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CAPÍTULO UM

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– Você precisa partir, Ryk. Não pode ficar aqui. Se você não for, eles te capturarão – a mãe, Galina, exigiu enquanto enfiava roupas em uma bolsa de lona que ela tinha pegado no fundo do armário dele.

– Do que a senhora está falando, mãe? Não posso te deixar. Não farei como o papai e te abandonar com os humanos – objetou Ryker.

A mãe parou o que estava fazendo e olhou para ele. Odiava ver as lágrimas brilhando nos olhos cor de lavanda. Ela trabalhou duro para sustentá-lo e protegê-lo da sujeirada de Bramble’s Edge.

A vida da maioria dos seus amigos parecia uma partida de queimada enquanto eles percorriam as ruas da Edge tentando arrumar trabalho, comida ou diversão. Não era fácil ser um feérico no reino de Mag Mell. Bem, o reino costumava ser dos feéricos, mas isso foi antes de os humanos o invadirem.

Depois da invasão, os feéricos da idade da sua mãe foram forçados a ir para a pequena Bramble’s Edge. Lá na Edge, todos os feéricos eram controlados e usados para aperfeiçoamento humano. Ryker não sabia como era a vida antes de toda a raça feérica ser mandada para a Edge, e não se importava muito com isso. Tudo o que queria agora era sobreviver e tomar conta da mãe.

– Não é seguro para você continuar aqui. Prometo que ficarei a salvo.

Ryker atravessou o quarto e puxou a mãe para um abraço. Sua altura a deixava no nível de seu peito. A baixa estatura só aumentou o desejo de ser o protetor dela. A mãe já tinha feito muito por ele. E agora ele finalmente poderia retribuir.

Queria envolvê-la com suas novas asas azuis e pretas e protegê-la de todos os maus-tratos. Por cima da cabeça dela, ele tinha a visão perfeita das asas laranja e amarelo. Parte dele estava aliviada por finalmente ter passado pela transição.

Por anos esteve imaginando quando seus poderes apareceriam. Aos vinte e quatro anos, ele estava na média do desenvolvimento. A maioria dos feéricos atingia esse ponto entre os vinte e um e os trinta anos, sendo que a maioria só passava pela transição aos vinte e tantos anos.

A mãe não era velha para uma feérica. Eles não envelheciam como os humanos, o que ele pensava que os deixava muito emputecidos. Por exemplo, o cabelo louro da mãe não entregava a idade como faria com um humano da idade dela. Tinha mais vida nela do que em qualquer humano de sessenta e três anos.

Sua raça vivia por centenas, senão milhares de anos, e tinha habilidades muito superiores às habilidades comuns dos humanos. É claro, havia alguns com habilidade de premonição, telepatia e outras que tinham a ver com a mente, mas não chegavam nem perto de serem tão poderosos quanto os feéricos.

Ryker acreditava que os feéricos não seriam subjugados para sempre. Precisava acreditar que a sua raça ia acabar retomando o poder. As asas se agitaram em suas costas lembrando-o do porquê de eles estarem tendo aquela conversa.

– Você tem que fugir e encontrar o canal subterrâneo – instruiu Galina. – Seus poderes estão se manifestando. – As palavras dela fizeram Ryker olhar para trás, para as brilhantes asas azuis. Parte dele estava animado por descobrir a estirpe dos seus poderes e das suas habilidades, mas o resto dele estava apavorado. Aquilo mudava tudo, e ele não estava pronto para mudanças.

Quando chegavam à sua força total, os feéricos desenvolviam poderes. Eles tinham a habilidade de controlar os elementos. Alguns eram capazes de criar e usar fogo enquanto outros faziam o mesmo com água, terra ou ar. E havia os poucos que podiam controlar todos os quatro, e também a alma.

– Sim, mas eu posso escondê-los. Não vou te deixar. Assim que aprender a controlar os poderes, pretendo trabalhar para que a senhora não tenha mais que limpar casas na zona neutra.

Uma batida na porta da frente ecoou pelo pequeno apartamento antes de a mãe responder. A mão dela foi para a boca e ela olhou pela janela.

– Saia pela janela enquanto me livro deles.

– Como sabia que eles viriam hoje? – imaginou Ryker. Fazia poucas horas que ele soube que seus poderes estavam se manifestando. O repentino influxo de poder fez suas terminações parecerem circuitos elétricos logo antes de a cor inundar suas asas pálidas. Cada feérico nascia com asas da cor pêssego com leves detalhes mais escuros e quando faziam a transição, elas mudavam de cor. Na maior parte das vezes ficavam pretas ou de alguma outra cor escura.

As luzes no banheiro explodiram quando ele tentou tomar banho e a água foi de quente à fria e então quente de novo em uma corrida vertiginosa. A mãe explicou o que estava acontecendo e que ela pensava que ele seria perito em mais de um elemento, e logo começou a arrumar as suas malas.

