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A Europa e o

reconhecimento. A Independencia consummou-se em 1822; o reconhecimento do Imperio do Brazil pelo Reino de Portugal apenas teve lugar em 1825, e antes da ex-metropole nenhuma nação européa, nem mesmo a Inglaterra de Canning, abalançára-se a receber em seu convivio official a colonia insurgente. De 1823 a 1827 coube pois á joven diplomacia brazileira pugnar na Europa pela admissão no areopago politico do mundo civilizado da nova nação americana, creada pela ousadia e decisão de um Principe, pelo sentimento latente e crescente da desunião, pela habilidade e patriotismo de alguns estadistas, pelo enthusiasmo e confiança de numerosos espiritos cultos, e pela valiosa cooperação de um almirante inglez em ostracismo social. Papel da esquadra na Independencia. Sem esta ultima contribuição não é exaggerado dizer que os esforços das demais corriam grave risco de ficarem frustrados. Com effeito, senhores os Portuguezes do norte do Brazil, estabelecidos em terra e no mar, e sendo absurdo pensar n'uma expedição terrestre sahida da capital, só poderiam ter sido expellidos das suas posições por meio de uma esquadra, a qual se formou ás carreiras e com benemerito vigor local, supprindo elementos da officialidade estrangeira, especialmente da britannica que acabava de se distinguir na libertação do Perú e do Chile, o que havia ainda de escasso e deficiente na marinhagem nacional. Era esta tanto mais inexperiente quanto, sob o dominio portuguez, o proprio commercio de cabotagem andava vedado aos Brazileiros. Na Inglaterra acontecia justamente que a terminação das guerras napoleonicas, depois de revolucionada a Europa, deixára a meio soldo e sem pasto para sua actividade muitos officiaes de valor e ambição, que sobremaneira estimavam encontrar em outros campos de batalha emprego para seus gostos e habilitações. A esquadra ás ordens de Lord Cochrane, o grande condottiere naval da emancipação do Novo Mundo, foi, mau grado a sua composição heterogenea, o agente principal da nossa União. A ella deve-se que, quando o marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes e o cavalheiro Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa, com razão fiados nas boas disposições do Foreign Office, apresentaram-se a Canning urgindo o exercicio da influencia ingleza para effectuar-se o reconhecimento pela mãi patria e conseguintemente pela Europa do Imperio sul-americano, este merecesse bem o seu titulo pela enormidade do seu territorio e homogeneidade da sua organisação. Aberturas de reconciliação. Não fôra sem grande trabalho que chegára a tornar-se possivel esta solução pacifica da acalorada disputa que, por motivo da separação, tinha lavrado entre as duas partes da monarchia portugueza. Canning, que de principio tomára a peito a questão, manifestára porem o parecer que o Brazil não podia nem devia mais esquivar-se com pretextos de dignidade e amor proprio á inclinação, muito por ultimo e a muito custo, mostrada por Portugal, de consentir na abertura de negociações directas de reconciliação sem exigir a previa e incondicional submissão, na qual insistira inflexivelmente para satisfazer o espirito publico e quando julgava que o Reino Unido passaria do papel de honnête courtier para o de interventor determinado. De accordo com a suggestão do Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros de Sua Magestade Britannica e ao tempo que Portugal, seduzido pelos conselhos das potencias continentaes, ia regressando á primitiva intransigencia, o Brazil iniciava sua campanha diplomatica nas côrtes do Velho Mundo. Nomeação de Brant e Gameiro. Caldeira Brant e Gameiro Pessoa tinham sido encarregados de aplanar as differenças entre as duas nações sem propriamente solicitarem a mediação britannica, mas tendo ordem de communicar ao Foreign Office os seus passos e tentames, e de pedir e receber os conselhos de Canning. Caldeira Brant anteriormente á sua missão residira na Inglaterra, officialmente acreditado na qualidade de agente do Governo do Brazil. Como tal se occupára de variados negocios, entre outros de construcções navaes e alistamento de marinheiros, até Agosto de 1823, mez em que partira para o Imperio. Expedições armadas na Inglaterra. O alistamento de marinheiros realizava-se sem inconveniente nem embaraço, mesmo depois da Independencia, não tendo na pratica applicação ás possessões portuguezas o Foreign Enlistment Bill, proposto e approvado em 1819 para privar d'então em diante de justificação as queixas da Hespanha, a qual via com desgosto e irritação sahirem dos portos britannicos expedições armadas em favor da emancipação das suas colonias americanas. Eram semelhantes expedições, tanto a consequencia do tradicional espirito liberal da nação ingleza, naturalmente sympathica a qualquer nacionalidade oppressa ou desejosa de ganhar seus fóros, como a expressão das vantagens mercantis que um commercio que acabava de soffrer o bloqueio continental e se via a braços com a accumulação de mercadorias d'elle resultante, encontrava em novos mercados abertos á sua iniciativa. Custára