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CAPÍTULO DOIS

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Enquanto Riley acompanhava April pelas escadas, deu por si a pensar se tinha realmente tomado a decisão certa. Mas ela conseguia sentir que April estava entusiasmada com o conteúdo da “surpresa”.

Pareceu-lhe que April também estava um pouco nervosa.

Não mais nervosa do que eu, Apercebeu-se Riley. Mas sabia que não podia mudar de ideias agora.

Entraram no quarto de Riley.

Um relance da expressão no rosto da filha convenceu Riley a não avançar com explicações. Foi ao seu armário onde se encontrava um pequeno cofre preto na prateleira. Digitou o código, retirou algo do seu interior e colocou o objeto em cima da cama.

Os olhos de April arregalaram-se com o que viu.

“Uma arma!” Disse ela. “É…?”

“Tua?” Disse Riley. “Bem, legalmente ainda é minha. A lei da Virginia diz que só podes possuir uma arma aos dezoito anos. Mas podes aprender com esta até lá. Vamos andar devagar, mas se te habituares a ela, será tua.”

April estava estupefacta.

“Queres?” Perguntou Riley.

April parecia não saber o que dizer.

Será que cometi um erro? Perguntou-se Riley. Talvez April não se sentisse prepararada para aquilo.

Riley disse, “Disseste que querias ser uma agente do FBI.”

April anuiu avidamente.

Riley disse, “Então – eu pensei que seria boa ideia iniciar-te no treino de armas. Não te parece bem?”

“Sim – oh, sim,” Disse April. “Isto é fantástico. Mesmo, mesmo fantástico. Obrigada mãe. Estou só um bocado espantada. Não esperava isto.”

“Eu também não,” Disse Riley. “Quero dizer, não esperava fazer isto nesta altura. Possuir uma arma é uma grande responsabilidade com que muitos adultos não conseguem arcar.”

Riley tirou a arma da caixa e mostrou-a a April.

Disse, “É uma Ruger SR22 – uma arma semiautomática de calibre .22.”

“.22?” Perguntou April.

“Acredita em mim, isto não é um brinquedo. Ainda não te quero treinar com um calibre mais elevado. Uma .22 pode ser tão perigosa como qualquer outra arma – ou até mais. Há mais pessoas a morrerem com este calibre do que com outro qualquer. Trata-a com cuidado e respeito. Só a vais manipular para treinar. O resto do tempo fica no meu armário. Vai ficar num cofre que só pode ser aberto com um código. Por agora, só eu terei acesso a ele.”

“Claro,” Disse April. “Não a ia querer por aí à toa.”

Riley acrescentou, “E preferia que não falasses disto à Jilly.”

“E a Gabriella?”

Riley sabia que a pergunta era pertinente. No que dizia respeito a Jilly, tratava-se de uma simples questão de maturidade. Ela poderia ter ciúmes e querer uma arma para ela, algo que estava fora de questão. Quanto a Gabriela, Riley suspeitava que ela ficaria assustada com a ideia de April estar a aprender a usar uma arma.

“Hei-de dizer-lhe,” Disse Riley. “Mas ainda não.”

Riley mostrou o carregador vazio e disse, “Certifica-te sempre se a tua arma está carregada ou não.”

Entregou a arma descarregada a April, cujas mãos tremiam um pouco.

Riley quase brincou…

“Peço desculpa por não ter arranjado uma em cor de rosa.”

Mas pensou melhor. Não era coisa com que se brincasse.

April disse, “Mas o que faço com ela? Onde? Quando?”

“Agora mesmo,” Disse Riley. “Vem, vamos.”

Riley voltou a colocar a arma na caixa e levou-a consigo quando descera as escadas. Felizmente, Gabriela estava atarefada na cozinha e Jilly estava noutro compartimento, por isso não tiveram que discutir o que estava dentro da caixa.

April foi à cozinha e disse a Gabriela que ela e Riley ia sair por um bocado, depois foi à sala e disse o mesmo a Jilly. A rapariga parecia estar fascinada com algo que passava na TV e limitou-se a abanar a cabeça.

