Читать книгу Os Lusíadas - Luís de Camões - Страница 4
OS LVSIADAS DE LVIS DE CAMÕES
Canto Terceiro
ОглавлениеAgora tu Caliope me enſina,
O que contou ao Rei, o illustre Gama:
Inſpira immortal canto, & voz diuina,
Neſte peito mortal, que tanto te ama.
Aſsi o claro inuentor da Medicina,
De quem Orpheo pariſte, o linda Dama:
Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothôe
Te negue o Amor diuido, como ſoe.
Poem tu Nimfa em effeito meu deſejo,
Como mereçe a gente Luſitana,
Que veja & ſaiba o mundo que do Tejo
O licor de Aganipe corre & mana,
Deixa as flores de Pindo, que ja vejo
Banharme Apolo na agoa ſoberana.
Senão direy, que tẽs algum receio,
Que ſe eſcureça o teu querido Orpheio.
Promptos eſtauão todos eſcuitando,
O que o ſublime Gama contaria
Quando, deſpois de hum pouco eſtar cuidãdo,
Aleuantando o roſto, aſsi dizia:
Mandas me, o Rei, que conte declarando,
De minha gente a grão geanaloſia:
Não me manda contar eſtranha hiſtoria:
Mas mandas me louuar dos meus a gloria.
Que outrem poſſa louuar esforço alheio,
Couſa he que ſe coſtuma, & ſe deſeja:
Mas louuar os meus proprios, arreceio,
Que louuor tão ſospeito mal me esteja,
E pera dizer tudo, temo & creio,
Que qualquer longo tempo curto ſeja:
Mas pois o mandas, tudo ſe te deue,
Irey contra o que deuo, & ſerey breue.
Alem diſſo, o que a tudo em fim me obriga,
He não poder mentir no que diſſer,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me ha de ficar inda por dizer:
Mas perque nisto a ordem leue & ſiga,
Segundo o que deſejas de ſaber.
Primeiro tratarey da larga terra,
Deſpois direy da ſanguinoſa guerra.
Entre a Zona que o Cancro ſenhorea,
Meta Septentrional do Sol luzente,
E aquella, que por fria ſe arrecea
Tanto, como a do meyo por ardente,
Iaz a ſoberba Europa, a quem rodea,
Pela parte do Arcturo, & do Occidente:
Com ſuas ſalſas ondas o Occeano,
E pela Auſtral, o Mar Mediterrano.
Da parte donde o dia vem naſcendo,
Com Aſia ſe auizinha: mas o Rio
Que dos montes Rifeios vay correndo,
Na alagoa Meotis, curuo & frio
As diuide: & o Mar, que fero & horrendo
Vio dos Gregos o yrado ſenhorio:
Onde agora de Troia triumfante,
Não vê mais que a memoria o nauegante.
La onde mais debaxo està do Polo,
Os montes Hyperboreos aparecem,
E aquelles onde ſempre ſopra Eolo,
E co nome do ſopros, ſe ennobrecem,
Aqui tam pouca força tem de Apolo,
Os rayos que no mundo reſplandecem.
Que a neue eſtà contino pelos montes,
Gelado o mar, geladas ſempre as fontes.
Aqui dos Cytas, grande quantidade
Viuem, que antigamente grande guerra
Tiuerão, ſobre a humana antiguidade,
Cos que tinhão antão a Egipcia terra:
Mas quem tão fera estaua da verdade,
(Ia que o juyzo humano tanto erra:)
Pera que do mais certo ſe informàra,
Ao campo Damaſceno o perguntàra.
Agora neſtas partes ſe nomea,
A Lapia fria, a inculta Noruega,
Eſcandinauia Ilha, que ſe arrea,
Das victorias que Italia não lhe nega
Aqui, em quanto as agoas não refrea,
O congelado Inuerno, ſe nauega.
Hum braço do Sarmatico Occeoano,
Pelo Bruſio, Suecio, & frio Dano.
Entre eſte Mar, & o Tanais viue eſtranha
Gente, Ruthenos, Moſcos, & Liuonios,
Sarmatas outro tempo, & na montanha
Hircinia, os Marcomanos ſam Polonios
Sugeitos ao Imperio de Alemanha,
Sam Saxones, Boemios, & Panonios,
E outras varias nações, que o Reno frio
Laua, & o Danubio, Amaſis, & Albis Rio.
Entre o remoto Iſtro, & o claro eſtreito,
Aonde Hele deixou, co nome, a vida,
Estão os Traces de robuſto peito,
Do fero Marte, patria tam querida,
Onde co Hemo, o Rodope ſugeito
Ao Otomano està, que ſometida,
Bizancio tem a ſeu ſeruiço indino,
Boa injuria do grande Coſtantino.
