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ОглавлениеCAPÍTULO I 1819
O mordomo de Alverstode House, em Grovesnor Square, ficou admirado ao ver o Visconde Frome, saindo de seu faetonte, elegantemente vestido.
Sua admiração nada tinha a ver com a aparência de Sua Senhoria, pois era conhecida a ambição do Visconde em ser aclamado como um dos dez mais do Beau Monde.
O que surpreendia era o fato de o pupilo do Duque de Alverstode, de apenas vinte e um anos de idade, aparecer de manhã tão cedo.
Barrow bem sabia que, tal com o resto dos jovens modernos, o Visconde continuava a se levantar tarde e passar pelo menos duas horas se arrumando antes de aparecer em público.
Agora, quando o relógio sequer batera nove horas, o Visconde subia as escadas do imponente casarão.
—Bom dia, milorde!— saudou Barrow—, veio ver Sua Alteza?
—Não estou atrasado?— indagou o Visconde, ansioso.
—De maneira alguma, senhor. Sua Alteza voltou de seu passeio a cavalo há apenas dez minutos e está tomando o café da manhã.
Sem esperar para ouvir mais nada, o Visconde atravessou o majestoso vestíbulo de mármore e foi até a sala que dava para o jardim, na parte de trás da casa.
O Duque de Alverstode estava, como de costume, sentado numa mesa junto à janela, com o Times apoiado sobre um pequeno cavalete de prata, servindo-se de um lauto café da manhã.
Assim que o Visconde entrou, o Duque encarou-o com a mesma expressão de surpresa que o jovem lera no rosto do mordomo.
—Bom dia, primo Valerian— cumprimentou o Visconde.
—Deus do céu, Lucien!— exclamou o Duque—, o que o traz aqui a esta hora da manhã? Será que foi desafiado para um duelo, para se ter levantado tão cedo?
—Não, claro que não!— respondeu o rapaz, imediatamente, antes de perceber que seu tutor estava brincando.
Sentou-se do outro lado da mesa e ficou em silêncio. O Duque percebeu que seu pupilo estava nervoso.
—Se não é um duelo— comentou, depois de servir-se de uma costeleta de carneiro—, então o que pode estar preocupando você?
Silêncio novamente, até que o Visconde disse abruptamente:
—Estou apaixonado!
—Outra vez?— exclamou o Duque, parando de comer.
—Desta vez é diferente!— explicou o Visconde—, sei que julguei muitas vezes estar apaixonado antes, mas agora é muito, muito diferente, mesmo.
—Por que é diferente?— indagou o Duque.
O tom em que formulou a pergunta fez com que o Visconde olhasse para ele com apreensão.
O tutor, apesar de ser um homem muito atraente, era pessoa que intimidava e não havia ninguém no Beau Monde que não tratasse o Duque de Alverstode com grande respeito.
Até mesmo as mulheres que andavam atrás dele, e não eram poucas, quando se confidenciavam umas com as outras, admitiam ter receios de se aproximarem dele.
O próprio Regente acatava a opinião do Duque e raramente o contradizia.
—Quero me casar com Claribell— anunciou o Visconde, depois de alguns instantes—, mas você me fez jurar que não pediria ninguém em casamento sem ter primeiro sua autorização.
—Uma precaução muito sensata da minha parte— comentou o Duque, secamente—, não acredito que tivesse sido feliz se o tivesse deixado casar-se com a filha daquele professor que virou sua cabeça, quando estava em Oxford, ou com aquela dançarina que você garantia ser o amor de sua vida.
—Eu era muito jovem naquela época— respondeu o Visconde rapidamente.
—E agora não é muito mais velho— lembrou o Duque.
—Tenho idade suficiente para saber o que quero!— retorquiu o Visconde—, sei que vou ser loucamente feliz com Claribell e pelo menos você não vai poder dizer que ela é vulgar, como dizia de todas as outras senhoras por quem estivesse interessado.
O Duque arqueou as sobrancelhas.
—Senhoras?— perguntou sarcasticamente.
