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Capítulo Um

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SUMMERFIELD, 1817

Um grito abafado fez o capitão James Harlow acordar de um salto. Quando se levantou, caiu da cadeira e soltou uma imprecação enquanto a cabeça se encontrava com a madeira maciça e a dor ricocheteava por sua coluna. Ele tinha caído no sono na mesa do escritório, o mapa que tinha aberto em sua frente agora estava pendurado precariamente na lateral do móvel. Sua lamparina de preferência, retirada no navio, enviava sombras em todas as direções enquanto a chama minúscula lambia e dançava como uma fada presa atrás do vidro. Ele tinha ouvido um grito, ou aquilo teria sido um sonho?

Levantando-se, ele apenas ouviu o barulho do vento chicoteando as árvores. Todo o seu corpo doía, mas ele não ficaria à vontade até que verificasse como estava a mansão do pai. Talvez um criado insone tenha derrubado uma bandeja ou visto um rato. Não que aquilo acontecesse com frequência. Seus nervos estavam tensos, e não por ele ter sido acordado dessa forma. Algo estava estranho, mas ele não podia dizer o quê. Tinha adquirido meio que um sexto sentido para o perigo iminente durante suas expedições no mar, e algo ali representava uma ameaça.

Uma tábua rangeu ali perto. Ele olhou para a porta esperando que o valete, Rollins, atravessasse-a, mesmo sabendo que aquela era uma hora estranha para o homem estar por ali. A normalidade aliviaria um pouco da tensão. Ainda assim, ninguém bateu na porta ou entrou. Respirando fundo, James voltou para a mesa e levou a mão ao esconderijo em que guardava a pistola, então, com a arma em riste, ele se aproximou da porta para investigar. Enquanto abria a porta lentamente e ia para o corredor, a camisa branca, solta e desarrumada ondulava em seu rastro. Uma porta ou uma janela deve ter ficado aberta, ou ter sido arrombada.

Se ao menos tivesse visto a sombra tão perto dele antes que outro ranger delatasse a posição do invasor. Acontece que ele notou ambos ao mesmo tempo. James girou, mirou, mas era tarde demais. Talvez devesse ter previsto o invasor lhe dando a coronhada na testa, mas talvez não. O último pensamento antes de apagar foi que desejava ter feito mais da vida. Que tivesse sido um homem melhor.

Não deixara nada como legado.


A ÁGUA GÉLIDA BATEU no seu rosto algum tempo depois e ele arquejou, engolindo líquido e engasgando. Tentou mover os braços para nadar, mas estava preso e amarrado a… uma árvore? James engasgou, tossiu, piscou e tentou reconhecer o entorno. Ele não estava se afogando no mar, mas na floresta, provavelmente na sua própria propriedade, e sendo despertado diante do agressor que era… um rapaz. Bem, não um menino, mas ele estava muito perto da infância. Não devia ter mais que dezessete anos, se muito.

– Quem diabos é você? – À medida que o aturdimento desaparecia, a irritação foi preenchendo o espaço. James franziu o cenho para o rapaz com a inquietante impressão de que já o vira antes, em algum lugar. Mas não conseguia se lembrar de onde.

O diabrete, que vestia roupas escuras e mal-arranjadas, cruzou os braços e sorriu em triunfo. À luz da lua, o cabelo era um desordenado de ondas cor de areia que ia até a altura dos ombros. Um menino de rua, provavelmente, e com certeza era o líder dos outros. Atrás dele devia haver uns dez homens de pé, igualmente jovens e desmantelados. O que estava no comando segurava um balde vazio, o que fazia sentido, já que a água que lá estivera encharcou James até os ossos.

– Seus criados estão amarrados e presos em seus quartos – o diabrete disse, jogando o balde para o lado. – É de se pensar que um pirata como você tomaria melhores precauções na própria casa, seu velhote.

Velhote? Velho? Ele só tinha trinta anos. Estava na flor da idade!