Logo de Macedonia eſtão as gentes,
A quem laua do Axio a agoa fria:
E vos tamhem, o terras excelentes,
Nos coſtumes, engenhos, & ouſadia,
Que criaſtes os peitos eloquentes,
E os juizos de alta fantaſia:
Com quem tu clara Grecia o Ceo penetras,
E não menos por armas, que por letras.
Logo os Dalmatas viuem, & no ſeio,
Onde Antenor ja muros leuantou,
A ſoberba Veneza eſtâ no meio
Das agoas, que tam baxa começou
Da terra, hum braço vem ao mar, que cheio
De esforço, nações varias ſogeitou,
Braço forte, de gente ſublimada,
Não menos nos engenhos que na eſpada.
Em torno o cerca o Reino Neptunino,
Cos muros naturais, por outra parte,
Pela meyo o diuide o Apinino,
Que tam illuſtre fez o patrio Marte:
Mas deſpois que o porteiro tem diuino,
Perdendo o esforço veio, & bellica arte:
Pobre eſtà ja de antiga poteſtade,
Tanto Deos ſe contenta de humildade.
Galia ali ſe verà, que nomeada,
Cos Ceſareos Triumfos foy no mundo,
Que do Sequana, & Rôdano he regada,
E do Garuna frio, & Reno fundo:
Logo os montes da Nimpha ſepultada
Pyrene ſe aleuantão, que ſegundo
Antiguidades contão, quando arderão,
Rios de ouro, & de prata antão corrèrão.
Eis aqui ſe deſcobre a nobre Eſpanha,
Como cabeça ali de Europa toda,
Em cujo ſenhorio & gloria eſtranha,
Muitas voltas tem dado a fatal roda:
Mas nunca poderà, com força, ou manha,
A fortuna inquieta porlhe noda:
Que lha não tire o esforço & ouſadia,
Dos belicoſos peitos, que em ſi cria.
Com Tingitania enteſta, & ali parece
Que quer fechar o mar Mediterrano,
Onde o ſabido estreito ſe ennobrece,
Co extremo trabalho do Thebano:
Com nações differentes ſe engrandece,
Cercadas com as ondas do Occeano.
Todas de tal nobreza, & tal valor,
Que qualquer dellas cuida que he milhor.
Tem o Tarragones, que ſe fez claro,
Sujeitando Partênope inquieta,
O Nauarro, as Aſturias, que reparo
Ia forão, contra a gente Mohometa,
Tem o Galego cauto, & o grande & raro
Caſtelhano, a quem fez o ſeu Planeta,
Restituidor de Eſpanha, & ſenhor della,
Bethis, Lião, Granada, com Castella.
Eis aqui quaſi cume da cabeça,
De Europa toda, o Reino Luſitano,
Onde a Terra ſe acaba, & o Mar começa,
E onde Febo repouſa no Occeano:
Eſte quis o Ceo juſto, que ſloreça
Nas armas, contra o torpe Mauritano,
Deitando o de ſi fora, & la na ardente
Affrica eſtar quieto o nam conſente.
Eſta he a ditoſa patria minha amada,
Aa qual ſe o Ceo me da, que eu ſem perigo
Torne, com eſta empreſa ja acabada,
Acabeſe eſta luz ali comigo.
Eſta foy Luſitania diriuada,
De Luſo, ou Lyſa: que de Bacho antigo,
Filhos forão pareçe, ou companheiros,
E nella antam os Incolas primeiros.
Desta o Paſtor naſceo, que no ſeu nome
Se ve, que de homem forte os feitos teue,
Cuja fama, ninguem virà que dome,
Pois a grande de Roma não ſe atreue:
Eſta, o velho que os filhos proprios come,
Por decreto do, Ceo ligeiro, & leue,
Veo a fazer no mundo tanta parte,
Criando a Reino illuſtre, & foi deſta arte.
Hum Rei, por nome Affonſo, foy na Eſpanha,
Que fez aos Sarracenos tanta guerra,
Que por armas ſanguinas, força & manha
A muitos fez perder a vida, & a terra:
Voando deſte Rei a fama eſtranha,
Do Herculano Calpe aa Caſpia ſerra,
Muitos, pera na guerra eſclarecerſe,
Vinhão a elle, & aa morte offerecerſe.
E com hum amor intrinſeco acendidos
Da Fè, mais que das honras populares,
Erão de varias terras conduzidos,
Deixando a patria amada, & proprios lares
Deſpois que em feitos altos & ſubidos.