tanto menos a Canning defender aquelle projecto ministerial quanto achava-se persuadido, com a firmeza da intelligencia e a confiança da vontade, que a emancipação da America Latina consummar-se-hia fossem quaes fossem as circumstancias que a favorecessem ou a retardassem. O Brazil estava de resto em posição differente, porque em rigor não podia considerar-se uma colonia abruptamente despregada do tronco metropolitano. Algum tempo antes de declarar-se independente e sobretudo com a curta regencia de D. Pedro, gosára o reino ultramarino de uma larga autonomia que o habilitára a entabolar relações européas e a fazer-se julgar como um governo de facto, capaz de desempenhar seus proprios compromissos. Encarregatura de negocios de Hyppolito. Na ausencia de Caldeira Brant ficou interina e officiosamente encarregado dos negocios do Imperio o vigoroso jornalista que durante quinze annos estivéra na estacada, redigindo o Correio Brasiliense e prestando á causa constitucional e da liberdade americana os mais assignalados serviços. Em recompensa havia Hyppolito José Pereira da Costa Furtado de Mendonça merecidamente sido nomeado Consul Geral em Londres, lugar que exerceria cumulativamente com o de Conselheiro da Legação quando o Governo Britannico reconhecesse ambas as nomeações, pois até então estava permittida nos portos da Inglaterra a admissão da bandeira independente, mas não se concedia o exequatur aos consules, posto que fossem nomeados e recebidos consules inglezes no Brazil e na Cisplatina. A etiqueta diplomatica o mais que tolerava n'este ponto eram os agentes commerciaes, vedando quaesquer formulas externas do reconhecimento politico a que no fundo annuia. A encarregatura de Hyppolito foi muito curta e pouco interessante. Em Novembro de 1823 era o cavalheiro Gameiro, que estava servindo de encarregado de negocios em Pariz, removido no mesmo caracter para Londres, só recebendo porem a respectiva communicação em Março de 1824. O pobre Hyppolito fallecia entretanto, quando via despontar o triumpho do seu ideal, sem poder desfructar a victoria e deixando tão pobre a senhora ingleza que desposára, que o Imperador, a pedido do duque de Sussex, mandou conceder-lhe uma pensão de cem libras annuaes. Instrucções a Gameiro. Nas instrucções que simultaneamente com a nomeação eram expedidas a Gameiro, dizia-se que elle e o marechal Caldeira Brant, que estava para regressar do Rio de Janeiro, seriam os plenipotenciarios escolhidos para tratar em Londres da questão primordial e magna do reconhecimento do Imperio, que preoccupava essencialmente os estadistas brazileiros e que tambem mais ou menos tinha occupado a attenção de Canning desde a sua volta ao Foreign Office, coincidente com a proclamação do Ipiranga. As instrucções do Ministerio de Estrangeiros recommendavam entretanto a Gameiro que se fosse empenhando sósinho pelo alludido negocio, procurando ser logo admittido publicamente como encarregado de negocios, depois ou mesmo antes de dar satisfacção, corroborando a que no Rio de Janeiro fôra dada em Notas ao consul Chamberlain, pelos «actos inconsiderados do passado ministerio». Diziam estes actos respeito ao incidente com o brigue de guerra Beaver, contra o qual a fortaleza da Lage disparára dois tiros de polvora secca quando ia sahindo em occasião que o porto havia sido mandado fechar, e á entrada na armada nacional do desertor tenente Taylor, que o Governo Imperial a muito custo e com muito sacrificio se prestava a demittir e, si tanto fosse exigido, entregar, como prova da sua boa vontade para com a Grã Bretanha. Lembremos de passagem que Canning teve o espirito e a generosidade de contentar-se com a demissão do seu distincto compatriota. Posição diplomatica do Brazil. O recebimento, pelo menos officioso, de Gameiro não padecia duvida, apezar das intimas ligações de Portugal com a Inglaterra. Nem podia ser d'outro modo. A França, si bem que não permittindo a reciprocidade, acabava de despachar como encarregado de negocios para o Rio de Janeiro o conde de Gestas; a Prussia até manifestára desejos de concluir um tratado, e o consul britannico Henry Chamberlain exercia no Brazil funcções diplomaticas que, no rigoroso acatamento dos preceitos do direito das gentes, só deveriam caber a um agente acreditado perante um governo legalmente constituido. O reconhecimento formal estava porem longe ainda de achar-se ultimado, e era essa a chave que para o Brazil abriria a porta a todas as outras negociações, mesmo a da abolição do trafico de escravos com que o Imperador acenava á Inglaterra, e cuja regulação inicial no tratado de 1810 com Portugal e na convenção de Londres de 1817 andava tão imperfeita ou mal interpretada, que fornecia azo a seguidos protestos do consul Chamberlain. Justificação da Independencia. Nas instrucções mandadas a Gameiro, após insinuado que outras potencias européas poderiam roubar á Inglaterra a prioridade no passo de amizade internacional que o reconhecimento significava, assim affectando os interesses commerciaes britannicos, e de reaffirmada a resolução inabalavel do Imperador e do seu povo em manterem a