Читать книгу A herdeira e o amor - Lynne Graham - Страница 5

Capítulo 1

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– Isso é impossível. Não acredito! – Alissandru Rossetti saltou da sua cadeira a meio da leitura do testamento do seu irmão, cheio de incredulidade ultrajada. – Porque é que o Paulu haveria de deixar alguma coisa a essa ordinária? – perguntou, a ninguém em particular.

Por sorte, os únicos presentes eram a mãe, Constantia, e o advogado da família, Marco Morelli, pois todas as tentativas de contactar a beneficiária principal do testamento tinham sido infrutíferas. Perturbado com aquela palavra reveladora, «principal», Alissandru limitara-se a franzir o sobrolho, pensando que era muito próprio do seu falecido irmão Paulu ter deixado os seus bens terrestres a alguma ONG. Afinal de contas, a sua esposa Tania e ele tinham morrido juntos e não tinham filhos, e ele, Alissandru, o irmão gémeo, não precisava de herdar, pois não só era o gémeo mais velho e dono da quinta familiar da Sicília, como também multimilionário por direito próprio.

– Respira fundo, Alissandru – pediu Constantia, que conhecia bem o temperamento fogoso do filho. – O Paulu tinha o direito de deixar os seus bens a quem quisesse e não sabemos se a irmã da Tania merece ser tratada de forma tão desagradável.

Alissandru passeava pelo escritório pequeno, um comportamento que era, claramente, de intimidação num espaço confinado, visto que media mais de um metro e noventa de estatura e, vestido com um dos fatos pretos e elegantes que gostava de usar, tinha uma figura forte e poderosa. Aquela cor funerária fizera-o ganhar a alcunha de «O Corvo» na City de Londres, onde os seus instintos agressivos nos negócios eram famosos, como correspondia a um empresário que se destacava no campo da nova tecnologia. Passeando pelo escritório, fazia o advogado pensar num tigre fechado numa jaula.

«Não sabemos se merece ser tratada de forma tão desagradável?», pensou, ultrajado, recordando Isla Stewart, a adolescente ruiva que conhecera no casamento do irmão há seis anos. Com apenas dezasseis anos, vestia uma roupa sexualmente provocadora e exibia as suas curvas jovens e as suas pernas bem torneadas numa oferta claramente sexual ao melhor licitador. E, nesse mesmo dia, mais tarde, vira-a a sair de um dos quartos com a roupa amarrotada, só um instante antes de um dos primos dele sair do mesmo quarto, abotoando os punhos da camisa e ajeitando o cabelo. Obviamente, Isla era tal como a irmã Tania, uma mulher descarada, lasciva e desonesta.

– Não sabia que o Paulu mantinha o contacto com a irmã da Tania – admitiu, cortante. – Sem dúvida, enganou-o tão facilmente como a irmã e encontrou um lugar no seu coração mole.

Falava com uma dor muito real, porque amara muito o irmão e ainda, seis semanas depois do acidente de helicóptero que arrebatara a vida a Paulu e a Tania, lhe custava acreditar que nunca mais voltaria a falar com ele. Pior ainda, não conseguia esquecer a culpa de saber que não conseguira proteger o irmão da bruxa intriguista que era Tania Stewart. Infelizmente, os últimos anos de Paulu tinham sido muito infelizes, mas recusara-se a divorciar-se da modelo vil de roupa interior com quem se casara com tanta pressa, achando que estava grávida, só que, «surpresa, surpresa», pensou Alissandru, com cinismo, fora um falso alarme.

Tania continuara a destruir a vida do irmão com o seu esbanjamento constante, as suas birras ardilosas e, finalmente, com a sua infidelidade. No entanto, durante todos esses excessos, Paulu continuara a adorá-la como se fosse uma deusa. Porque, infelizmente para ele, o irmão fora uma alma gentil, uma pessoa carinhosa, leal e comprometida. Muito diferente de Alissandru em todos os sentidos, como a noite e o dia. E, no entanto, Alissandru valorizara muito aquelas diferenças e confiara em Paulu como nunca confiara em nenhuma outra pessoa. E embora o enfurecesse pensar que outra mulher Stewart conseguira enganar e manipular o irmão e fazê-lo deixar um testamento assim, também havia uma parte dele que se sentia traída por Paulu.