Se moſtrarão nas armas ſingulares.
Quis o famoſo Affonſo, que obras tais,
Leuaſſem premio digno, & dões agoais.
Deſtes Anrique dizem que ſegundo,
Filho de hum Rei de Vngria exprimentado,
Portugal ouue em ſorte, que no Mundo
Entam não era illuſtre, nem prezado:
E pera mais ſinal damor profundo,
Quis o Rei Caſtelhano, que caſado,
Com Tereſa ſua filha o Conde foſſe,
E com ella das terras tomou poſſe.
Eſte deſpois que contra os deſcendentes,
Da eſcraua Agar, victorias grandes teue,
Ganhando muitas terras adjacentes,
Fazendo o que a ſeu forte peito deue.
Em premio destes feitos excellentes,
Deulhe o ſupremo Deos, em tempo breue,
Hum filho, que illuſtraſſe o nome vfano
Do belicoſo Reino Luſitano.
Ia tinha vindo Anrique da conquista,
Da cidade Hyeroſolima ſagrada,
E do Iordão a area tinha vista,
Que vio de Deos a carne em ſi lauada,
Que não tendo Gotfredo a quem reſiſta,
Depois de ter Iudea ſojugada.
Muitos que nestas guerras o ajudárão,
Pera ſeus ſenhorios ſe tornàrão.
Quando chegado ao fim de ſua idade,
O forte & famoſo Vngaro estremado,
Forçado da fatal neceſsidade,
O ſpirito deu, a quem lho tinha dado:
Ficaua o filho em tenra mocidade,
Em quem o pay deixaua ſeu traſlado:
Que do Mundo os mais fortes igualaua,
Que de tal pay tal filho ſe eſperaua.
Mas o velho rumor, não ſey ſe errado,
Que em tanta antiguidade não ha certeza,
Conta que a mãy tomando todo o eſtado
Do ſegundo Hymeneo, não ſe despreza:
O filho orfão deixaua deſerdado,
Dizendo que nas terras, a grandeza
Do ſenhorio todo, ſo ſua era,
Porque pera caſar ſeu pay lhas dera.
Mas o Principe Affonſo, que deſta arte
Se chamaua, do Auô tomando o nome,
Vendoſe em ſuas terras não ter parte,
Que a mãy com ſeu marido as mãda & come,
Feruendo lhe no peito o duro Marte,
Imagina conſigo como as tome.
Reuoluidas as cauſas no conceito,
Ao propoſito firme ſegue o effeito.
De Guimarães o campo ſe tingia,
Co ſangue proprio da intestina guerra,
Onde a mãy que tam pouco o perecia,
A ſeu filho negaua o amor, & a terra,
Co elle posta em campo ja ſe via,
E não ve a ſoberba, o muito que erra.
Contra Deos, contra o maternal amor:
Mas nella o ſenſual era maior.
O Progne crua, o magica Medea,
Se em voſſos proprios filhos vos vingais
Da maldade dos pais, da culpa alheia,
Olhay que inda Tereſa peca mais:
Incontinencia ma, cubiça fea,
São as cauſas deste erro principais.
Scilla por hũa mata o velho pay,
Eſta por ambas, contra o filho vay.
Mas ja o Principe claro, o vencimento,
Do padrasto & da inica mãy leuaua,
Ia lhe obedece a terra num momento,
Que primeiro contra elle pelejaua.
Porem vencido de Ira o entendimento,
A mãy em ferros aſperos ataua:
Mas de Deos foi vingada em tempo breue,
Tanta veneração aos pais ſe deue.
Eis ſe ajunta o ſoberbo Castelhano,
Pera vingar a injuria de Tereja,
Contra o tam raro em gente Luſitano,
A quem nenhum trabalho agraua, ou peſa:
Em batalha cruel, o peito humano,
Ajudado da Angelica defeſa.
Não ſo contra tal furia ſe ſuſtenta:
Mas o inimigo aſperrimo affugenta.
Não paſſa muito tempo, quando o forte
Principe, em Guimarães eſta cercado,
De infinito poder, que deſta ſorte,
Foy refazerſe o immigo magoado:
Mas com ſe offerecer aa dura morte,
O fiel Egas amo, foy liurado.
Que de outra arte podêra ſer perdido,
Segundo estaua mal aperçebido.
Mas o leal vaſſallo conhecendo,
Que ſeu ſenhor não tinha reſiſtencia,
Se vay ao Caſtelhano, prometendo,
Que elle faria darlhe obediencia.