—Pense o que quiser— disse o Visconde com petulância—, não eram tão vulgares quanto você dava a entender. De qualquer maneira, agora com Claribell você não vai querer cortar o meu dinheiro, porque ela tem fortuna própria.
—Já não é nada mau— aquiesceu o Duque—, mas conte-me mais sobre essa moça que aprisionou seu vacilante coração.
O Visconde nem precisou de mais encorajamento. Inclinando-se para a frente, com os cotovelos em cima de mesa, começou:
—Ela é linda, tão linda que me fez pensar que desceu do Olimpo. E me ama! Você acredita? Ela me ama por aquilo que sou!
A expressão do Duque estava mais cínica do que nunca, pensando em quantas mulheres já se tinham apaixonado por seu pupilo e certo de que ainda haveria muitas mais.
O pai do Visconde era um primo afastado, que fora morto em Waterloo. Fora um choque não muito agradável para o Duque, descobrir que se tinha tornado tutor do filho dele.
O testamento do último Visconde Frome tinha sido feito alguns anos antes, quando o próprio pai do Duque ainda era vivo.
Estava escrito que, se alguma coisa lhe acontecesse, enquanto estivesse servindo no Exército de Wellington, seu filho e mais algum que viesse a ter ficariam sob a tutela do Duque de Alverstode.
O atual Duque julgava um descuido muito grande, por parte dos advogados, terem elaborado o testamento do primo, omitindo o nome de seu pai como o terceiro Duque de Alverstode e, consequentemente, futuro tutor dos filhos do Visconde de Frome.
Esse pequeno detalhe teria permitido que o atual Duque passasse a tarefa de cuidar do jovem Lucien a outra pessoa da família.
Agora, porém, tudo o que tinha a fazer era tentar impedir que o rapaz fizesse um casamento desastroso.
Todas as moças que haviam despertado o interesse do Visconde, até aquele momento, eram, sob o ponto de vista social, absolutamente inaceitáveis.
As duas jovens que Lucien mencionara, não haviam sido as únicas, recordava o Duque. Houvera também uma viúva, interessada em obter uma boa situação social; era uma senhora muito mais velha que seu pupilo e sonhava em tornar-se Viscondessa.
Houvera ainda outra, de virtude duvidosa, que tentara fazer um escândalo quando tudo acabara, mas que, afinal, se calara ao receber uma generosa quantia em moedas de ouro.
—Seus elogios a essa misteriosa criatura são comoventes— disse o Duque, brincalhão—, mas você esqueceu de dizer-me o nome de tal beldade.
—É Claribell Stamford— disse o Visconde, arrebatadoramente.
O Duque ficou tentando se lembrar onde ouvira esse nome.
—Stamford!— exclamou ele, passado um momento—, não me diga que é da família de Sir Jarvis Stamford, o proprietário de cavalos de corrida?
—Ela mesma— assegurou o Visconde—, sabia que você se recordaria do pai dela. Ele possui cavalos excelentes. Se não me falha a memória, um de seus cavalos perdeu para o dele, no ano passado em Cambridgeshire.
—Por puro acaso— comentou o Duque, na defensiva. Depois deu uma risada e acrescentou—, lembro-me de como Stamford ficou satisfeito por ter-me vencido.
—Mas isso não é razão para você ficar contra a filha dele— protestou o Visconde.
—Eu não disse que estava contra— retorquiu o Duque.
—Então vai me deixar casar com ela?— perguntou o Visconde, muito ansioso.
O Duque ficou calado.
Estava pensando que, aos vinte e um anos, Lucien era ainda muito jovem, inexperiente e na sua opinião, tão cabeça oca quanto qualquer colegial.
Era muito rebelde também e, na opinião de muita gente, levava uma vida desregrada.
Não que o Duque o condenasse por isso. Era o normal para qualquer jovem: uma vez que não estavam em guerra, eles tinham que exteriorizar suas energias, não importando a quem pudessem prejudicar.
O Duque tinha a impressão de que Claribell, ou lá como se chamasse a última ninfa de Lucien, não seria uma esposa melhor que as outras todas por quem ele se tinha interessado antes.
