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O CAMPEÃO E O ESTUDANTE

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“Compreendeste a questão? Rapaz: estás a ouvir-me?”

Ricardo parecia ausente, completamente indiferente ao que lhe estava dizendo o professor cuja à presença encontrava-se sentado para enfrentar um exame universitário.

“Eh, rapaz: estou a falar contigo.”

O tom da voz estava a subir, sinal de que o docente estava a perder a paciência; mas a jovem assistente interveio em defesa do estudante.

“Por favor, não levantes a voz, professor. Uma vez tive que tratar com uma rapariga que sofria de uma forma ligeira de epilepsia. Ela também tinha uns momentos em que a mente ficava como estivesse ausente. Dizem que nestas situações a melhor coisa é esperar que eles recomponham-se. Deixa-lhes uns cinco minutos para recompor-se. Conheço-o bem, efetuou todos os exercícios e me parece um rapaz muito preparado: não é possível que não conheça esta particularidade básica.”

“Está bem. Se tem algum problema de saúde, ajudamos-lhe; mas não vai escapar se eu descobrir que está a gozar comigo. Seja como for não temos tempo a perder. Os examinandos são muitos. Passo para um outro rapaz, depois de ter terminado vamos ver como se sente.”

A assistente permaneceu sentada perto do Ricardo chamando-o suavemente pelo apelido, e depois pelo nome, e pouco depois conseguiu obter a sua atenção.

“Estás connosco? Agora te sentes bem?”

“Sim, direi que sim. Porquê? O que é que aconteceu?”

“Parecia estar algures. O professor falava e tu não lhe davas ouvidos.”

“Tens algum problema de saúde? Sei lá, já te aconteceu ter algum pequeno problema de amnesia momentânea?”

“Não, se não me engano. Ainda que ultimamente tive um sonho estranho. Sonhava que…”

“Então, rapaz: sente-se melhor agora?”, Interveio o professor que, vendo-o a falar, aproximara.

“Sim, sinto.me melhor.”

“Estás apto para começar o exame? Dos seus sonhos, se quiser, podes falar com outro qualquer.”

“Sim professor, estou pronto.”

A interrogação correu muito bem.

“Dou-lhe trinta, mas se me prometes de estar de olho na sua saúde”, propôs-lhe o examinador.

Ricardo consentiu.

O professor já tinha-se distanciado, enquanto a assistente prosseguia com o preenchimento da acta.

“Se te é útil, posso dar-te o nome de um meu amigo, docente em medicina e especialista em problemas neurológicos. É muito bom, e opera seja em instituições públicas como privadas.” Ricardo deu novamente sinal de sim com a cabeça.

“Não subestimar este problema: poderia ter más consequências também no teu procedimento escolar. Tens uma ótima media, e estou convicto de que, se não tivesse sido a tua falsa partida, teria tido também o louvor hoje. És muito magnífico, tens os papéis em regra para aspirar algo no campo universitário: bolsas de estudo, mestrado, especializações. A propósito, se quiseres começar já a aprofundar esta matéria na ótica da tese, podes vir ao meu encontro quando for o caso: neste departamento trabalha-se bem, e sabemos estimar quem trabalha bem.”

Ricardo arquivou também o exame com satisfação, preparando-se como de costume para alguns dias de descanso e despreocupações; contudo as palavras da assistente deixaram-no pensativo.

Refletiu não muito sobre a necessidade de deixar-se visitar (“talvez se me acontece ainda; mas um professor de grande calibre sabe-se lá quanto quer”, pensou), já sobre a oportunidade de começar a interessar-se à tese e a um futuro na universidade. Mas acima de tudo devia informar-se sobre as possibilidades de bolsas de estudo: sabia que para o papá era realmente um sacrifício fazê-lo estudar.

No domingo sucessivo estava já planificado que iria ao estádio em companhia. Não ia porque lhe parecia que custasse muito e porque não era tão adepto da equipa citadina como os seus amigos; mas desta vez a sua comitiva dispunha de um bilhete a mais. Adquiriram-no a um preço barato – lhe disseram – que era de um rapaz que não podia vir. Se tivesse aprofundado o assunto, Ricardo teria descoberto que fora um modo giro para festejar sem ferir o seu orgulho (porque dificilmente teria aceitado de vir sem pagar), e ao mesmo tempo realizar o seu desejo de ver ao vivo Raul Francisco, astro proveniente do futebol brasileiro.

