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O MASSACRE DE LOS ANGELES A tragédia começa

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O triste episódio foi realmente um espelho daqueles tempos e lançou uma luz opaca e terrível sobre a cidade em crescimento. Aconteceu na "Calle de los Negros", o gueto mais pobre de Chinatown, onde, misturados às lavanderias, empórios e pequenas atividades comerciais, mexicanos e chineses, os imigrantes menos apreciados pela população norte-americana, viviam em contato próximo. Os anais da época descrevem-na como “uma zona dura, com uma longa estrada de terra com cerca de doze metros de largura repleta de bordéis, casas de apostas, empórios e residências de lama e palha”. A população era predominantemente masculina, dadas as leis norte-americanas que limitavam a imigração de mulheres chinesas. Porém, a máfia conseguia infiltrá-las, quase sempre com a ajuda das autoridades locais. Desse modo, entre famílias e prostitutas, a população chinesa da Calle de los Negros cresceu cerca de 200 vezes em apenas dez anos e prosperou maravilhosamente. Gerando um forte clima de descontentamento entre a população branca, afligida pela recessão do pós-guerra e ciente de não conseguir acompanhar os preços baixos e as exaustivas horas de trabalho dos comerciantes chineses, que também mergulharam toda a área no vício.

A tragédia batia à porta e estourou pontualmente em 24 de outubro de 1871.

Fontes oficiais relataram a desculpa usual como a causa do linchamento. Ou seja, o assassinato de um xerife local, Robert Thompson, durante um conflito com a máfia chinesa. O que aparentemente despertou a raiva da multidão (!) a ponto de torturar, mutilar e enforcar cerca de vinte pobres miseráveis chineses pegos ao acaso.

As justificativas já não se sustentavam e, se adicionarmos ainda que, após um julgamento ridículo, apenas oito pessoas foram identificadas como culpadas do massacre, inicialmente acusadas de "homicídio culposo" e então completamente absolvidas — embora testemunhas tenham indicado elas e trinta outros sujeitos como responsáveis pelo ocorrido —, fica claro que algo estava errado.

Comecemos dizendo que o massacre não foi um evento repentino, mas sim que alguns fatos anteriores contribuíram para alimentar as tensões e o ódio entre norte-americanos e chineses. Reuni muitas informações do livro The Chinatown War, que recomendo que você leia.

Poucos dias antes, o chefe de um dos vários clãs da máfia chinesa, um certo Yo Hing, havia organizado o sequestro, motivado por dinheiro, de uma das poucas mulheres casadas em Chinatown. Chamava-se Yut Ho e diziam ser belíssima.

Isso foi possível, porque Yo Hing tinha estreitas relações financeiras com as administrações locais, principalmente os xerifes e os oficiais da lei, que não apenas fechavam os olhos aos crimes, como também recebiam uma grande porcentagem dos lucros.

É claro que a facção rival, representada pelo chefe e comerciante de tecidos Sam Yuen, não engoliu o insulto, que minava seu poder local. Com a ajuda de outras autoridades norte-americanas, Yuen conseguiu desembarcar em São Francisco uma gangue de guerreiros Tong recém-chegada da China e armada até os dentes.

Na noite de 23 de outubro, o esquadrão de assassinos liderado por Ah Choy, irmão da mulher sequestrada, iniciou um tiroteio contra Yuen. Sam Yuen saiu ileso, mas Choy foi mortalmente ferido e abandonado em agonia em um dos becos de Chinatown. Apesar de ter ordenado o sequestro com forte apoio da polícia local, Yo Hing denunciou Yuen como o mandante da tentativa de assassinato e o mandou para a prisão. Foi estabelecida uma fiança no valor de dois mil dólares, uma quantia anormal para a época, especialmente para um chinês. A intenção era fazer seu rival apodrecer na prisão pelo tempo necessário para engordar os bolsos de juízes e advogados, condená-lo à morte e apropriar-se de seu território. Mas Yuen percebeu o esquema e alegou ser capaz de pagar a imensa quantia. Ele foi à sua casa acompanhado pela polícia, que descobriu que o dinheiro estava escondido no tronco de uma árvore, onde havia muito mais que o valor da fiança! Uma enorme riqueza resultante do tráfico clandestino, que atraiu não só os oficiais da lei.