Riley e April saíram de casa e entraram no carro. Riley levou-a até um armeiro chamado Smith Firearms onde comprara a arma há alguns dias. Quando ela e April entraram, viram-se rodeadas de armas de todos os tipos e tamanhos, penduradas nas paredes ou em caixas de vidro.

Foram cumprimentadas por Brick Smith, o dono da loja. Brick era um homem grande, com barba, sorridente e que usava uma camisa de xadrez.

“Olá, senhora Paige,” Disse ele. “É bom vê-la novamente. O que a traz por cá hoje?”

Riley disse, “Esta é a minha filha April. Viemos até cá para experimentar a Ruger que lhe comprei no outro dia.”

Brick Smith pareceu divertido. Riley lembrava-se quando ali levara o namorado Blaine para lhe comprar uma arma de autodefesa. Nessa altura, Brick parecera perplexo por ver uma mulher a comprar uma arma para um homem. Mas a sua surpresa rapidamente se desvaneceu quando soube que Riley era agente do FBI.

Agora não estava minimamente surpreendido.

Está a habituar-se a mim, Pensou Riley. Ótimo. Nem toda a gente consegue.

“Bem, bem, bem,” Disse ele, olhando para April. “Não me disse que estava a comprar a arma para a sua filhinha.”

Aquelas palavras aborreceram Riley ligeiramente…

“… a sua filhinha.”

Pensou – terá April ficado ofendida?

Riley olhou para April e reparou que ela ainda aparentava estar espantada com tudo aquilo.

Talvez se sinta uma menina pequena no momento, Pensou Riley.

Brick Smith conduziu Riley e April até uma porta que dava para uma surpreendentemente grande carreira de tiro atrás da loja e depois deixou-as sozinhas.

“Comecemos pelo início,” Disse Riley, apontando para uma lista longa na parede. “Lê estas regras. Se tiveres dúvidas, pergunta-me.”

Riley ficou a ver April a ler as regras, que como é óbvio cobriam todas as questões de segurança, incluindo nunca apontar a arma em nenhuma direção que não seja a carreira de tiro. Enquanto April lia com uma expressão séria, Riley sentiu uma estranha sensação de déjà vu. Recordou-se de quando ali levara Blaine para comprar e experimentar uma nova arma.

Era uma memória algo amarga.

Depois da sua primeira noite juntos, Blaine dissera-lhe de forma hesitante ao pequeno-almoço…

“Acho que preciso de comprar uma arma. Para proteção em casa.”

É claro que Riley entendera porquê. A sua própria vida estivera em perigo desde que a conhecera. E a verdade é que dias mais tarde, precisara daquela arma não só para se defender a si próprio, como também toda a família de Riley de um perigoso criminoso em fuga, Shane Hatcher. Blaine quase matara o homem.

Riley agora sentia novamente a culpa por aquele terrível incidente.

Ninguém está seguro comigo na sua vida? Interrogou-se. Toda a gente que conheço precisará de armas por causa de mim?

April acabou de ler as regras, e ela e Riley dirigiram-se a uma das cabinas vazias onde April colocou o equipamento de proteção de ouvidos e olhos. Riley tirou a arma da caixa e colocou-a em frente a April.

April olhou para ela com uma expressão assustada.

Ainda bem, Pensou Riley. Ela deve sentir-se intimidada.

April disse, “Esta é diferente da arma que compraste ao Blaine.”

“Sim,” Disse Riley. “Comprei-lhe uma Smith and Wesson 686, um revólver de calibre .38 – uma arma muito mais poderosa. Mas as necessidades dele eram diferentes. Ele só queria defender-se. Ele não estava a pensar em ser agente do FBI como tu.”

Riley pegou na arma e mostrou-a a April.

“Existem algumas grandes diferenças entre um revólver e uma semiautomática. Uma semiautomática tem imensas vantagens, mas também algumas desvantagens – falhas de ignição ocasionais, falhas na ejeção, encravamentos. Não queria que o Blaine tivesse que lidar com essas coisas, não numa emergência. Mas quanto a ti – bem, podes muito bem começar a aprender sobre elas agora mesmo, num cenário seguro onde a vida não está em perigo.”

