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O ROMANCE DA LUA
ОглавлениеUm observador dotado de vista infinitamente penetrante e collocado no centro, n'aquelle centro ignoto, em torno do qual gravita o mundo, teria visto, na epocha cahotica do universo, o espaço cheio de myriades de atomos. Mas pouco e pouco, com o volver dos seculos produziu-se uma mudança; manifestou-se uma lei de attracção, á qual obedeceram os atomos outr'ora errantes; combinaram-se estes atomos chimicamente, segundo suas affinidades, fizeram-se moleculas e formaram esses aggregados nebulosos de que estão semeadas as profundezas do céu.
Animaram-se então estes aggregados de um movimento de rotação em volta do seu ponto central, e este centro formado de moleculas vagas poz-se tambem a girar sobre si mesmo, ao passo que se ia progressivamente condensando. Segundo as leis immutaveis da mechanica, á medida que se lhe minguava o volume pela condensação, ia-se-lhe accelerando o movimento de rotação e, persistindo estes dois effeitos, de cada centro, resultou uma estrella principal, novo centro do aggregado nebuloso.
Se o observador olhasse então attentamente, teria visto succeder com as outras moleculas do aggregado, o mesmo que succedêra com a estrella central: condensaram-se adquirindo simultaneamente um movimento de rotação progressivamente accelerado, e gravitaram em torno da central, transformadas em outras tantas estrellas. E assim ficava formada uma nebulosa[25]. Não menos de cinco mil nebulosas conhecem, na actualidade, os astronomos. Ha uma, entre estas cinco mil nebulosas, a que os homens chamaram via lactea[26], e que contém dezoito milhões de estrellas, cada uma das quaes se transformou em centro de um mundo solar. Se o observador, rodeado por estes dezoito milhões de astros, volvesse especialmente a attenção para um dos mais modestos e menos brilhantes[27], para uma estrella de quarta ordem, que orgulhosamente appellidâmos o Sol, debaixo dos olhos lhe teriam succedido todos os phenomenos a que é devida a formação do universo. Effectivamente havia de ver esse Sol, ainda no estado gazoso e composto de moleculas moveis, a girar em torno do proprio eixo para concluir o trabalho de concentração, e este movimento, subordinado ás leis da mechanica, havia accelerar-se com a diminuição do volume, e um instante havia de chegar em que a força centrifuga venceria a força centripeta, que attrahe as moleculas para o centro. Outro phenomeno então havia de realisar-se diante dos olhos do observador, as moleculas situadas no plano do equador, soltando-se como a pedra da funda de que subito rebenta a corda, haviam de ir formar, em volta do Sol, anneis concentricos como o de Saturno. A estes anneis de materia cosmica, animados de movimento de rotação em volta da massa central, chegaria depois a vez de partir-se e decompor-se em nebulosidades secundarias, o que vale o mesmo que dizer, em planetas. Concentrada então toda a attenção do observador sobre os planetas havia de ver realisarem-se n'elles os mesmos phenomenos que observára no Sol. De cada um d'elles dimana um ou mais anneis cosmicos, origens dos astros de ordem inferior a que chamâmos satellites. Subindo assim do atomo á molecula, da molecula ao aggregado nebuloso, do aggregado nebuloso á nebulosa, da nebulosa á estrella principal, da estrella principal ao Sol, do Sol ao planeta, do planeta ao satellite, examinâmos a serie inteira de transformações por que passaram os corpos celestes desde os primeiros dias do mundo. O Sol, que parece perdido na immensidade do mundo estellar, está todavia ligado pelas ultimas theorias da sciencia á nebulosa chamada via lactea. Ainda que no meio das regiões ethereas nos pareça pequeno, é todavia o centro de um mundo, e é enorme, poisque o seu volume é igual a mil e quatrocentas vezes o volume da Terra. Em torno d'ella gravitam oito planetas, que nos primeiros tempos da creação lhe sairam das proprias entranhas. São estes planetas, progredindo do mais proximo até ao mais remoto, Mercurio, Venus, a Terra, Marte, Jupiter, Saturno, Urano e Neptuno. Alem d'estes circulam, regularmente entre Marte e Jupiter, outros corpos de volume