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PRELIMINAR
Оглавление(DA 2.ª EDIÇÃO)
Vae para trinta annos que estão publicados os Contos phantasticos. Em boa verdade, nunca mais passei os olhos por este livro, que me apparece agora como obra de um extranho. Não tornei a lêr esses contos, não por um affectado desdem pela minha obra, desdem que condemno em todo o escriptor que se não preoccupa com a coordenação definitiva dos seus trabalhos, mas porque este pobre livro ficára ligado a impressões dolorosas cuja renovação evitava.
Foram reunidos em volume em 1865 os Contos phantasticos no meio das refregas da conhecida Questão de Coimbra; publicára a maior parte d'elles no Jornal do Commercio, em cuja collaboração litteraria auferia uns tantos réis com que ia seguindo o meu curso na Universidade. De repente achei-me cercado de odios; cortaram-me os viveres na empreza do jornal, nas aulas de Direito tiraram-me a mesquinha distincção academica, os criticos espalmaram-me rudemente, os livreiros recusaram-se a dar publicidade ao que escrevia, e os patriarchas das lettras com o peso da sua auctoridade sorriam com equivocos sobre o meu valor intellectual, chegando a circularem lendas depressivas do meu caracter e costumes que só consegui desfazer com uma vida ás claras e cheia de ignorados sacrificios. Outro qualquer ter-se-hia rendido.
Vi-me forçado a inverter as bases da minha existencia, abandonando a Arte que me seduzia, porque me abandonara a serenidade contemplativa, e lancei-me á critica, á erudição, á sciencia, á philosophia. N'este campo os meus erros e exageros bem merecem ser perdoados. Só muito tarde é que consegui conciliar em mim estas duas tendencias do espirito; mas não pensava em reimprimir os Contos phantasticos, a não sêr um dia em uma collecção de cousas avulsas constituindo a ingenua miscellanea das minhas Juvenilia.
Uma carta do meu bom amigo Antonio Maria Pereira surprehendeu-me, manifestando o desejo de fazer uma nova edição d'estes Contos. Como recusar-me a uma tão honrosa proposta?
Resalvei a condição de revêr isso de que nem já formava ideia. Foi assim que tive de lêr os Contos phantasticos, do rapaz de vinte e dous annos que existiu em mim, e a frio pude julgar da impressão por elles produzida. Achei ali uma fraca penetração do mundo subjectivo ou moral, encoberta com o esforço das comparações poeticas e dos epithetos; desgostou-me o estylo em que a prosa se confunde com o verso, – apresentando ainda a falta de nitidez de quem não pensa com segurança; e emquanto ao drama da vida, que é o thema eterno das obras de arte, notei tambem pouco movimento, as situações são narradas em vez de succedidas.
O que salva então o livro?
Uma pequena cousa, que é tudo, – a paixão. Ao fim de trinta annos ainda achei ali calor, a ardencia de um organismo que se queima, a vibração sensorial de uma mocidade plena que se lança de peito aberto ao combate da vida.
Foi esta paixão flagrante que fez com que esses Contos não ficassem esquecidos no Jornal do Commercio de 1865; voltando então de umas ferias para Coimbra, felicitou-me Eça de Queiroz, affirmando-me que nos cafés em Lisboa cortavam-se os folhetins, quando traziam algum conto meu. N'esse mesmo anno José Fontana quiz publical-os em um livro, que seguiu o seu fadario, sendo o mais glorioso o andar na algibeira do celebre engenheiro João Evangelista, que morreu devorado por uma violenta paixão amorosa. O pequeno livro estava na mesma afinação da sua alma. Cartas, que ainda guardo, me fallaram da impressão de um ou outro conto, por esse tempo.
Tudo isto me lembrou ao sentir que effectivamente o fogo que ha n'esses mesquinhos quadros se communica. E n'este dilemma dos dois amores, em que ainda se debate o espirito, attrahido para a arte e seduzido pela sciencia, hoje repassando as paginas d'este livro, é com uma certa piedade saudosa que o deixo reviver na publicidade, e lhe inscrevo com a frieza do Qualificador inquisitorial: Feitas as emendas necessarias póde correr.
Fevereiro de 1894.
THEOPHILO BRAGA.