Um dos agentes presentes naquela manhã de 24 de outubro de 1874 era um certo Jesus (!) Bilderrain, um policial de reputação macabra conhecido por ser ganancioso, ladrão e profundamente racista. Houve também várias queixas contra ele por crimes de roubo, principalmente de galos de briga. Ele também era um apostador inveterado e, junto com seu irmão Ygnacio, controlou e organizou os famosos blocos eleitorais contra a comunidade latina de Los Angeles em nome do Partido Democrata por anos, evitando assim que a minoria étnica votasse.


No entanto, esse sujeito foi visto como um exemplo de excelência. Jesus foi reverenciado como um herói pelos juízes e pela imprensa quando a investigação sobre o massacre teve início e suas palavras passaram a valer como ouro.


Ao contrário do que se acredita, na China, o ópio não era utilizado com as mesmas finalidades patológicas e viciantes como no Ocidente, mas sim para fins terapêuticos e religiosos. Foi apenas depois da queda do império Qing e das guerras anglo-chinesas de 1830 a 40 que a substância foi deliberadamente distribuída pela própria Inglaterra em grandes quantidades entre a população chinesa, a fim de aumentar seu monopólio e converter a maior parte das safras agrícolas necessárias em plantações de ópio, adequadas para exportação em todo o mundo. A China tentou conter a propagação, mas sem sucesso. Após as migrações para a América, o mau hábito e os tráficos a ele associados desembarcaram no Novo Continente administrados, de comum acordo, tanto pela máfia chinesa quanto pelo próprio governo dos Estados Unidos. Na foto, um salão de ópio chinês clássico de 1890. ia...

Bilderrain afirmou que, na noite de 24 de outubro, havia ido ao Negro Alley com outros homens, porque haviam sido atraídos por alguns tiros. Entrou em um beco, foi ferido e pediu a ajuda do agente Thompson, que foi morto por tiros disparados pelo próprio Yuen. O assassinato a sangue frio parece ter então incitado a multidão, que se organizou em pouco tempo e invadiu a área, levando ao massacre. Embora atroz, todo o episódio foi tratado como uma loucura generalizada causada por uma rixa contra os chineses, que aparentemente afundavam a cidade na fome e no vício, enquanto obtinham quantias fabulosas de dinheiro. Foi inclusive desenterrada a história de que os chineses estavam coletando essas somas em nome de um mandarim que tinha a ambição de tornar-se governador da Califórnia. Uma farsa que remonta à corrida do ouro, mas que foi considerada verdadeira por alguns livros da época e que infelizmente já havia sido usada como argumento para as famosas Leis Raciais, que determinavam que “nenhum chinês poderia testemunhar em julgamento contra um branco" .

Embora o massacre tenha ocorrido praticamente diante dos olhos de todo o mundo, graças também aos relatórios implacáveis escritos em tempo real por H.M. Mitchell, repórter do Star, o julgamento terminou rapidamente, absolvendo a cidade como "vítima do horrendo comércio chinês e do clima de violência de sua máfia". Não há dúvida de que poderes políticos influentes levaram ao arquivamento do caso, os mesmos que mais tarde usaram a memória do massacre para fazer cumprir a infame "Lei de Exclusão Chinesa", de 1882.

A verdade dos fatos, como sempre, é muito mais amarga e até banal. Na origem do massacre, que feriu profundamente a alma estreita e racista dos falsos moralistas da época, há ganância e roubo.