menos consideravel, talvez restos errantes de algum astro quebrado em milhares de pedaços; d'estes conta o telescopio não menos de noventa e sete[28]. Alguns d'estes servidores que o Sol mantém nas respectivas orbitas ellipticas por força da grande lei da gravitação, tambem têem seus satellites. Urano tem oito, Saturno oito, Jupiter quatro, Neptuno talvez tres, a Terra só um; este, que é um dos menos importantes do mundo solar, chama-se Lua, e é o que o engenho audaz dos americanos pretendia conquistar. O astro das noites, já pela proximidade relativa a que está, já por virtude do espectaculo rapidamente renovado das diversas phases que apresenta, partilhou sempre com o Sol a attenção dos habitantes da Terra; mas o olhar para o Sol cansa, e os esplendores da luz solar forçam os contempladores d'este astro a baixar os olhos. A loura Phoeba é mais humana, e cheia de modesta graça deixa-se ver com complacencia; é suave para a vista, pouco ambiciosa, e comtudo toma ás vezes a liberdade de eclipsar seu irmão, o radiante Apollo, sem que nunca fosse eclipsada por este. Comprehenderam os mahometanos a gratidão que era devida á fiel amiga da Terra; por isso regularam pela revolução d'ella a contagem dos mezes[29]. Votaram os primeiros povos culto particular a esta casta deusa. Chamaram-lhe os egypcios Isis, os phenicios Astartea, e os gregos adoraram-n'a sob o nome de Ph[oe]ba, como filha de Jupiter e de Latona, e explicavam os eclipses por visitas mysteriosas de Diana ao bello Endymião. Diz-nos a lenda mythologica, que o leão de Nemea, antes de apparecer na Terra, percorrêra as campinas da Lua, e o poeta Agesianax, citado por Plutarcho, celebrou em verso os dois olhos, o encantador nariz e a bôca amavel, que figuram as partes luminosas da adoravel Seléné.
Vista da Lua (pag. 47).
Porém se os antigos comprehenderam perfeitamente o caracter, o temperamento, emfim as qualidades moraes da Lua, sob o ponto de vista mythologico, não é menos verdade, que os mais sabedores d'elles eram extremamente ignorantes pelo que diz respeito a selenographia.
Barbicane levanta-se para fallar (pag. 58).
Todavia, muitos dos astronomos d'essas epochas longiquas, descobriram algumas particularidades confirmadas pela sciencia dos nossos dias, e se os arcadios pretenderam ter habitado a Terra em epocha em que ainda não existia a Lua, se Simplicius a julgou immovel e ligada á abobada de crystal, se Tatius a considerou como um fragmento destacado do disco solar, se Clearco, discipulo de Aristoteles, fazia d'ella um espelho polido em que se reflectia a imagem do Oceano, se outros finalmente a consideraram como um aggregado de vapores exhalados pela Terra, ou um globo, metade de fogo, metade de gêlo, que girava sobre si mesmo, alguns sabios por meio de observações sagazes, e postoque desajudados de instrumentos de optica, suspeitaram pelo menos a existencia da maior parte das leis que regem o astro das noites.
Assim é que Thales de Mileto, 460 annos antes de Jesus Christo, opinou que a Lua era illuminada pelo Sol. Aristarcho de Samos deu verdadeira explicação das phases. Cleomene ensinou que o brilho do disco lunar vinha de luz reflexa. Berosio o chaldaico descobriu que a duração de uma rotação da Lua era igual á da sua revolução, e explicou por esta fórma o facto da Lua ser vista da Terra sempre pela mesma face. Finalmente Hipparco, duzentos annos antes da era christã, reconheceu a existencia de desigualdades nos movimentos apparentes do satellite da Terra.
Estas differentes observações foram confirmadas no decorrer dos tempos e serviram de proveito aos astronomos mais modernos. Ptolomeu no seculo XVI, e o arabe Abul-Wefa no seculo X completaram as indicações feitas por Hipparco ácerca das desigualdades que apparenta o movimento da Lua na linha ondulada, que tem por orbita, sob a acção do Sol.
Mais proximos de nós, Copernico, no seculo XV, e Tycho Brahe no seculo XVI explicaram completamente o systema do mundo e o papel que desempenha a Lua no conjuncto dos corpos celestes.
N'esta epocha ficaram, com muita approximação, determinados todos os movimentos lunares, mas da constituição physica do astro pouca cousa era conhecida.