attitude tomada, resumiam-se os motivos que tivera o Brazil para desligar-se de Portugal, avultando entre elles a retirada de D. João VI do Rio de Janeiro e a tyrannia das Côrtes demagogicas de Lisboa, e salientava-se «que a Politica, os interesses Nacionaes, o resentimento progressivo do Povo, e até a propria Natureza tornavam de facto o Brazil Independente[1].» Relembrava-se que a ex-colonia «conciliando os principios da Legitimidade com os da Salvação do Estado, e interesses publicos», patenteára toda a sua dedicação á Casa de Bragança ao acclamar como seu soberano o primogenito do monarcha portuguez, ao passo que as nações hispano-americanas se tinham constituido debaixo da forma republicana de governo, forma que tambem era a predilecta de uma turbulenta facção no Brazil, «animada pela effervescencia do seculo», e a qual augmentaria e ganharia força si se verificasse que ás realezas européas repugnava a plena admissão como legitimo «de um governo fundado na justiça, e na vontade de quatro milhões de habitantes». O titulo de Imperador correspondia aliás a uma idéa de escolha, eleição ou sagração popular que se coadunava com o espirito democratico do paiz, e, no dizer das instrucções, fôra adoptado «por certa delicadeza com Portugal; por ser conforme ás idéas dos Brazileiros; pela extensão territorial; e finalmente para annexar ao Brazil a cathegoria que lhe deverá competir no futuro na lista das outras Potencias do Continente Americano». A mediação ingleza suggerida. Declarando estar prompto para tratar com seu Augusto Pai sobre a base do reconhecimento da cathegoria politica assumida pelo Brazil, e por este modo facultar a Portugal «aproveitar do Brazil o que ainda fôr possivel», o Imperador acabava por mencionar, como podendo originar um tal resultado, a mediação ingleza, certamente agradavel a Portugal e que elle de boa mente acceitava, sem que a tivesse solicitado. Assim pois, antes da chegada de Caldeira Brant, já tivera Gameiro ensejo e tempo para entender-se com aquelles que deviam ser os mais importantes personagens na peça que se ia representar no tablado do Foreign Office. O caminho estava aberto. Quando ambos os enviados receberam do Rio suas instrucções definitivas e plenos poderes para negociarem com todas as potencias européas, immediatamente procuraram em virtude da previa intelligencia tanto o Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros do Reino Unido, como o barão de Neumann, encarregado de negocios da Austria na ausencia do Embaixador, principe Esterhazy. A Austria igualmente medianeira. Viera a combinar-se que o gabinete de St-James, protector declarado de Portugal, e o Imperador da Austria, sogro de D. Pedro I, seriam conjunctamente os medianeiros ou antes assistentes na paz e reconciliação directamente negociadas em Londres entre a metropole e a colonia da vespera. Canning, em seu louvavel empenho de preservar a paz quanto possivel, gostava de proceder de harmonia e até favorecer os designios das potencias continentaes, sempre que esses não fossem adversos aos interesses britannicos. Os bons officios da Grã Bretanha haviam sido primeiro suggeridos por Palmella, ao responder a uma declaração do novo ministro inglez, Sir Edward Thornton, de que o gabinete britannico estando persuadido da impossibilidade de restabelecer-se a sujeição, voluntaria ou forçada, do Brazil, era conveniente concordar-se logo no modo de resolver a pendencia, satisfactoriamente para a independencia politica do Brazil e para a soberania em ambas as partes da monarchia portugueza da Casa de Bragança. Canning resolve a questão da mediação ou bons officios. Um pouco depois, por effeito de conselhos contrarios dados em Lisboa ao gabinete da Bemposta, o conde de Villa Real, ministro portuguez em Londres, vibrou como uma ameaça a interferencia das potencias continentaes. Canning porem, que combatia no Velho Mundo os dictames reaccionarios da Santa Alliança e os desconhecia com relação ao Novo, declinou para o caso vertente toda e qualquer intervenção de semelhante natureza. Abria apenas uma excepção para a Austria pela razão do intimo parentesco entre as côrtes de Vienna e do Rio de Janeiro, ao ponto mesmo de prometter suspender eventualmente o reconhecimento do Imperio Brazileiro até dar mostras de consummar-se a mediação austriaca, si preferida á britannica. Os bons officios da Inglaterra não podiam todavia ser evitados, dada a sua posição de ascendencia em Lisboa como no Brazil, e o Governo Portuguez volveu a cortejal-os, no intuito de por meio d'elles obter do Imperio as condições mais suaves para o orgulho da mãi patria. Por seu lado Canning, servindo-se do consul Chamberlain, insinuou a vantagem d'aquelles bons officios no espirito dos governantes brazileiros, a cujo conhecimento incumbiu-se de levar posteriormente as disposições mais conciliadoras de Portugal, de entrar em negociações para regular a futura successão das duas partes da monarchia e restabelecer as primitivas relações commerciaes existentes entre os dous reinos. Canning como interventor a pedido. Não era facil empreza, mesmo para o genio diplomatico de