de saúde, atualmente.

—Talvez ela não venha a saber— disse Eddie, esperançoso.

—Uma de minhas irmãs, que não gosta de mim, é uma das damas da Rainha.

—É verdade! Casou com aquele velho maçante, Osbome, que sempre teve inveja de você.

—Exatamente!

—Lamento muito, Vian. E um problema com Dilys não ia melhorar a situação.

—Claro que não. Tenho que evitar isso. A questão é: como?

—Está querendo saber minha opinião?

—Foi por isso que lhe pedi que viesse aqui, numa hora que você considera indecentemente matinal.

Eddie tomou mais um gole de conhaque.

—Se Dilys Chertsey quer casar com você, é porque se fartou das críticas da família, assim como das censuras dos velhos pedantes e santarrões que encarara com pouco caso qualquer pessoa bonita como Dilys.

—As mulheres nunca lutam com lealdade— observou o Duque—, e sempre vencem, no fim.

—Creio que tem razão. E, do ponto de vista da alta sociedade, nada seria melhor para Dilys do que casar com você.

O Duque deu um soco na mesa, fazendo com que a louça estremecesse.

—Maldição! Não tenho vontade de casar com ninguém, muito menos com Dilys Chertsey!

Não imaginava coisa pior do que casar com uma mulher que tivera uma legião de amantes, que iriam aparecer em qualquer lugar aonde o marido a levasse.

O Duque não pensava seriamente em casamento, embora seus parentes, e principalmente a mãe, lhe pedissem constantemente que providenciasse um herdeiro.

Tivera um caso infeliz, quando era muito moço, que fizera com que acreditasse que todas as mulheres que dele se aproximavam com ideia de casamento estavam interessadas apenas em seu título.

Provavelmente, isso era inevitável com homens de sua posição social.

Ao mesmo tempo, sentia horror a um casamento frio, arranjado, com uma mulher que o aborreceria até mesmo antes de ir com ela para a cama, e mais ainda depois que fosse!

Embora jamais tivesse dito isso, estava decidido a casar por amor, ou, na pior das hipóteses, quando se convencesse de que a escolhida estava apaixonada por ele.

Depois, com cinismo, perguntava a si mesmo como poderia ter certeza de que ela o considerava mais como homem do que como Duque, e a resposta era sempre muito deprimente.

Casar com alguém como Dilys Chertsey seria contrariar tudo o que nele havia, não apenas de exigente como de idealista.

Embora tivesse infringido muitas das leis da decência, não pretendia destruir completamente a confiança que alguns de seus parentes ainda depositavam nele, como chefe da família.

Contou a Eddie exatamente o que acontecera na véspera, assim como lhe repetiu as palavras de Dilys, quando ele saia do quarto.

—Caí na cama, assim que cheguei em casa. Só hoje de manhã, ao acordar, me lembrei claramente do que aconteceu e tive certeza de que não me enganava.

—Ela não pode forçá-lo a isso, Vian.

—Não tenho confiança naquela mulher. Você sabe muito bem que ela vai tentar, e aí haverá encrenca!

—Trate de evitar isso.

—Como?

Ambos ficaram em silêncio. O Duque levantou-se, foi até o aparador e serviu-se de uma dose pequena de conhaque.

—Vamos lá, Eddie. Você nunca me falhou, em todas as encrencas em que estivemos metidos.

Em Eton, o amigo o ajudara a entrar por uma das janelas dos fundos, quando ele voltara depois que a escola estava fechada. Em outra ocasião, Eddie tinha despistado os encarregados da disciplina, em Oxford, enquanto o Duque saia para um encontro amoroso. E, quando estavam no Exército, salvara a vida de Vian.

Para dizer a verdade, o Duque tinha retribuído o favor, mas isso não vinha ao caso, agora.

Como o silêncio se tornava opressivo, ele perguntou:

—E então?

—A melhor coisa que você tem a fazer é ir imediatamente para o campo— declarou Eddie.

—E se Dilys for para Minster, atrás de mim, e fizer uma cena, quando me recusar a casar com ela? Seria um desastre!

—Precisa evitar uma cena, a todo custo. Dilys deve ter percebido que você estava embriagado, ontem à noite. Com certeza, espera que diga que não se lembra de nada. O importante é ela não ter oportunidade de lembrar isso a você.

—Então, que devo fazer, se ela for atrás de mim? Esconder-me num armário, ou na chaminé?

—Está sendo obtuso, Vian. Minster não é a única propriedade que você possui.

