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Prólogo

Tessalónica, 1912

Mais de meia hora à espera neste calor sufocante — rosnou o diretor do museu enquanto mantinha o relógio de bolso no colete — Quando é que o barqueiro vai aparecer?

Ele continuou a andar às voltas para cima e para baixo enquanto a névoa do amanhecer não permitia ver nem um metro de distância; apenas o leve ruído de algum pássaro alterou o profundo silêncio.

— Penso que não deve demorar muito — respondi enquanto folheava o pergaminho mais uma vez.

— Achas que vamos encontrar o lugar exato com esta névoa? — Acrescentou o velho.

Kalisteras pareceu morder o lábio; estava a começar a ficar cansado das queixas do velho.

— Assim que os primeiros raios de sol nascerem, a névoa começará a dissipar-se e o lago ficará visível.

— Tens a certeza?

— Eu já percorri este caminho muitas vezes — ele respondeu presunçosamente.

O diretor olhou-o de cima a baixo, não suportava os presunçosos.

— Espero que estejas certo — eu disse a olhar nos olhos dele. — É preciso estar um dia claro e nítido para poder interpretar este mapa.

— Enquanto não for uma cópia grosseira feita por alguns manuacenses nos séculos seguintes, — acrescentou o diretor com um meio sorriso.

— Então a nossa jornada à Salónica terá sido em vão. — Respondi ironicamente. — Nunca faço uma investigação sem provas suficientes. Este pergaminho é do século IV.

— Eu sei amigo. Por isso é que decidi sair da minha biblioteca. Ainda assim tenho as minhas dúvidas — ele suspirou suavemente.

Imediatamente a figura do barqueiro apareceu na neblina sem que estivéssemos conscientes da sua presença. Ele cumprimentou Kalisteas e acenou para entrarmos no barco.

— Eles já pensavam que você não vinha, — Kalisteas o repreendeu. — Os meus amigos estavam a começar a ficar nervosos.

O barqueiro olhou para ele; não parecia gostar de receber ordens.

— Com este nevoeiro, até para mim, é difícil navegar, — respondeu ele.

Kalisteas olhou para ele surpreendido.

— Vamos lá, — ele acrescentou sem rodeios. — Levaremos o dobro do tempo para chegar ao nosso destino nestas condições.

O barqueiro, com um joelho na madeira lascada, começou a brandir o seu longo remo de cima para baixo, enquanto nós estávamos sentados à sua frente, tentando decifrar algo naquela manhã quente em que a água parecia uma jangada de azeite e somente o som dos pássaros quebrava o inquebrável silêncio do amanhecer.

Os primeiros raios de sol finalmente começaram a aparecer, penetrando nas nuvens e diminuindo a névoa que começou a deixar-nos ver uma manhã esplêndida naquele vasto pantanal.

A gruta para a qual estávamos a ir, que à distância parecia um simples buraco, também começou a tornar-se mais visível quando nos aproximámos.

— O nível da água não baixou o suficiente! — Gritou Kalisteas, apontando com a mão. — Meia caverna ainda está inundada!

Apenas o topo estava seco. A água alcançou até três quartos da gruta.

— O pergaminho garante que este é o único mês do ano em que o nível da água torna a caverna visível, — respondi.

— No mês passado choveu muito. Portanto, o nível da água está mais alto do que o normal.

— E agora? — O diretor rosnou novamente.

— Toca a nadar, amigo, — Kalisteas anunciou com um sorriso irónico. A situação parecia diverti-lo.

O barqueiro deixou-nos bem à entrada do buraco, então só tivemos que pular para a água e nadar uma curta distância dentro da caverna até chegarmos a uma borda rochosa ao fundo dela.

— Pagaste ao barqueiro? — Perguntou o grego quando chegamos à costa.

— Não tivemos tempo. Pulámos rapidamente para a água.

Kalisteas abanou a cabeça várias vezes.

— Pagaremos no regresso — respondi.

— Ele esperava o pagamento agora. Quem garante que voltaremos? — Ele acrescentou com raiva e começou a caminhar em direção a um pequeno túnel à sua esquerda.

— Porque é que ele está furioso? — O professor sussurrou ao meu ouvido alguns metros depois, quando o grego se afastou um pouco.

— Dá azar não pagar a portagem — respondi, virando a cabeça. — Os gregos são muito supersticiosos.

Kalisteas levou-nos por um corredor estreito que serpenteava da esquerda para a direita quando começámos a descer e o calor ficou ainda mais sufocante. Chegámos a uma encruzilhada onde dois túneis bloqueavam o caminho e uma pequena cavidade continuava a descer.

— Guiei-vos até onde sei, — disse Kalisteas em voz baixa. — Agora é a vossa vez.

Analisamos cuidadosamente aquela encruzilhada, até que o professor reconheceu umas inscrições gravadas no fundo da rocha num dos túneis e virou-se para nós com um sorriso triunfante no rosto.

