Читать книгу Chantagem com a noiva - Kim Lawrence - Страница 5

Capítulo 1

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Depois de ter passado pelos imponentes portões de ferro, Javier entrou no serpenteado caminho de entrada, ladeado por oliveiras, em direcção ao edifício alto de estilo mourisco que se erguia contra a paisagem montanhosa. Estacionou o Mercedes junto a um carocha antigo que mais parecia ferro velho entre os outros carros luxuosos.

Pelos vistos, o Serge ainda não tinha convencido a Sarah a desfazer-se do seu velho carro. Apesar de ser uma mulher tolerante, bondosa, capaz de fazer qualquer coisa pelo marido, tinha determinados caprichos que defendia com unhas e dentes.

Javier continuava solteiro apesar de não lhe faltar companhia feminina. Aliás, não precisava de se esforçar nem um pouco para que isso acontecesse; estava sempre rodeado de mulheres atraentes, atentas ao que ele dizia. Porém, nenhuma das suas numerosas admiradoras despertava o seu interesse de uma forma especial. Nem nunca lhe ocorreu que quando a encontrasse, se isso viesse a acontecer, ela não fosse demonstrar o menor interesse por ele.

Foi então que conheceu a Sarah.

Tinha trinta e dois anos, não acreditava em verdades absolutas e, tal como gostava de pensar, tornara-se muito mais perspicaz em relação às mulheres. Talvez demasiado, segundo a opinião do avô, que desejava ver o seu herdeiro casado e feliz.

Javier poderia ter optado pelo caminho mais fácil e ter escolhido uma companheira adequada, uma mulher da sua classe social, capaz de enfrentar o desafio de fazer parte de uma das famílias mais endinheiradas da Europa, como o seu pai fizera. Contudo, o problema era exactamente esse, porque sempre que se sentia tentado a seguir o caminho mais fácil, surgia o fantasma do casamento desastroso dos seus pais.

Antes de sair de Andaluzia com destino a Maiorca, o avô fizera-lhe um ultimato: «Casa-te antes da minha morte ou deixarei tudo em nome do Raul ou de qualquer um dos outros 105 membros da família!». Filipe Montero advertira seriamente o seu neto favorito.

Aquelas palavras enfureceram-no; era uma chantagem descabida. Será que o avô não o conhecia o suficiente para saber que jamais o poderia comprar?

Encarou-o com veemente orgulho. No entanto, a expressão do ancião fê-lo retroceder.

Javier sabia que o avô era um homem de palavra e que não hesitaria em cumprir o prometido. Astuto como era, as suas atitudes nunca antes tinham sido tão severas. Contudo, o que mais o impressionou, foi que nunca, até então, tinha visto medo estampado no seu rosto.

– Felizmente, ainda tens muito para viver – disse em tom de brincadeira.

Filipe sorriu.

– Não, não viverei muito mais tempo. Os médicos deram-me seis meses, no máximo.

Javier quis dizer-lhe que isso era impossível, mas como conhecia bem a natureza humana, calou-se e limitou-se a assentir com a cabeça. Não queria insultar o avô, duvidando de um prognóstico tão grave.

– Qual é o problema?

– Cancro. Essa maldita doença atacou-me os pulmões de tal maneira, que já não vale a pena deixar isto – respondeu, ao mesmo tempo que inspirava com prazer o fumo do cigarro que tinha na mão. – E não digas a ninguém. Se a notícia se espalhasse, a empresa poderia perder milhões e não tenho a menor dúvida de que todos começariam a tratar-me como um velho caduco – acrescentou com voz trémula.

– Ninguém o saberá por mim.

Entreolharam-se. Subjacente àquele olhar havia uma promessa silenciosa.

– Se te preocupas realmente comigo, tens de mo demonstrar – provocou-o Filipe com astúcia. – Casa com a Ária… ela está apaixonada por ti.

Javier respondeu com um riso irónico.

– Nunca te dás por vencido, pois não?

Se algum dia casasse, jamais o faria com alguém que o amasse, com alguém que pudesse destruir, como o pai fizera com a sua mãe.