Afinal de contas, ele sabia o que a quinta familiar significava para Alissandru e, no entanto, deixara a casa dentro dessa quinta e todo o seu dinheiro à irmã de Tania. Um presente grande para a rapariga e uma bofetada para Alissandru, embora soubesse que Paulu teria cortado a mão antes de o magoar. E, em honra da verdade, nunca teria imaginado que um acidente trágico podia acabar ao mesmo tempo com a sua vida e com a da sua esposa e, assim, limpar o caminho para que a cunhada herdasse o que nunca devia ter sido dela.

– O Paulu visitou a Isla várias vezes em Londres durante a etapa em que… – Constantia hesitou, escolhendo as palavras com tato. – Em que a Tania e ele estiveram separados. Gostava dessa rapariga.

– Nunca me disse isso! – exclamou Alissandru, com os olhos brilhantes e muita tensão nos seus traços morenos. Não queria imaginar que outra mulher Stewart conseguira impressionar o irmão com um encanto sedutor com que só tencionava procurar benefícios. Paulu sempre fora muito fraco com as histórias lacrimogéneas.

Alissandru nunca fora tão tolo. Gostava de mulheres, mas elas amavam-no e perseguiam-no como uma raça rara porque era rico e solteiro. Quando era mais jovem, ouvira muitas histórias lacrimogéneas e, algumas vezes, levado pela inexperiência, caíra na armadilha, mas já há anos que não era tão ingénuo ou imprudente. Escolhia as suas amantes entre mulheres do seu estrato social. As mulheres com dinheiro próprio ou carreiras muito exigentes eram a melhor aposta para o tipo de aventuras passageiras em que se especializou. Compreendiam que não estava pronto para criar raízes e praticavam a mesma discrição que ele.

– Sabendo o que pensavas da Tania, não é de estranhar que o Paulu não te dissesse – comentou a mãe, com gentileza. – O que vais fazer?

– Comprar a casa do Paulu. Que outra coisa posso fazer? – perguntou Alissandru.

Encolheu os ombros com raiva devido à perspetiva de ter de enriquecer outra mulher Stewart. Quantas vezes pagara as dívidas de Tania para proteger o irmão das exigências insaciáveis da esposa? Mas que outra coisa podia fazer? Tania estava morta e enterrada e a irmã nem sequer se incomodara em ir ao funeral. Todas as tentativas de a contactar na sua última morada conhecida tinham sido infrutíferas. Isso já dizia tudo sobre o vínculo fraco que havia entre as irmãs, não era?

– Temos de encontrar a maninha da Tania – disse, num tom leve de ameaça.

Isla soprou para os dedos congelados. O vento arrefecia-lhe o rosto por baixo do gorro enquanto dava rapidamente de comer às galinhas e apanhava os ovos. Pensou, corajosa, que teria de fazer confeitaria para os gastar e, depois, sentiu-se culpada por pensar assim quando a única irmã e o cunhado estavam mortos.

E, pior ainda, ela não teria sabido o que acontecera se não fosse porque um vizinho amável fora à casa na semana anterior para lhe dar a trágica notícia pessoalmente. Os tios, os donos da quinta nas Terras Altas da Escócia em que Isla estava, tinham ido visitar a família da tia na Nova Zelândia, tinham lido na Internet a notícia das mortes de Tania e Paulu num acidente de helicóptero e tinham ligado imediatamente para os vizinhos para que perguntassem a Isla se queria que voltassem para casa para que ela pudesse viajar para Itália.

Porém, que sentido teria essa viagem se já perdera os funerais? Era muito triste nunca ter chegado a conhecer a própria irmã. Tinham sido criadas separadas e Tania era dez anos mais velha. Isla fora a filha não planeada e não muito bem-vinda, uma chegada tardia depois da morte prematura do pai. A mãe, Morag, que fazia o que podia para sobreviver, fora para Londres com Tania para procurar trabalho e deixara Isla ao cuidado da avó até que pudesse reunir-se com elas.

Infelizmente, essa reunião nunca acontecera. Isla crescera na mesma quinta das Terras Altas onde a mãe fora criada com os avós e estes tinham sido os seus verdadeiros pais para todos os efeitos. Morag ia lá de vez em quando no Natal e Isla tinha lembranças vagas de uma mulher de rosto suave e cabelo avermelhado encaracolado, como o dela, e de uma irmã loira muito mais alta que, já em adolescente, se transformara numa beleza clássica. Tania saíra de casa muito cedo para ser modelo e a mãe de Isla morrera não muito depois de uma doença renal de que padecia há muito tempo. De facto, a primeira vez que Isla comunicara diretamente com a irmã fora quando ligara para a quinta para a convidar para o seu casamento na Sicília.