— É esta a marca que procuramos, — anunciou. — Não tenho dúvidas.

Continuámos por uma passagem estreita, iluminando com lâmpadas de querosene enquanto ouvíamos o bater de morcegos atrás de nós, até que o caminho parou de repente.

Depois de iluminar trezentos e sessenta graus, vimos como à nossa esquerda havia uma abertura estreita pela qual quase ninguém podia passar.

— A entrada secreta, — anunciou o professor.

Kalisteas curvou-se e entrou na passagem, enquanto o seguíamos.

O túnel continuava em linha reta enquanto nós rastejávamos agachados para que as cabeças não tocassem no teto. As nossas pernas começaram a ficar dormentes até que finalmente chegamos ao pé de uma escada de pedra em espiral, que descemos cuidadosamente.

Ao chegar ao fundo, o professor estava ofegante.

— Estás bem?

— Claro. Não te preocupes comigo. Sou um velho viciado em livros e não estou acostumado a fazer esforços, mas não vou desistir.

Kalisteas finalmente sorriu, parecia ver um espírito aventureiro no professor curvado.

— Acho que chegamos ao fim do nosso caminho, — anunciou o grego enquanto apontava para a frente.

Diante dos nossos olhos havia uma lagoa escura subterrânea que impedia a nossa passagem. Quando nos aproximámos da costa, havia um pequeno altar que parecia pouco visível da nossa posição no fim da gruta.

— Só há duas opções, — exclamei, virando-me para os meus companheiros. — Atravessar a lagoa ou voltar e tentar outro túnel.

— Há algo nesta caverna que não me agrada — disse o professor. — Há muito silêncio.

Começamos a inspecionar a costa, era apenas um pedacinho de terra, cercado por um imenso muro de pedra com cerca de dez metros de altura que atravessava a lagoa da esquerda para a direita.

— A outra margem não parece tão longe, — disse Kalisteas. — Sou um bom nadador. Acho que poderia atravessar sem nenhum problema.

— Não há vestígios de presença humana nesta caverna. É como se ninguém tivesse aqui estado há centenas de anos — acrescentou o professor.

Nós dois o encaramos como se ele tivesse lido os nossos pensamentos. O grego começou a tirar a roupa e preparou-se para entrar na água.

— Tens a certeza que consegues nadar até lá?

Ele sorriu com um aceno de cabeça.

Ele entrou na água e começou a remar enquanto tremia e a névoa saía-lhe pela boca. Ele estava a nadar há pouco tempo quando ouvimos um respingo na água e uma pequena onda se formou a poucos metros de onde ele estava.

— Olha para aquilo, — disse o professor.

— Nada até à costa o mais rápido que puderes! — Gritei para ele instantaneamente. — Há algo na água!

Kalisteas olhou para a esquerda e viu-o aproximar-se a alta velocidade.

— Ilumine para ali, professor! — Eu disse enquanto tirava o meu revólver da mochila e começava a atirar naquela direção.

O som dos tiros pareceu assustar a criatura do lago e Kalisteas conseguiu alcançar a costa são e salvo.

— Agora já sabemos porque é que ninguém atravessa esta lagoa há anos, — disse o grego, tentando secar-se e voltar a vestir-se.

— E agora? — Observou o professor.

— Não faço a mínima ideia — respondi, olhando para aquela caverna sinistra mais uma vez.

Passámos algum tempo a examinar cada canto tentando encontrar uma solução. A princípio, pensámos que a melhor ideia era regressar e voltar noutro dia com o equipamento certo, mas estávamos longe da cidade mais próxima e a entrada da caverna ficaria submersa novamente em alguns dias, por isso teríamos que esperar um ano inteiro para tentar novamente.

Exaustos, sentámo-nos num conjunto de pedras na beira da água. Apesar da escuridão, as tochas que tínhamos colocado na costa refletiam-se nas águas da lagoa, desenhando um céu estrelado sobre a abóbada da caverna.

Foi essa visão que me fez lembrar de quando, há anos atrás, me levantei antes do amanhecer para empreender a árdua subida dos picos alpinos durante as minhas férias na Suíça.

— Quanta corda trouxeste? — Perguntei a Kalisteas, levantando-me do assento como uma mola.

— A quantidade que pediste. Tem vários metros.

— Vês a parede que atravessa a gruta da esquerda para a direita? — Eu falei, apontando para ela — Começa nesta ponta e vai dar ao pequeno altar. Se eu conseguir passar, não preciso molhar um dedo.

— Enlouqueceste? — O professor repreendeu-me como se estivesse a ensinar na sua sala de aula em Oxford.

— Eu consigo atravessar aquela parede de uma ponta à outra. — Vejam — apontei — a humidade formou inúmeras cavidades na rocha. Pode ser escalada sem grandes problemas. Só espero ter metros de corda suficientes.