A mãe, uma criatura frágil, nunca compreendera que a única coisa que se esperava dela era que estivesse sempre elegante, que educasse bem o filho, que se comportasse como uma perfeita anfitriã e que fingisse desconhecer as infidelidades conjugais do marido.

– Não te rias, Javier. A continuidade, os laços consanguíneos são importantes: tu precisas de ter filhos.

– Sinto muito, mas não posso.

A ideia de perder a herança não o atemorizava. Inclusive achava bastante aliciante aceitar aquele desafio. Teria muito mais valor saber que tudo o que conseguira na vida se devia ao seu próprio esforço, do que ao facto de ter tido a sorte de nascer no seio de uma poderosa dinastia.

A riqueza tinha as suas vantagens, embora lhe tivessem ensinado que exigia também grandes responsabilidades.

Cada vez mais frustrado, Filipe observava atentamente a expressão inflexível estampada no rosto do neto.

– Presumo que a tua recusa se deva a essa ruiva tonta que o Serge te roubou, mesmo debaixo do teu nariz. Não me olhes tão espantado – sorriu. – Achas que sou parvo? Se queres a minha opinião, teria sido uma relação desastrosa – acrescentou. Javier engoliu a raiva com dificuldade. – É demasiado doce e manipulável. Tu precisas de alguém com mais personalidade.

– Como a Ária – interveio Javier num tom seco.

– Bem, não tem de ser ela, forçosamente – murmurou. – O que importa é que se queres ser o meu herdeiro universal, tens de casar, e não abdico disso.

– Não devíamos estar a discutir… não agora.

– E por que razão é que temos de modificar os hábitos de toda uma vida? Se começares a dar-me razão, toda a família vai desconfiar de que algo de errado se passa, e eu não seria capaz de resistir às amabilidades de todos – declarou o velhote, enervado.

A relação explosiva de Javier com o avô era por vezes conflituosa, ainda que a família não compreendesse o profundo respeito que sentiam um pelo outro.

– Lamento.

– És um burro teimoso – resmungou Filipe.

Possuidor de uma autodisciplina extraordinária, Javier afastou os assuntos pessoais da cabeça e entrou no seu luxuoso Mercedes. Em Maiorca, o calor era abrasador durante aquele mês de Julho. No entanto, ele quase nem se apercebeu disso.

Olhou para relógio, caro embora discreto, e assentiu; ainda faltavam alguns minutos. Para ele, a pontualidade era simplesmente uma questão de boa educação.

À medida que avançava pelo caminho que circundava o grande edifício de pedra, o seu olho crítico de especialista não encontrou nenhum defeito nos maravilhosos jardins nem na vasta área de relvado. A zona da piscina estava quase deserta; havia apenas uns turistas deitados sob aquele sol tórrido do meio-dia maiorquino.

– Viste? – sussurrou, emocionada, uma turista que saía da piscina, dirigindo-se ao marido ensonado. – É o Javier Montero – acrescentou sem deixar de observar o homem alto que, impecavelmente vestido, apertava a mão a um jardineiro já de certa idade antes de continuar o seu caminho.

– Pelo amor de Deus, Jean! Só falta babares-te! Pensa, mulher, o que é que o Javier Montero viria aqui fazer?

– E porque não? – ripostou ela, ao mesmo tempo que apontava para o extenso terreno que rodeava a grande casa de campo do século XIII com uma torre árabe. – Ele é o dono de tudo isto.

Situado na Serra de Tramontana, aquele hotel era um refúgio para as pessoas que desejavam passar uns dias num lugar tranquilo que aliava na perfeição o histórico ao moderno, colocando ao dispor do cliente umas instalações equipadas com as últimas tecnologias e um serviço de primeiríssima qualidade.

A conjugação do passado com o presente era obviamente dispendiosa. No entanto, isso não era uma exclusividade daquele hotel, já que o mesmo sucedia nos dois outros hotéis que os Montero possuíam na ilha.

