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CAPÍTULO QUATRO

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Kevin se encolheu quando Xan Mais Puro entrou na sala em que ele e Chloe estavam. Ficar lá parado sozinho e esquecido já era ruim o bastante, mas de algum modo ele sabia que não seria tão ruim quanto qualquer coisa que o alien quisesse fazer agora.

“Medo é uma fraqueza,” Xan Mais Puro disse, as palavras saindo um momento depois através do tradutor. “Apenas uma das muitas que superamos.”

“O que quer dizer?” Kevin perguntou. Tentou segurar o medo que sentia também, porque não queria que o alien visse.

Chloe parecia assustada o bastante pelos dois, mas também com raiva. Se a gravidade retorcida não estivesse lá, segurando os dois nas armações, Kevin suspeitava que ela teria atacado o alien.

“Uma vez, fomos seres mais fracos,” Xan Mais Puro disse, gesticulando de forma que uma sessão da parede se transformou em uma tela, mostrando coisas que eram e não eram como os Mais Puros, ao mesmo tempo. Não tinham a pele tão lisa, ou a mesma graça ou aparência de perfeição, e certamente não tinham o senso de implacabilidade fria dos Mais Puros. Pareciam com o tipo de coisa que os Mais Puros podiam ter sido há muito, muito tempo.

“Nós lutamos e guerreamos uns com os outros. Transformamos nosso planeta natal em um lugar praticamente inabitável com as armas que usamos.”

A imagem na tela mudou, exibindo um mundo que começou verde e bonito, apenas para toda vida vegetal murchar e morrer, explosões cascateando pela superfície, fogo e vento se espalhando em ondas do que pareciam ser os corações das cidades.

“Tivemos que nos adaptar.”

“Atacando os mundos de outras pessoas,” Kevin disse. “Nos enganando pra te deixarmos entrar e tomar a mente das pessoas.”

“Vocês são malignos,” Chloe acrescentou. “São todos monstros.”

Xan Mais Puro olhou para eles sem um pingo de emoção. Kevin duvidava que a criatura era capaz de sentir, e de certa forma isso era mais assustador do que se Chloe estivesse certa. Essas criaturas não eram maliciosas, nem cheias de ódio, ou determinadas a destruir tudo que temiam. Agiam de forma tão fria e calma quanto uma geleira passando por uma cidade, sem se importar com as vidas lá dentro.

“Seus mundos não são importantes,” Xan Mais Puro disse. “Vocês não são da Colmeia. Não são dos Mais Puros.”

“Você acha mesmo que são as únicas coisas que importam no universo?” Chloe exigiu.

“Somos os Mais Puros,” Xan retrucou, como se isso explicasse tudo. “Criamos a Colmeia para resolver as guerras do nosso mundo. Ao nos unirmos, aprendemos a nos colocar acima da fraqueza de emoções. Aprendemos dos mundos mais próximos como transformar os inferiores em tudo que precisamos que sejam. Construímos as naves da Colmeia para nos transportar e juntar materiais com os quais regenerar nosso mundo para os Mais Puros.”

“Então você só pega e pega e não dá nada de volta,” Kevin disse.

“Tudo mais é inferior,” Xan Mais Puro disse. “Tudo é nosso.”

“Até a gente te impedir,” Chloe disse, lutando contra a gravidade que a segurava. Se fosse parecida com a gravidade que segurava Kevin no lugar, ele sabia que ela não tinha chance de se livrar, mas imaginou que dizer isso para ela não fosse fazê-la parar. Na verdade, provavelmente ia piorar as coisas.

“Você é fraca. Não pode impedir a Colmeia,” Xan Mais Puro disse.

“Então por que ainda estamos aqui?” Kevin perguntou. “Se acha que somos tão fracos e inúteis, por que não nos matou assim que chegamos na sua... nave?”

“Não destruímos o que é útil,” Xan Mais Puro disse. “Coletamos. É nosso propósito.”

Útil. Kevin não sabia se gostava da ideia de ser útil para um negócio desses. Pelo que tinha visto das criaturas que os aliens consideravam úteis, eles saíam remodelando sua carne, as transformando. Já tinha sentido a dor envolvida só dos aliens examinarem seus pensamentos. As visões que teve do planeta dos aliens foram ainda piores.