Leuanta o inimigo o cerco horrendo,
Fiado na promeſſa, & conſciencia
De Egas moniz mas não conſente o peito
Do moço illuſlre, a outrem ſer ſogeito.
Chegado tinha o prazo prometido,
Em que o Rei Castelhano ja agoardaua,
Que o Principe a ſeu mando ſometido,
Lhe deſſe a obediencia que eſperaua.
Vendo Egas, que ficaua fementido,
O que delle Caſtella não cuydaua,
Determina de dar a doçe vida,
A troco da palaura mal comprida.
E com ſeus filhos & molher ſe parte,
A aleuantar co elles a fiança,
Deſcalços, & deſpidos, de tal arte,
Que mais moue a piedade que a vingança.
Se pretendes Rei alto de vingarte,
De minha temeraria confiança,
Dizia, eis aqui venho offerecido,
A te pagar co a vida o prometido.
Ves aqui trago as vidas inocentes,
Dos filhos ſem peccado, & da conſorte,
Se a peitos generoſos, & excellentes,
Dos fracos ſatisfaz a fera morte.
Ves aqui as mãos, & a lingoa delinquentes,
Nellas ſos exprimenta, toda ſorte
De tormentos, de mortes, pelo eſtillo
De Scinis, & do touro de Perillo.
Qual diante do algoz o condenado,
Que ja na vido a morte tem bebido,
Poem no çepo a garganta: & ja entregado,
Eſpera pelo golpe tam temido:
Tal diante do Principe indinado,
Egas eſtaua a tudo offerecido:
Mas o Rei vendo a eſtranha lealdade,
Mais pode em fim que a Ira a Piedade.
O grão fidelidade Portugueſa,
De vaſſallo, que a tanto ſe obrigaua,
Que mais o Perſa fez naquella empreſa,
Onde roſto & narizes ſe cortaua,
Do que ao grande Dario tanto peſa,
Que mil vezes dizendo ſuspiraua.
Que mais o ſeu Zopiro ſão prezâra,
Que vinte Babilonias que tomàra
Mas ja o Principe Affonſo aparelhaua,
O Luſitano exercito ditoſo,
Contra o Mouro que as terras habitaua,
Dalem do claro Tejo deleitoſo:
Ia no campo de Ourique ſe aſſentaua,
O arraial ſoberbo, & belicoſo:
Defronte do inimigo Sarraceno,
Poſto que em força, & gente tam pequeno.
Em nenhũa outra couſa confiado,
Senão no ſummo Deos, que o Ceo regia,
Que tam pouco era o pouo bautizado,
Que pera hum ſo cem Mouros aueria.
Iulga qualquer juyzo ſoſſegado,
Por mais temeridade que ouſadia,
Cometer hum tamanho ajuntamento,
Que pera hum caualleiro ouueſſe cento.
Cinco Reis Mouros ſam os inimigos,
Dos quaes o principal Ismar ſe chama,
Todos exprimentados nos perigos
Da guerra, onde ſe alcança a illuſtre fama:
Seguem guerreiras Damas ſeus amigos,
Imitando a fermoſa & forte Dama,
De quem tanto os Troyanos ſe ajudârão,
E as que o Termodonte ja goſtârão.
A matutina luz ſerena, & fria,
As Estrellas do Pollo ja apartaua,
Quando na Cruz o Filho de Maria,
Amoſtrando ſe a Affonſo o animaua:
Elle adorando quem lhe aparecia,
Na Fê todo inflamado aſsi gritaua.
Aos infieis Senhor, aos infieis,
E não a my que creio o que podeis.
Com tal milagre, os animos da gente
Portugueſa, inflamados leuantauão,
Por ſeu Rei natural, eſte excelente
Principe, que do peito tanto amauão:
E diante do exercito potente,
Dos imigos, gritando o ceo tocauão:
Dizendo em alta voz, real, real,
Por Affonſo alto Rei de Portugal.
Qoal cos gritos & vozes incitado,
Pola montanha o rabido Moloſo,
Contra o Touro remete, que fiado
Na força eſtà do corno temeroſo:
Ora pega na orelha, ora no lado,
Latindo mais ligeiro que forçoſo,
Ate que em fim rompendolhe a garganta,
Do brauo a força horrenda ſe quebranta.
Tal do Rei nouo, o eſtamago acendido,
Por Deos & polo pouo juntamente,
O barbaro comete apercebido,
Co animoſo exercito rompente:
Leuantão nisto os perros o alarido
Dos gritos, tocam a arma, ſerue a gente,
As lanças & arcos tomão, tubas ſoão,
Inſtromentos de guerra tudo atroão.
