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CAPÍTULO 3
ОглавлениеBilhões de dólares foram gastos nos últimos anos para melhorar a aplicação da lei—ainda assim o crime tem continuado a aumentar e muitos americanos estão preocupados se será possível controlá-lo…
Patrick V. Murphy, um antigo agente da polícia em Washington e Nova Iorque, diz o seguinte: “Temos de encarar os fatos. Há muita instabilidade nas nossas cidades. Enquanto tivermos desemprego, subemprego, lares quebrados, alcoolismo, drogas e problemas mentais, teremos também o crime.”
U.S. News & World Report
10 de junho de 1974
* * *
O crime é uma saída que muitos adotam para adaptarem-se a uma sociedade cuja complexidade cresceu acima dos limites. Em sua última tentativa de se manter unida, prevejo que nossa cultura atravessará seu último e monstruoso espasmo de “lei e ordem.” Tudo o que for diferente da norma será sujeito a variados meios de repressão nas desesperadas tentativas da sociedade de se manter à tona.
A verdadeira tragédia disso tudo são os efeitos colaterais que a polícia terá na sociedade pós-Colapso. A repressão suscitada agora vai prolongar-se, como a perna de um sapo que continua chutando mesmo depois do corpo estar morto…
Peter Stone
Colapso do Mundo
* * *
Peter passou a noite na cabine do caminhão blindado com Honon. Eles conversaram um pouco mais, comparando experiências que cada um teve em suas viagens pelo país. Peter descobriu que Honon esteve viajando pela nação regularmente nos últimos quatro anos, conduzindo essas caravanas. O quadro que pintou não era muito agradável. Miséria, fome e conflito eram onipresentes nos Estados Unidos. A praga ainda não tinha começado a cobrar seu preço, mas as condições das cidades estavam colaborando para a quebra do saneamento e a dispersão de doenças.
“De certo modo,” disse Honon, “é vantajoso que o Colapso seja global. Se as guerrilhas judaicas não tivessem começado sua luta na Rússia há cinco anos, os russos poderiam ter levado vantagem da nossa fraqueza e nos invadido. Mas com os judeus dentro, os chineses a sua volta e uma tremenda falta de recursos, eles acabaram ficando pior que a gente.”
Com o passar do tempo a dor no braço de Peter e a exaustão das atividades do dia foram se acumulando. Ele recostou-se no assento de couro e teve sua primeira boa noite de sono em dias.
Honon o acordou logo após o nascer do sol sacudindo seu ombro bom. “Acorde bela adormecida”, disse ele amigavelmente. “Está na hora do café da manhã—e hora também de conhecer o resto das pessoas com quem vai dividir essa viagem.”
Peter desceu da cabine e teve sua primeira boa visão da caravana inteira. Os primeiros dois veículos eram caminhões blindados—e depois que Honon contou sobre como as condições do país estão no momento, Peter concordou que a caravana deveria estar preparada para tudo. O próximo na fila era um trailer, ao lado do qual um grande grupo de pessoas estava reunido. Atrás do trailer uma van Volkswagen azul e branca, e atrás dela três carros compactos. Formando um desfile interessante, pensou Peter.
Enquanto Honon o levava até o trailer, Peter sentia o olhar frio dos membros da caravana. Eles já deviam estar a par do nome de seu notório novo companheiro. Imaginou quantos deles já o odiavam.
“Pessoal, reúnem-se”, chamou Honon, e as conversas privadas cessaram. “Quero que conheçam nossa nova aquisição, Peter Stone. Todos devemos gratidão a ele, eu acho, porque foi o seu livro que fez com que nosso pessoal se mexesse. Sem ele, não haveria Monastério e nenhum plano de espaçonave. Não hesitem em mostrar a ele quão gratos nós estamos.”