Estava pensativo e o Visconde olhava para ele, inquieto, até que não resistindo mais, ameaçou:
—Se você me negar a autorização para cortejar Claribell, primo Valerian, juro que vou convencê-la a fugir comigo e que se danem as consequências!
O Duque ficou irritado.
—Se ela for o tipo de moça que você deve desposar e a quem eu aprovaria, ela mesma vai se recusar a cometer semelhante loucura!
Fez uma pausa antes de acrescentar:
—Nenhuma garota decente e que saiba se comportar corretamente vai querer considerar a hipótese de fugir e de se casar por aí de qualquer maneira. Você está apenas tentando chantagear alguém que se interessa pelo seu bem.
O Visconde recostou-se na cadeira, com um ar de dignidade ofendida.
—Tenho vinte e um anos e pensei que me fosse permitido agir como um homem e não como uma marionete amarrada nas fitas do seu avental.
O Duque fez um trejeito com a boca.
—Uma metáfora um pouco confusa, meu caro Lucien— disse ele—, mas dá para entender.
—Você me trata como se ainda usasse fraldas— queixou-se o Visconde.
—Estranho que pense assim— retorquiu o Duque—, estou apenas pensando nos seus interesses. Tenho que admitir que essa miss Stamford me parece ser melhor que as candidatas anteriores.
Um brilho novo apareceu nos olhos do Visconde.
—Então você vai considerar o meu pedido?
—Evidentemente!— assegurou o Duque.
O jovem se debruçou de novo na mesa, ansiosamente.
—É melhor você conhecer Claribell e então vai entender por que quero que ela seja minha esposa.
—Era exatamente o que eu ia sugerir— disse o Duque—, sempre achei que o melhor lugar para se conhecer as pessoas é em sua própria casa, no seu ambiente habitual.
—Você quer dizer...?— começou o Visconde, hesitante.
—Sugiro que você peça a Sir Jarvis que nos convide a ficar com ele por um ou dois dias.
—No campo?— indagou Lucien.
—Sobretudo no campo!— afirmou o Duque.
—Não entendo por que esse detalhe é tão importante, primo Valerian.
—Acha que tenho que explicar?— perguntou o Duque—, pensei que as minhas razões fossem evidentes.
—Sir Jarvis tem uma casa em Londres e Claribell gosta de participar dos bailes que estão havendo no momento.
—Claro que deve gostar— retorquiu o Duque—, e como você dança muito bem, devo imaginar que ela o considera o par perfeito.
Aquelas palavras não soaram como elogio e o Visconde, que se orgulhava de ser um ótimo dançarino, corou, ressentido.
—Se eu sugerir uma visita à casa de campo e Sir Jarvis não quiser sair de Londres, o que devo fazer?— indagou o jovem, por fim.
—Creio que Sir Jarvis sentir-se-á honrado em me receber— comentou o Duque—, mas, se por acaso, pretender adiar um pouco esse convite, então, meu caro Lucien, você terá que esperar.
Pela firmeza com que o Duque fez aquela afirmação, ficou claro que não adiantava discutir mais.
O Visconde, no entanto, estava preocupado com a ideia de Claribell não querer sair de Londres, onde gostava tanta de estar.
O Duque podia ler os pensamentos do primo e, pegando o Times, começou a folheá-lo, enquanto sorvia seu café sem se importar mais, aparentemente, com o jovem Visconde.
Lucien permaneceu em silêncio por algum tempo e depois disse, com hesitação:
—Primo Valerian, acho que devo lhe agradecer por não se ter negado a fazer o que lhe pedi. Tenho a certeza de que, quando conhecer Claribell, compreenderá o que sinto por ela.
—Certamente— respondeu o Duque.
Acabou de tomar o café e levantou-se.
—Agora tenho muito trabalho para fazer. O que realmente me preocupa é o que você vai fazer enquanto seus amigos, que nunca acordam antes do meio-dia, não lhe vierem fazer companhia.
—Você está zombando de mim— respondeu o Visconde, ofendido.