Canning, o desmanchar as desconfianças e attritos levantados entre Portugal e Brazil, fazendo ver a este quanto a amizade do Velho Mundo lhe seria proveitosa e como lhe cabia angarial-a pela sua moderação e condescendencia, e esforçando-se por annullar n'aquelle a procrastinação e má vontade estimuladas pelas potencias continentaes, as quaes pintavam o gabinete britannico como exclusivamente devotado a fomentar os interesses brazileiros. Canning logrou todavia realizar o seu intento. A dissolução da Constituinte do Rio de Janeiro, em Novembro de 1823, animára o Governo de Lisboa em sua estudada morosidade, alvoroçando-o com a perspectiva do predominio no Brazil do chamado partido portuguez; quando porem essa ultima esperança se lhe esvaio, de que o Imperador seria levado ou compellido a readmittir a soberania paterna, mandou ao conde de Villa Real instrucções que o fizeram solicitar formalmente, por meio de uma Nota Verbal com data de 4 de Março de 1824, a intervenção britannica afim de obter satisfacções por parte do Brazil. Era um meio indirecto ou antes um circumloquio diplomatico para reabrir a questão, sendo posta de lado a preliminar submissão do Imperio ao seu status colonial. Apparentava-se tratar sómente de reparar offensas e prevenir maiores conflictos, previamente a ventilar-se qualquer outra differença, isto é, a de soberania ou independencia. Os bons officios da Grã Bretanha e da Austria entraram por esta forma n'uma phase de effectividade, não dispensando absolutamente Canning a collaboração da côrte de Vienna, cuja mediação havia sido solicitada em fins de 1823 pelo Governo Portuguez. Benevolencia da Austria. E a Austria entrava no negocio cheia de benevolencia, porque Canning convencêra tão perfeitamente Metternich que a destruição do throno brazileiro, fatal no caso de falhar o reconhecimento, seria mais perniciosa ao principio monarchico, por ambos os estadistas acatado, do que a acceitação da separação dos dous reinos, que o Chanceller austriaco, após demorar por alguns mezes sua resposta ao gabinete de Lisboa, declarára sem ambages que lhe não parecia possivel restabelecer-se a situação anterior á Independencia e que o mais avisado seria, na hypothese muito provavel do Brazil não consentir em acceder a uma autonomia completa e effectiva, debaixo da suzerania portugueza e sob o governo de um principe portuguez, assegurar a corôa americana para a Casa de Bragança. O Governo Austriaco dizia-se prompto até a annunciar ao Imperador do Brazil, uma vez effectuada, a concessão da independencia, a qual todavia nunca reconheceria senão depois de o fazer Sua Magestade Fidelissima. Hostilidade da Santa Aliança. A Inglaterra e a Austria em pontos de vista diversos. A boa vontade da Austria, inspirada pelas considerações de familia, não era porem tudo, mesmo que não variasse, segundo veio a acontecer. Canning perceberia a breve trecho, conforme escrevia a Lord Liverpool poucos mezes depois, que «Portugal parecia ser o terreno escolhido pela Alliança continental para combater peito a peito a Inglaterra, pelo que devemos estar preparados para travar a peleja e destroçar o inimigo, supportando qualquer forma imaginavel de intriga ou intimidação, sob pena de sermos expulsos do campo[2]». Começa porque os dous medianeiros da questão brazileira de certo modo collocavam-se em pontos de vista diversos. A Austria, ou Metternich por ella, não podia seguramente ver com muito bons olhos que o Imperio Americano pretendesse trilhar a senda constitucional, legado da maldicta Revolução. Metternich e a Constituição Brazileira. Um momento houve mais tarde em que Canning assustou-se devéras com um boato corrente, de ter Telles da Silva, o agente brazileiro em Vienna, promettido ao Chanceller desistir o Imperador, em troca do reconhecimento, da perfilhada orientação liberal, e chegou a perguntar por escripto a Brant e Gameiro si era verdadeira tal intenção. O boato era falso, ainda que lhe dessem côr a dissolução forçada da Constituinte e as subsequentes deportações politicas, mas o certo é que, segundo lê-se na correspondencia dos nossos enviados, Neumann iria successivamente esfriando do seu primitivo interesse pela causa brazileira, acabando por trabalhar de mãos dadas com o plenipotenciario portuguez, conde de Villa Real. A orientação franceza sob os Bourbons. Esta mudança só deve ser attribuida á conhecida e fundamental antipathia da Santa Alliança por tudo quanto tresandava a liberalismo e ao accrescimo de favor que conseguintemente lhes merecia o Portugal regressado aos bons tempos do absolutismo. A referida attitude do Imperador D. Pedro contra a Camara emanada da vontade popular, o seu acto de violencia seguido da outorga de uma Carta Constitucional, deviam-lhe no emtanto assegurar pelo menos a sympathia da França, que para effectuar uma mudança semelhante em proveito de Fernando VII, emprehendêra a expedição de Hespanha. Á França porem desagradariam altamente o reconhecimento pacifico e cordial e a reconciliação do Imperio com o Reino mediante a intervenção amigavel da Inglaterra, que assim recolheria a gratidão de ambas as