O Duque ergueu as sobrancelhas.

—Então, para onde sugere que eu vá?

—Deus de piedade! Ninguém tem mais fácil escolha do que você. Possui propriedades em toda a Inglaterra! A última vez que estive em Minster, examinei o mapa na parede do escritório geral e fiquei atónito com o número de fazendas. Em todas aquelas manchas verdes que vi no mapa, deve haver uma casa!

—Está sugerindo, Eddie, que eu vá para um lugar onde ninguém esperaria me encontrar? É uma ideia!

—É a única ideia sensata. Se for para o exterior, todos dirão que está fugindo. É o que fazem as pessoas que se veem metidas em encrencas.

—É verdade.

—Basta você dizer que vai para uma de suas propriedades. Então, Dilys terá que descobrir qual delas, e isso levará tempo.

—Você tem uma qualidade, Eddie: sempre sabe o que é melhor para mim.

—O importante é ter uma desculpa plausível para se ausentar e não parecer que está fugindo, o que, na realidade, é o que estará fazendo!

—Muito bem. Para onde devo ir?

—Para o lugar menos óbvio.

Pela primeira vez, desde que tinha chegado, Eddie viu o amigo sorrir.

—Estava com esperança de que você me acompanhasse.

—Bem que gostaria, mas não hoje. E é hoje que você deve partir.

—Já?

—Claro! Dilys não vai perder tempo, fique certo. Se pretende mesmo tomar uma providencia, virá aqui antes do almoço, ou logo depois, e você já deverá ter partido!

—É impossível...— começou o Duque.

Interrompeu-se e tocou a campainha de prata que estava na mesa, a seu lado.

O mordomo apareceu imediatamente.

—Chamou, Vossa Graça?

—Diga ao Sr. Garston que venha aqui.

—Perfeitamente, Vossa Graça.

Eddie reclinou-se na cadeira e deu uma risadinha.

—Agora, vou ver a máquina começar a funcionar. Já vi isso antes e sempre achei divertido.

—Estou contente por alguém se divertir— observou o Duque, com ironia—, pessoalmente, acho isso muito maçante!

—Considere tudo como uma aventura!

—Quanto tempo acha que devo ficar fora? E quando pode ir ao meu encontro?

—Não antes do fim da semana— respondeu Eddie—, tenho que pedir licença ao Coronel para me ausentar. E inscrevi três de meus homens no campeonato de boxe de pesos pesados. Não posso deixar de comparecer às lutas, não é mesmo?

—Não, claro que não.

—Assim que tudo estiver terminado, irei ao seu encontro. Chegaria mais depressa, se me emprestasse uma de suas melhores parelhas.

—Isso está cheirando a chantagem— comentou o Duque—, pode pegar os baios.

—Obrigado. Vou gostar de dirigi-los. Não quero ir muito longe, pois não tenho sua habilidade nem sua resistência física, Vian.

—Muito bem. Talvez prefira viajar de trem.

—Nem por sombra! Essas máquinas novas, sujas e malcheirosas, não me atraem. Além do mais, não creio que você tenha uma no caminho de uma ferrovia.

O Duque riu.

—Ainda não, mas espero que chegue esse dia.

—Só espero não estar vivo, quando acontecer. Não tenho vontade de viver numa época dominada por máquinas.

—Nem eu. Mas vamos resolver para onde devo ir.

A porta se abriu e o secretário particular de Vian, o Sr. Garston, entrou.

Estava com o Duque desde que este herdara o título e cuidava de todos os seus negócios. Era um homem de uns cinquenta anos, sempre com expressão preocupada, mas um organizador nato e de inteira confiança.

—Bom dia, Vossa Graça— disse, respeitosamente, ficando ao lado da cadeira do patrão.

—Preciso sair de Londres imediatamente, Garston. Para dizer a verdade, mais ou menos dentro de uma hora.

A expressão do secretário não se alterou. Calmamente, perguntou:

—Para onde Vossa Graça vai?

—Ainda não resolvi. Onde é que possuo uma casa confortável, que não visitei ultimamente e que não exija uma viagem de muitos dias para lá chegar?

Garston refletiu por alguns momentos.

—Há o pavilhão de caça, em Leicestershire, Vossa Graça.

—Estive lá no inverno passado e o achei muito desconfortável.

—As reformas que Vossa Graça sugeriu foram feitas.

