Читать книгу O Cidadão Anulado E Outras Histórias - Foraine Amukoyo Gift, Gift Foraine Amukoyo - Страница 10
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Um gesto de Amor
Rabisquei minha assinatura na primeira página do documento e parei. A caneta escorregou dos meus dedos úmidos de suor. Não era fácil dar fim à vida de uma pessoa.
Mira fixou seus olhos em mim, mas eles estavam distantes.
- Se realmente me ama, apenas assine. Você é o único membro da família autorizado a acabar com esse sofrimento - ela disse.
- Como posso fazer isso? Não quero perder a única pessoa que tenho na família. Você é tudo para mim nesse mundo.
- Eu não posso continuar assim. Estou sendo um estorvo.
- Fique comigo. Não me importo. Fique o tempo que quiser. Eu não quero ser o seu assassino. Não conte comigo.
- Não é homicídio; é suicídio. Eu estou me matando. Apenas faça, Tejiri.
- Não posso permitir isso. Mira, fique comigo.
Peguei os seus pálidos dedos.
- Tejiri, você não tem escolha. Todos morrerão um dia. Eu, hoje.
- Não, Mira. Eu realmente tenho escolha.
- Deveria fazer uma escolha sensata. Faça isso e volte para a sua vida. Estou matando você com a minha doença. Tejiri, olhe no espelho. Está perdendo peso. Estou mais gordinha do que você.
Ri. - Bem que gostaria; bem que gostaria, Mira.
Eu peguei seu punho fino e concordei: - Sim, você parece mais saudável do que eu, por isso deveria ir para casa e cuidar de mim. Sinto falta de todas as suas sopas e lanches. Gostaria que um milagre acontecesse.
- Se existisse, teria me livrado dessa doença há muito tempo. Todos os jejuns inúteis, vigílias e preces nas montanhas mostraram que não tive sorte para me curar. Milagres não existem. Se existem, eu fui abandonada; não são para mim. Ah, deuses do Céu e da Terra: preciso de uma segunda chance com saúde, para respirar sem medo de ser a última vez. A ideia de deixá-lo é a única coisa que me amedronta.
Mira se virou, a fim de esconder as lágrimas rolando por sua face.
- Mira, tenho tanto medo de ficar sem a sua presença. Ficarei tão sozinho... - Solucei.
Mira secou suas lágrimas, virou o rosto pra mim e respirou. - Pare de chorar como um menininho. Você já é um homem crescido. Essas bolas entre as pernas e a barba não são apenas enfeites. Tejiri, não seja imprudente. Você abriu mão do seu emprego para cuidar de mim. Pedi a seu chefe que segurasse a sua carta de demissão. Ele fez um favor a uma moribunda e lhe deu uma licença por sete dias. Ainda temos cinco. Tejiri, assine os papéis e volte a viver a sua vida.
Mira tossiu sangue por dez minutos. A visão era terrível. Via sofrimento em seus olhos e algo como uma súplica urgente. Peguei a caneta e rabisquei minha assinatura definitiva. Uma enfermeira com ar arrogante levou o documento embora. O sorriso e maneira de caminhar dela pareciam ser de triunfo. Isso deu um nó na minha cabeça.
O médico e duas enfermeiras retornaram com a injeção letal: - Deve ser rápido. É indolor - disse o médico.
Não conseguiria presenciar a morte da Mira. Saí do quarto, pensando se a minha decisão final tinha sido correta. Fora insuportável vê-la sofrer dia e noite. Sua dor no abdômen, constantes enjoos e vômitos deixaram um peso doloroso no meu coração. O câncer havia perfurado o seu intestino. Ela era alimentada por meio de sondas e evacuava na cama. Às vezes, quando tinha vômito fecal, os resíduos chegavam à sua boca, nariz e ânus ao mesmo tempo.
A doença de Mira irritava algumas enfermeiras. Hesitavam em atender os chamados do seu quarto. Uma vez, escutara uma das enfermeiras fofocar que eu havia perdido a noção das coisas.
- Ele está absorvendo a doença dela. Como pode uma pessoa respirar confortavelmente nesse corpo fedido?
Mira era o meu anjo da guarda. Ela me acolheu depois de eu perder os meus pais aos 15 anos, mortos durante um protesto contra salários atrasados e suspensos. De acordo com o relatório policial, balas perdidas os haviam matado. Eles eram a espinha dorsal do protesto de solidariedade à causa em Lagos. Por acaso, ouvi Mira dizer a um colega que eles foram vítimas de uma conspiração.
Meus pais morreram como médicos pobres. O juramento proferido, pessoal e profissional, foi o de salvar vidas. Pagavam contas de estranhos no hospital. Após o enterro deles, nenhum parente quis a minha guarda. Sabiam que o hospital particular da minha família estava falido. Mira me adotou. Era a enfermeira-chefe da instituição.
Eu estava exausto. Fechei os olhos. Minha cabeça doía. Ouvir a confirmação da morte de Mira seria como receber um soco. Sequer escutei os passos vindos na minha direção, até sentir mãos me tocando.