partes; isto quando os seus planos politicos, sobretudo acariciados pela fogosa imaginação romantica de Chateaubriand, abraçavam uma larga esphera de actividade opposta á britannica. Largos planos de Chateaubriand. O Ministro dos Negocios Estrangeiros de Luiz XVIII calculára, não sem propriedade, que a restauração da monarchia absoluta hespanhola pelo exercito francez daria á nação invasora o direito consequente e inseparavel de auxiliar a reconquista da America Hespanhola, ou mesmo redundaria n'uma procuração para tal fim. Á Inglaterra que, quarenta annos atraz, sustentára uma custosa guerra para reduzir á obediencia as suas colonias americanas revoltadas, estava vedado empatar em principio o exercicio dos incontestaveis direitos hespanhoes, e si tal o fizesse na pratica, contava a França com a neutralidade benevola das potencias continentaes para a sua faina de abater, por meio de uma guerra, as pretenções britannicas e tomar a desforra de Waterloo, ao mesmo tempo tornando popular pelo reflexo da gloria militar a monarchia dos Bourbons. Nas Memorias d'além campa Chateaubriand confessa não ter tido em vista fito mais alto do que esse interesse dynastico, ao servir a politica bellicosa do momento e levar a cabo as decisões do Congresso de Verona, parallelamente reduzindo a questão hespanhola, de européa a franceza, o que traduzia uma decidida vantagem nacional. A França no Novo Mundo. A reconquista da America Hespanhola em proveito do inepto representante dos Bourbons d'Hespanha, afóra o immenso beneficio moral, traria com certeza para a França—assim o devaneavam Chateaubriand e o gabinete Villèle—uma recompensa territorial avultada no Novo Mundo, a qual seria o nucleo da reconstituição do poderio colonial francez, perdido no decorrer do seculo anterior e com que se locupletára a Inglaterra, empolgando o Canadá e alastrando-se pelo Hindostão. Chateaubriand, que vagueára pelos campos do Oeste americano, tornados ainda mais extensos pela solidão immensa em que jaziam, e, contemplando as aguas barrentas do Mississippi, meditára longamente sobre os problemas politicos e moraes do universo, sentia mais do que qualquer outro a importancia da diminuição soffrida pela França com a perda do Canadá e a alienação da Louisiana, cuja juncção com a possessão do norte, subindo a corrente do grande rio que parte longitudinalmente em dous os Estados Unidos, interceptaria a expansão ingleza e fundaria um imperio latino onde hoje se espraia a magestosa democracia anglo-saxonica. O posto seria, alem de tudo o mais, excellente para exercer sobre a America Central e Meridional a hegemonia que os Estados Un França—assim o devaneavam Chateaubriand e o gabinete Villèle—uma recompensa territorial avultada no Novo Mundo, a qual seria o nucleo da reconstituição do poderio colonial francez, perdido no decorrer do seculo anterior e com que se locupletára a Inglaterra, empolgando o Canadá e alastrando-se pelo Hindostão. Chateaubriand, que vagueára pelos campos do Oeste americano, tornados ainda mais extensos pela solidão immensa em que jaziam, e, contemplando as aguas barrentas do Mississippi, meditára longamente sobre os problemas politicos e moraes do universo, sentia mais do que qualquer outro a importancia da diminuição soffrida pela França com a perda do Canadá e a alienação da Louisiana, cuja juncção com a possessão do norte, subindo a corrente do grande rio que parte longitudinalmente em dous os Estados Unidos, interceptaria a expansão ingleza e fundaria um imperio latino onde hoje se espraia a magestosa democracia anglo-saxonica. O posto seria, alem de tudo o mais, excellente para exercer sobre a America Central e Meridional a hegemonia que os Estados Unidos já estavam avocando e a que Luiz Napoleão mais tarde quiz insensatamente oppôr a do Imperio Mexicano estabelecido e protegido pelas aguias francezas Inconvenientes para o partido da reacção de uma solução amigavel do conflicto luso-brazileiro. A serena liquidação da questão brazileira seria, para a execução de tão altos designios, um obstaculo quasi insuperavel, representando uma victoria para a Grã Bretanha, que assim desfeiteava a Santa Alliança, reforçava a opinião liberal do mundo em prol da independencia das colonias hespanholas, e em extremo difficultava o complemento do projecto de restauração ultramarina da auctoridade da metropole. Não admira pois que a França se absorvesse na partida, usando de toda a sua pericia. Mesmo despedido Chateaubriand do ministerio, o que se deu a 5 de Junho de 1824, a politica franceza não variava o seu rumo e Villèle, senão um ultra, pelo menos governado por elles, ficava para zelar-lhe a orientação geral, naturalmente antipathica ao Imperio, cujo soberano trahia em alguns actos a sua educação absolutista, mas cujos estadistas persistiam, com o seu instinctivo feitio democratico, em desafiar a legitimidade, o direito divino e outros fetiches do passado. Embaraços creados pelo partido da reacção «Si l'empereur ne s'accommode pas aux vues des Souverains de l'Europe, on le fera sauter en trois mois», chegou Neumann a dizer um dia a Brant; ao que, sem perder o