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CAPÍTULO TRÊS

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Kendrick, Brandt, Atme, Koldo e Ludvig caminhavam pelo Grande Desperdício, na direção dos sóis nascentes da aurora do deserto, a pé, durante toda a noite, determinados a resgatar o jovem Kaden. Eles caminhavam sombriamente, caindo num ritmo silencioso, todos com as mãos sobre as armas, todos alerta, seguindo o trilho dos Caminhantes da Areia. As centenas de pegadas levavam-nos cada vez mais para as profundezas daquela paisagem de desolação.

Kendrick começou a questionar-se se alguma vez aquilo chegaria ao fim. Ele estava admirado por se encontrar de volta àquele lugar, de volta àquele Desperdício, lugar onde ele havia jurado nunca mais voltar - especialmente a pé, sem cavalos, sem provisões e sem maneira de voltar para atrás. Eles tinham depositado a sua fé nos outros cavaleiros do Cume, que voltariam para eles com os cavalos – para o caso de eles não o fazerem, eles tinham comprado para si próprios um bilhete só de ida para uma missão sem retorno.

Mas era isso o que significava a valentia, Kendrick sabia. Kaden, um bom jovem guerreiro com um grande coração, que tinha nobremente ficado a vigiar, aventurando-se corajosamente no deserto para dar provas do seu valor enquanto montava guarda, tinha sido sequestrado por aquelas bestas selvagens. Koldo e Ludvig não podiam virar costas ao seu irmão mais novo, por muito sombrias que fossem as hipóteses - e Kendrick, Brandt e Atme não podiam virar costas a todos eles; o seu sentido de dever e honra compelia-os a isso. Estes bons cavaleiros do Cume haviam-nos acolhido com hospitalidade e gratidão quando eles mais haviam precisado - e, agora, estava na hora de retribuir o favor - custasse o que custasse. A morte pouco significava para ele - mas a honra significava tudo.

"Conta-me sobre Kaden", disse Kendrick, voltando-se para Koldo, querendo quebrar a monotonia do silêncio.

Koldo olhou, sobressaltado devido ao silêncio profundo, e suspirou.

"Ele é um dos melhores jovens guerreiros que jamais irás encontrar", disse ele. "O seu coração é sempre maior do que a sua idade. Ele queria ser um homem antes mesmo de ser um rapaz, ele queria manejar uma espada antes mesmo de conseguir segurar uma.”

Ele abanou a cabeça.

"Não me surpreende que por se aventurar tanto, tenha sido o primeiro numa patrulha a ser levado. Ele não recuava de nada - especialmente se isso significasse vigiar os outros."

Ludvig entrou na conversa.

"Se algum de nós tivesse sido levado", disse ele, "o nosso pequeno irmão seria o primeiro a voluntariar-se. Ele é o mais novo de nós e representa o que há de melhor em nós."

Kendrick tinha assumido esse tanto do que havia observado ao falar com Kaden. Ele tinha reconhecido o seu espírito guerreiro, mesmo sendo tão jovem. Kendrick sempre tinha sabido, que a idade não tinha nada a ver com ser um guerreiro: ou se tinha um espírito guerreiro ou não se tinha. O espírito não conseguia mentir.

Eles continuaram a marchar durante muito tempo, caindo novamente num silêncio firme à medida que os sóis subiam mais alto, até que, por fim, Brandt aclarou a sua a garganta.

"E os Caminhantes da Areia?", Brandt perguntou a Koldo.

Koldo virou-se para ele enquanto andavam.

"Um grupo vicioso de nómadas", ele respondeu. "Mais bestas do que homens. Eles são conhecidos por patrulhar a periferia da Parede de Areia."

"Necrófagos", entrou Ludvig na conversa. "Eles são conhecidos por arrastarem as suas vítimas para as profundezas do deserto."

"Para onde?", perguntou Atme.

Koldo e Ludvig trocaram um olhar alarmante.

"Para onde quer que eles estejam reunidos - onde eles realizem um ritual e os façam em pedaços."

Kendrick encolheu-se ao pensar em Kaden e no destino que o esperava.

