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Prometeu, as núpcias de Tétis e Peleu e o pomo da discórdia

Tudo teve o seu inicio numa alegre manhã primaveril…

Nos montes da Tessália nascia o sol do dia tanto esperado por mortais e imortais.

Finalmente as divinas asas de Hermes, deus da sorte e das viagens mas também mensageiro dos deuses, repousavam exaustos sobre uma confortável cadeira de ebonite, depois de ter distribuído o ditoso convite em toda a parte do universo. No entanto o pequeno Eros, deus do amor, aproveitava brincar com pouco zelo e irregularmente com o Caduceu, na apaixonada espera de atingir com as suas flechas os dois jovens noivos que enfim todos esperavam, o mundo celebrava o banquete nupcial de Tétis e Peleu.

Tétis, ou Tétide, era a mais bela das cinquenta ninfas filhas de Nereu, antigo deus dos abismos marinhos. A sua juventude e os seus modos fascinantes tinham feito perder a cabeça mesmo ao pai dos deuses, deus do céu e da terra, Zeus, que, não obstante estivesse já casado com a sua irmã Era, deusa da abundância, era normal entregar-se em desleais aventuras com as mais lindas mocinhas do mundo.

Acontecera que próprio quando Zeus, sob falsos espólios, estava prestes para unir-se com Tétis, chegou inesperadamente o tempestivo Hermes, levando ao seu pai uma urgente missiva: o Titã Prometeu, há anos preso por Zeus num penhasco do Cáucaso por ter roubado o fogo divino e tê-lo oferecido aos homens, estava por referir algo que se tivesse sido ignorado teria feito perder ao deus supremo o trono e a supremacia no Olimpo.

Assim, o divino sedutor precipitou-se como uma flecha de Prometeu e a estes prometeu de pôr fim ao cativeiro e ao atroz suplício ao qual lhe tinha condenado se este último lhe tivesse desvendado imediatamente o que atentava ao seu trono e incomodava desde sempre os seus sonos. E enquanto fazia solene juramento, deixou voar uma enorme águia, majestosa, impressionante, a qual lançou-se com as suas garras contra um abutre que no entanto chegava inesperadamente de Oriente. Aquele tétrico abutre devorava a fígado do pobre Prometeu durante o dia, abandonando a sua vítima nas horas nocturnas, durante as quais o órgão abdominal, por vontade divina, fatalmente e cruelmente se recompunha, pronto para ser devorado no dia seguinte. Era aquele o infinito suplício escolhido pelo pai dos deuses.

Só depois que o bico da ave de rapina estatelou-se no chão e que a águia voltou aos pés do seu senhor, Prometeu ergueu a cabeça esgotado e enquanto um chuvisco ligeiro molhava os seus lábios áridos, aceitou o compromisso ditado pelo seu carrasco, revelando que se Zeus tivesse concebido um filho com Tétis, estes teriam feito ao seu pai o que o seu pai tinha feito ao seu avô.

À tal, advertência, o pai dos dois apavorou-se, o céu trovejou, um raio rasgou a terra e as águas transbordantes do Ponto recordaram a Zeus a hedionda modalidade com a qual na noite dos tempos tinha matado o seu pai Cromo destituindo do trono dos tronos.

Prometeu foi logo libertado e Zeus renunciou para sempre à Tétis sentenciando que nenhum ser da natureza divina poderia por acaso unir-se à filha de Nereu, a qual viria a ser esposa de um humilde mortal, o mais forte dos príncipes naquela altura vivos em Peleu, filho de Eac, rei de Tessália, aquele que depois de mil peripécias tinha conseguido efectuar a proeza do tosão de ouro em seguimento de Jasão e dos outros 54 argonautas, aquele que tinha sido formado pelo Centauro Chitone, aquele que nem que mortal poderia combater como um deus, aquele que devotíssimo a Zeus teria vigiado dia e noite à futura esposa a custo da sua própria vida.

Eis porque, não obstante a heterogénea natureza dos noivos, as núpcias que se estavam a preparar eram abençoadas pelos homens como pelos deuses, eis porque as testemunhas das núpcias eram Era e Zeus em pessoa e eis porque deuses e numes de toda a parte da terra, do mar e do céu acorriam para o monte Pelio para festejar o clamoroso evento.

Finalmente, escoltados pela carroça dourada de Apolo, chegaram os dois noivos e entre mil festejos ocuparam os seus lugares no centro da mesa posta com as suas saborosas guloseimas da terra; logo ao lado deles sentavam as divinas testemunhas e depois Poseidon, deus do mar, Ade, deus dos infernos, a sua mulher Perséfone, deusa da exuberância primaveril e do verão, e Apolo, deus do sol e das artes, e Ares, deus da guerra, e Atena, deusa da sabedoria e da fortaleza, e Afrodite, deusa da beleza, Artemísia, deusa da caça, e ainda Hermes, Demetria, deusa das mensageiras e da fecundidade da terra, Hefesto, deus do fogo e da operacionalidade, Temes, deusa da justiça, Irene, deusa da paz, Éolo, deus dos ventos, Dionísio, deus do vinho e do jogo, etc. etc., até todos os reinantes e notáveis da terra.

Tudo estava organizado nos mínimos detalhes, tudo estava perfeito, ou melhor divino, a felicidade era notoriamente legível nos olhos de todos os convidados e o amor naquele dos noivos, ainda antes que Eros esticasse o seu arco e lançasse sobre eles as flechas fatais.