—Sinceramente, não— assegurou o Duque—, não acho que seja motivo para zombaria você só fazer exercício em pistas de dança, e o único ar puro que respira é o do caminho entre sua casa e o clube!
—Não é verdade!— protestou o Visconde—, ontem fui ver uma luta em Wimbledon e, na semana passada, ou foi na retrasada?, fui ver as corridas de cavalo em Epsom.
—O que eu sugeriria, francamente — disse o Duque, com paciência—, é que você montasse todas as manhãs, ou se preferir, ao final da tarde. Sempre lhe disse que meus cavalos estão à sua disposição.
—Não tenho tempo para isso— argumentou o Visconde.
—Ou, se não quiser montar— continuou o Duque, não lhe dando ouvidos—, uns poucos rounds na academia de boxe Gentleman Jackson lhe devolveriam os músculos dos braços e aumentaria sua resistência.
—Eu me fartei de boxe em Eton!— contestou Lucien—, não tenho a menor vontade de que alguém me quebre o nariz!— depois acrescentou, olhando para o Duque—, tudo isso é muito bom para você, primo Valerian, que é um atleta nato. É o que todos dizem. Você é melhor boxeador e esgrimista do que a maioria das pessoas!
—Sou melhor porque me dei ao trabalho de aprender toda a técnica dos dois primeiros esportes que você mencionou— explicou o Duque—, e monto porque adoro cavalos..., além de que isso me mantém em forma.
—Prefiro dirigir— comentou o Visconde, com petulância.
—Um esporte para preguiçosos, embora você sempre consiga arranjar uma audiência que admire sua perícia com as rédeas.
—Agora está tentando me ridicularizar!— queixou-se o Visconde, com amargura.
O Duque suspirou, depois disse, num tom diferente:
—Não estou não. Na verdade, Lucien, estou pensando em você e tentando ajudá-lo a se transformar no homem que seu pai desejaria que fosse. Admito que talvez esteja sendo muito exigente, mas não tenho muita prática em ser tutor de alguém.
Aquele comentário, sem nenhuma dose de sarcasmo, afastou o olhar de ressentimento do jovem Visconde.
—Não quero ser ingrato, primo Valerian, reconheço tudo o que tem feito por mim desde que papai morreu. Você tem sido muito generoso e tem me deixado fazer tudo o que quero, exceto no tocante a casamento.
—Então, só nos resta esperar— respondeu o Duque—, que desta vez eu possa dar minha opinião, de coração aberto.
—Você vai dar a permissão, eu sei que vai dar!— disse o Visconde, entusiasmado—, espere até ver Claribell! Você vai ficar fascinado por ela!
O Duque sorriu, duvidosamente, enquanto o primo acrescentava:
—Só tenho medo de que ela prefira ficar com você quando o conhecer! Sempre me disse que o admirava muito.
—Estou lisonjeado!— agradeceu o Duque, secamente—, mas não se preocupe com isso, Lucien, porque não tenho a menor intenção de tirar Claribell ou qualquer jovenzinha de você. Primeiro, porque acho as jovens extremamente maçantes e depois, porque não pretendo me casar, pelo menos nos próximos anos.
—Você vai ter que dar um herdeiro ao ducado, mais cedo ou mais tarde, primo— lembrou o Visconde.
—Ainda tenho tempo pela frente, antes de ficar senil— retorquiu o Duque—, mesmo daqui a anos, certamente aparecerá uma mulher disposta a me dar um filho e a me aturar!
O Visconde desatou a rir.
—Não tenha dúvida! A sua reputação em destroçar corações, primo Valerian, não deixa nada a desejar!
O rosto do Duque se endureceu. Era o tipo de comentário que ele achava de muito mau gosto e que devia ser feito pelas mulheres com quem Lucien se relacionava.
Temendo que o primo ficasse de mau humor, o Visconde se apressou a dizer:
—Se você tem trabalho a fazer, embora eu não imagine o que possa ser, vou-me embora. O meu faetonte está lá fora.
—O novo?— perguntou o Duque—, vi a conta ontem. Não há dúvida de que você está decidido a fazer mais de uma loucura ao mesmo tempo!