"Então, há pouco tempo a perder", disse Kendrick. "Temos de correr, ok?"

Olharam todos uns para os outros, sabendo a imensidão daquele lugar e o longo caminho que teriam de percorrer a correr - especialmente ao calor, que se acentuava, e com as armaduras. Todos sabiam o quão arriscado seria não irem a andar naquela paisagem implacável.

No entanto, eles não hesitaram e desataram, juntos, a correr. Corriam para o vazio. Em poucos instantes, o suor iria escorrer-lhes pelos rostos. Eles sabiam que se não encontrassem Kaden em breve, aquele deserto iria matá-los a todos.

*

Kendrick arfava por ar enquanto corria, o segundo sol agora lá no alto, com a sua luz ofuscante e o seu calor sufocante, e, ainda assim, ele e os outros continuavam a correr, todos ofegantes, com as suas armaduras a chocalhar enquanto corriam. O suor escorria pelo rosto de Kendrick e picava-lhe tanto os olhos que ele mal conseguia ver. Com os seus pulmões quase a explodir, ele nunca tinha ansiado tanto por oxigénio. Kendrick nunca tinha sentido nada parecido com o calor daqueles sóis, tão intensos, sentindo como se lhe fossem arrancar a pele queimada diretamente do seu corpo.

Eles não conseguiriam ir muito mais longe com aquele calor, naquele ritmo, Kendrick sabia; em breve, iriam todos morrer ali, colapsar, tornando-se nada mais do que comida para insetos. De fato, enquanto corriam, Kendrick ouviu um guincho ao longe. Olhou para cima e viu os abutres a circular, o que já faziam há horas, baixando de altitude. Eles eram sempre os mais espertos: eles sabiam quando uma nova morte estava iminente.

Kendrick perscrutava as pegadas dos Caminhantes da Areia, que se desvaneciam pelo horizonte fora. Ele não conseguia perceber como é que eles haviam corrido uma distância tão longa tão rapidamente. Ele só rezava para que Kaden ainda estivesse vivo, para que tudo aquilo não fosse em vão. No entanto, mesmo não querendo, ele não conseguia evitar duvidar se alguma vez iriam chegar até ele. Era como se estivessem a seguir pegadas na direção de um oceano vazante.

Kendrick olhou à volta e viu os outros a caírem também, a cambalearem mais do que a correrem, mal se aguentando de pé – contudo, determinados como ele, a não parar. Kendrick sabia - todos eles sabiam - que assim que parassem de se mover, morreriam.

Kendrick queria quebrar a monotonia do silêncio, mas, naquele momento, ele estava muito cansado para falar com os outros. Ele forçava as suas as pernas a continuarem, sentindo-se como se elas pesassem um milhão de libras. Ele nem sequer ousava usar a energia para olhar para o horizonte, sabendo que não iria ver nada, sabendo que estava condenado a morrer ali depois de tudo. Em vez disso, ele olhava para o chão, observando o rastro, preservando qualquer energia preciosa que lhe restasse.

Kendrick ouviu um barulho e, ao princípio, ele tinha a certeza que era a sua imaginação; no entanto, ouviu-o novamente, um som distante, como o zumbido de abelhas. Desta vez, ele obrigou-se a olhar para cima, sabendo que era estúpido, que nada poderia estar ali, e com medo de estar esperançoso.

No entanto, desta vez, a visão diante de si fez o seu coração bater com entusiasmo. Lá, diante deles, talvez a cem jardas de distância, estava um ajuntamento dos Caminhantes da Areia.

Kendrick chamou a atenção dos outros, tocando-lhes com força, que, saindo do seu devaneio, viram também. A batalha tinha chegado.

Kendrick baixou a mão e agarrou a sua arma. Os outros fizeram-no, também, sentindo a familiar descarga de adrenalina.

Os Caminhantes da Areia, dezenas deles, viraram-se e viram-nos, e, eles, também, prepararam-se, de frente para eles. Eles gritaram ferozmente e desataram a correr.

Kendrick ergueu a sua espada e soltou um grande grito de batalha, pronto, finalmente, para matar os seus inimigos - ou morrer a tentar.

O Dom da Batalha

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