A rapariga odiara que não convidasse também os seus avós, mas os idosos tinham insistido que fosse porque Tania se oferecia generosamente para lhe pagar a viagem. Como eram pessoas justas, também a tinham feito ver que Tania nunca tivera a oportunidade de conhecer nenhum deles e que, embora fossem parentes de sangue, na verdade, eram quase estranhos.

Isla ainda sentia vergonha ao recordar como se sentira deslocada naquele casamento luxuoso e cheio de convidados importantes e ricos e na experiência desagradável que tivera ao ver-se perseguida por um predador. Contudo, o pior de tudo fora que a ligação desejada com a única irmã não acontecera. Na verdade, a atitude que Tania tinha na vida escandalizara-a.

– Não, podes agradecer o convite ao Paulu – declarara Tania. – Disse que tinha de haver algum membro da minha família presente e pensei que uma adolescente era muito melhor do que os velhos aborrecidos da quinta de quem a mãe falava. Este casamento significa uma promoção social para mim e não quero que parentes pobres com sotaque escocês do campo diminuam o meu estatuto à frente dos nossos convidados.

Isla tentara não a julgar e decidira que a irmã se mostrava tão franca porque tivera uma educação liberal e muito menos antiquada do que a dela.

– Essa rapariga era desenfreada – dissera a avó, uma vez. – A tua mãe não conseguia controlá-la nem nunca era capaz de lhe dar tudo o que queria.

– Mas o que é que a Tania queria? – perguntara Isla, dececionada porque, depois do casamento, não houvera nenhuma menção de as irmãs voltarem a encontrar-se.

– O único sonho que teve foi ser rica e famosa. – A avó rira-se. – E, a julgar pelo casamento que descreveste, parece que essa carinha bonita lhe conseguiu o que queria.

No entanto, aquilo não era verdade. Isla recordou o seu encontro seguinte com a irmã vários anos depois, quando ela também se mudara para Londres. Os avós tinham morrido com poucas semanas de diferença e o tio encarregara-se da quinta. Pedira-lhe que ficasse com eles, mas, depois de ter passado meses a ajudar a avó a cuidar do avô doente e ainda muito triste com a perda de ambos, Isla considerara que tinha de sair da sua zona de conforto na quinta e procurar independência.

– O Paulu enganou-me – insistira Tania, com desdém, depois de anunciar que abandonara o marido e o lar conjugal. – Não pode dar-me o que prometeu. Não tem dinheiro suficiente.

E, pouco depois disso, Paulu fora visitar Isla no seu quarto humilde para lhe pedir conselho sobre a irmã irascível. Parecera-lhe um homem encantador, muito apaixonado por Tania e desesperado por fazer o que fosse preciso para a recuperar. Os olhos encheram-se de lágrimas ao pensar que, pelo menos, Paulu conseguira voltar para o amor da sua vida antes da morte de ambos. Recuperara essa felicidade antes de o destino ceifar brutalmente as suas vidas antes de tempo. Gostava de Paulu. De facto, começara a conhecê-lo muito melhor do que conhecia a própria irmã.

Seguira o seu conselho sobre como recuperar o interesse de Tania? Nunca saberia.

Alimentou o fogo que havia na cozinha confortável da quinta e tirou a roupa da rua com alívio. Adorava estar na quinta, mas sentia a falta da vida social com os seus amigos da cidade. Viver onde crescera significava que até ir ao cinema em Oban exigia planeamento e um percurso longo de automóvel. Contudo, dentro de mais algumas semanas, voltaria ao sul depois de cumprir a promessa feita aos seus tios. Eram encantadores, mas não tinham filhos e só podiam recorrer a ela para que tomasse conta da quinta. Há mais de vinte anos que a tia não ia à Nova Zelândia e Isla alegrara-se por a ajudar a realizar esse sonho, sobretudo, porque o pedido chegara no momento em que fechava o café onde trabalhava como empregada de mesa e a renda do seu quarto aumentava.

As ovelhas e galinhas dos tios não podiam cuidar delas próprias e muito menos no inverno ou quando se esperava mau tempo. Com nervosismo, olhou para o céu cinzento: Tinham anunciado nevadas fortes.