—Esses construtores de carruagens são uns ladrões— protestou o Visconde—, mas você não imagina que maravilha de veículo é aquele e como anda depressa. Se vier comigo dar uma olhada, primo Valerian, verá que estou falando verdade.
—Vou deixar isso para outro dia— respondeu o Duque—, Middleton está esperando por mim e temos muito que fazer antes de eu ir almoçar em Carlton House.
—Então vou indo. Tentarei falar com Sir Jarvis hoje mesmo, a fim de que ele fixe uma data para nossa visita a Stamford Towers.
—Ficarei esperando pelo convite dele— disse o Duque—, até mais ver, Lucien!
Sem esperar pela resposta do Visconde, o Duque Valerian saiu da sala, dirigindo-se para a biblioteca, onde seu secretário e contabilista o aguardava.
O Visconde ficou observando o primo se afastar, pensando que, afinal, a entrevista não fora tão má quanto ele previra e invejando, inconscientemente, o andar atlético e elegante do Duque.
Por instantes, chegou a considerar a sugestão do seu tutor e fazer mais exercício. Logo depois, porém, desistiu da ideia; seria impossível ser um bom esportista, por isso o melhor que tinha a fazer era aproveitar o tempo no alfaiate e nos salões de dança.
Foi para o vestíbulo, onde Barrow o aguardava para lhe entregar o chapéu alto e as luvas.
—Tudo bem, senhor Lucien?— perguntou o mordomo, num tom gentil de quem o conhecia desde criança.
—Podia ter sido pior!— suspirou o jovem.
—Fico satisfeito, senhor!— disse o homem, sorrindo.
—Obrigado, Barrow— agradeceu o rapaz.
O Visconde sorriu para o velho empregado e dirigiu-se para o faetonte, achando, com orgulho, que aquele era o mais elegante de todos os que se viam em qualquer outro lugar de Londres.
Custara uma fortuna, mas ele podia pagar. O único problema era que todas as suas extravagâncias ainda tinham que ser aprovadas pelo tutor, antes de as contas serem pagas.
O jovem Visconde ficava irritado com isso, uma vez que seu pai lhe deixara uma fortuna considerável, da qual só poderia dispor após completar vinte e cinco anos de idade.
Muitos homens administravam seu próprio dinheiro, assim que chegavam à maioridade. Mas ele não! Ainda teria que prestar contas durante mais quatro anos! Aquela situação era absolutamente humilhante!
Lembrando-se de que Claribell devia estar esperando que ele lhe fosse contar o resultado da entrevista, esqueceu-se de tudo o mais.
Queria ir ter com ela imediatamente e contar o que o Duque dissera.
Sabia, no entanto, que não a poderia ver antes da hora do almoço e que seria mais correto ir visitá-la à tarde.
—Não consigo esperar tanto tempo!— disse a si mesmo, achando um martírio ficar naquele suspense.
Não era de admirar que estivesse enamorado da garota mais bonita que jamais aparecera na temporada de Londres. Mas não eram apenas os loiros cabelos da jovem que brilhavam como raios de sol, os olhos azuis como águas-marinhas e a pele macia e rosada como pêssego, que lhe haviam roubado o coração. Era sua firmeza, tão incomum nas garotas da idade dela.
Talvez fosse a beleza que lhe desse a segurança e porte que faltavam às outras jovens que ele conhecera até então.
«Com o meu dinheiro e o dela», pensava o Visconde, enquanto guiava o cavalo para Park Lane, «poderemos levar uma vida maravilhosa! Poderei dar a Claribell tudo o que ela desejar, além de poder ter cavalos que farão inveja a qualquer homem em St. James!»
Sentado à sua escrivaninha, com uma pilha de papéis à sua frente, o Duque pensava em Lucien, enquanto o Sr. Middleton lhe explicava um problema qualquer que havia em Alverstode.
Como já acontecera outras vezes, estava preocupado com o rapaz.