“Pena porque Raul Francisco não joga na nossa equipa, mas contra. Ai de ti se torcer para a equipa errada”, lhe diziam os seus amigos gozando-o. Mas porquê – vos perguntaria – tanta curiosidade de ver em Acão tal jogador? Simples: porque todos diziam que Ricardo era muito parecido com ele. Até lhe acontecera que alguém o mandasse parar na rua e lhe pedisse um autógrafo, ou que lhe dissesse: “genial, és forte!”.

Nasceram no mesmo ano, embora em continentes diferentes.

“E com um pouco de sorte poderia ter-me tornado também eu”, pensava as vezes Ricardo. Talvez poderia também odiá-lo; e pelo contrário, vai compreender a mente humana, veio a ser o seu ídolo. Desde quando o tinha descoberto recolhia todas as fotos, todas as notícias que encontrava sobre ele.

Indo para o estádio sabia de coração que torceria para doze dos jogadores no campo, e para um mais do que os outros, também os seus amigos sabiam-no.

A noite antes da partida teve um outro sonho estranho. Lembrou-lhe algo, mas não contou para ninguém: “zombariam de mim”, pensou; será apenas a interiorização da emoção de ver o grande Raul”.

Recordava-se de ter estado no avião, com a sua mochila desportiva e o fato de treino amarelo e azul como aquele de todos os outros passageiros. Depois vira-se na praia ocupado numa interminável partida da bola, bonita mas fatigante, durante a qual mais de uma vez tinha também marcado e recebera elogios seja dos colegas como dos adversários. Mas lembrava-se de mais do cansaço; tanto que quando despertou de manhã lhe parecia estar ainda a sentir as barrigas das pernas e as coxas dolentes.

Para dizer que Ricardo não jogava a bola, precisamente não era muito capaz.

No domingo à tarde encontrou-se na bancada com os seus amigos e outros adeptos que faziam um barulho contínuo e inimaginável. Depois de um quarto de hora do jogo o resultado não tinha mudado. Estava claro pois que o melhor, no meio campo, era próprio Raul Francisco. Ricardo queria incitá-lo e regozijar-se pelas suas proezas, mas encontrando-se circundado de adeptos branco-vermelho-cruzados, ou seja da equipa da casa, devia-se conter. Ainda mais, para zombar-se dele, os seus amigos vaiavam regularmente contra o campeão brasileiro de todas as vezes que tocava na bola, e incitavam os defesas a cometer faltas perigosas contra Raul.

De repente houve uma mais violenta das outras relativamente ao tornozelo de Francisco. “Ainda bem, bem assim. Mais duro a próxima vez”, gritou um dos seus amigos esperando que o campeão tivesse que abandonar o campo.

O brasileiro permaneceu no chão magoado. Ainda que o autor da falta tivesse sido advertido, a reação dos adeptos àquela intervenção foi de unanime jubilo. Houve alguém que começou a explodir uns foguetes, numa espécie de descarga. No fim foi um, isolado, que para Ricardo pareceu muito mais forte mas a realidade fora apenas mais próximo. Ficou tonto; depois de um instante de surdez completa ficou com a vista ofuscada, tanto que sentiu a necessidade de fechar os olhos e de cobrir-se os olhos com as mãos.

Abriu-os de novo logo em seguida, recuperando plenamente a posse de todos os seus sentidos. Incrédulo, deu-se conta de estar a sentir uma pontada de dor terrível no tornozelo. A dor atenuava-se enquanto um senhor com fato de treino amarelo e azul lha atava apertadamente.

“Vai passar logo. Podes voltar ao jogo, não é nada”, disse-lhe enquanto Ricardo, estupefacto, compunha-se usando meias curtas e botas para futebol, e de estar sentado no meio campo do jogo, percebendo distintamente a humidade da relva a as cocegas dos fios da relva na pele das pernas.

“Força, ânimo: experimenta levantar-se”, e enquanto restabelecia-se em pé descobrindo que efetivamente a dor tinha-se transformado num mínimo mal-estar, ouviu a multidão do estádio a assobiar e gritar em voz alta: Ra-ul, Ra-ul”.

Olhou para cima, e viu centenas, talvez milhares de pessoas que aclamavam a ele, ou melhor a Raul, ou talvez era a mesma coisa.

“Sim”, pensou, “talvez depois irei ao encontro do especialista: mas neste preciso momento não posso dececioná-los”.