sangue frio, replicou laconicamente o marechal: «Tant pis pour eux», significando, como Canning, que os soberanos europeus assim ceifariam ingloriamente a unica monarchia americana, sem poder mais substituil-a pelo extincto regimen colonial e sómente dando nascimento a uma outra republica. Brant e Gameiro, bem que não quizessem dar a conhecer aos estranhos o seu estado de espirito, arreceavam-se todavia muito das tendencias hostis da Santa Alliança, a cujas intrigas attribuiam mesmo a opposição e animosidade de Buenos Ayres, que já em 1824 ameaçava declarar-nos a guerra. É preciso não esquecer que batia justamente então a hora do apogêo da politica reaccionaria de Metternich, quando em França os ultras, com a elevação imminente de Carlos X ao throno, preparavam-se para dominar exclusivamente o governo; a Hespanha soffria em dolorida resignação as prepotencias de Fernando VII, forro da escravidão constitucional, e Portugal via apparecer em plena luz, á frente dos regimentos que regressavam empoeirados de Villa Franca ou postavam-se insolentes no largo da Bemposta, a figura esbelta e brutal do Infante absolutista. Evolução liberal na Inglaterra e papel de Canning na politica européa. Na Inglaterra, pelo contrario, accentuava-se a evolução liberal, naturalmente combatida pelos tories puros, mas tirando forças do contacto com a lucta e ganhando incremento com o proprio ardor da peleja. O papel politico de George Canning na historia britannica e na do mundo avulta tanto aos olhos da posteridade, porque na verdade foi decisiva a sua acção e grandiosa a sua obra, que consistiu particularmente em garantir a autonomia completa de um Continente, para isto transformando a politica externa da Inglaterra, creando o seu isolamento, e pondo cobro ás allianças austriacas cultivadas por Castlereagh em obediencia ás suas inclinações pessoaes e no intuito diplomatico de fazer frente ás ambições russas. Poucos mezes depois de recolher a herança de Castlereagh, Canning desvendava sem hesitações as suas vistas nas seguintes palavras de uma carta ao Rei, de 11 de Julho de 1823 "...As grandes potencias despoticas do Continente presumiam estar V. M. indissoluvelmente unido aos seus principios e projectos. Por minha parte desejo pelo contrario, avisada ou inconscientemente, ver o peso da auctoridade de V. M. lançado no outro prato da balança. Muito mais do que isso. Estou intimamente convencido que a verdadeira posição de V. M. no embate existente de theorias adversas e opiniões extremas, é uma posição neutra: neutra tanto entre principios hostis como entre nações hostis; e que é sustentando essa posição, a qual V. M. unico entre os soberanos da Europa pode assumir, que V. M. conduzirá sem demora o seu povo ao mais alto gráo de prosperidade, e estará melhor habilitado para salvar outros paizes dos perigos que, por seu turno, podem ameaçar quasi todos elles." O conservantismo de Lord Castlereagh. Não devemos d'ahi entender que o predecessor de Canning no Foreign Office tivesse sido um reaccionario do estofo de Metternich. Não podia sel-o, porque forçosamente ainda que inconscientemente, pulsava n'elle o constitucionalismo organico do Inglez. Era porem um tory da velha eschola, com os peores prejuizos politicos da classe aristocratica, contrario por instincto ás mais benignas manifestações revolucionarias, e disposto por natureza ao mais compromettedor galanteio com a Santa Alliança. Apenas appellára para a sua sobranceria quando essa Alliança, tornando-se mais ousada com a acquiescencia do gabinete de Londres, proclamou doutrinas, no seu dizer incompativeis com as leis fundamentaes da Grã Bretanha; e ainda assim não falta quem assevere que, em semelhante emergencia, fôra precaria a sua sinceridade, e que mais imperára n'elle o respeito pela opinião do Parlamento do que a propria convicção. Castlereagh em principio repellio com apparente vigor a theoria da intervenção absolutista, preconisada e firmada no Congresso de Troppau em 1820, mas assentira praticamente na miseravel e sangrenta intervenção austriaca em Napoles. Castlereagh e a emancipação do Novo Mundo. Si assim ousava ir d'encontro á opinião progressiva do seu paiz, não é de espantar que o interesse mercantil do mesmo, combinado com a indifferença ou antes antipathia pela Hespanha, não fossem sufficientes para compellir o seu ingenito conservantismo a favorecer o movimento autonomista do Novo Mundo. Tão pouco sympathica era comtudo a attitude de Castlereagh á opinião predominante na Inglaterra, mesmo á de antes da Reforma de Lord Grey; tão avessas ao caracter politico britannico, aquella fascinação pelas prerogativas das monarchias absolutas e qualquer identificação com os planos domesticos continentaes, que um observador como Greville, movendo-se no meio social mais exclusivo e aparentado com algumas das primeiras casas da Inglaterra, escrevia no seu diario que a perda do então marquez de Londonderry fôra grande para o partido e maior para os amigos, mas nulla para o paiz, e criticava sem rebuço o proceder do Governo Inglez para com aquellas das nações européas que se tinham fiado na Grã