– Claro que sim – anuiu o marido. – Este hotel e sabe Deus quantos mais espalhados pelo mundo inteiro, para além da companhia aérea, dos cavalos de corrida e dos investimentos imobiliários. Existirá algum negócio que não tenha o dedo dos Montero? – questionou-se com inveja. – Ainda assim, não acredito que alguém como o Javier Montero se preocupe pessoalmente com a administração dos seus hotéis – declarou antes de voltar a adormecer.

Nesse ponto, tinha razão. Javier usava os seus talentos noutras actividades.

Desde muito cedo, Javier desenvolveu uma habilidade extraordinária para detectar recursos de mercado ainda por explorar. Sempre que um projecto apresentava dificuldades, geradas quer por conflitos laborais quer por disputas legais, ele era a pessoa mais indicada para os resolver.

Javier deslocou-se prontamente à ilha, porque foi informado de algo que o deixou bastante preocupado e aborrecido. Apreensivo, bateu à porta de carvalho maciço do escritório de Serge.

O homem entroncado que se encontrava sentado à secretária parecia inclusivamente mais alto do que ele.

– Javier! – Serge levantou-se com um sorriso de boas vindas; os dois homens cumprimentaram-se com um aperto de mãos e um abraço. – Há quanto tempo não nos víamos!

– É verdade – confirmou Javier, sorridente. – Como é que está o pequeno Raul e… a Sarah?

Quem visse o sorriso do «Senhor Icebergue», como o chamavam, jamais imaginaria a dificuldade que teve em pronunciar aquele nome.

– Onde é que está? Vi o carro dela…

– Avariou a última vez que veio cá – contou o amigo com uma certa tristeza. – Podes rir-te à vontade, Javier, porque afinal não foste tu que tiveste de empurrar aquele maldito ferro-velho. Excluindo a teimosia e o carinho irracional por aquela lata velha com rodas, a Sarah está muito bem; o teu afilhado é que não nos deixa dormir durante toda a noite.

– Já andaste a investigar discretamente sem que eu to tivesse pedido, não é verdade?

– Tudo o que puder fazer por ti é pouco, comparado com o que te devemos, Javier. Mesmo sabendo que não gostas que to diga.

– Tu não me deves nada. E quanto ao outro assunto – disse, mudando bruscamente de tema, – tens a certeza, Serge?

Serge Simeone suspirou com um olhar preocupado.

– Receio que sim. As informações que te enviei são autênticas.

– E sabes quem é?

– É um tal Luís González, um rapaz que trabalha aqui. É jovem, tem uns vinte e cinco anos. Chegou no início da temporada.

– Tem referências? – perguntou Javier, tentando controlar a sua impaciência.

– Falsificações impecáveis.

– Não há mais ninguém implicado? Refiro-me a alguém que ocupe um posto mais elevado.

Serge negou com a cabeça.

– Bem, isso já é bom.

Quando soube que um dos empregados daquele hotel vendia droga aos hóspedes, Javier, que não quis arriscar-se a comprometer nenhum dos outros empregados, preferiu pedir ajudar a alguém em cuja integridade confiava plenamente.

– No entanto, não chamaste a polícia, pois não?

– Pediste-me para esperar. O que é que vais fazer, Javier?

A expressão deste era rude e severa. Serge sabia que Javier não simpatizava com o uso de drogas como passatempo, e muito menos com os traficantes, já que a irmã mais nova quase tinha perdido a vida por causa da toxicodependência.

– Vamos visitar o Luís.

– Não pode ser assim tão mau, não te parece? – indagou Kate Anderson, antes da irmã lhe entregar as fotografias sem dizer uma palavra.

Porém, ao observar as fotografias, ligeiramente desfocadas, procurou disfarçar a comoção que a invadiu. Rapidamente se apercebeu de que não se tratavam de umas simples fotografias de uma rapariga na praia, sem soutien. Mesmo essas, os seus pais, conservadores como eram, tê-las-iam reprovado de imediato.

– Pode ser uma pessoa qualquer, não achas? – perguntou, hesitante, entregando-as à irmã.