Foi por esse tempo que Galileu explicou os phenomenos luminosos que succediam em algumas phases, pela existencia de montanhas lunares, a que attribuiu uma altura media de 4:500 toezas. Depois de Galileu, Hevelius, astronomo de Dantzig, avaliou mais pelo baixo as mais elevadas d'estas alturas em 2:600 toezas; verdade é que Riccioli, confrade d'este, tornou a corrigir esta apreciação, elevando-as a 7:000 toezas. Nos fins do seculo XVIII Herschell, ajudado por um telescopio de poderoso alcance, reduziu mui notavelmente as medidas precedentes, attribuindo ás montanhas mais altas a elevação de 1:900 toezas, e abaixando a media das differentes alturas a 400 toezas, não mais. Mas tambem Herschell se enganava, e só pelas observações de Shroeter, Louville, Halley, Nasmyth, Bianchini, Pastorf, Lohrman, Gruithuysen, e principalmente pelos estudos pacientes de Beer e Moedler se conseguiu resolver definitivamente o problema. Graças a estes homens de sciencia é hoje perfeitamente conhecida a elevação das montanhas da Lua. Por virtude d'estes mesmos trabalhos completava-se o reconhecimento da Lua; apparecia o astro crivado de crateras, e affirmava-se mais em cada observação a natureza vulcanica d'elle. Concluiu-se da ausencia de refracção nos raios dos planetas occultados pela Lua, a falta quasi absoluta de atmosphera n'este astro. Da falta de ar seguia-se concludentemente a falta de agua. Ficou portanto bem claro, que se existiam selenitas, deviam, para existir em taes condições, possuir organisação especial e notavelmente differente da dos habitantes da Terra. Finalmente, graças aos methodos novos, empregaram-se em constantes inquirições ácerca da Lua instrumentos mais perfeitos; não deixaram os astronomos por explorar nem um só ponto da sua face visivel, devendo notar-se que o diametro lunar mede 2:150 milhas[30]; a superficie é 1⁄13 avos da superficie do nosso globo[31], o volume é 1⁄49 avos do volume do espheroide terrestre; mas nenhum dos segredos da Lua podia occultar-se aos olhos dos astronomos, e estes habeis homens de sciencia foram ainda mais longe nas prodigiosas observações que relatâmos. Por esta fórma notaram os observadores, que na epocha da lua cheia apparecia o disco do astro, em algumas regiões, raiado por linhas brancas, e nas epochas das outras phases, raiado por linhas negras. Estudando com mais attenção o phenomeno, conseguiram perceber exactamente a natureza d'aquellas linhas. Eram sulcos compridos e estreitos, cavados entre margens parallelas e que em geral iam terminar nos contornos de crateras. O comprimento dos sulcos estava comprehendido entre 10 e 100 milhas, e a largura era proximamente de 800 toezas. Deram-lhes os astronomos o nome de ranhuras; mas a dar-lhe este nome se limitou o seu saber. O problema de saber se estas ranhuras eram ou não leitos seccos de antigos rios não poderam resolve-lo completamente. Os americanos já concebiam a esperança de que, mais dia menos dia, haviam de determinar com exactidão aquelle facto geologico. Reservavam tambem para opportunidade propria fazer um reconhecimento sobre a serie de trincheiras parallelas descobertas na superficie da Lua por Gruithuysen, sabio professor de Munich, que as reputa um systema de fortificações levantadas pelos engenheiros selenitas. Estes dois pontos, ainda obscuros, e certamente muitos outros, nunca poderão ser definitivamente regulados, sem que se estabeleça primeiro communicação directa com a Lua. Em relação á luz lunar nada havia já que aprender: era sabido que era trezentas mil vezes mais fraca que a do Sol, e que o calor que a acompanha não tem acção apreciavel sobre os thermometros. O phenomeno da luz cendrada esse explica-se naturalmente pelo effeito dos raios do Sol reflectidos na Terra, e que depois da reflexão se dirigem para a Lua. Parece por este phenomeno completar-se o disco lunar, quando nas epochas da sua primeira e ultima phase se nos apresenta sob a fórma de um crescente. O que deixâmos dito representava o peculio de conhecimentos adquiridos, em relação ao satellite da Terra, peculio que o Gun-Club tentava acrescentar sob todos os pontos de vista cosmographicos, geologicos, politicos e moraes.