Bretanha, ao tratarem da applicação do seu ideal liberal. Metternich e o Foreign Office. O bisbilhoteiro Greville conta mesmo que Castlereagh andava feito com Metternich, tendo Canning e Lord George Bentinck, secretario particular d'este, encontrado no Foreign Office, por occasião da accessão de Canning ao posto, papeis particulares que evidenceiam, não só que Castlereagh, ao affectar afastar-se da Santa Alliança, pretendia apenas deitar poeira nos olhos da Camara dos Communs, como que na realidade seguia cegamente a politica mystica e retrograda inaugurada por Alexandre I. O positivo é que lavrava manifesta contradicção entre as exigencias publicas, do meio e do momento, e as preferencias individuaes e de casta de Castlereagh, e tambem que Metternich levou tempo a convencer-se que Canning era sincero na opposição movida á Santa Alliança: persuadira-se a principio que o seu liberalismo internacional se cifrava n'uma mera necessidade parlamentar[3]. Era Canning um democrata? Canning estava entretanto longe de ser um democrata. «Desadoro as revoluções, exclamava elle no famoso discurso de Plymouth, ao ser-lhe offertada em 1823 a franquia do burgo. Passei quasi trinta annos da minha vida batalhando por velhas instituições. Não deve comtudo ficar deslembrado que, ao resistir á Revolução Franceza, em todas as suas phases, desde a Convenção até Bonaparte, eu certamente advogava a resistencia ao espirito de innovação, mas não advogava menos a resistencia ao espirito de dominação estrangeira. Emquanto esses dous espiritos permanecem ligados, a resistencia a um anima a resistencia ao outro; uma vez separados todavia, ou, o que é ainda peor, em antagonismo um ao outro, o mais estrenuo e mais consistente anti-revolucionario pode bem hesitar no partido a escolher». Si bem que fosse um tory enthusiasticamente anti-reformista, Canning tinha chegado, por um concurso de circumstancias politicas e da propria idiosyncrasia, a personificar na politica exterior britannica o elemento mais audaz de governo, bem como na politica geral européa a defeza das franquias constitucionaes, ameaçadas de destruição. No mesmo discurso de Plymouth elle assim definia sua posição: «Julgo muito pouco avisado, como parece querer a Santa Alliança, forçar a um conflicto os principios abstractos da Monarchia e da Democracia. O papel da Inglaterra consiste em preservar, tanto quanto fôr possivel, a paz do mundo e a independencia das diversas nações que o compõem. Não julgo, como parece julgar a Santa Alliança, que não existe segurança para a paz entre as nações, a menos que cada nação esteja em paz comsigo mesma, ou que a Monarchia absoluta seja o feitiço de que depende tal tranquillidade interna». Pensando assim, nenhuma tendencia propriamente reaccionaria podia ser-lhe sympathica. Os povos valiam no seu entender tanto quanto os reis, ou por outra, um rei só merecia fidelidade quando reinava para o seu povo. Elle mesmo era um exemplo vivo do quanto já logravam alcançar em sua patria o prestigio pessoal e o favor da opinião. Não passava do filho, singularmente dotado de talento, de um homem bem nascido mas quasi pobre, e de uma mãi honesta mas que tivera de fazer-se actriz depois de viuva, para manter-se a si e a elle. Este desprotegido do berço, após uma brilhante ascenção parlamentar, alguns annos de administração, uma curta embaixada e outros annos de estudado afastamento, vira-se quasi unanimemente indicado e fôra novamente collocado por Lord Liverpool no Foreign Office, quando o tornou vago o suicidio de Lord Castlereagh. Canning e Jorge IV. É sabido que Jorge IV, que mais tarde viria a estimal-o sinceramente, oppoz-se com acrimonia á sua segunda elevação aos conselhos da corôa, sendo o motivo vulgarmente apontado do rancor real, o facto da demissão de Canning do gabinete por occasião do processo da rainha Carolina, da qual pretendia o monarcha divorciar-se depois de enxovalhar-lhe a reputação. Canning, como amigo e conselheiro que havia sido da infeliz princeza, entendeu conservar-se neutral n'esta questão que tanto agitou a Inglaterra e quasi conduziu a uma revolução, não tomando parte alguma no andamento do processo e debates parlamentares. É porem mais natural, como quer provar o commentador da correspondencia de Canning, que o Rei se sentisse alheado d'este homem d'Estado, não por um resentimento já apagado e em todo o caso injustificavel, mas antes por causa das idéas avançadas de Canning no tocante á emancipação dos Catholicos e á das colonias latino-americanas. Pela primeira não poude fazer muito, tendo-o roubado a morte em plena maturidade e poucos mezes depois de haver galgado a premiership, assumindo a direcção geral dos negocios publicos. Quanto á segunda, os cinco annos de gerencia dos negocios estrangeiros foram-lhe bastantes para transmudar a politica ultra-conservadora do seu predecessor e affixar-se deliberadamente como o adversario europeu da Santa Alliança. Influencia de Canning no partido e sua independencia de opiniões. Consentia-lhe esta postura, em desaccordo com a maioria dos leaders e com o throno, a sua força extraordinaria na Camara