Começou a movimentar-se e a correr. “Talvez é um sonho como esta noite”, pensou. Recebeu logo de imediato um passe, mas perdeu a bola inoportunamente. Alguém assobiou. Não, não era exatamente como no sonho da noite anterior. Recebeu uma outra bola e não conseguiu tão-pouco controla-la; desta vez os assobios foram muito sonoros. Os outros é que sabiam jogar, pensou.

Apercebeu-se de que não podia ficar no meio campo. Foi absorvido por um desconforto, um desespero, que a dor no tornozelo que pareceu reagravar-se. Deixou-se cair no chão, pensando: “se é um mau sonho, talvez despertarei”. E pelo contrário não despertou. Permaneceu no chão, com as mãos que cobriam os olhos, mais pela vergonha do que pela dor, até à primeira pausa do jogo voltou o mesmo senhor com o fato de treino amarelo e azul.

“O que tens, o que te deu?”, Perguntou-lhe o tal.

“Não, não posso continuar a jogar. Tenho que ser substituído, absolutamente. É a única coisa que se deve fazer. Depois fingindo de estar a coxear e segurado daquele que evidentemente era o medico da equipa, foi carregado para além da linha lateral do campo, atrás do banco. Não obstante o desagrado do treinador, com grande alívio para Ricardo (Raul para todo o resto do mundo), depois de alguma certificação da parte do médico, tomou lugar no banco.

Era divertido assistir a partida de tão perto, embora o espetáculo tinha baixado muito pela ausência daquele que até ali tinha sido precisamente o melhor em campo. Mas quem era pois esta pessoa, pensou Ricardo: realmente sou eu? Esforçou-se em olhar para a bancada, donde lhe resultava que um grupinho de adeptos entre os quais ele mesmo o Ricardo estivesse a seguir o encontro. Esperava de conseguir ver-se lá em baixo, mas a distância era grande.

O que deveria fazer? Adaptar-se a esta inesperada e absurda viragem que tomara o curso da sua vida; ou contrariá-la, procurando de trazer de novo a sua existência sobre os carris da normalidade? No princípio, decidindo de não decidir, respondeu-se que por enquanto preferia desfrutar a partida, depois haveria de pensar nisso.

“Riccardo! Raul, Raul. Sou Riccardo.” De repente, na confusão e no alarido de vozes do estádio cheio, conseguiu distinguir estas palavras. “Raul, sou Ricardo Boccadoro. Por favor, queria falar contigo.”

Desta vez estava certo daquilo que tinha ouvido: fora pronunciado o seu nome, alguém se dirigia a ele. Ricardo levantou-se, procurando descobrir nas suas costas quem o estivesse chamando; mas atras de si o campo visual estava completamente tapado pelo banco.

“Nos vemos dentro de cinco minutos no balneário: por favor, Raul, deve comparecer.”

“Será que o conheces este rapaz?”, Perguntou-lhe um colega da equipa sentado ao seu lado.

“Sim, o conheço.” Por momento quis perguntar-lhe como é que chegaria aos balneários; mas depois disse que se viraria sozinho até ali chegar, sem despertar inúteis suspeitas.

Coxeando introduziu-se para baixo pelas escadas num corredor que parecia vazio, à parte um agente de segurança.

“Raul, duas palavras rápidas para a Radio Campeão?”, Pediu-lhe um jovem ofegante, bem vestido e equipado de auscultadores e microfone, surpreendendo-o por detrás.

“Por favor, agora não, deixe-me ir mudar. É daqui o meu balneário, não é?”

“Sim, mas como é que te sentes? O tornozelo dói?”

“Sim muito. Mas agora deixem-me em paz.”

Abriu a porta daquele que lhe parecia ser um dos balneários. Não vendo ninguém estava para fechá-la, mas ouviu alguém que lhe chamava:

“Ricardo, estou aqui.”

Ficou de boca aberta. Diante dele havia um outro, ele mesmo que trazia um capote e um par de calças que bem conhecia: faltava-lhe apenas o seu pequeno cachecol branco-vermelho.

“Mas é incrível: és semelhante distante de mim!”

Permaneceu um pouco a observar-se, incrédulos; depois o outro, que daqui em diante por comodidade o apelidamos Raul, o levou consigo diante a um espelho.

“Existe algumas diferenças. Eu era um pouco mais alto, com uma massa muscular mais desenvolvida e sem esta pinta feia na maxila. Enfim, era um pouquinho mais lindo, agora sou um bocadinho mais feio.”