Riley começou a mostrar a April o que ela precisava de saber de seguida – como introduzir as munições no carregador, como introduzir o carregador na arma e como o descarregar.

Ao fazer a demonstração, Riley disse, “Agora esta arma pode ser usada tanto em modo de ação única como em modo de ação dupla. Podes disparar tiros rápidos até o carregador esvaziar. Essa é a grande vantagem de uma semiautomática.”

Colocando o dedo no gatilho, Riley prosseguiu, “A ação dupla é quando fazes todo o trabalho com o gatilho. Se quiseres disparar outra vez, tens que começar do início. Isso dá mais trabalho – o teu dedo está a pressionar três a cinco Kg de pressão – e o disparo é mais lento. E é o que quero que faças para começar.”

Ela carregou num botão para colocar o alvo de papel a uma distância de seis metros de distância da cabina, depois mostrou a April a postura correta e posições das mãos para disparar, e também como apontar.

Riley disse, “OK, a tua arma não está carregada. Vamos tentar tiros sem munições.”

Tal como fizera com Blaine, Riley explicou a April como respirar – inspirar lentamente enquanto aponta, depois expirar lentamente quando carrega no gatilho para que o corpo esteja o mais quieto possível quando a arma é disparada.

April apontou cuidadosamente para o alvo, depois carregou no gatilho diversas vezes. Então, por indicação de Riley, colocou o carregador com munições na arma, retomou a sua posição e disparou um único tiro.

April soltou um guincho alarmado.

“Atingi alguma coisa?” Perguntou.

Riley apontou para o alvo.

“Bem, atingiste o alvo. E para primeira tentativa, não está mal. Como te sentiste?”

April soltou uma risada nervosa.

“Foi surpreendente. Espera mais….”

“Recuo?”

“Sim. E não foi tão alto como esperava.”

Riley assentiu e disse, “Isso é uma das coisas boas de uma .22. Não vais desenvolver maus hábitos. À medida que fores avançando para armas maiores, estarás preparada para lidar com a sua potência. Vai, esvazia o carregador.”

Enquanto April disparou lentamente os nove restantes tiros, Riley reparou numa mudança no seu rosto. Era uma expressão determinada, feroz que Riley julgou já lhe ter visto no passado. Riley tentou lembrar-se…

Quando é que foi? Apenas uma vez, Pensou.

Então a memória atingiu-a como um raio…

Riley perseguira o monstro chamado Peterson até à margem do rio. Mantinha April como refém, atada de pés e mãos e com uma arma encostada à cabeça. Quando a arma de Peterson falhou, Riley atirou-se a ele e lutaram no rio até ele empurrar a sua cabeça para debaixo de água na tentativa de a afogar.

O seu rosto veio à superfície por um momento e ela viu algo de que nunca se esqueceria…

De pulsos e pés ainda atados, April estava de pé a segurar na shotgun que Peterson deixara cair.

April bateu com a coronha na cabeça de Peterson…


A luta terminara pouco depois quando Riley esmagou o rosto de Peterson com uma pedra.

Mas nunca se perdoara por permitir que April enfrentasse tal perigo.

E agora, ali estava April, disparando contra o alvo com a mesma expressão feroz no rosto.

É tão parecida comigo, Pensou Riley.

E se April realmente se empenhasse, Riley tinha a certeza de que se tornaria numa agente do FBI melhor do que ela.

Mas seria isso bom ou mau?

Riley não sabia se se devia sentir culpada ou orgulhosa.

Mas durante a sessão de treino de meia hora, April disparou com crescente confiança e precisão contra o alvo. Quando deixaram o armeiro e foram para casa, Riley sentia orgulho na filha.

April estava entusiasmada e conversadora, perguntando todo o o tipo de perguntas sobre o treino que a esperava. Riley deu-lhe as respostas possíveis, tentando não demonstrar a sua ambivalência face ao futuro que April parecia desejar tanto.

Ao aproximarem-se de casa, April disse, “Olha quem cá está.”

Riley ficou desiludida quando viu o caro BMW estacionado à sua porta. Ela sabia que pertencia à última pessoa no mundo que queria ver naquele momento.

Despedaçadas

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