– Perdoe-me, menino – ele faltou pouco rosnar a resposta. Lutou com as amarras que o prendiam, mas elas não cederam. – Por que um grupo de crianças está invadindo casas na calada da noite, assediando criados desafortunados? Já não passou da hora de dormir?

O delinquente riu.

– Tenho dezessete anos – ele disse, confirmando a suposição de James. – Dificilmente um menino. Você não está me reconhecendo mesmo? – Ele se aproximou e olhou para James. Encolhendo os ombros, ele começou a andar para lá e para cá na frente dele, como um animal enjaulado. – Eu reconheci você. Depois que eu o vi, é claro, e você caiu feito um patinho. Imagine a minha surpresa ao saber que um respeitável membro da ton estava envolvido com o contrabando de brandy vindo do continente?

James suspirou. As cartas foram postas na mesa. Ele tinha sido descoberto. Agora, ou ele seria chantageado ou denunciado. A tripulação não estava envolvida em pirataria direta, mas contrabando ainda era ilegal e com certeza causaria um escândalo o qual sua família não poderia evitar. Sendo o terceiro filho do visconde Summerfield, ele poderia não ter título próprio, mas aquilo não o fazia menos parte da nobreza, infelizmente. As línguas cantariam quando ele fosse denunciado, e por um jovem desajeitado ainda por cima.

Como ele tinha descoberto? Se o diabrete planejou invadir a sua casa, não devia saber o local onde ele morava? Alguma coisa não encaixava. O máximo que James podia fazer era negar seu envolvimento em tais atividades e esperar pelo melhor.

– Você não vai tentar adivinhar?

– Adivinhar o que, exatamente? – James disse entredentes, perplexo. Era como se o garoto vivesse em seu próprio mundo de fantasia e esperava que todo mundo o acompanhasse. Oh, certo. Ele estava ofendido por James não saber quem ele era. – Seu nome? Eu não me importo.

O rapaz desembainhou uma adaga longa e afiada e a apontou para ele. James não ficou impressionado nem mesmo quando o menino falou:

– Mostre um pouco mais de respeito, e talvez você viva.

Esse… menino… ia matá-lo a sangue frio? James sempre tinha pensado que fosse uma pessoa paciente. Se o calor da raiva substituísse o frio da roupa molhada que estava grudada em seu corpo, aquela paciência se transformaria, muito rapidamente, em ira. Cansou de fingir ignorância sobre a sua parte no contrabando. Olhando feio para o resto dos meninos, que não faziam nada além de se agitar e evitar contato visual, ele voltou o foco para o delinquente-chefe.

– O que você quer, menino? Dinheiro? Uma parte do brandy?

O rapaz deu um sorriso largo, como um gato que tinha acabado de encurralar um rato bem gordo.

– Estamos nos amotinando. Sua fortuna é nossa agora. Eu sou o seu dono.

James revirou os olhos. Ele não pode estar falando sério.

– Um motim acontece quando a tripulação rebelde de um navio destitui o capitão. Vocês não são da minha tripulação, e nem sequer estamos em um maldito navio.

– Semântica – O rapaz bateu com a ponta da lâmina no queixo liso como o de um bebê. – Permita-me fazer as honras, já que você foi lento demais para compreender. Peter Paxton, conde de Underwood. Você precisa muito prestar mais atenção na Sociedade, mas eu acho que seja difícil com você sendo um criminoso experiente e tudo mais, escondendo-se no campo, na propriedade do pai, quando já conseguiu mais que o suficiente para viver com os ganhos dos próprios crimes.

O menino tinha um talento genuíno para irritá-lo. Espere um segundo… Paxton… Underwood… o pai dele era o marquês de Huntington. James lembrava vagamente do homem, e ele deve ter conhecido Paxton quando o menino era muito mais novo, e devia ser por isso que ele lhe parecia familiar. Mas isso não explicava por que ele deveria lembrar do rapaz. Não havia razão para tal coisa.

