Читать книгу Memoria sobre a descoberta das ilhas de Porto Santo e Madeira 1418-1419 - Emiliano Augusto de Bettencourt - Страница 1

MEMORIA SOBRE A DESCOBERTA DAS ILHAS DE PORTO SANTO E MADEIRA 1418 – 1419 (FRAGMENTO DE UM LIVRO INEDITO)

Оглавление

Quando o infante D. Henrique voltou de Africa foi residir em uma terra do Algarve, situada na ponta mais desgarrada da Europa, e que parece ter sido destinada pela natureza a servir de posto avançado á civilisação europeia. N'esta terra, cujo senhorio el-rei havia dado a D. Henrique, fundou elle uma villa, que se denominou do «Infante», e a qual devia servir para tracto e refresco dos mareantes que fossem ou viessem do levante.

Sagres, no cabo de S. Vicente, pois que foi este o lugar escolhido pelo infante para estabelecer a sua villa, era pelo occidente o terminus natural do mundo conhecido no comêço do seculo XV, em quanto que o cabo Não, da Africa, marcava no mar do sul o limite até onde haviam podido chegar os navegantes europeus.

O infante desejava ultrapassar estes limites, colhera em Ceuta algumas informações, e com essas vagas noticias principiou a mandar os seus criados a explorar os mares do sul.

D. Henrique era o quarto filho de el-rei D. João I e grão-mestre da Ordem de Christo, dignidade que punha nas suas mãos a administração das enormes rendas da Ordem; possuia um genio emprehendedor e era perseverante e generoso: taes dotes juntos a tão grandes meios fizeram do infante o maior homem do começo dos tempos modernos, heroe cujas obras aproveitaram ao mundo inteiro.

Quando, pois, o infante dava principio á serie de viagens de exploração que determinára fazer á costa d'Africa, mandando todos os annos duas ou tres caravellas, commandadas por alguns dos seus mais zelosos criados, com o encargo de passarem o cabo Bojador, e irem o mais longe que podessem; succedeu que dous fidalgos de sua casa, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, que com o infante tambem se haviam achado no soccorro da praça de Ceuta, se lhe offereceram para irem passar o mencionado cabo e descobrirem a terra da Guiné.

Sairam portanto mar fóra estes arrojados fidalgos, em uma pequena embarcação, que o infante lhes fez aprestar e prover de todo o necessario; mas decorridas que foram algumas milhas encontraram ventos de travessia, que os arrojou para o alto mar onde correram por muito tempo á mercê de uma forte tempestade, até que se acharam sobre as costas de uma terra desconhecida.

Zarco e Tristão sairam em terra para se abrigarem da tormenta, dando, por tal motivo, á ilha desconhecida a denominação de Porto Santo.

Tendo Zarco e Tristão reconhecido a ilha, voltaram apressados a dar parte ao infante, que largamente os galardoou e lhes permittiu que fossem povoar a nova terra com muitas pessoas que para isso logo se offereceram; indo tambem n'essa occasião, por capitão donatario da ilha, Bartholomeu Perestrello, fidalgo da casa do infante D. João.

Chegados que foram á ilha de Porto Santo construiram suas barracas e se acommodaram o melhor que puderam. Tinha, porém, acontecido que, entre os animaes que Perestrello levou para a ilha havia uma coelha prenhe, que acertando de parir durante a viagem foi lançada em terra com a sua prole. Estes coelhos, segundo asseveram quasi todos os escriptores que escreveram d'aquellas ilhas, foram qual praga do Egypto, porque multiplicaram muito e devastaram quasi todas as plantações que os colonos haviam feito. Bartholomeu Perestrello desgostoso por este successo, ou talvez por não poder habituar-se a viver isolado na ilha, embarcou-se para o reino, emquanto que Zarco e Tristão foram em barcos construidos em Porto Santo examinar se era alguma nova terra o traço negro que um certo nevoeiro projectava constantemente no horisonte.

Singraram, portanto, na direcção d'aquella sombra informe e fumosa, e ao passo que d'ella se approximavam, assim se lhes foram patenteando as serras e os córtes abruptos de uma terra virgem, fragosa e coberta de uma espessa matta.

Zarco e Tristão descobriram assim a ilha da Madeira, e, depois de a reconhecerem, tendo desembarcado em diversas angras e penetrado no interior, voltaram a dar parte ao infante, que os premiou com as capitanias das duas partes em que determinou dividir a ilha.

Azurara, Barros, Damião de Goes e ainda outros mais1 dizem positivamente que Tristão e Teixeira se dirigiam á Guiné ou a passar o cabo Bojador, e que foi uma tormenta que os levou á ilha de Porto Santo; sem admittirem que taes navegantes fossem em busca de uma ilha, cuja noticia viera de um captivo de Marrocos, como teem escripto alguns auctores, que acreditam na lenda de Machico.