Tinha certeza de que os amigos do Visconde não passavam de uma coleção de cabeças ocas, mas, por outro lado, ele próprio estava sendo intransigente demais, por ser muito mais velho do que eles.
«Não acredito que eu fosse tão inconsequente quando tinha vinte e um anos», disse para si mesmo.
O Sr. Middleton acabou o seu longo discurso sobre a necessidade de se construir um novo depósito de materiais em madeira e uma estrada que levasse até lá.
—Estou preocupado com o Sr. Lucien. O que tem ouvido sobre ele ultimamente?— perguntou o Duque.
—Tenho apenas ouvido contar as histórias habituais das desordens que ele e os amigos provocam nos salões de baile.
Fez uma pausa e vendo que o Duque estava atento, continuou:
—Outro dia foram postos para fora de uma das mais conhecidas «casas de prazer» porque estavam interferindo nos «negócios», e houve também um duelo perigoso em que Sua Senhoria tomou parte, mas fora isso não aconteceu mais nada que deva preocupar Sua Alteza.
—Acho que você já tinha se retirado da sala, quando ele me disse que queria se casar.
—Com miss Claribell Stamford?— indagou o Sr. Middleton.
—Sim. Já calculava que você devia ter sido o primeiro a saber! E não me disse nada!
—Não achei que o assunto fosse suficientemente sério para incomodar Vossa Alteza— respondeu o homem—, miss Stamford tem muitos admiradores.
—Ela é muito bonita?
—Sem dúvida nenhuma, e já foi aclamada a debutante da temporada!
—Uma estrela!— comentou o Duque, sarcasticamente.
—Ainda não— respondeu o Sr. Middleton—, certamente poderá vir a ser, quando os membros dos clubes repararem nela.
O Duque olhou cinicamente e o Sr. Middleton continuou:
—Vossa Alteza já deve ter encontrado Sir Jarvis Stamford nas corridas de cavalos.
—Acho que ele é membro do Jóquei Clube— disse o Duque, despreocupadamente—, mas na verdade, não me lembro de termos sido apresentados. O que você sabe sobre ele?
—Muito pouco, Alteza, mas posso descobrir facilmente.
—Faça isso!— ordenou o Duque—, tenho o pressentimento, embora possa estar enganado, de que a certa altura ele esteve envolvido num escândalo qualquer. Lembro-me de ter ouvido rumores sobre atitudes menos leais. Será que estou imaginando coisas?
—Deixe comigo, Alteza. Entretanto, também vou descobrir por que miss Stamford está retribuindo à corte de Sua Senhoria. Quando ouvi falar nela a última vez, estava com alguém mais importante em vista.
O Duque ficou pensativo, olhando para seu secretário.
—O que você está insinuando, Middleton— disse lentamente—, é que miss Stamford, ou talvez o pai, estão tentando subir na escala social.
O Sr. Middleton sorriu.
—Claro, Alteza. Para todas as jovens, como é de vosso conhecimento, quanto maior for o título, melhor a presa!
O secretário viu os lábios do Duque se estreitarem e tal como acontecera com o Visconde, lembrou-se de que qualquer menção aos seus romances, o deixava muito contrafeito.
Middleton sabia que as mulheres andavam sempre atrás do patrão, não só por ser um homem muito atraente, mas também porque seu ar indiferente constituía um desafio irresistível para elas.
Surpreendentemente, numa época em que as pessoas falavam abertamente e a moral era muito relativa, o Duque considerava de muito mau gosto falar de qualquer mulher por quem estivesse interessado e esse pormenor aumentava ainda mais a aura de mistério que o envolvia.
Não havia uma só mulher no Beau Monde que não soubesse que conquistar o coração do Duque de Alverstode, seria uma proeza maior do que ganhar o derby.
Apesar de o Duque ter tido romances, tudo se passara discretamente e mesmo as mexeriqueiras não ficavam sabendo de nada, a não ser quando os casos terminavam.
No entanto como o Duque sabia escolher muito bem, e como as mulheres que o amavam raramente se zangavam com ele, os curiosos ficavam sem conhecer detalhes sobre seus relacionamentos.