– Nada passa batido por eles. Você sabe muito bem, Ryk. Vá agora – ela o enxotou para a janela. – Encontre a peridun do outro lado do bordel. Ela te levará até o subterrâneo. Eu amo você.

Ryker jogou a bolsa sobre o ombro e seguiu para a janela antes que pudesse repensar a sua partida. Não desejava ir para o Conservatório Bramble’s Edge Academy. Todo mundo que passava por lá saía como escravo.

– Eu vou voltar – prometeu.

A voz da mãe soou alta na morada humilde enquanto ele erguia a vidraça. Passos ecoaram no segundo em que a janela rangeu em protesto. Ryker saltou pela janela imediatamente. O prédio ao lado estava a pouco mais de um metro de distância e ele quase escorregou no rebordo cheio de fuligem em que pousara.

– Pare. Não tente resistir – ordenou um macho, desde a janela aberta. Ryker ficou de pé na minúscula sacada e abriu as asas em resposta. O feérico xingou e se arrastou pela janela atrás dele. Ryker odiava ficar com raiva ou brigar com os de sua espécie.

Sempre que via a polícia patrulhando a Edge, imaginava quantos deles queriam estar fazendo aquilo. Seu instinto dizia que, agora, nada era o que parecia naquele mundo. Desconsiderou os rumores sobre o estado do resto do reino junto com os de como os humanos chegaram ao poder. Devia ter mais em jogo.

Ryker rosnou e agachou para alçar voo. O som de metal o fez parar antes de sair.

– Puta merda – xingou enquanto batia as asas e tentava voar para longe. Infelizmente, não foi rápido o bastante.

Seus pulsos caíram para a lateral do corpo no segundo em que as algemas mágicas entraram em contato com a pele. Caindo de joelhos, Ryker tentou se livrar das contenções. Precisava se libertar ou iria terminar no Conservatório.

Do canto do olho, notou vários vizinhos pairando dentro de suas casas observando o que se passava. Queria mostrar que os feéricos podiam lutar, mas estava impotente para fazer qualquer coisa, exceto suar enquanto a dor em seu torso aumentava.

A faixa mágica envolvia o seu peito e prendia suas mãos. Quanto mais lutava, mais dor irradiava do metal. Queimava-lhe a pele, fazendo-o imaginar se o aço tinha se fundindo com os seus ossos depois de a eletricidade vir comendo a sua pele.

– É inútil, Ryker. Desista. Será mais fácil se vier por vontade própria – disse o macho.

Erguendo os olhos verdes, Ryker notou que o macho estava mais perto e ficou chocado ao perceber que o conhecia. Não havia como confundir aqueles olhos azuis e o cabelo vermelho, ou as asas rubro-negras.

– Aidan? É você?

– Sim. Sou eu. Olha, você precisa ficar calmo. A mágica vai dissipar se você parar de lutar. O Conservatório não é tão ruim quanto ouvimos quando crianças. Você aprenderá a controlar seus poderes. Sem instruções, você não pode esperar canalizar e dominar suas habilidades.

Ryker quis zombar do amigo de infância. Parecia que ele recitava uma mensagem ensaiada. Era impossível esquecer as histórias que ouviram dos estudantes sendo mutilados pelas práticas de ensino de lá. E, às vezes, até pior.

O problema era que, sem acesso à tecnologia, não havia como saber a verdade, a não ser indo para a escola. A malandrice que o atraíra para Aidan agora estava completamente ausente. Aquilo devia significar alguma coisa, não é?

– Ryker – a mãe soluçou de dentro do banheiro. Outro macho estava com as mãos nos ombros dela, e se erguia acima da pequena forma com ombros fortes e um olhar feio. A ameaça era evidente. E, aquilo fez a náusea agitar as suas vísceras.

Ryker esquadrinhou a área rapidamente, e pesou as opções. A área de pedras em ruínas onde os feéricos viviam era urbana e um anátema para o que dava energia a sua espécie.

As velhas lendas diziam que os feéricos criaram Brable’s Edge como uma zona de comércio, mas a área de quinze quarteirões era rodeada por plantas e animais que alimentavam o seu poder. Ryker nunca tinha visto o reino, pois os feéricos não podiam ter acesso a equipamentos ou computadores. Tudo o que sabia era que os humanos viviam de forma muito diferente da deles.

Costumava acompanhar a mãe até as casas que ela limpava para humanos comuns. Eles tinham telas enormes que exibiam filmes e outros equipamentos que ele sequer imaginava o que eram. Diziam que os ricos tinham ainda mais coisas.

Havia apenas uma opção se quisesse escapar e encontrar uma forma de melhorar a posição do seu povo. Ficou de pé. Ryker empurrou o balcão e bateu as asas.