“Não quero ser útil pra você,” Kevin disse.

“Não tem escolha,” Xan Mais Puro disse. “Deveria ser grato. Os escolhidos de um planeta são tipicamente destruídos, para que não sejam... uma ameaça para nós. Você sobreviveu porque o permitimos.”

“Por quê?” Kevin insistiu.

Xan Mais Puro não respondeu por alguns momentos. Em vez disso, o alien se movimentou pela sala, ajustando alguns dos maquinários.

“Vão olhar nossos pensamentos de novo, Kevin,” Chloe disse, aterrorizada pela ideia. “Vão usar aqueles tentáculos de novo.”

“Não em você,” Xan Mais Puro disse, quase desdenhoso. “Será intrigante o bastante dissecá-la e remodelá-la. Sua mente é bastante interessante, mas você não é digna de mais.”

“Não pode dissecar a Chloe!” Kevin gritou, lutando contra a gravidade que o prendia. Ela o segurou na armação com facilidade, não importava o quanto lutasse. A pressão o achatava, como um peso pressionado no peito.

“Podemos fazer o que quisermos,” Xan Mais Puro disse. “Se esse é o melhor uso da fêmea para a Colmeia, é o que será feito. Mas seremos generosos. Você poderá escolher o que acontecerá com ela.”

“Então eu escolho que não seja dissecada!” Kevin disse.

“Depois que terminarmos,” Xan Mais Puro disse. “Quando você se juntar a Colmeia.”

“O quê?” Kevin disse. Balançou a cabeça. “De jeito nenhum.”

O alien se moveu na sua direção, o aparelho com tentáculos em seus dedos.

“Seu cérebro tem capacidades que são necessárias para a Colmeia,” Xan Mais Puro disse. “De forma que vai se juntar a nós.”

O alien fez soar como se fosse um fato inegável, simplesmente o jeito que o mundo funcionava. Fez a ideia soar tão óbvia e natural quanto água molhada, ou sol quente. Mas não havia nada natural sobre a coisa com tentáculos que Xan Mais Puro segurava.

“E daí?” Kevin exigiu, mais porque qualquer momento que pudesse adiar essa história parecia uma boa ideia. “Vai me transformar num dos Mais Puros que nem você? E aí eu perco todo meu cabelo e fico com esses olhos bizarros?”

Talvez se Kevin irritasse o alien o bastante, poderia distraí-lo do que estava para fazer. Claro, ele podia decidir fazer uma série toda de coisas muito piores, mas naquele momento, Kevin não podia imaginar nada pior do que se transformar num deles.

“Você não é dos Mais Puros,” Xan Mais Puro disse. “Mas pode ser transformado em um da Colmeia. Vai se transformar em nosso emissário, um de nossos escolhidos. Deveria se felicitar com a honra.”

“Acha que é uma honra pro Kevin ter o cérebro invadido?” Chloe exigiu.

“Não será uma invasão,” Xan Mais Puro disse. “Kevin irá nos receber. Irá concordar em ser um dos nossos.”

“Por que eu tenho que concordar?” Kevin exigiu. “Por que não faz isso logo se vai mesmo fazer, em vez de ficar com joguinhos?”

O alien pareceu quase ofendido, embora Kevin duvidasse que pudesse sentir essa emoção. Duvidava que pudesse sentir qualquer coisa.

“Não jogamos,” disse. “Mas os cérebros da sua espécie são delicados, e necessitamos do seu intacto para as tarefas que a Colmeia tem para você. Se lutar demais durante o processo, existe a possibilidade que ele seja... danificado.”

“Eu vou lutar,” Kevin prometeu. “Prefiro morrer do que fazer qualquer coisa pra te ajudar.”

O alien ficou parado o encarando, aparentemente sem compreender o que ele tinha dito. Franziu o rosto levemente, inclinando a cabeça para um lado como se escutasse algo que só ele podia ouvir. Kevin sentiu que estava tentando decifrá-lo, e decidir o que devia fazer no meio tempo.

“Sua declaração é tola,” Xan Mais Puro disse. “Render-se é do seu interesse. Poderá continuar a existir.”