Um cheiro de néctar e ambrósia inebriava e espalhava-se no ar todas as vezes que os dois copeiros, Ganímedes, filho do rei Troo, e Ebe, deusa da juventude, serviam de cada vez todos os convidados.

Apolo, aconselhado pelo seu pai, chamou junto de si as Musas (Clio, Euterpe, Talia, Melpómene, Terpsícore, Erato, Polímnia, Calíope e Urânia), mais as três deusas (Aglaia, Eufrosina e a outra Talia) e começou, acompanhando-se com a cetra (escudo), a cantar as gestas de Peleu.

O som daquele instrumento divino encantou todos os presentes e ressoou em toda a terra até que chegou aos ouvidos também dos surdos e da feiíssima Eris, deusa da discórdia, o único nume a não ter sido convidado ao banquete. No dia anterior ela tinha tentado introduzir-se ao ajuntamento divino mas foi escoltada por Eros e pelo Dionísio que se tinham escondido num bosque com as Nereides e Oceânides às ocultas de Poseidon.

Também Ares, que depois de ter animosamente discutido com a Irene tinha-se afastado com Afrodite, notou aquela sombra suspeita e, agarrada pela garganta, fez andar aos tombos a indesejada deusa por toda a parte lateral ocidental do monte Pelio, intimidando-a para não voltar mais.

Mas o canto de Apolo e vozearia calorosa dos participantes acresceu a raiva e a indignação de Eris até ao ponto que esta ultima forjou um diabólico plano das mais insuspeitadas e imprevisíveis consequências...

A Discórdia foi até aos confins da terra, ali onde Atlante, irmão de Prometeu, tinha sido relegado a suster a volta celeste culpado por ter participado na guerra dos Gigantes contra Zeus. Na horta das julianas/Hespérides, filhas de Atlante, cresciam as árvores dos pomos de ouro; Eris colheu por engano o pomo mais bonito e com ele logo regressou em Tessália.

Chegou ao banquete já quando os festejos encaminhavam-se para o seu fim e os convidados, um por um, faziam exibicionismo das prendas trazidas aos noivos: Poseidon ofertou a Peleu dois lindíssimos cavalos, Balio e Xanto, os mais velozes do mundo, dotados de palavras e de previdências, Era ofereceu a Tétis um magnifico peplo historiado bordado, Afrodite ofereceu uma taça de bronze e um diadema de ouro, Atena uma flauta de ouro, Hermes uma carroça de bronze e marfim, uma pesada lança de flechas em bronze.

Assim, enquanto todos admiravam as feições daqueles estupendos brindes, Eris conseguiu intrometer-se na festa e esconder-se num canto obscuro onde ninguém podia vê-la mas suficientemente próximo para poder lançar sobre a mesa, já quase vazia, o “pomo da discórdia” que tinha há pouco roubado às filhas de Atlante.

Não obstante que fosse pouco lúcido pelas 99 gotas de vinho bebidas na competição com Dionísio, Zeus foi o primeiro a dar-se conta do pomo; ele conhecia bem aqueles frutos e, antes que todos os outros lançassem inevitavelmente o olhar sobre aquele extraordinário fruto sentenciou: “é da horta das Hespérides!”.

De repente todos, inclusive os noivos, foram capturados por aquele pomo que sobressaia no centro da mesa e alguém supôs que fosse um outro presente para aquelas inesquecíveis núpcias.

Sempre Zeus notou que naquele fruto havia uma escrita, mas o vinho absorvido lhe impedia de distinguir perfeitamente as letras e então mandou o pomo para Atena, a mais douta entre os deuses, pedindo-lhe para ler a escrita para todos. Atena não hesitou e leu a curiosa mensagem: “Para a mais bela”, reenviando o fruto ao seu pai para que decidisse ele a quem destiná-lo.

Estava, certa que o seu marido não tivesse tido dúvidas, nem custou muito ao apresentar as suas razões de esposa e primeira deusa a fim de apoderar-se daquele extraordinário presente. Logo depois interveio Afrodite, recordando a Zeus que não é por acaso que lhe pertencia o título de deusa da beleza. Enfim avançaram outras deusas e ninfas, todas com razoáveis argumentações, mas no fim a terceira candidatura reuniu-se em volta de Atena que, além da corporeidade estatuária, vangloriava também uma beleza interior e intelectual indiscutível.

Na tal contenda, até Zeus manifestou o seu embaraço e, quando o murmúrio cresceu à desmedida até tornar-se disputa, emitiu um grito poderoso como cem raios, deixando a todos mudos. Encolerizado e titubeante deu alguns passos distanciando-se do banquete deixando a Temes, deusa da justiça, o fardo da escolha.

Temes, por sua vez, depois de ter convencido a todos que cada um tinha as próprias boas razões e que ninguém entre os presentes estava em condições de julgar objectivamente uma vez que, quem por um motivo, quem por um outro, envolvido emocionalmente, por cima do cargo recebido, sentenciou: “A escolha caberá a Páris do monte Ida, aquele que será o mais lindo entre os homens”.

Só agora, Zeus, que não via a hora de fazer passar com o repouso a bebedeira acusada, exprimiu a sua paterna aprovação para com o sentenciado e decretou definitivamente concluída a questão.

Assim, depois de vários anos, quando Páris alcançou a máxima beldade juvenil, as três deusas candidatas, precedidas por Hermes, partiram em direcção do monte Ida.

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