Falta, portanto, nos primeiros escriptores d'este acontecimento, base em que se funde a ligação da descoberta da Madeira por Zarco e Tristão com a lenda de Machico, que Antonio Galvão e Francisco Manoel de Mello referem no «Tractado dos descobrimentos antigos e modernos» e nas «Epanaphoras de varia historia».

Na obra «The life of Prince Henry of Portugal», defende o snr. Major a veracidade da lenda de Machico, e tanto calor toma n'esta defeza que bem mostra quanto se deixára convencer da existencia d'aquelle acontecimento. É tal a sua convicção que chega a persuadir-se de ter descortinado na romantica «Epanaphora amorosa» de Mello os principaes traços de uma verdadeira noção historica; julgando-a comprovada com o escripto de Valentim Fernandes, encontrado em Munich, aliás muito divergente em pontos essenciaes da mesma lenda.

O snr. Major dá-nos pela seguinte fórma o extracto da lenda, que elle diz ser conforme se acha narrada pelo possuidor da «Relação original manuscripta»:

«No reinado de Duarte III, um mancebo de boa familia chamado Roberto Machin, teve a infelicidade de se enamorar de uma joven dama cujos paes, possuindo bens e jerarchia muito superiores aos d'elle, trataram com desprezo as suas pretenções. Querendo evitar suas repetidas visitas, alcançaram do rei ordem de prisão para Roberto, a fim de n'este meio tempo unirem sua filha a um fidalgo cuja posição mais convinha para manter a dignidade da sua familia.

«Como a dama, de nome Anna d'Arfet ou Dorset, correspondesse aos affectos de Machin, o mesmo foi sair elle da prisão que determinar-se a raptal-a. Com a ajuda de um amigo que procurou introduzir-se como palafreneiro em casa de Anna, que era em Bristol, foi a final executado este plano, e d'alli partiram em uma embarcação que Machin já para este fim tinha preparado e equipado.

«A sua intenção era navegar para França; eis que sobrevindo-lhes um vento nordeste os apartou d'aquella costa, e depois de andarem treze dias á mercê de um temporal deram vista de uma ilha onde desembarcaram. Acharam-na despovoada, mas bem provida de madeira e agua, e de excellentes condições para se habitar.

«Gosaram tres dias de tranquilla segurança, e em quanto uns exploraram o interior do paiz, os outros examinaram de bordo as suas margens; mas na terceira noute levantando-se uma tempestade deu com elles na Costa d'Africa. O susto e o soffrimento por que passára a infeliz dama haviam n'este desastre attingido as maiores proporções, e passados tres dias de completa prostração mental terminou seus dias. Foi sepultada ao pé do altar que se erigiu em signal de reconhecimento pela sua chegada, e, no quinto dia depois do seu fallecimento, Machin foi tambem encontrado morto sobre a sepultura da sua amante. Os restantes companheiros lhe abriram egual sepulchro e embarcaram-se depois no batel do navio, e, ao chegarem á Costa d'Africa foram levados á presença do rei de Marrocos, de quem ficaram captivos.

«Nas mesmas tristes circumstancias acharam seus companheiros que perdidos foram no navio levados da ilha.

«Entre os seus companheiros de captiveiro havia um João de Morales, natural de Sevilha, bom maritimo e experimentado piloto a quem fizeram a descripção da terra que tinham descoberto. Por este tempo a 5 de março de 1416 fallecera D. Sancho, filho mais velho do rei Fernando de Aragão, e deixára em testamento um rico legado para que de Marrocos fossem resgatados os christãos captivos, e entre elles havia este João de Morales, mas o navio que o trazia foi capturado pelo navegante portuguez João Gonçalves Zarco.

«Comtudo este, por clemencia, deu a liberdade aos infelizes captivos reservando só para si a Morales, cuja experiencia em materia nautica julgou poder ser util a seu amo o infante D. Henrique. Este Zarco tinha ido, como já nos disse Barros, em companhia de Tristão Vaz Teixeira, explorar a costa occidental d'Africa, e assaltados por uma tempestade foram dar na ilha de Porto Santo. Isto parece ter succedido no fim de 1418 ou principio de 1419. Foi Morales que lhe communicou o descobrimento de Machin, e partindo em um navio, com authorisação do infante e sob a direcção de Morales, fez o importante descobrimento da ilha da Madeira, á metade da qual deu o nome de Funchal e á outra de Machico.»

Habituados, como estamos, a respeitar a opinião do illustre sabio britannico, não podiamos deixar de nos sentirmos profundamente magoados por uma pungente contrariedade, quando se nos deparou a defeza de Machico, tão habilmente desempenhada por aquelle escriptor.

1

Azurara: C. da D. e C. de Guiné, cap. 83 – Barros: D. 1.ª, l, 1.º, cap. 2.º e 3.º – D. de Goes: C. do P. D. Joam, cap. VIII – Andrade: C. de el-rei D. João P. 1.ª e 3.ª, cap. XCVII – C. Lusitano: V. do infante D. Henrique, l. 2.º

Memoria sobre a descoberta das ilhas de Porto Santo e Madeira 1418-1419

Подняться наверх