- Tejiri, ganhamos. O juiz concedeu permissão para você levar Mira para casa até que ela... se vá.
A novidade de Kome, meu advogado, me trouxe alegria. Chorei e o abracei com força. Corri na direção da enfermaria de Mira. Gritei para o médico parar o procedimento.
Eu estava ofegante ao chegar. - Pare, doutor, o seu hospital perdeu. O senhor e toda a equipe perderam. Eu ganhei a ação para levar Mira pra casa. Ela vai comigo.
Meu advogado adiantou-se com a ordem judicial: - Por favor, autorize a saída da paciente para o meu cliente. Daqui por diante ele é o responsável.
Sorri, radiante de alegria, ao ouvir a afirmação. - Sim, devolva a minha Mira. Todos devem ter dito a ela coisas horríveis para que odiasse a si própria e procurasse a morte como solução.
Toquei a bochecha de Mira.
Ela sorriu debilmente. - Você é um tolo. Ah, Tejiri, isso foi uma bobagem. O fedor será insuportável na sua casa. Depois da minha partida, o apartamento irá cheirar mal ainda por um bom tempo.
- Sim, Mira, é esse o meu desejo. Quero manter o seu cheiro; para sempre.
As enfermeiras não gostaram de limpar Mira nem pela última vez.
- Escute, enfermeiras, eu sei que nenhuma das senhoras quer fazer isso. Mas mudem essas caras carrancudas, façam isso sorrindo. Ela está saindo do hospital para sempre. Vou levá-la para uma ilha. Seremos apenas nós dois no paraíso.
- Mal posso esperar para ver esse paraíso - disse Mira.
- É apenas uma casinha bonita, numa ilha em Epe. Ah, Mira, você vai adorar.
* * * * * *
Estávamos na varanda. O sol da manhã nos banhava. Era como um bálsamo de cura. Havia feito muito frio na noite anterior. O calor moderado confortava a minha pele. Mira se sentia em casa. Ela estava em uma maca. Apoiei suas costas e braços em alguns travesseiros.
- Tejiri, você é o melhor cuidador do mundo. Prometo que não o incomodo.
Ela estava frágil. A maior parte de seus cabelos havia caído e os seus olhos tinham as cores de um rio sombrio e triste. Eu não conseguia enxergar a alegria que seu rosto costumava irradiar. Abri uma barra de chocolate e mordi um pedaço.
- Tejiri, por favor, me dê um pedacinho.
- Mira, e a diabetes? Isso tem açúcar.
Ela zombou: - Tejiri, Tejiri, pode um corpo morto morrer mais?
- De jeito nenhum, desculpe. Tome, pode comer esse e o resto que está na geladeira.
Abri um pouco mais a embalagem e dei para Mira. Ela comeu o chocolate macio com satisfação. Sorriu, saboreando e deu outra mordida.
- Mira, está na hora de tomar banho.
- Tejiri, me deixe ficar um pouco aqui. Estou adorando - Mira se aninhou ainda mais na cama macia.
- Sabia que você adoraria esse lugar. Eu sempre falei em construir uma ilha particular pra lhe dar de presente, lembra? Perdão por ter sido tão tarde.
Mira suspirou profundamente. - Tejiri, você fez bastante. Tenho tanto orgulho... Você agora é um bem-sucedido engenheiro de Petróleo. Um brinde à prosperidade! - e me deu um pequeno pedaço de chocolate.
Peguei e comi. Olhei para as águas calmas da ilha. Uma rajada de vento fresco soprou em meu rosto e pensei: “essa prosperidade nada significa sem você para desfrutá-la”.
- Vá, pegue aqueles chocolates. Quero comer todas as barras que houver na geladeira.
- Está bem, Mira, vou pegar os chocolates.
- Eu amo você, Tejiri.
- Mira, sabe o quanto eu a amo. - Dei um beijinho na sua testa.
Fui ao banheiro e, enquanto urinava, uma brisa fria roçou as minhas pernas. Tive um calafrio repentino e pensei de onde poderia vir, porque a temperatura do banheiro estava cálida. Olhei a porta e a janela fechadas; fiquei meio sem entender. Sacudi minha cabeça, dei descarga e lavei as minhas mãos.
Levei um tempo para abrir todos os chocolates, colocá-los numa bandeja e cobri-los com um pano. A caminho de Mira, tropecei e gritei. Machuquei o dedão, mas ignorei a dor e corri para a varanda.
Mira estava confortavelmente relaxada. Tinha colocado um travesseiro sob os pés. Seus lábios estavam lambuzados de chocolate. Sorri, coloquei a bandeja sobre a mesa e me ajoelhei em frente a ela.
- Mira, olhe só quantos chocolates. Você vai fazer uma festa!
Mira estava em silêncio e imóvel. Peguei sua mão: o corpo estava quase frio. Seus olhos permaneciam abertos. Fechei suas pálpebras e chorei. Mira não esperou para se despedir de mim...
Lágrimas rolaram pela minha face por muitos dias.