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QUE FELICIDADE É POSSIVEL SOBRE A TERRA: tal é o pensamento d'este romance.

QUE FELICIDADE, CONFESSADA PELA CONSCIENCIA, É A UNICA VERDADEIRA: quizera eu poder provar, assim como posso sentir.

QUE A FELICIDADE VEM A PREÇO DE LAGRIMAS, COMO A CONSOLAÇÃO DO SALVAMENTO A PREÇO DAS AGONIAS DO NAUFRAGIO: é um paradoxo, talvez, para os que não conhecem a verdadeira felicidade, nem choraram as lagrimas abençoadas da resignação.

Este romance é religioso na essencia. Escreve-se ahi muitas vezes a palavra DEUS. Evitam-se as imagens do deleite, o pasto de ociosos, gastos do coração, e fallidos da alma. Os que buscam no romance qualquer cousa que não sirva de nada para o espirito, não leiam este.

Eu espero achar entendimentos que m'o recebam, e corações que m'o agradeçam.

Vereis ahi uma mulher, que não é uma chimera. Imaginei-a, primeiro, e encontrei-a fóra da imaginação, depois.

Maria, linda creatura da terra, é a rainha de dois diademas: um no céo: os anjos, seus irmãos, tecem-lh'o das flores, que ella rega no mundo com as suas lagrimas. Outro na terra: é a soberania da virtude, respeitada, embora não compreendida, pelos homens que lhe acurvam o joelho.

Eu sou um d'estes.

E o meu romance é uma palavra d'esse cantico de louvor, que o espirito não póde revelar aos que, no seu caminho, não parariam a compreender-lh'o.

Meditemos este assumpto.

Ha ahi n'esse mundo material uma decidida negação para acompanhar o espirito nas suas elevações. Eu sei-o.

Um ou outro homem encosta a face á mão, abraça os horisontes com uma vista scismadora, afina a harpa da sua alma pela toada sonorosa dos pinhaes; compõe das notas lugubres da tempestade a harmonia tetrica, e desfigura-se, e poetisa, e parece não querer nada de commum com a fraca natureza humana. É o sentimental.

O sentimentalismo, sem a religião, é uma mentira.

O que ahi vae de phantastico e espiritualista nos affectos, é uma exigencia da epoca, é um encargo que a mocidade se impoz, é a precisão de variar. Diga-se tudo: é a moda.

Não porque a vida seja feliz, e a natureza do homem precise inventar amarguras, para que a felicidade o não enjoe;

Não porque o espirito, extenuado em sensualidades procure, no ideal, respirar o elemento de vida, que lhe é proprio;

É porque as felicidades, saboreadas n'estes tempos não deixam no coração motivo para um hymno. O homem, que não póde apagar na mente a faisca do genio, que lhe desceu ao berço, ou mata a inspiração na orgia, ou abysma-se com ella, por feretros e ossadas até materialisa'-la nas fórmas repugnantes de uma dor monstruosa.

E, se assim não fizer, o seu alaúde não tem sons, e o genio fallece-lhe de impotencia. Mas o poeta quer este titulo; cantor quer a grinalda das flores em troca da corôa de espinhos; é preciso cantar.

Se lhe pedisseis, em vez de horrores, uma poesia banhada de luz celeste, em que os mil reflexos de cima fossem as virtudes possiveis no mundo...

Se lhe pedisseis, em vez da pagina sempre negra da sua vida, as alvissimas alegrias de uma virgem, que, a fugir de um mundo, que se lhe pinta ingrato á sua alma candida, se refugia aos pés de Maria, Rainha das Virgens, a pedir-lhe o céo, como repouso inviolavel da innocencia...

Se lhe pedisseis a doçura das lagrimas da pobre, que aconchega seus filhos n'um envoltorio de andrajos, e ajoelha depois, entregando-os á Providencia, para que, ao amanhecer, não sejam muito repetidos os seus gritos de fome...

Pedi.

O poeta ha-de dizer-vos que a luz do céo é esse oceano de luz, que banha a terra, quando as arvores florescem e as arvores saudam ao alvorecer um sol esplendido.

Ha-de falar-vos da virgem, arfando esperanças no seio immaculado, mas esperanças todas d'aqui, todas embalsamadas pelo incensorio das paixões terrenas.

O pobre, esse que vale bem a pena de uma poesia, de uma pagina de romance, é sempre a victima da má organisação social, e de uma mentirosa economia politica. Vê'-lo-heis invectivar o rico, com toda a iracundia de uma inoffensiva estrofe; mas o pobre que continua nas palhas da miseria, esse não recebe uma consolação em nome do futuro, do céo, e das promessas de Jesus Christo. É sempre o pobre recrutado para as fileiras que guerreiam o rico.

Eu pensei, uma vez, na vastidão de assumptos sobre que o sceptro do talento extende o seu imperio. Chamando á reminiscencia o acervo de leituras recreativas, que fiz, durante alguns annos, entrevi nos meus tempos nebulosos o muito tempo consumido, os muitos volumes folheados, e não poderei classificar-vos, em synopse de idéas, uma só que me prestasse ao espirito, ou ao coração, ou á cabeça.

Aprendi o desengano no romance, antes que a sociedade m'o desse.

Libei na poesia do seculo a mentira, antes que o coração contaminado m'a inspirasse.

Aborreci-me de mim e das minhas leituras, como se o livro e a poesia fossem um sarcasmo para quem nas más horas, lhe mendiga espairecimentos para o espirito.

Vislumbravam-me no escuro das minhas idéas religiosas uns clarôes pallidos do que o romance e a poesia deveriam ser para adoçarem muitos infortunios. Mas, que me pedissem a idéa formulada no livro! Faltava-me a convicção das virtudes do balsamo para saber applica'-lo á ferida.

Não tinha eu provado ainda as doçuras da religião para sentar-me com a taça do Evangelho, á borda do caminho, e dizer ao peregrino cançado:

Bebe!......................................

Dão-vos tedio estas minhas considerações? Não são vaidosas. Eu juro-vos que me doeria muito se uma verdade, esboçada com amplos contornos, não valesse mais que uma mentira, alinhada com o ouropel de um desusado estylo.

O que está dito é o prefacio do meu romance. Duas palavras resumem-n'o laconicamente n'uma idéa conceituosa.

Sei em que tempo escrevo, e comtudo, ouso nos estreitos limites de que posso dispôr, ajustar em molde christão um genero, raras vezes assim tratado, quer pela costumeira da forma, quer pelo estylo, quer pelas leis da escola.

Escrevo um romance, ou antes descanto em prosa uma virtude, porque não desafinarei, em quanto possa, a lyra em que fiz soar algumas poesias, unicas de que me não culpo, nem arrependo. As outras...

Se eu pudesse avaliar a vossa opinião, consolava-me de não ser enganado pela minha consciencia de christão e de artista.

Porto--em 1853.

Lagrimas Abençoadas

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