Sorriu quando viu o Puggle, o seu cão, a acomodar ousadamente o corpo pequeno ao lado do Shep, o pastor escocês velho e cada vez mais surdo do tio que o ajudara com as ovelhas. O Puggle adorava o calor, mas o bichinho era a aquisição menos prática que Isla alguma vez fizera. Certamente, tinham-no abandonado numa estrada próxima, pois aparecera a tremer e faminto na semana da chegada de Isla e ela não sabia como ia poder ficar com ele quando voltasse para Londres. Porém, com a sua forma de abanar a cauda, os seus olhos enormes e as suas orelhas ridiculamente grandes, já conseguira encontrar um espaço no seu coração. Tinha uma mistura de raças, com um toque de chihuahua e caniche porque tinha um pelo muito encaracolado atrás das orelhas, mas também tinha patas muito curtas e umas manchas irregulares, estranhas, brancas e pretas. Infelizmente, parecia que ninguém o procurava, porque avisara as autoridades e não tivera notícias.

Franziu o sobrolho ao ouvir o som forte de um helicóptero, porque as ovelhas odiavam os barulhos altos, mas sabia que os animais estavam a salvo no barracão grande que havia no prado, pois eram capazes de prever a temperatura tão bem como qualquer meteorologista. Minutos depois, quando preparava uma chávena de chá, assustou-a que o Puggle começasse a ladrar, segundos antes de alguém bater com força na porta de madeira maciça da casa.

Presumiu que seria o vizinho mais próximo do tio que, amavelmente, tentava tomar conta dela. Foi abrir a porta, mas chegou-se para trás, surpreendida.

Era Alissandru, o irmão gémeo de Paulu, o homem incrivelmente sensual e atraente que a deixara sem palavras da primeira vez que o vira quando era uma adolescente ingénua. Era inconcebível que estivesse à porta da quinta, com o cabelo preto despenteado pelo vento e os seus olhos escuros a iluminar uns traços clássicos e bronzeados por um clima mais quente. Já no casamento, Isla pensara que era um homem incrivelmente bonito, quando se mexia por lá como um vulcão prestes a rebentar, emanando uma emoção intensa e extraordinária. Recordou que Tania o odiava e que o culpava por tudo o que estava mal no seu casamento com Paulu.

Alissandru olhou para Isla, surpreendentemente vestida com calças de fato de treino e uma camisola larga e com os pés descalços, e decidiu imediatamente que era uma mulher que tinha problemas. Se não fosse assim, porque haveria de estar de volta à casa familiar no meio do nada? Uma explosão de caracóis ruivos caía-lhe pelos ombros e os seus olhos de um azul-violeta pareciam enormes por cima da porcelana perfeita da sua pele. Os seus lábios grossos e cor-de-rosa continuavam abertos de surpresa. Pensou que era outra beleza como a sua irmã diabólica e recusou-se a reagir ao impulso súbito de desejo que sentiu. Era um homem com as suas fraquezas físicas e responder a um rosto atraente e um cabelo bonito só provava que tinha uma libido saudável. Não tinha de se incomodar com isso.

– Alissandru? – perguntou ela, incrédula, duvidando de si própria devido à surpresa da chegada.

Nunca falara com ele, pois ignorara-a completamente no casamento.

– Posso entrar? – perguntou ele, imperioso, reprimindo um calafrio, apesar de usar um casaco preto de caxemira por cima do fato.

Isla recordou as suas maneiras e recuou.

– É claro. Claro que sim. Está muito frio, não está?

Alissandru olhou para o interior humilde, pouco impressionado com a divisão ampla que servia de cozinha, sala de jantar e sala de estar. Sim, definitivamente, não fora feita para viver num lugar assim. Certamente, algum homem enfeitiçara-a e afastara-a do seu lado sem hesitar. Tinha a certeza de que a notícia da herança a faria feliz e irritava-o ter de ser ele a contar-lhe.

– Ia fazer chá. Queres uma chávena? – perguntou ela, duvidosa.

Alissandru deitou a cabeça atraente para trás, o que tornou a sua altura ainda mais evidente, dado que o teto era muito baixo. Os seus olhos, aparentemente escuros, adquiriram um brilho dourado intenso com as luzes com que Isla combatia a escuridão invernal que, ali tão a norte, chegava tão cedo. Incapaz de resistir, olhou fixamente para ele, enfeitiçada por aqueles olhos incríveis, gloriosamente ladeados e acentuados por pestanas pretas. Virou rapidamente a atenção para a preparação do chá e, quando percebeu que ainda não lhe dera os pêsames, pensou que o aparecimento dele lhe paralisara os neurónios.