O Sr. Middleton juntou seus papéis.
—Vou descobrir o que quiser, Alteza—afirmou ele—, e fornecerei qualquer informação que obtiver sobre Sir Jarvis o mais rapidamente possível.
—Obrigado, Middleton, sabia que podia contar com você— disse o Duque, levantando-se da escrivaninha, onde estava trabalhando há quase duas horas, e esticando as pernas.
—Agora vou a Carlton House, mas como devo ser forçado a comer e a beber demais, o que me desagrada muito fazer ao meio do dia, mande um mensageiro à academia Gentleman Jackson e diga-lhe que estarei lá por volta das quatro e meia. Peça que lhe digam também que gostaria muito de lutar um ou dois rounds com ele, pessoalmente.
O Sr. Middleton sorriu.
—Ele vai ficar satisfeito com seu convite, apesar de eu ter ouvido dizer que na semana passada Vossa Alteza lhe deu uma boa surra.
O Duque desatou a rir.
—Acho que estava com uma sorte fora do comum, ou então Jackson estava desatento. Seja como for, foi um acontecimento, uma vez que Jackson é o melhor boxeador de que se tem notícia.
—Sem dúvida, Alteza— concordou o secretário.
O dia já estava terminando, quando Sir Jarvis voltou para sua imponente mansão em Park Lane.
Mal entrou no vestíbulo, onde o mordomo e seis criados o esperavam, o secretário, um homem pequeno e insignificante que falava como se tivesse medo de abrir a boca, veio correndo ter com ele.
—Miss Claribell pediu para ir vê-la assim que chegasse, senhor.
Sir Jarvis olhou para o secretário, tentando perceber se haveria uma razão oculta por trás daquele pedido.
Ia dizer qualquer coisa, mas deteve-se ao reparar que os seis criados estavam ouvindo.
—Onde está miss Claribell?— perguntou rapidamente.
—Em sua saleta íntima, senhor.
Sir Jarvis subiu as escadas, os pés mergulhados no carpete macio e alto, muito mais caro do que o existente na maioria das outras mansões.
Chegou ao topo da escadaria e ficou admirando um quadro de Rubens que comprara recentemente num leilão.
Esperava que fosse autêntico e que não tivesse sido um engano comprá-lo. Custara uma fortuna e se alguém o tivesse passado para trás, iria se arrepender amargamente.
Seguiu pelo corredor, recheado de móveis preciosos e entrou na sala dos aposentos de Claribell. Tudo era decorado para ser uma moldura perfeita para a beleza da jovem.
As paredes brancas e douradas, os pingentes azuis, o teto pintado por artista italiano, tudo servia para realçar os dotes físicos de qualquer mulher. Quando Claribell se levantou do sofá e dirigiu-se correndo até ele, o pai pensou em como ela parecia uma joia rara.
—Papai! Que bom que você voltou!— exclamou a garota.
—O que está acontecendo?— indagou imediatamente Sir Jarvis.
—Lucien falou com o Duque! Finalmente ganhou coragem! Como você sabe, tive muito trabalho para convencê-lo a fazer isso.
—Mas conseguiu!
—Sim, consegui!— garantiu a moça.
Claribell pegou a mão do pai e levou-o até ao sofá, onde se sentaram, lado a lado.
—Bem, e o que aconteceu?— perguntou o Sir Jarvis.
Claribell respirou fundo.
—Lucien disse ao Duque que queria se casar comigo.
Os lábios do homem se estreitaram, como se ele estivesse prevendo que o pedido tivesse sido recusado.
—E o que é que você acha que o Duque respondeu?— perguntou Claribell.
—Conte você, minha filha.
—Ele disse que quer me conhecer em nossa casa de campo!
Sir Jarvis ficou em silêncio, olhando para a filha, como se não pudesse acreditar no que acabara de ouvir.
—O Duque quer ficar conosco em Stamford Towers?— indagou ele.
Claribell assentiu com a cabeça.
—Quer e estou certa de que isso significa que ele dará o consentimento, papai. Oh, não é maravilhoso? Poderei estar casada antes do fim da temporada e poderei comparecer à abertura do Parlamento como Viscondessa!
