Читать книгу Como e porque sou romancista - José Martiniano de Alencar - Страница 3

III

Оглавление

Mais tarde quando a razão, como o fructo, despontou sob a flor da juventude, muitas vezes cogitei sobre esse episodio de infancia, que deixara em meu espirito uma vaga duvida á respeito do caracter de Januario.

Então o excessivo rigor que se me tinha afigurado injusto, tomava o seu real aspecto; e me apparecia como o golpe rude, mas necessario que dá tempera ao aço. Por ventura notara o director de minha parte uma confiança que deixava em repouso as minhas faculdades, e da qual proviera o meu descuido.

Este episodio escholastico veio aqui por demais, trazido pelo fio das reminiscencias. Serve entretanto para mostrar-lhe o aproveitamento que deviam tirar os alumnos desse methodo de ensino.

Sabiamos pouco; mas esse pouco, sabiamos bem. Aos onze annos não conhecia uma só palavra de lingua estrangeira, nem aprendêra mais do que as chamadas primeiras lettras.

Muitos meninos porém, que nessa idade tagarellam em varias linguas, e já babujam nas sciencias; não recitam uma pagina de Frei Francisco de S. Luiz, ou uma ode do Padre Caldas, com a correcção, nobreza, eloquencia e alma que Januario sabia transmittir á seus alumnos.

Essa prenda que a educação deu-me para tomal-a pouco depois, valeu-me em casa o honroso cargo de ledor, com que me eu desvanecia; como nunca me succedeu ao depois no magisterio ou no parlamento.

Era eu quem lia para minha boa mãe não sómente as cartas e os jornaes, como os volumes de uma diminuta livraria romantica formada ao gosto do tempo.

Moravamos então na rua do Conde n. 551. Ahi nessa casa preparou-se a grande revolução parlamentar que entregou ao Sr. D. Pedro II o exercicio antecipado de suas prerogativas constitucionaes.

Á proposito desse acontecimento historico, deixe passar aqui nesta confidencia inteiramente litteraria, uma observação que me acode e, si escapa agora, talvez não volte nunca mais.

Uma noite por semana, entravam mysteriosamente em nossa casa os altos personagens filiados ao Club Maiorista de que era presidente o Conselheiro Antonio Carlos e Secretario o Senador Alencar.

Celebravam-se os serões em um aposento do fundo, fechando-se nessas occasiões a casa ás visitas habituaes, afim de que nem ellas nem os curiosos da rua suspeitassem do plano politico, vendo illuminada a sala da frente.

Em quanto deliberavam os membros do Club, minha boa Mãi, assistia ao preparo de chocolate com bolinholos, que era costume offerecer aos convidados por volta de nove horas, e eu, ao lado com impertinencias de filho querido, insistia por saber o que alli ia fazer aquella gente.

Conforme o humor em que estava, minha boa mãe ás vezes divertia-se logrando com historias a minha curiosidade infantil; outras deixava-me fallar ás paredes e não se distrahia de suas occupações de dona de casa.

Até que chegava a hora do chocolate. Vendo partir carregada de tantas gulosinas a bandeja que voltava completamente destroçada; eu que tinha os convidados na conta de cidadãos respeitaveis, preoccupados dos mais graves assumptos, indignava-me ante aquella devastação, e dizia com a mais profunda convicção:

– O que estes homens vem fazer aqui é regalarem-se de chocolate.

Essa, a primeira observação do menino em cousas de politica, ainda a não desmentio a experiencia do homem. No fundo de todas as evoluções lá está o chocolate embora sob varios aspectos.

Ha caracteres integros, como o do Senador Alencar, apostolos sinceros de uma idéa e martyres della. Mas estes são esquecidos na hora do triumpho, quando não servem de victimas para aplacar as iras celestes.

1

Hoje com a mania das chrismas, do Visconde do Rio Branco. – J. A.

Como e porque sou romancista

Подняться наверх