– Lamento muito a tua perda – murmurou, incomodada. – O Paulu era uma pessoa muito especial e gostava muito dele.

– Ah, sim? – Alissandru observou-a com atenção, com uns olhos que brilhavam como o sol no seu rosto moreno e atraente. Na sua posição e no seu tom, havia algo estranho. – Diz-me, quando começaste a ir para a cama com ele?

Isla ficou paralisada com a pergunta ofensiva.

– Como? – murmurou, fazendo o chá de costas para ele. Pensou que, certamente, ouvira mal.

– Perguntei-te quando começaste a ir para a cama com o meu irmão. Sinto muita curiosidade porque a culpa explicaria muitas coisas – repetiu Alissandru. Queria que ela se virasse porque desejava ver-lhe a cara.

– Culpa? – Ainda sem saber o que poderia ter trazido Alissandru Rossetti ali para a insultar daquele modo, Isla parou de fazer o chá e virou-se. – Pode saber-se do que falas? Como podes perguntar-me isso sobre o homem que estava casado com a minha irmã? – replicou, com o rosto vermelho de fúria e de vergonha.

Alissandru encolheu os ombros ao tirar o casaco pesado, que pendurou nas costas de uma cadeira na mesa da cozinha.

– Foi uma pergunta sincera. Naturalmente, sinto curiosidade e não posso perguntar ao Paulu.

Um tremor leve na sua voz revelou a Isla que realmente sofrera muito a perda do irmão gémeo, muito mais do que ela sofrera a de uma irmã que só vira um punhado de vezes. Alissandru Rossetti sofria e isso fez diminuir um pouco a fúria dela.

– Não sei porque pensas em fazer uma pergunta assim – admitiu, com mais calma, observando-o como se fosse um fogo de artifício sem explodir que ainda borbulhava perigosamente.

Paulu dissera-lhe, uma vez, que o irmão não conseguia compreender o seu amor por Tania porque nunca estivera apaixonado e carecia de profundidade emocional para se apaixonar, mas Isla não estava de acordo com isso. Via um homem muito volátil que fervia de emoção e cada faísca dos seus olhos extraordinários transmitia claramente essa realidade.

Estava ali de pé, por baixo da lâmpada nua do teto, com o cabelo preto azulado a brilhar como seda cara, os traços duros da sua cara da cor do bronze e sem fazer nada para esconder a força do seu queixo ou o ângulo do seu nariz aristocrático e arrogante e o indício de barba que escurecia a pele em redor da sua boca só servia para realçar ainda mais a sensualidade dos seus lábios cinzelados. Isla sentiu um calor novo, o que aumentou o seu desconforto.

Queria fazê-lo acreditar que não sabia nada do testamento? Achava que era tolo?

Alissandru ficou tenso. Odiava o papel em que as circunstâncias o tinham posto e endireitou os ombros com um desgosto instintivo.

– Fiz-te essa pergunta porque o Paulu deixou-te todas as suas posses no testamento.

Isla abriu a boca com incredulidade e olhou para ele durante vários segundos em silêncio até ser capaz de falar.

– Não, isso não é possível – gaguejou. – Porque haveria de fazer isso? Isso seria uma loucura.

Alissandru arqueou uma sobrancelha cor de ébano.

– Continuas a dizer que não foste para a cama com ele quando ia visitar-te quando estava separado da Tania? Só um puritano te condenaria por tirares as cuecas naquele ponto, quando ele era quase um homem livre legalmente.

Isla reagiu finalmente com aquelas palavras profundamente ofensivas. Aproximou-se da porta e abriu-a, o que causou a entrada de uma rajada de ar gelado que fez Alissandru Rossetti tremer.

– Fora! – gritou, com ferocidade. – Vai-te embora daqui e não voltes a aproximar-te de mim!

Alissandru desatou a rir-se.

– Isso, vamos tirar as luvas e ver a verdadeira Isla Stewart.

O Puggle resmungava num tom baixo e dava voltas aos pés de Alissandru, que não lhe fazia caso.

– Fora! – repetiu Isla, com energia e com os seus olhos azuis cheios de fúria.

Ele, sem se mexer, observava-a com um regozijo cínico, como se visse uma peça de teatro entretida. Enlouquecida pela sua falta de reação, Isla agarrou no casaco elegante e atirou-o pela porta para o chão congelado da rua.

– Vai-te embora! – repetiu, com teimosia.

Alissandru encolheu os ombros com indiferença.