Não muito entusiasmado com a sugestão, o Duque não respondeu. Garston continuou:

—Há uma propriedade que Vossa Graça não visita desde muito moço, mas tenho a impressão de que não se interessa muito por ela.

—De qual está falando?

—De Queen’s Hoo, em Worcestershire. O Duque fitou-o por um momento.

—Queen’s Hoo? Quase me esqueci de que tenho essa propriedade.

—Ainda lhe pertence, senhor.

—Nunca o ouvi falar de Queen’s Hoo, Vian— disse Eddie—, um nome curioso.

—A casa foi construída para a Rainha Elizabeth, como um retiro para ela descansar de seus pesados encargos em Londres— explicou o Duque.

Deu um sorriso enviesado e continuou:

—Parece um lugar apropriado para eu ir. Muito bem, Garston, vou para Queen’s Hoo. Mande um criado na frente, para providenciar tudo para minha chegada. Vou dirigindo o faetonte e quero quatro batedores. Um dos cavalos deve ser Perseus, para que eu possa montá-lo, quando o desejar. A bagagem, como de costume, pode ir na carruagem, puxada por seis cavalos.

—Perfeitamente, Vossa Graça.

Sem mais nada dizer, Garston saiu da sala. Eddie riu.

—Como é fácil! Basta esfregar a lâmpada mágica; o gênio aparece, você diz o que deseja e tudo se realiza!

—Espero que sim. Não vou a Queen’s Hoo desde os meus vinte anos. Minha avó morou lá até morrer. Brigou com meu pai e se recusou a residir em Minster. Eu gostava de me hospedar com ela. Só espero que nada tenha mudado.

—Com certeza, vai encontrar o jardim cheio de ervas daninhas, a criadagem indisciplinada e os arrendatários descontentes. Os patrões que ficam ausentes durante muito tempo merecem tudo isso!— brincou Eddie.

—Pelo menos, terei o que fazer, para endireitar tudo. Mas vou ficar muito entediado, até você chegar.

—Pode procurar se arrepender de seus pecados.

—É uma coisa que não pretendo fazer, embora isso certamente agradasse à Rainha.

—Tinha que acontecer, cedo ou tarde, Vian. Mas, pelo menos, você aproveitou a vida.

—Até parece que me condena— observou o Duque.

—Não exatamente.

—Que quer dizer com isso?

—Se quer a verdade, está desperdiçando sua inteligência, correndo atrás de divertimentos que, na manhã seguinte, não parecem valer grande coisa.

O Duque pareceu aborrecido.

—Isso, sem dúvida, é uma crítica.

—Você perguntou, e sempre dissemos a verdade um ao outro.

—Eu não sabia que, como todo mundo, você me censurava.

—Não, realmente. Mas acho um erro uma festa se prolongar demais!

—Agora, está dizendo uma coisa sensata— de repente, empurrou a cadeira—, com mil diabos, Eddie! Está me deixando deprimido. A festa não acabou. Pretendo me divertir por muito tempo ainda, antes de «assentar na vida», como diz minha família.

—Você já aproveitou bastante.

—Lá vem de novo com sermões!— queixou-se o Duque—, quanto mais depressa eu escapar de você, do Palácio e de Dilys, melhor. E mais depressa poderei voltar.

—A volta do filho pródigo!— Eddie riu—, embora eu não ache que você, sendo quem é, vá ficar definhando! Haverá muitas camponesas por perto para matar seu tédio.

—Estou farto de suas piadinhas. Volte para o quartel e para seus pugilistas.

Eddie riu de novo e terminou o conhaque.

—Assim que eu puder ir ao seu encontro, avisarei Garston. E trate de providenciar para que haja lá alguma coisa que nos divirta!

—Com certeza, você me encontrará chorando de arrependimento— brincou o Duque.

—Aposto o que quiser que isso não vai acontecer!

Vian sorriu.

—E vai ganhar! Garanto que sou um penitente muito impenitente! E trate de não deixar que saibam para onde fui!

—Vou dizer a todo mundo que você está em Minster. Depois que descobrirem que não foi para lá, pretendo enumerar todas as suas propriedades, uma a uma.

—Cuidado para que Dilys não o obrigue a contar onde estou.

—Pode ficar tranquilo. Quando ela e eu nos separámos, foi com amargura, e não adianta relembrar o passado.

O Duque encarou Eddie. Só então, se lembrou de que o amigo tinha tido um caso com a bela viúva.

—Maldição! Por esse motivo, Eddie, mesmo que não fosse por outro, jamais casarei com Dilys!

A Casa Encantada

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