“Já estou morrendo mesmo,” Kevin disse, lembrando-se do momento que o médico o diagnosticara com sua doença, explicado quão pouco tempo ele tinha para viver. “Acha que eu me importo com essas ameaças?”

O alien o encarou por mais alguns momentos, e de novo, e Kevin sentiu que recebia conselhos dos outros de sua espécie.

“Podemos salvá-lo,” ele disse, soltando as palavras como pesos de chumbo.

O choque que correu por Kevin era como água gelada. Os melhores cientistas que a Terra tinha para oferecer tinham tentado e falhado em ajudar. E agora aqui estavam os aliens, oferecendo sua saúde como se não fosse nada.

“É mentira,” ele disse. Tinha que acreditar que estava mentindo. “Você já mentiu sobre tanta coisa, acha que eu vou acreditar nisso?”

Pensou em todos os jeitos que eles tinham mentido para fazê-lo ajudar com a invasão da Terra. Tinham dito que eram refugiados procurando abrigo em outro planeta. Tinham dito que estavam fugindo da destruição, não a causando.

“Você viu o que podemos fazer,” Xan Mais Puro disse. “Podemos manipular a carne em modos que sua mente humana não pode imaginar. Os Mais Puros da Colmeia são preservados quase indefinidamente. Para nós faz todo sentido mantê-lo vivo. Poderíamos curá-lo, se fosse da Colmeia.”

O que Kevin poderia dizer a esse tipo de tentação? Era tudo que ele queria desde que o médico explicou o que estava acontecendo. Quando estava no instituto da NASA, secretamente tinha tido esperanças que um dos cientistas ali podia achar um jeito de ajudá-lo, acabar com os tremores e a dor. Tinha pensado que daria quase qualquer coisa para ficar bem de novo. Kevin precisou de tudo que tinha para sacudir a cabeça.

“Se preciso morrer pra que você não consiga o que queira, é isso que eu vou fazer,” Kevin disse. E era sério. Ele queria viver, tinha tido esperanças de se curar, mas nessa altura já tinha tido bastante tempo de aceitar o que ia acontecer com ele. Se morrer podia impedir os aliens... bom, ele não queria, mas faria.

“E quanto ao resto que a Colmeia pode oferecer?” Xan Mais Puro disse. “Estamos cientes que sua espécie valoriza amigos e família. Como um de nós, poderia decidir o que fazer com aqueles que controlamos.”

Kevin engoliu em seco, pensando em sua mãe, pensando em Luna. Havia tantas pessoas que ele conhecia na Terra, tão longe que não era mais visível no monitor. Se pudesse ajudá-los... não, se os aliens queriam alguma coisa dele, isso não ajudaria ninguém.

“E existe a questão da sua amiga aqui,” Xan Mais Puro disse. “Como este aqui disse, como membro da Colmeia, você poderia determinar o seu destino. Se não aceitar, realizaremos experimentos na fêmea enquanto você assiste.”

Kevin congelou, olhando do alien para Chloe e de volta.

“Não, Kevin. Não faz isso,” Chloe disse. Kevin podia ouvir seu desespero. “Deixa eles me matarem. O que for preciso!”

Kevin podia ouvir a sinceridade em sua voz, mas... não podia fazer isso. Não podia ficar lá e assistir enquanto Chloe morria. Sabia que iam fazer isso. Havia alguma coisa a respeito do modo frio e sem emoção em que Xan fez sua ameaça que a transformava em algo mais. Não exatamente uma ameaça, mas uma simples declaração do que aconteceria.

“Vamos transformá-lo de qualquer jeito,” Xan Mais Puro disse. “É simplesmente uma questão de quanto você lutará e quanto irá doer. Faça sua decisão, Kevin McKenzie.”

“Lute contra eles, Kevin,” Chloe disse. “Não desiste!”

Kevin olhou para ela, tentando não pensar em todas as coisas que os aliens podiam fazer com ela. Mas era impossível fazer qualquer coisa além de imaginar o que poderia acontecer se fizessem experimentos nela. Ele podia mesmo ficar parado assistindo se eles começassem a abri-la para descobrir como funcionava, ou transformá-la em alguma coisa que não era humana? Podia mesmo fazer isso, quando tudo que conseguiria era ser transformado a força?