“Claro. Em contrapartida eu tenho o tornozelo que antes estava bem e que agora me faz mal.”

“Escuta: não sei o que terás tramado, mas parece que pelo menos não tenha esquecido o sotaque português e a habilidade de jogar a bola. O que é que achas se mudássemos a roupa, antes de tramar qualquer outra asneira irremediável?”

“Sim, mudamos a roupa: sentir-me-ei mais à vontade. Em todo o caso dou-te a minha palavra eu não fiz nada. Apenas estive ali, no teu lugar.”

“Espero apenas de não perder a camisola de titular, depois de tudo isso.”

Raul despiu-se e tomou rapidamente um duche. Também Ricardo decidiu de fazer o mesmo.” Podes usar o meu shampoo e as minhas coisas”, disse-lhe Raul.

Vestiram-se de novo cada um com a sua roupa civil. Aquela de Raul era notavelmente mais elegante.

“Deixo-te o meu número de celular para qualquer eventualidade,” disse-lhe Raul tirando da sua carteira um cartão-de-visita. “Não é para dar a ninguém, é o meu número superprivado. E acima de tudo confio em ti: não digas nada do que aconteceu, sobretudo à imprensa.

Caso contrário poderias estragar a minha carreira.” Tirou também duas notas de grande valor: “estas são pelo incómodo, e para a visita medica. Boa sorte.” Raul apertou-lhe a mão para despedir-se dele, e foi-se embora.

“Espera: quem nos garante de que não vai acontecer de novo?” Objetou Ricardo.

Raul parou para refletir. “Tens razão. Poderia acontecer ainda. Talvez é melhor que permaneçamos juntos por um instante. Mas procuremos de não deixar-se notar.”

Com a gola levantada para esconder-se o mais possível, Raul caminhou junto com Ricardo, embuçado no cachecol branco-vermelho encontrado enrolado no bolso do capote, e escapuliram-se para fora do estádio evitando algum encontro possível. Uma vez salvo dos adeptos e jornalistas, Raul chamou um táxi.

“Vamos para o centro: é melhor ficar longe daqui pelo menos algumas horas. Ou seja tenho uma ideia melhor.”

Chamou alguém da equipa, talvez o treinador. Com um sotaque português mais marcado – que evidentemente fazia parte da sua imagem pública, mas que querendo podia atenuar – referiu algo de um seu primo que viera para Roma, e advertiu que voltaria para a sede com meios próprios.

“É verdade que veio um teu parente ao teu encontro?”, Procurou saber o Ricardo no fim da chamada.

“Sim: és tu o meu primo de quem falava. És muito credível neste papel, não é verdade? Brincadeiras a parte, todos os meus parentes estão em Brasil. É mais de um ano que vivo sozinho na Itália; mas gosto muito deste país.”

“Sentes falta do teu pai e da tua mamã?”

“Sim, bastante; também dos meus irmãos e as minhas irmãs, cinco no total. Mas não me esqueço deles. Todos os meses mando-lhes um pouco de dinheiro. Aqui eu ganho bem, e em Brasil sobrevive-se com pouco.

Aqui está um táxi, deve ser o nosso.”

“Há um bom hotel onde paro sempre quando venho aqui. Poderíamos ir para lá, se quiseres”, propôs Raul.

“Por acaso gostas de cinema? Venho de um exame, e queria distrair-me um pouco este fim da semana. É por isso que vim para o estádio, embora dizendo a verdade nem tanto consegui relaxar-me.”

Meteram-se em risos os dois.

“Está bem. Podes escolher tu o filme e o cinema, melhor se for um pouco longe daqui. É uma ótima ideia, assim ficaremos no escuro e longe das vistas.”

Subiram o táxi, que no entanto tinha chegado, e Ricardo deu indicações ao motorista.

Saíram do cinema que estava escuro. O filme tinha sido lindo.

“Disseste que acabaste de fazer um exame?” Perguntou Raúl.

Ricardo consentiu.

“É curioso. Exatamente na noite passada sonhei a fazer um exame. Foi quase um pesadelo para mim que fiz alguns anos de escola primária. Quando despertei tinha a cabeça que explodia.”

Ricardo repensou no seu sonho estranho de alguns dias atras, quando tinha despertado com as pernas doridas.

