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PHONOGRAPHO
ОглавлениеVae declamando um comico defunto,
Uma platêa ri, perdidamente,
Do bom jarreta… E ha um odôr no ambiente
A crypta e a pó, – do anachronico assumpto.
Muda o registo, eis uma barcarola:
Lirios, lirios, aguas do rio, a lua…
Ante o Seu corpo o sonho meu fluctua
Sobre um paúl, – extática corolla.
Muda outra vez: gorgeios, estribilhos
D’um clarim de oiro – o cheiro de junquilhos,
Vivido e agro! – tocando a alvorada…
Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebrou-se agora orvalhada e velada.
Primavera. Manhã. Que effluvio de violetas!
Desce em folhedos tenros a collina:
– Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quaes a chamma do furor declina…
Oh vem, de branco, – do immo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mão aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te
Reflectir-te virgem a serena imagem.
De silva doida uma haste esquíva
Quão delicada te osculou num dedo
Com um aljôfar côr de rosa viva!…
Ligeira a saia… Doce brisa impelle-a…
Oh vem! De branco! Do immo do arvoredo…
Alma de sylpho, carne de camelia…
Esvelta surge! Vem das aguas, nua,
Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexiveis e o seio fremente…
Morre-me a bocca por beijar a tua.
Sem vil pudôr! Do que ha que ter vergonha?
Eis-me formoso, môço e casto, forte.
Tão branco o peito!– para o expôr á Morte…
Mas que ora— a infame!– não se te anteponha.
A hydra torpe!… Que a estrangulo… Esmago-a
De encontro á rocha onde a cabeça te ha-de,
Com os cabellos escorrendo agua,
Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.
Depois da lucta e depois da conquista
Fiquei só! Fôra um acto anthipatico!
Deserta a Ilha, e no lençol aquatico
Tudo verde, verde, – a perder de vista.
Porque vos fostes, minhas caravellas,
Carregadas de todo o meu thesoiro?
– Longas teias de luar de lhama de oiro,
Legendas a diamantes das estrellas!
Quem vos desfez, formas inconsistentes,
Por cujo amor escalei a muralha,
– Leão armado, uma espada nos dentes?
Felizes vós, ó mortos da batalha!
Sonhaes, de costas, nos olhos abertos
Reflectindo as estrellas, boquiabertos…
Quem polluiu, quem rasgou os meus lençoes de linho,
Onde esperei morrer, – meus tão castos lençoes?
Do meu jardim exiguo os altos girasoes
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiêsco!)
A mesa de eu cear, – tabua tôsca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
– Da minha vinha o vinho acidulado e fresco…
Ó minha pobre mãe!… Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento.
Em ruina a casa nova… Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe… Não andes mais á neve,
De noite a mendigar ás portas dos casaes.