As autoridades estadunidenses, principalmente a polícia local, sempre mantiveram relações íntimas com a máfia chinesa. Detinham o controle exclusivo não apenas sobre o ópio e especiarias, mas, acima de tudo, sobre o comércio — oficial ou clandestino — de mão de obra e produtos chineses que eram importados para os Estados Unidos a baixíssimo custo. O que afetava negativamente os preços dos produtos nacionais, que, portanto, despencavam. Além disso, os grandes empreendimentos, como as ferrovias, que recebiam enormes subsídios do Estado, costumavam recorrer a trabalhadores chineses, preferindo-os aos americanos e europeus, porque custavam menos e trabalhavam em dobro. Durante a era dos primeiros sindicatos, os chineses foram usados como “fura-greves” pelos próprios empresários para vetar as reivindicações da classe trabalhadora. Tudo isso inflamou enormemente a opinião pública, que passou a ver os chineses como perigosos e inclinados à prática de concorrência desleal. A foto mostra a parte de trás de uma clássica loja de especiarias em Chinatown, na década de 1880. alia...

O escândalo que se seguiu à tragédia evidenciou o quão pobre e cruel era a alma dos protagonistas. Graças às inúmeras investigações e depoimentos de sobreviventes, sobretudo do próprio Hing, que colocou nas ruas provas documentais do conluio e de “favores” entre ele, a máfia e a polícia local. Em seguida, toda a documentação e as peças processuais foram arquivadas e todo a matança foi varrida para debaixo do tapete. Elas só tornariam a aparecer muitos anos depois, graças às pesquisas exaustivas dos historiadores e às conjunções favoráveis, que veem a China hoje como a grande potência econômica do futuro.

Para além de qualquer consideração possível, o interesse principal deste livro é informar e ajudar a tornar conhecidos os grandes acontecimentos do passado, ligados à velha América do Norte e sua relação primitiva com a comunidade chinesa. Portanto, direi apenas como as coisas realmente aconteceram naquela noite de 24 de outubro de 1882 em Chinatown.


Bilderrain e seus companheiros foram ao Negro Alley naquela noite para roubar o ouro de Yuen, um "favor" pedido pelo próprio Hing a fim de acertar as contas com o canalha do Yuen. A aliança e proteção de Hing, no entanto, não foram suficientes para salvar Bilderrain dos tiros dos capangas de Yuen que guardavam o beco. É preciso dizer que Bilderrain não era um xerife oficial, mas um dos muitos vigilantes autorizados pela própria polícia a "manter a ordem" no gueto. Por isso, as autoridades fechavam os olhos para os acordos privados entre os vigilantes e a máfia chinesa. Mais ainda quando tratavam-se de promover o tráfico clandestino ou assassinatos privados. Por outro lado, a polícia recebia grande parte dos lucros e controlava todos os eventos programados, graças a uma densa rede de informantes. Sendo assim, a polícia também havia sido informada das intenções dos vigilantes naquela noite. Sua única tarefa era observar, deixar acontecer e, se necessário, liberar o local de quaisquer obstáculos. O próprio marechal Frances Baker, chefe da polícia de Los Angeles, tinha acordos pessoais com a máfia. Sua especialidade era a recuperação de escravas chinesas que, às vezes, conseguiam escapar e tentavam embarcar clandestinamente rumo à Europa. As recompensas pelo ato heroico de resgate das mulheres pobres, legalmente acusadas de furto, eram muito altas. Assim, a ganância amarrou com um nó duplo a polícia a uma ou outra das gangues rivais, geralmente a que pagasse mais.

Com base nas declarações subsequentes de Yuen, que havia escapado do massacre, Bilderrain estava mesmo na companhia de Hing naquela noite e, por causa disso, abriram fogo contra ele. Em retrospecto, há de se acreditar nele. As duas facções da máfia viram-se então diante de um acerto de contas e a única tarefa da polícia era permanecer neutra.