Não podia, e sabia disso.

“Ok,” ele disse, odiando cada momento. “Pode fazer.”

“Teríamos feito de qualquer modo,” Xan Mais Puro assegurou. “Doerá mais quanto mais você resistir.”

“Kevin,” Chloe disse. “Por favor lute. Você tem que ficar você mesmo. Tem que ser forte.”

Essa, Kevin percebeu, era a única esperança. Eles não podiam se soltar. Não podiam lutar fisicamente. Sua única chance era se juntar a Colmeia, e de alguma forma conseguir manter suficiente de si mesmo...

Nem terminou o pensamento antes de Xan Mais Puro aplicar os tentáculos em seu crânio, e a Colmeia invisível perfurar seu cérebro.

Kevin gritou com a dor, veloz e súbita, como uma lança de gelo apunhalando os fundos de sua mente. Pensou que estava acostumado à dor; com sua doença, achou que sabia o que era sentir dor, mas agora percebia que não era nada comparado ao que estava acontecendo. Podia sentir os tentáculos explorando seus pensamentos e memórias, a sensação desconfortável e familiar demais, da última vez que os aliens tinham examinado sua mente.

Mas era diferente, porque os aliens não estavam só olhando dessa vez.

Kevin podia sentir a Colmeia dentro de seus pensamentos, mentes e mais mentes, interligadas e poderosas. Era frio e quente e doloroso ao mesmo tempo. Pareciam cacos de vidro raspando seus pensamentos. Podia sentir as massas de controlados nas beiradas, nem sequer uma parte verdadeira do todo. Podia sentir as bordas afiadas das criaturas de guerra, e os pensamentos mais lentos, mais macios das bestas de carga. E ali estavam os Mais Puros e seus servidores, fios brilhantes dentre a teia completa.

Venha para nós, eles urgiam, vozes profundas e sedutoras. Torne-se nós.

Kevin tentou se afastar, e o esforço doeu mais do que podia imaginar. Se escutou gritando, mas o som parecia vir de muito longe. Eram como garras prendendo-o no lugar, enganchadas em seu cérebro, poderosas demais para ignorar.

Mesmo assim, Kevin lutou. Podia sentir a Colmeia se movendo dentro dele, conquistando partes de sua mente como um exército invasor conquista campos e cidades. Kevin começou a esconder pedaços de si mesmo, lembrando como tentou esconder quão assustado estava pelo bem da mãe, tentando ocultar tudo que podia enquanto os aliens continuavam a avançar em sua mente. Se conseguisse esconder o suficiente, poderia ser capaz de se manter a parte da Colmeia. Podia continuar a ser ele mesmo.

Sentiu o momento quando foi conectado, quando passou de ver todos os fios a se tornar um deles. Podia escutar as mensagens e os pensamentos dos outros, os comandos dos Mais Puros e a obediência do resto.

Uma mente que descontrói, um dos Mais Puros pensou em sua direção.

Uma mente que é tudo que precisamos, outro concordou.

Kevin podia sentir a presença de Xan Mais Puro ao seu lado. Acorde, Kevin, junte-se a sua nova vida.

Kevin abriu os olhos, e não podia lembrar de tê-los fechado. O mundo ao seu redor parecia estranho, coberto em um verniz de cores novas, detalhes que nunca teria percebido antes saltando aos seus olhos. Como se pudesse se focar em cada partícula de pó e frações de mudança de cor.

Olhou em volta para as máquinas, e a Colmeia dentro de si o informou para que cada uma servia. Tinha conseguido guardar uma parte de si mesmo? Kevin não sabia. Se sentia como si mesmo, embora todo o resto do mundo parecesse estranho. Parecia mais vivo e mais conectado do que ele jamais tinha imaginado.

Xan Mais Puro se moveu em sua direção, para os controles da armação. O alien os operou, e Kevin sentiu a gravidade que o prendia no lugar se mover de volta para o chão.

“Bem vindo a Colmeia, Emissário Kevin,” Xan Mais Puro disse.

Ascensão

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