Kate tentava desesperadamente amenizar a situação. Irritada, Susie rasgou-as e atirou-as para o chão. Contudo, ambas sabiam que aquele gesto era inútil enquanto os negativos não estivessem em seu poder.

– Não é uma pessoa qualquer, sou eu! Tens de me ajudar, Kate! Tens de fazer alguma coisa! – exclamou Susie, certa de que a irmã seria capaz de lhe resolver o problema. Afinal, há vinte anos que o fazia com êxito. – Não podes deixar que o papá e a mamã saibam… eu morreria…

Era muito provável que isso viesse a suceder, caso os pais decidissem retirar-lhe a generosa mesada.

– O que seria… muito desagradável – admitiu Kate, imaginando a cara dos pais se vissem as fotografias da filha mais nova seminua. Nem queria pensar no que poderia acontecer se caíssem nas mãos da imprensa. Recordou-se, então, de vários jornais sensacionalistas que iriam adorar publicar fotografias comprometedoras da filha do juiz de um supremo tribunal.

– E se ele as envia para o Chris?! Meu Deus do céu, estou perdida! Ele jamais acreditaria que nunca fui para a cama com o Luís.

– E não foste?

– Estás a ver? Até tu acreditas nisso! O Luís não passou de uma diversão; íamos juntos às discotecas, era simpático comigo… Kate, não acreditas em mim – acusou-a, abruptamente. – Podes dizer a verdade…

– Eu acredito em ti, Susie. Agora, cala-te. Deixa-me pensar – pediu Kate, concentrando-se no problema.

A ruga entre as densas sobrancelhas que, tal como as pestanas, eram bastante escuras, contrastando com o cabelo louro que as duas irmãs tinham herdado da mãe, ficou ainda mais vincada.

Ao contrário da irmã, a boca de Kate era demasiado grande e o nariz comprido e fino; traços que nunca tinham atraído homem algum. Os olhos cor de amêndoa, sem dúvida o melhor do seu rosto, infelizmente escondiam-se por detrás de uns óculos redondos com aros de metal.

Com ou sem óculos, a primeira impressão que se tinha de Kate Anderson era a de uma mulher jovem, com uma inteligência sagaz e perspicaz, e com inesgotáveis reservas de energia.

«A Susie é parecida comigo; a Kate é a mais ajuizada». Kate não se recordava do número de vezes que ouvira a mãe proferir aquelas palavras, defendendo, perante as pessoas, aquilo que parecia considerar como deficiências. «O que tem a menos na aparência tem de sobra em personalidade», afirmava o seu pai, mais benevolente.

Já tinha aprendido a conviver com aquelas definições. A sua sensatez proporcionava-lhe um estilo de vida que apreciava, ainda que ocasionalmente. Ao ver a reacção dos homens quando a irmã entrava numa sala, desejava não fazer parte do grupo de mulheres que desejavam adquirir alguns dos seus atributos, como o sex-appeal.

Kate sentou-se na cadeira de vime, colocou os pés em cima desta e abraçou-se às pernas, apoiando o queixo nos joelhos. Descontrolada, foi incapaz de conter a raiva.

– Afinal, por que razão é que te envolveste com esse fulano? Supostamente tens um compromisso com o Chris. A vossa relação está a correr bem ou resolveste reconsiderar a tua decisão?

– Kate, não comeces outra vez com essa ideia de que sou nova de mais para casar! – explodiu Susie. – Não sou como tu. Não pretendo enveredar por uma carreira profissional, e o facto de estar comprometida não impede que me divirta de vez em quando – argumentou, fazendo um movimento brusco com a cabeça.

Essa atitude não impressionou Kate. Sabia que a irmã era voluntariosa, mas não era tão insensível como queria aparentar.

– Diversão! Não podias ter-te limitado a jogar voleibol na praia?

– Se tivesses vindo na semana passada como disseste, não me teria aborrecido tanto – retorquiu com um sorriso forçado.

Susie tinha de arranjar uma maneira de a responsabilizar pelo sucedido; já era habitual.

– Eu tinha de trabalhar, sabes muito bem disso.