– Nós decidimos, meus meninos e eu – ele disse enquanto gesticulava com a adaga —, que queremos assumir o controle sobre você. Encontramos informações sobre a localização de um contrabandista e ela levou até você. Agora, você pode assinar os documentos entregando o navio e nós libertaremos seus criados e diremos a eles como encontrá-lo, ou poderemos matá-lo e tomar o navio.

Um músculo se contraiu debaixo do olho direito de James. Alguém o delatara, mas lidaria com isso mais tarde. Aquelas cordas estavam muito bem atadas para o seu gosto, e ele precisava afrouxá-las. Não que fosse dado a bater em crianças, mas se o rapazote continuasse brandindo aquela lâmina em sua direção, bateria nele, isso se ele estivesse podendo usar as mãos ou as pernas. Não seria muito exigente.

– Está disposto a matar por um navio que você poderia ter simplesmente roubado em vez de viajar até Summerfield para fazer um enorme estardalhaço por causa de legalidades… antes de voltar para Londres e tomá-lo do mesmo jeito? – Ele bateu a cabeça na árvore e riu. – Eu não posso assinar nada estando amarrado, se você me desamarrar, retribuirei dez vezes as boas-vindas. – Ele olhou dentro dos olhos de Underwood. – Prometo.

Underwood deu de ombros.

Mas uma coisa ainda o incomodava.

– Você não sabia mesmo a casa de quem estava invadindo, e ainda assim conseguiu encontrar a localização sem procurar por mais informações?

Ele deu de ombros.

– Pareceu-me uma boa ideia quando a tive.

James fez um som de desgosto que veio do fundo da garganta. Essas crianças estavam brincando com coisas que não entendiam ou com as quais não se importavam.

– Você está mesmo disposto a macular a sua alma com o mal por causa… de um navio e pelo pensamento de que o contrabando é uma forma digna de passar vida?

– É bom o bastante para você.

James abriu a boca para continuar argumentando, mas a fechou. Ele era o terceiro na linha de sucessão para um título pouco importante e que vinha sendo usado pelos homens da família da mesma forma que as mulheres usavam as joias das mães que passavam de geração em geração. Ele tinha comprado uma posição na marinha, a única vez que já usou o nome e a fortuna da família para conseguir algo sem lutar por aquilo. Entretanto, as guerras tinham estourado e, para seu desalento, ele nunca tinha sido enviado para a batalha. Ele queria participar, mas a Marinha Real não precisou dele mais do que o seu pai tinha precisado quando ele foi gerado como um segundo sobressalente. Não tinha mais nada a fazer com o próprio tempo, e foi assim que ele acabou envolvido com o contrabando e construindo a própria fortuna. Desencorajado pela vida, ele queria um pouco de aventura e perigo; mas até aquilo foi perdendo o encanto.

– Não tem nada a dizer? – Underwood falou arrastado. – É claro, se você se libertar, você estaria em minhas mãos. Agora que descobri a sua identidade, e que tomarei o seu navio, eu estaria inclinado a deixar o passado para trás se você estiver disposto a convencer o seu pai de que eu seja o melhor pretendente para a sua irmã.

E por fim, toda a razão por trás daquela farsa estava vindo à luz. James latiu uma risada, e Underwood olhou feio para ele.

– Você nem ao menos sabia qual homem iria atacar esta noite, e agora acha que vou juntar a minha única irmã com uma criança que anseia roubar o meu navio e me chantagear? Você só pode estar delirando. – Os malditos nós se recusavam a afrouxar. A pele já estava ficando em carne viva. Se não pudesse irritar o molecote até que ele o soltasse, estaria perdido.

O diabrete investiu, indo para frente, olhando feio para ele. Ele espetou o peito de James levemente com a ponta do punhal.

– Eu vou ter Wendelin como minha noiva, não se engane quanto a isso. Foi uma feliz coincidência que o meu alvo desta noite tenha sido você.

– Só por cima do meu cadáver.

O sorriso no rosto do rapaz ficou ainda mais sinistro.

– Será um prazer.