— É muito arriscado — acrescentou Kalisteas. Foi a primeira vez que notei o medo nos seus olhos.

— Não vim até aqui para dar meia-volta quando estamos prestes a fazer a maior descoberta da história — respondi com raiva.

Ambos olharam para baixo e não abriram a boca.

Preparamos todo o equipamento necessário e, após pensar pela última vez, iniciei a subida. O primeiro trecho era fácil, a altura não era excessiva, podia ficar uns seis metros acima do nível da lagoa, alto o suficiente para que nada me pudesse atacar da água.

Eu cravava pregos na rocha enquanto amarrava a corda neles e passava ao redor da cintura para evitar qualquer queda. Avancei assim ao longo da parede em direção à outra margem, dando um passo atrás do outro com muito cuidado, aproveitando os buracos naturais que a humidade formou ao longo dos anos.

Quando cheguei à mediação, começava a sentir-me exausto. Olhei para baixo uma vez e pensei ter visto a água a agitar-se suavemente no centro da lagoa.

Depois de quase meia hora eu estava exausto, embora a proximidade do altar me desse forças para continuar. O maior incómodo veio um momento depois, porque a corda estourou quando faltavam apenas alguns metros para chegar à outra margem e já conseguia distinguir aquela relíquia com total clareza.

— O que foi, amigo? — Kalisteas gritou enquanto me via levantar.

— A corda acabou! — Respondi, voltando-me para a sua posição.

— Devias ter pagado ao barqueiro, — ele rosnou com raiva. — Voltas a tentar para o ano.

Fingi não ouvir e soltei o resto da corda que ainda me restava até à beira da água. Deslizei suavemente sobre ela até que introduzi silenciosamente o meu corpo e o líquido frio atingiu o meu pescoço. Não havia como voltar atrás, comecei a nadar em direção à costa com todas as minhas forças.

A distância era curta, mas cheguei exausto pelo esforço de escalar. Quando pisei na margem, virei-me quando ouvi um rangido atrás de mim e, sem pensar duas vezes, tirei o revólver e esvaziei o carregador sem ver do que se tratava. Só pude observar algumas ondulações na água que se afastaram novamente na direção oposta.

Recuperei a calma e finalmente consegui chegar ao pequeno altar que estava localizado sobre uma rocha composta por uma lápide no meio de um cubículo e em cuja pedra havia sido entalhada uma procissão de carpideiras.

Debaixo delas havia um túmulo onde havia algumas letras que mal podiam ser lidas, desgastadas pela humidade e o passar do tempo. Passei a minha mão sobre elas e tive uma sensação que hoje ainda não consigo descrever em palavras.

Fiquei paralisado a olhar para elas por alguns momentos, até que um som alto começou a zumbir nos meus ouvidos, sem saber de onde vinha. Olhei para a lagoa e não vi nada fora do comum.

— Tens que voltar rápido! — Kalisteas começou a gritar com toda a força.

— Agora não, amigo! Finalmente encontrei! — Eu respondi.

— Esquece isso se não queres que seja a última coisa que fazes na vida! Está a formar-se uma tempestade sobre a lagoa e em alguns minutos a caverna será completamente inundada com água!

Estas palavras apunhalaram-me no coração.

— Tudo bem! — Respondi com resignação. — Só há uma opção para voltar com vocês!

— Estou a ouvir!

— Atira pedra para a água para atrair a atenção do nosso amigo! Assim que o vires aproximar-se, faz-me sinal com a tocha!

— Entendido!

Kalisteas balançou a tocha de um lado para o outro, momentos depois. Naquele momento entrei na água e comecei a nadar até à corda, agarrei-a com as duas mãos e comecei a pulsar o mais rápido que pude. Quando cheguei ao primeiro prego, enrolei a corda em volta da cintura novamente e fiz todo o caminho até a outra margem como um cavalo a cavalgar ao vento.

A tempestade não parava de trovejar lá fora com mais força, quando cheguei à outra margem as minhas mãos estavam ensanguentadas pelo grande esforço que havia feito.

O grego conduziu-nos à pressa pelos túneis até chegarmos à cavidade de entrada, onde a água havia subido quase até à altura do teto. Nadámos rapidamente para o lago enquanto as nossas cabeças mal saíam da água.

Já podíamos ver a saída quando a caverna ficou completamente alagada, respirámos fundo e tivemos que mergulhar no trecho final até que finalmente imergimos no lago à mesma altura onde o barqueiro nos esperava.

A viagem de volta teve um gosto agridoce. Havíamos feito a maior descoberta da história, mas não tínhamos nenhuma evidência que o confirmasse. E o pior de tudo, teríamos que esperar um ano inteiro para tentar novamente.

Herança Perdida

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