Felizmente, elas estavam abertas quando as algemas de contenção o prenderam ou não teria escolha a não ser a de ir com eles. No ar, ele teve uma visão melhor da Edge. A seção dos centauros era a um quarteirão e meio dali e os condomínios de apartamentos pequenos dos Barghests rodeavam os estábulos do outro lado.

Chamar a área em que os centauros moravam de estábulo era ser bonzinho. Era mais uma ruela cheia de feno e uma área maior para cozinhar. O único abrigo para protegê-los da chuva e da neve era um teto e duas paredes. O prédio dos Barghest servia como os fundos das casas, sendo que a frente era completamente aberta.

Ryker precisou se esforçar muito para voar acima dos prédios altos, mas quando conseguiu, teve um vislumbre do Conservatório e do mar adiante. Se pudesse chegar à água, então talvez fosse capaz de voar pela costa até chegar a uma área livre do controle humano.

Você enlouqueceu? Não há nada além de terra abandonada. Você não é um suicida, seu idiota. A consciência o repreendeu no segundo em que pensou naquilo. Não, não era suicida, mas os outros machos também tinham alçado voo, então não teve muito tempo para mudar de ideia.

Quando passou pela área dos Asrai, pensou que talvez conseguisse fugir. Tentou dar ouvidos ao instinto para decidir o que poderia ser capaz de fazer. Seria ótimo se conseguisse se fundir com as sombras. Não que tivesse muitas sombras naquela hora, disse a si mesmo. A invisibilidade seria perfeita para ajudá-lo a escapar.

– Ryker, você precisa desistir. As autoridades já foram notificadas – Aidan gritou atrás dele. Claro, um segundo depois uma sirene alta soou por toda Edge fazendo duendes e fadas buscar abrigo.

A faixa agora comprimia a sua cintura, fazendo com que fosse difícil respirar. A agonia fez pontos de luz dançarem em suas vistas. Ryker aumentou a velocidade e se esquivou do ataque que Aidan lançou em seu caminho.

A espiral caiu inútil no chão e provocou uma chuva de faíscas.

– Podemos ir ainda mais longe, Aidan. É só você me deixar ir embora.

– Eu não posso. Está claro que seus poderes estão descontrolados e tomando as rédeas do seu comportamento, Ryker. Pare e pense no que está fazendo.

A imensa estrutura de pedra se avultou à distância, distraindo Ryker. Estava longe demais para enxergar os detalhes, mas era óbvio que inúmeros estudantes estavam reunidos no gramado na frente do Conservatório observando o que se passava.

Não havia nada óbvio sobre a instituição para lhe dizer que estaria em perigo caso fosse para lá. Ao longo da vida, a mãe lhe contou inúmeras vezes o que aconteceu durante a guerra contra os humanos e a subsequente ruína.

O pior foi o assassinato do rei e da rainha feérica, o que deixou o povo vulnerável. Sem ninguém para tomar o manto do rei, eles ficaram indefesos. Era comum Ryker imaginar como a vida seria se eles tivessem um soberano. Os humanos não iriam dar meia-volta e fugir, mas precisava acreditar que um rei lhes daria mais uma barreira de defesa.

As asas estavam ficando pesadas com o esforço ininterrupto, mas ele se recusava a desistir àquela altura. Um barulho vindo de trás forçou Ryker a extrair cada grama de energia que ainda tinha e direcioná-la para as asas.

Ele se lançou para a frente e voou mais rápido com o esforço. Balançou no ar como um mosquito bêbado. De repente, facas fatiaram suas asas, roubando toda a sua atenção. Virando a cabeça, notou que não tinha sofrido ferimentos visíveis, mesmo que parecesse ser o caso.

Foi dito a cada jovem feérico que não deveriam voar para longe, porque havia uma barreira ao redor da Edge. Até aquele momento, a informação não passava de uma historinha para os pequenos. À medida que suas asas ficavam dormentes e paravam de bater, Ryker percebeu a dolorosa verdade sobre os poderes controlarem a vida deles.

Aidan e o outro feérico voavam em círculos e observaram enquanto Ryker caía no chão em um emaranhado de asas. Com os braços presos na lateral do corpo, não havia nada para amortecer a queda.

Quando bateu no chão duro, a vista ficou preta por vários segundos. Uma asa ficou debaixo dele enquanto as costelas batiam com força suficiente para estilhaçar as pedras.

O estalo foi logo seguido pela agonia. Cada centímetro do corpo doía, e tinha certeza absoluta de que nunca mais seria capaz de voltar a usar a asa esquerda. Felizmente, a escuridão o emborcou e o engoliu.

Pouco antes de perder a consciência, ouviu os policiais reclamando do quanto os feéricos em transição andavam difíceis aqueles tempos.

Porque estamos cansados pra caralho de ser escravos dos humanos. Pensou.

Revelando O Rei Feérico

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