– Não tenho para onde ir até o helicóptero vir buscar-me dentro de uma hora – informou.

– Nesse caso, devias ter-te esforçado para ser um visitante educado. Já tive o suficiente por hoje – declarou ela, com energia. – És o homem mais odioso do mundo e, finalmente, começo a entender porque a minha irmã te odiava.

– Temos de envolver essa ordinária na conversa? – perguntou Alissandru, com tanta suavidade que Isla quase não ouviu a palavra.

E, nesse momento, perdeu a cabeça. A irmã morrera e ela lamentava profundamente que isso significasse que já não podia esperar ter a relação que sempre desejara ter com ela. A falta de respeito dele pela falecida era demasiado para a suportar e precipitou-se contra ele com intenção de o esbofetear, embora dois braços poderosos a impedissem.

– És um canalha… um canalha absoluto! – gritou, chorando. – Como te atreves a insultar a Tania assim quando está morta?

– Também lho disse na cara. O homem casado por quem deixou o Paulu não era o primeiro amante nem foi o último que teve durante o seu casamento – informou Alissandru. Soltou-a e afastou-a com firmeza, como se o repugnasse tê-la tão perto. – A Tania ia para a cama com outros homens com mais frequência do que com o marido. Não podes esperar que santifique a sua memória agora que morreu.

Isla empalideceu e afastou-se dele com desgosto. Seria verdade? Como podia saber? Tania sempre fizera o que queria, sem se importar com a moralidade ou a lealdade. Isla percebera isso na sua irmã e recusara-se a pensar demasiado porque preferira procurar semelhanças entre elas em vez de se concentrar em tudo o que as separava.

– Sei que o Paulu me teria dito – murmurou, com desespero.

– O Paulu não sabia tudo o que ela fazia, mas eu sabia. Não vi motivos para o humilhar com a verdade – confessou Alissandru, com dureza. – Sofreu o suficiente com ela e não queria aumentar ainda mais a agonia.

A raiva abandonou Isla. O que faziam a discutir por um casal com problemas quando ambos tinham morrido? Era uma loucura. Recordou que Alissandru sofria e que lhe causava amargura que o irmão tivesse precisado de Tania quando era evidente que, no seu lugar, a teria deixado à primeira oportunidade. Não era um homem indulgente, um homem que conseguisse ignorar a fragilidade moral dos outros.

– Pega no teu casaco – disse, com impaciência. – Vamos beber chá, mas, se quiseres ficar por baixo deste teto, não voltarás a insultar a minha irmã. Está claro? Tens a tua opinião sobre ela, mas eu tenho a minha e não permitirei que manches as poucas lembranças que tenho da Tania.

Alissandru observou o rosto sério dela. Tinha forma de coração e mostrava determinação e exasperação. Uma mulher nunca olhara para ele como ela fazia naquele momento. Como se estivesse farta dele e fosse a mais controlada e pragmática dos dois. Alissandru pegou no seu casaco. Afinal de contas, estava frio, mesmo dentro da casa.

Pensou que ela era uma criaturinha estranha. Não o seduzia nem o lisonjeava. E ele não bebia chá. Era siciliano. Bebia café do melhor e grappa da mais pura. Admitiu para si que era possível que tivesse sido mais indelicado do que era inteligente naquelas circunstâncias. Tinha muito mau feitio. Todos sabiam isso, mas ela não. Falava com ele como se fosse um menino furioso e incontrolável. Alissandru dirigiu-se da porta para o fogo, mas, pelo caminho, algo lhe mordeu o tornozelo e baixou-se com uma blasfémia siciliana para afastar o bichinho que lhe cravara os dentes na perna.

– Não! – gritou Isla. Aproximou-se para pegar no cão estranho, mas só depois de lhe pôr um dedo na boca para o fazer soltar a meia de seda de Alissandru e a carne por baixo. – O Puggle é apenas um cachorrinho, não sabe o que faz.

– Mordeu-me! – protestou Alissandru.

– Merecias. – Isla embalou o bichinho estranho contra o seu peito como se fosse um bebé. – Não te aproximes dele.

– Não gosto de cães – informou Alissandru, com secura.

A jovem lançou-lhe um olhar de irritação.

– Diz-me alguma coisa que me surpreenda – comentou.

O Puggle olhou para a sua vítima com os seus olhos escuros e grandes da segurança dos braços de Isla e Alissandru teria jurado que o animal sorria.

A herdeira e o amor

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