Para isso, foram postos à espreita dois velhos conhecidos de Los Angeles. Policiais heroicos que já haviam se destacado em ações perigosas durante os distúrbios mexicanos, como a captura e o assassinato do bandido Tiburcio Vásquez. Chamavam-se Emil Harris e George Garde. A tarefa deles era ficar à vista sem se intrometer, aconteça o que acontecesse. Diante da multidão enfurecida, não só não levantaram um dedo, como ameaçaram aqueles que tentaram fazer algo para impedir os linchamentos, conforme testemunhos confiáveis. No entanto, eles nunca sentaram no banco de réus e mais tarde foram promovidos aos cargos mais altos da polícia.

Sabe-se que Thompson foi morto a tiros quase imediatamente. Um evento frequente e nada surpreendente em Chinatown, onde, na semana anterior ao massacre, foram registradas 44 vítimas nos becos, incluindo quatro policiais. Robert Thompson não era nenhum santo. Pelo contrário, a maioria o conhecia como um tratante, vigarista e agiota, bem como o dono do infame salão Blue Wings, cujo imperativo era sexo e drogas. Então O QUÊ desencadeou a ira de 500 pessoas naquela noite? Uma loucura que permitiu ao povo torturar, matar e mutilar a sangue frio dezenove pobres chineses capturados aleatoriamente, além de saquear, demolir e queimar grande parte do Negro Alley diante dos olhos da polícia e da cidade de Los Angeles? O que é surpreendente naquela noite não é apenas o eco de um homicídio cometido à luz do dia, mas também a extrema velocidade com que a multidão se organizou e como um só homem invadiu o bairro e a dividiu em grupos, cada um com uma tarefa específica. Saltou imediatamente aos olhos do mundo o fato de o massacre ter sido um evento premeditado em que várias figuras ilustres da cidade, bem como políticos proeminentes, haviam admitido por conta própria estarem envolvidos. Vamos a alguns nomes. A começar por H.M. Mitchell, repórter do Star, antigo xerife do condado e que depois se juntou à riquíssima família Glassel. Em suma, diz-se que ele havia se tornado líder do Partido Democrata também graças ao seu artigo sobre o massacre, o qual justificava ressaltando que a cidade era "vítima dos chineses e da ilegalidade".

E o que dizer do rico comerciante J.H. Weldon? Que logo após o episódio, foi beber em um bar local com a camisa ensanguentada e gritando de alegria: "Tô feliz! Esta noite matei três chineses”! Harris Newmark, um dos maiores e mais afortunados empresários de Los Angeles, confessou abertamente que viu Thompson no chão e foi para casa festejar. O QUÊ, ninguém sabe. Porém, o empresário não parecia alheio aos fatos. Principalmente quando foi descoberto durante o julgamento que ele tinha relações próximas com os policiais Celis e Kerren, por sua vez suspeitos de terem atirado em Thompson ou o jogado no beco onde sabia-se que os mafiosos estavam escondidos. E o que pensar do chefe de polícia Francis Baker? Afirmou no julgamento que em todo aquele alvoroço de gritos, torturas e incêndios, "naquela noite, depois de ter rodeado o edifício Coronel, onde os mafiosos haviam se refugiado, foi se deitar", deixando a cidade à mercê da multidão.


Uma imagem rara do massacre de Chinatown. As vítimas oficiais dos linchamentos foram dezenove, mas toda a área foi saqueada e queimada e muitos ficaram feridos. a...

A verdade dos fatos, os documentos processuais e toda a documentação de um julgamento simulado que mostrou a alma podre de uma cidade inteira só vieram à tona graças ao árduo trabalho de John Johnson Jr., que, 140 anos após o massacre, conseguiu obter acesso à famosa biblioteca de Hungtington.

Os dados mostram inequivocamente que a política, as instituições e os interesses privados estiveram na origem não só do massacre, mas também da crise econômica, do clima de desespero generalizado e do caos total no qual a Califórnia, e sobretudo a cidade de Los Angeles, havia mergulhado. Baseando-se em um substrato de racismo constitucional que privou os chineses de qualquer direito humano e de uma dimensão jurídica, foi fácil identificá-los como inimigos da comunidade e, consequentemente, manipular a opinião pública.

Yellow Peril: Aquela Horrível Cara Amarela

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