Underwood fez sinal para os meninos que rodeavam James, cada um o atingiu com um bom soco no rosto ou no estômago até que ele ficou sem fôlego e com o corpo todo latejando. Quando eles finalmente o desamarraram, ele tombou, respirando com dificuldade. Não era assim que deveria ser a minha fuga. Em algum momento, ele voltou a perder a consciência, provavelmente devido ao primeiro golpe na cabeça e por ter sido atingido repetidamente enquanto caía no chão.


ELE ESTAVA EM UM ESQUIFE com Underwood e dois de seus capangas. A praia nos limites de Summerfield mal era visível. Bom Deus, eles iam jogá-lo no mar para que ele se afogasse? Lutou para ficar consciente. As mãos estavam amarradas mais uma vez. Malditas cordas!

Underwood usou a adaga para cortar as amarras de James. A lâmina era afiada, e ele não teve dificuldade para partir a corda grossa com um único movimento. Antes que James pudesse reagir, os capangas o pegaram pelos braços e o seguraram. Estremeceu, com certeza um ou duas costelas tinham sido quebradas. Ele lutou para respirar nesta nova posição.

– Segure o braço esquerdo dele.

Então, Underwood se ajoelhou ao seu lado e ergueu a adaga com ambos os braços bem acima da cabeça enquanto a manga da camisa de James era puxada para trás para mostrar a pele, a mão estava firmemente presa na borda do esquife.

Foi então que percebeu, e seus olhos se arregalaram. Ele tentou se soltar dos capangas, mas as costelas estavam gritando de dor e ele estava enfraquecido por ter sido levado à inconsciência por duas vezes em muito pouco tempo. James devia estar com uma concussão.

Ele não poderia fazer aquilo, poderia? Underwood era pouco mais que uma criança. Um nobre mimado. Por que ele…

A lâmina fez um corte limpo, trespassando o osso em um único golpe. James não sentiu dor até que percebeu o que tinha se passado bem diante de seus olhos. Enquanto o sangue começava a jorrar e sua mão se separava do seu pulso no mar do Norte, flutuando por um momento antes de ser engolida pelas ondas, ele abafou um grito, não querendo dar aquela satisfação a ninguém.

Mas Underwood ainda não tinha acabado.

– Vamos chamar isso de jogo das possibilidades, capitão Harlow. Se você conseguir chegar vivo à praia, fará os arranjos para que sua irmã me aceite. Se não conseguir, bem, você estará morto e eu terei encontrado os documentos que precisamos em seu escritório, e eu estarei lá para consolar a pobre Wendelin quando ela for ao seu funeral. – Ele se virou para um rapaz alto que estava à sua direita, e que tinha mantido a cabeça baixada, recusando-se a olhar diretamente para James. – Cauterize a ferida. Não vai parecer com um jogo se ele sangrar no momento em que cair na água.

A agonia e a confusão o entorpeceram enquanto os jovens se movimentavam para aquecer a lâmina na vela da lanterna do barco para que pudessem selar o seu ferimento. O que ele tinha feito de tão terrível na vida para terminar assim? Contrabando era ilegal, mas ninguém jamais tinha se machucado sob a sua responsabilidade. Eles tinham um canhão a bordo do navio, o qual nunca tinha usado. Além do mais, Wendelin sabia que esse conde louco estava interessado nela? Bom Deus, que horrores Underwood faria sua irmã passar se ele conseguisse o que queria? O calor da lâmina queimando carne e tendão o tirou de seu torpor.

Ele tinha que lutar. Tinha que sobreviver. Pelo bem da irmã, James ficaria vivo e veria Underwood morto antes de permitir que a irmã ficasse um momento sequer com ele.

Os homens o atiraram pela amurada do esquife. No momento que a água salgada bateu em seus ferimentos, ele finalmente se permitiu gritar. Mas o som foi perdido nas profundezas da água.

Lute. Nade!

A camisa flutuava ao seu redor, uma pálida mortalha, enquanto ele se afundava naquele abismo acolhedor.

Seduzindo A Sereia

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