Bem como quando a flama que ateada,
Foi nos aridos campos (aſoprando
O ſibilante Boreas) animada
Co vento, o ſeco mato vay queimando:
A paſtoral companha, que deitada,
Co doçe ſono estaua, deſpertando,
Ao eſtridor do fogo que ſe atea,
Recolhe o fato, & ſoge pera a aldea.
Deſta arte o Mouro atonito & toruado,
Toma ſem tento as armas muy depreſſa,
Não foge: mas eſpera confiado,
E o ginete belligero arremeſſa:
O Portugues o encontra denodado,
Pelos peitos as lanças lhe atraueſſa.
Hũs caem meios mortos, & outros vão
A ajuda conuocando do Alcorão.
Ali ſe vem encontros temeroſos,
Pera ſe desfazer hũa alta ſerra,
E os animais correndo furioſos,
Que Neptuno amoſtrou ferindo a terra:
Golpes ſe dão medonhos, & forçoſos,
Por toda a parte andaua aceſa a guerra:
Mas o de Luſo, arnes, couraça & malha,
Rompe, corta, desfaz, a bola & talha.
Cabeças pelo campo vão ſaltando,
Braços, pernas, ſem dono & ſem ſentido,
E doutros as entranhas palpitando,
Palida a cor, o geſto amortecido:
Ia perde o campo o exercito nefando,
Correm rios do ſangue deſparzido
Com que tambem do campo a cor ſe perde
Tornado Carmeſi de branco & verde.
Ia fica vencedor o Luſitano
Recolhendo os trofeos & preſa rica,
Desbaratado & roto o Mauro Hispano,
Tres dias o gram Rei no campo fica:
Aqui pinta no branco eſcudo vfano,
Que agora esta victoria certifica:
Cinco escudos azues eſclarecidos,
Em ſinal destes cinco Reis vencidos.
E neſtes cinco eſcudos pinta os trinta
Dinheiros, porque Deos fora vendido,
Eſcreuendo a memoria em varia tinta,
Daquelle de quem foy fauorecido,
Em cada hum dos cinco, cinco pinta,
Porque aſsi fica o numero comprido:
Contando duas vezes o do meio,
Dos cinco azues que em Cruz pintando veio.
Paſſado ja algum tempo, que paſſada
Era esta grão victoria, o Rei ſubido
A tomar vay Leiria, que tomada
Fora muy pouco auia, do vencido:
Com eſta a forte Arronches ſojugada
Foy juntamente: & o ſempre ennobrecido
Scabelicaſtro, cujo campo ameno,
Tu claro Tejo regas tam ſereno.
A eſtas nobres villas ſometidas,
Ajunta tambem Mafra, em pouco eſpaço,
E nas ſerras da Lua conhecidas,
Sojuga a ſria Sintra, o duro braço,
Sintra onde as Naiades eſcondidas
Nas fontes, vão fugindo ao doçe laço:
Onde Amor as enreda brandameme,
Nas agoas acendendo fogo ardente.
E tu nobre Lisboa, que no Mundo,
Facilmente das outras es princeſa,
Que edificada foſte do facundo,
Por cujo engano foy Dardania aceſa:
Tu a quem obedece o Mar profundo,
Obedeceste aa força Portugueſa.
Ajudada tambem da forte armada,
Que das Boreais partes foy mandada.
La do Germanico Albis, & do Reno,
E da fria Bretanha conduzidos,
A destruir o pouo Sarraceno,
Muitos com tenção ſancta erão partidos,
Entrando a bocaja, do Tejo ameno,
Co arrayal do grande Affonſo vnidos.
Cuja alta fama antão ſubia aos ceos,
Foy posto cerco aos muros Vliſſeos.
Cinco vezes a Lũa ſe eſcondêra,
E outras tantas moſtrâra cheio o rosto,
Quando a Cidade entrada ſe rendêra,
Ao duro cerco, que lhe eſtaua poſto.
Foy a batalha tam ſanguina & fera,
Quanto obrigaua o firme proſupoſto:
De vencedores aſperos, & ouſados,
E de vencidos, ja deſesperados.
Deſta arte em fim tomada ſe rendeo,
Aquella que nos tempos ja paſſados
Aa grande força nunca obedeceo,
Dos frios pouos Sciticos ouſados:
Cujo poder a tanto ſe estendeo,
Que o Ibero o vio, & o Tejo amedrontados.
E em fim co Betis tanto algum podêrão,
Que aa terra do Vandalia nome dèrão.
Que cidade tam forte, por ventura