“Mas foi um pesadelo mau”, continuou Raul, “reencontrar-me na bancada entre os adeptos que desejavam mal e pragas de todo género contra ti; ou seja, contra mim. Foi mesmo humilhante. Espero que aqueles não sejam teus amigos, e que não sejas como eles.”

“Alguns os conheço um pouco. Mas estejas tranquilo: eu não sou como eles. Ou melhor, sou um teu grande admirador. Quem sabe, talvez é por isso que aconteceu o que aconteceu. A propósito: tenho uma ideia. Vens um instante para a minha casa: vou-te mostrar algumas coisas interessantes.”

A morada do Ricardo ficava ali perto. O seu pai estava em casa e quando os viu perguntou espantado: “quem de vocês os dois é meu filho?”

“Sou eu, papá”, respondeu Ricardo. “Hoje no estádio havia um concurso para o melhor sósia da Raul Francisco. É por isso que os meus amigos me levaram. Eu e ele conseguimos vencer tão bem com mérito, com um premio de duzentos euros para cada um”, acrescentou Ricardo quase admirando de como consegui inventar boas petas, já que nunca o tinha feito.

“Certo, certo. São bem-vindos. Em relação àquilo que é o custo dos teus livros!”; pois, dirigindo-se a Raul: “contamos contigo para o jantar?”

“Com todo o gosto”, respondeu-lhe com o seu melhor sotaque português.

Ricardo deixou entrar Raúl no seu quarto. Tirou de uma gaveta algumas folhas dobradas, e começou a abri-las estendendo-as na sua cama.

“Este és tu”, disse-lhe à medida que estendia os seus pósteres, “e também este, e mesmo aquele outro. Reconheces?”

“E como é que conseguiste conservá-los? Nem a minha mãe em casa dela possui assim tantas minhas fotos.”

“Deram-mos quase sempre os meus amigos – alguns os viste hoje no estádio – para fazer-me ver o quanto nos assemelhamos. E depois tenho todos estes artigos de jornais e revistas que falam de ti. Mas na maioria dos casos dizem asneiras, quanto a mim; coisas sem importância e talvez nem sequer verdadeiras.”

Raul tornado curioso leu alguns em silêncio, de vez em quando emitindo alguns breves e expressivos comentários. Mas de repente parou de ler e largou tudo.

“À tua coleção penso que deverias juntar um outro pedaço importante.” Abriu o seu saco e tirou a camisola de jogo branco-verde, ainda malcheiroso de suor.

“Também usaste-a tu um pouco, pois ta mereces plenamente. E poderás dizer que é original, não uma réplica como muitas.”

Ricardo esteve de acordo. Começou a revistar dentro das suas gavetas. “Ancho que tenho um marcador indelével em algum lugar. Assim poderias dar-me um autógrafo e talvez também uma dedicatória, se não te importas.”

“Está bem, respondeu Raúl. Pegou o marcador do caos da escrivaninha e começou a assinar os pósteres.” Mas, se quiseres o meu parecer, esta camisete tens de lavá-la e começar a usá-la um pouco mais com frequência. Para jogar a bola, naturalmente: vi que tens realmente muito que aprender. E se o meu autógrafo descorar-se deixa-me a par da situação: a próxima vez que passo daqui o farei de novo.”

“Gostaria que fosses tu a ensinar-me a jogar”, respondeu Ricardo.

“Temo que não possa ser possível. Os meus compromissos ficam muito longe daqui. Enfim amanhã à tarde devo estar com a equipa para a visita médica e os treinos.”

Posto o fim com os autógrafos, Raúl começou encantado a olhar por curiosidade no quarto entre tantos e desarrumados livros de Ricardo.

“São teus todos estes livros?”

“Sim, naturalmente.”

“E leste-os todos?”

“Todos. Algum mais que lido estudei-o. Algum dizendo a verdade devo-o ainda estudar.”

“Deve ser bonito como passatempo. Na minha casa livros não haviam. Apenas aqueles para aprender a ler e escrever que nos passamos de um ao outro.” Enquanto falava, evidentemente à vontade, aflorava ligeiramente de novo o seu simpático sotaque português. “Agora os mais novos podem estudar de mais, também graças à minha sorte. Mas a minha sorte é devido também a isso: em casa não havia quase lugar nem para nós, e estavam todos contentes de que nós podíamos ir jogar fora. E eu jogava a bola todo o dia, por aí: voltava para casa apenas para dormir e comer. Divertia-me, e era também genial, como podes imaginar.”

Brincadeiras Do Desporto

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