– Trabalhar?! – suspirou com enfado. – Só pensas nisso. Não me admira nada que o Seb te tenha deixado. Desculpa, foi um comentário infeliz – acrescentou, visivelmente arrependida. – A verdade é que antes do Luís aparecer as férias estavam a ser um verdadeiro inferno. O pai e a mãe faziam questão que eu os acompanhasse; todos os dias íamos visitar igrejas horríveis e coisas desse género. Sempre achei que umas férias em família nesta idade seriam dramáticas.

– Pensei que tinhas mudado de opinião quando soubeste que era o pai que as ia pagar – Kate não conseguiu evitar o comentário.

– E agradeço a Deus por não termos feito as reservas naquele hotel horroroso nas montanhas para onde querias ir. A única coisa que se podia fazer por lá era contemplar a erva a crescer.

– E também não havia um Luís.

– Muito sinceramente, Katie, em relação às fotografias… Julgo que ele deitou alguma coisa na minha bebida quando estávamos na piscina. Recordo-me apenas de ter chegado ao meu quarto. Sentia-me tonta e só tinha bebido um copo de vinho branco…

– Que estupidez! Deveríamos chamar a polícia! – exclamou Kate, enojada.

– Deixa-te de parvoíces, Kate! – replicou Susie, enfurecida. – Normalmente sou muito cuidadosa com essas coisas. Nunca deixo o meu copo na mesa; levo-o sempre comigo. E naturalmente nunca aceito bebidas de homens que não conheço…

– Naturalmente – repetiu Kate num murmúrio.

Nunca lhe passara pela cabeça ser tão cuidadosa como a irmã, ainda que na verdade nunca tivesse saído com um estranho. Os seus pretendentes ou eram amigos dos seus amigos, ou eram colegas de trabalho.

– O que mais me surpreende é o facto de ele nunca me ter tentado tocar. O que lhe interessava realmente era o dinheiro do papá e não eu.

– Felizmente!

– Fui mesmo estúpida. Já andava a arquitectar um plano para me livrar dele, diplomaticamente. Pensava que estava louco por mim. Meu Deus, Kate! E agora, o que é que eu faço?

– Não te preocupes Susie, vai correr tudo bem. Espero eu! – acrescentou, e abraçou a irmã.

– Emprestas-me o dinheiro para lhe pagar? – Susie levantou a cabeça e encarou-a com ansiedade.

– Não lhe vamos dar nem um tostão. Eu vou conseguir as fotografias e os negativos.

– Como?

– Bem, ainda não sei.

– Ouve, Kate. Não acho que seja uma boa ideia. Não creio que ele as entregue. Além disso, vi-o a conversar várias vezes com uns tipos de aspecto bastante duvidoso. Não sei porquê, mas tenho a impressão de que ele pode ser um homem muito vingativo. E confesso-te que, em parte, foi isso que me atraiu nele… aquela faceta perigosa – admitiu, constrangida. – Sabes a que me refiro – declarou, enquanto a irmã compunha os óculos. – Não, julgo que não entendes. Sei que me consideras uma pessoa extremamente egoísta, mas acredita que não conseguiria dormir se te acontecesse alguma coisa.

– Não te preocupes. Não tenho intenções de deixar que me façam mal – tranquilizou-a Kate, ao mesmo tempo que limpava o nariz.

Durante uma hora, no meio daquela escuridão, Kate vigiou a casa do pessoal até ter a certeza de que não estava lá ninguém.

Quando tentou abrir a porta, sentiu-se gelar com os nervos; os seus batimentos cardíacos abafavam qualquer outro som.

Não se lembrava de algum dia se ter sentido tão assustada, nem sequer na primeira vez que teve de comparecer diante de um juiz, como advogada.

Depois de ter aberto a porta com relativa facilidade, guardou o cartão de crédito, que utilizara como chave, e pôs o capuz preto da camisola para esconder a cabeleira loura.

Com a lanterna, foi iluminando o chão e abrindo caminho por entre a roupa espalhada pelo tapete. Nunca se sentira tão mal em toda a sua vida. Quando tudo aquilo tivesse terminado, iria beber um copo e tomar um banho relaxante.