dos Communs e no partido, isto é, a harmonia do seu pensar com o sentimento geral do paiz, e a fascinação exercida pela superioridade do seu espirito sobre a massa dos partidarios, os quaes não poderiam tambem olvidar que Pitt lhe encaminhára os primeiros passos parlamentares, se lhe affeiçoára em extremo e por fim o designára como seu successor. Tory leal até que a repugnancia dos elementos mais conservadores do partido fel-o inclinar para os Whigs, com os quaes pode dizer-se que, havendo-o abandonado Wellington, Eldon e Peel, governou depois da morte de Liverpool, durante a sua curta premiership, nunca podia ter sido um tribuno popular, nem como tal teria feito carreira no tempo dos burgos podres e do predominio quasi exclusivo das grandes familias nobres; mas tampouco foi um satellite da aristocracia, posto que a ella estivesse ligado por laços de parentesco. Canning porem nascêra para guiar e não para ser guiado. A sua composição moral era completa, pois que era um delicado no sentir, um idealista no conceber e um homem de acção no executar. Perfil intellectual e politico de Canning. As inclinações litterarias de Canning levavam-no para a poesia satyrica, que traduzia a feição humoristica do seu espirito, no qual casava-se, n'uma combinação encantadora, uma preoccupação repassada de gravidade dos problemas politicos do momento com uma certa levesa propria do tempo, da sociedade e do homem, e que o tornou alheio aos problemas propriamente sociaes. As suas preferencias mundanas conduziam-no para a vida elegante e refinada n'um circulo limitado e escolhido de apreciadores, nunca tendo conseguido a ambição tão vasta quanto legitima que o impellia, vergar-lhe o animo ao ponto de cortejar a facil popularidade dos comicios e das plataformas. Até ser membro do gabinete, Canning escreveu muito mais do que fallou. As suas orações parlamentares mais notaveis datam quasi todas do tempo em que se sentava no Banco do Thesouro, quando com o prestigio do cargo passou a expôr na sua forma um tanto diffusa mas cuidada, animada e persuasiva, as idéas e os conceitos que lhe acudiam em abundancia, e que até então confiava especialmente á correspondencia privada com os seus intimos. Os seus ideaes politicos arrastavam-no, já o sabemos, para a restituição dos direitos politicos aos Catholicos, a abolição da escravatura e o reconhecimento das nacionalidades americanas, sem que comtudo o liberalismo n'elle constituisse o desdobramento de uma natureza apaixonada, philantropica ou exhuberante de seiva. A localisação d'esse liberalismo na alma ponderada e equilibrada de Canning não correspondia portanto ao enthusiasmo de O'Connell, nem ao evangelismo de Wilberforce, nem á exaltação communicativa de Brougham. O defensor da America Latina era um estadista reflexivo, um monarchista convicto, um governante por temperamento; conservador por calculo si não por instincto no que dizia respeito aos negocios domesticos, patriota intransigente em questões de politica exterior, não recuando ante a solução extrema da guerra na aspiração de salvaguardar a grandeza britannica, quando falhassem os meios suasorios, da paz e da diplomacia. Pitt e Canning Pitt apparecia-lhe como o typo representativo da epocha, como o precursor do imperialismo que tinha de ser a caracteristica e a condição da orientação ingleza. Como Pitt, possuio elle nervo e mostrou audacia, e não foi sem razão que n'um celebre discurso, alludindo á guerra da intervenção franceza na Hespanha, lhe foi dado exclamar com toda a emphase a que, no periodo litterario de Chateaubriand, nem a oratoria ingleza escapou: «Eu decidi que, a ter a França a Hespanha, tel-a-hia sem as Indias. Olhei para a America com o fim de corrigir as desigualdades da Europa. Chamei um novo mundo á existencia para servir de contrapeso ao antigo.» A libertação da America Latina. O pronome da primeira pessoa não foi muito do agrado dos collegas de Canning no gabinete, mas traduzia a realidade. A intervenção da França nos negocios da Hespanha, combatida até o ultimo momento pelo ministerio Liverpool—receosa a Inglaterra d'essa renovação anachronica do velho Pacto de Familia—e apenas tolerada com as trez condições, que a França respeitaria Portugal, deixaria em paz, entregue ás suas luctas e facções, a America Hespanhola, e não permaneceria indefinidamente além dos Pyreneus, determinou Canning, e Canning mais que ninguem na Grã Bretanha, a procurar, nas colonias emancipadas das metropoles peninsulares, um contrapeso valioso para a balança internacional, e uma nova e mais extensa base sobre que apoiar a influencia britannica. O seu systema politico, inverso do de Castlereagh, tinha, como vimos, por fundamento que a Inglaterra devia ser o fiel da balança, não só entre nações inimigas, como entre principios inimigos. Sendo o anti-liberal o prato que então pendia, por amor do proprio equilibrio Canning lançou o poder moral e material da sua patria no outro prato, que tinha reunido contra si o peso da Europa continental.

Historia diplomatica do Brazil: O Reconhecimento do Imperio

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