—E será a mais bela de todas, minha querida— assegurou o homem, cheio de orgulho.
—Também acho, papai, e você tem que me comprar uma tiara maior e mais valiosa que a de todo o mundo.
—Claro, claro!— concordou Sir Jarvis—, mas mal posso acreditar que o Duque deseje ficar conosco.
—Lucien também ficou surpreendido. Ele me disse que o Duque é muito esquisito e só aceita convites dos amigos íntimos, como o Duque de Bedford e o Duque de Northumberland e que costuma recusar milhares de outros.
—Temos que fazer tudo para que ele não se arrependa de ir a Stamford Towers!
—E para nos certificar de que ele concordará com meu casamento com Lucien!
—Sim, sim, é claro. Mas agora já temos meio caminho andado— disse Sir Jarvis, achando que a filha estava um pouco insegura—, por que não iria aceitar você?— perguntou secamente—, além de muito bonita, você é rica e a família de sua mãe tinha sangue azul.
—Será que Lucien se lembrou de falar ao Duque sobre mamãe?
—Se ele se esquecer, eu mesmo falarei— disse Sir Jarvis—, uma vez que o Duque esteja em minha casa, terá que me dar ouvidos.
—Claro, papai, e mande já o convite. Lucien acha que a gente não deve adiar as coisas.
—Concordo com ele— disse Sir Jarvis—, quanto mais depressa melhor!
Falou como se estivesse pensando noutra coisa e não na filha.
Depois inclinando-se, beijou-a.
—Estou muito orgulhoso de você, querida. Tudo isto vai-nos ajudar a esquecer o desagradável incidente com o Conde de Dorset.
—Nunca mais quero pensar nele!— exclamou Claribell—, ele me decepcionou e nunca o perdoarei!
—Nem eu— afirmou Sir Jarvis—, ele não perde por esperar. Mais cedo ou mais tarde eu pegarei aquele rapaz e ele vai lamentar ter tratado você da forma como tratou.
Claribell levantou-se e foi olhar-se no espelho em cima da lareira.
—Como ele pôde ter agido assim?— perguntou em voz baixa, como se falasse consigo mesma—, como pôde ter preferido aquela cara de lua cheia da Alice Wyndham a mim?
—Esqueça! Esqueça!— disse o pai—, Lucien não só é Visconde como também o tutor dele é um dos homens mais importantes e influentes da alta sociedade, no turfe e em todo o país. A propriedade Alverstode é um modelo para qualquer proprietário de terras e um convite para Alverstode House é quase tão honroso quanto ser convidado para qualquer dos palácios reais!
—E é onde nós ficaremos muitas vezes no futuro!— disse Claribell, num tom sonhador.
—Só espero que você se lembre de incluir seu pobre pai em algumas festas!— disse Sir Jarvis.
—Mas é evidente, papai! E tenho o pressentimento de que uma vez que Lucien e eu estejamos casados, você e o Duque tornar-se-ão bons amigos. Afinal, vocês dois possuem os melhores cavalos de corrida da Inglaterra.
—Não todos, minha querida, mas certamente a maioria— disse Sir Jarvis, complacentemente.
—É um interesse comum muito importante, não é mesmo?
—Certamente— concordou Sir Jarvis—, mas o elo mais importante vai ser você estar casada com o pupilo do Duque, um jovem que, segundo ouço dizer, é muito estimado pelo tutor, que se preocupa com ele desde os tempos de escola.
—É verdade— concordou Claribell—, e apesar de Lucien ter um certo receio dele, não há dúvida de que o estima e respeita muito.
—Como a maioria das pessoas!— afirmou Sir Jarvis—, minha querida, o seu futuro vai ser exatamente como planejei. Você é uma garota de sorte!
Claribell parou de se olhar no espelho e aproximou-se do pai.
Levantou o rosto e ele ficou admirando-a como se fosse uma deusa.
—Vou gostar de ser Viscondessa!— disse a moça, triunfantemente.