Colocou a lanterna em cima da cómoda, abriu a primeira gaveta com as mãos trémulas. Ao sentir que tocava num envelope grosso, pensou que aquele era o seu dia de sorte.

No entanto, essa segurança transformou-se em pânico quando, de repente, um feixe de luz proveniente de uma lanterna potente iluminou o quarto. Antes de se poder virar, dois musculosos braços aprisionaram-na com tamanha força, que a levantaram do chão.

Com o seu fraco espanhol, não conseguiu compreender o significado das palavras furiosas que ressoavam nos seus ouvidos como balas. O aviso que Susie lhe fizera a respeito do chantagista e dos seus amigos sinistros, deu-lhe forças para lutar desesperadamente. Com o braço que tinha livre, procurou atingir brutalmente o agressor. Uma cadeira, diversos objectos e os seus óculos rolaram pelo chão, enquanto se debatia ferozmente por se libertar.

Apesar de não ser uma mulher baixa nem delicada, os seus cinquenta e poucos quilos obrigaram-na a render-se e a aceitar o facto de que não podia competir com aquele homem.

– Por favor… solte-me! – suplicou, sem parar de lutar.

– Inglês? És inglesa?! – sussurrou educadamente o desconhecido.

«Deve ser um dos amigos do empregado», pensou.

– Claro que sou inglesa! – exclamou.

– Uma mulher?! – aquela voz provinha do extremo oposto do quarto.

– Já tinha reparado nesse pormenor – respondeu o homem que a segurava, antes de começar a falar com o outro em castelhano.

«Com certeza estão a decidir o que vão fazer com o meu corpo», disse para consigo, esforçando-se por compreender o que estavam a dizer. Porém, era inútil; não entendia uma palavra. «Será que alguém vai dar pela minha falta?». Amargurada, chegou à conclusão de que tal só aconteceria na manhã seguinte.

Não tinha jantado com os pais, desculpando-se com uma forte dor de cabeça, e quando saiu de casa, Susie ainda não tinha parado de beber. O que significava que, naquele momento, devia estar mal disposta ou a dançar até amanhecer, no clube mais próximo.

– Vou soltar-te, mas não tentes fugir.

Depois de ter assentido com a cabeça, Kate decidiu fazer o contrário assim que surgisse a primeira oportunidade.

Livre e com os pés em chão firme, levantou ligeiramente a cabeça e virou-se para os seus agressores, cega pela luz que provinha da lanterna.

– Querem desviar isso dos meus olhos, por favor? – pediu, protegendo-os com as mãos.

Sem os óculos, via apenas os contornos do homem que se encontrava mais distante dela. Em contrapartida, o seu agressor estava suficientemente perto para o poder ver com clareza. Tal como ela, estava vestido de preto dos pés à cabeça. Aliás, essa era a única semelhança entre eles.

Atordoada, pestanejou várias vezes enquanto assimilava os atributos do assaltante, que ironicamente era o espécimen mais perfeito do sexo oposto que algum dia vira. De entre os seus infindáveis atributos, destacavam-se os ombros largos, as ancas estreitas, as pernas robustas e o rosto.

E que rosto! Uma testa alta, típica de uma pessoa inteligente; um nariz ligeiramente fino, como uma marca da herança árabe que tão bem caracterizava a população espanhola; as maçãs do rosto bem esculpidas e uma pele bronzeada, quase dourada. A boca era uma combinação intrigante de controlo e de paixão. Os ossos do rosto salientes e perfeitamente delineados harmonizavam-se e conferiam ao seu dono um semblante que nunca passaria despercebido numa multidão. Aquela beleza aliada aos resplandecentes olhos azuis, contornados por espessas e longas pestanas escuras, era simplesmente irresistível.

De repente, os assombrosos olhos azuis estreitaram-se, enquanto a submetiam a um exame tão exaustivo como o dela. Contudo, o que viu não pareceu impressioná-lo.

– Diga-me, menina, onde está o González? – perguntou o homem, impaciente.

Chantagem com a noiva

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