Peter ficou surpreso com aquela apresentação, e mais surpreso ainda quando as pessoas atenderam ao pedido de Honon. Ficaram paradas por um momento, meio inseguras de si, mas então vieram em pequenos grupos dar boas-vindas à caravana. Homens e mulheres vieram cumprimentá-lo, e crianças sorriam timidamente para ele.
“Desculpe, não posso ficar e apresentar a todos,” disse Honon. “Vou pegar um café rápido e ver se consigo recrutar um sapateiro.”
“Um sapateiro?”
“Sim, um bom homem que foi recomendado por alguém do Monastério. Ele vive no centro de Los Angeles.” Honon viu a confusão na cara de Peter e explicou mais um pouco. “Veja bem, se você for lotar uma colônia vai pegar os sujeitos mais inteligentes e intelectuais que encontrar, certo? Mas digo agora mesmo que isso não vai funcionar. Alguns intelectuais—até mesmo muitos intelectuais—são necessários, com certeza, mas você não pode construir um mundo só de doutores e físicos nucleares. A primeira vez que o encanamento falhar, você terá um problemão. Tenho que recrutar pessoas que seriam úteis em uma situação de limites. Pessoas que já foram treinadas para produzir o que precisamos. Aonde estamos indo não haverá fábricas fazendo roupas para você em uma linha de montagem; precisaremos de artesões que podem fazer bons calçados do nada. As pessoas dessa viagem serão uma mistura esquisita, claro; mas estamos tentando salvar a Humanidade, e a Ela em si já é uma mistura esquisita. Pense nisso.”
Honon foi até o trailer e, depois de um momento, voltou com um cantil, dois pedaços de bolo de trigo e algumas frutas desidratadas. “Vejo você mais tarde,” falou a Peter. “Enquanto isso, tente conhecer o pessoal um pouco. Penso que achará esse grupo interessante.” Ele foi até o caminhão blindado, pegou uma motocicleta de dentro e saiu com ela até a cidade.
Enquanto Peter esperava na fila para o café da manhã, foi conhecendo membros da caravana que vinham se apresentar. Conheceu Dominic e Gina Gianelli de Oakland, um casal na casa dos trinta anos de idade. Dom, como o homem preferia ser chamado, era carpinteiro “e um fã de futebol americano. Mas não parece que teremos mais jogos por enquanto.” Peter concordou. Os Gianellis tinham cinco filhos, indo de dois a dez anos de idade; apesar de ter sido apresentado a todos eles, Peter teve problemas para memorizar a ordem correta e os nomes, exceto por Mary, a de oito anos, que foi a garota que lhe trouxe comida na noite anterior.
Conheceu Bill e Patty Lavochek de San Luis Obispo. Os Lavocheks, ambos com seus vinte e poucos anos, estavam casados fazia apenas quatro meses, e estavam encarando essa empreitada como se fosse uma grande aventura—e um bom modo de começar vida nova. Bill, um maquinista, tinha certeza que seus talentos teriam alta demanda no Monastério e no novo mundo.
Peter também conheceu Harvei e Willa Parks. Harv, um encanador de San Francisco, era um homem pequeno experiente em seus quase quarenta anos. Tinha modos bruscos, mas uma disposição amistosa. Willa era cerca de dez anos mais nova que ele. Muito tímida e quieta, mas que sempre fazia tudo que lhe era pedido sem reclamar. Possuíam dois filhos, uma garota de sete e um garoto de quatro.
Antes de se tornar o primeiro da fila a médica, Sarah Finkelstein, veio perguntar como seu braço estava. Peter disse a ela que o braço estava rígido, mas usável, e ela pediu que avisasse se a situação mudasse.
Em frente a fila, servindo os membros, estava o casal japonês, Charlie e Helen Itsobu, ambos na casa dos quarenta anos. Charlie foi colocado nos afazeres culinários porque era um chef profissional—chefe de cozinha, na verdade, no que era o restaurante japonês favorito de Peter em San Francisco. Peter deu-se conta de quão habilidoso Charlie deveria ser—não é comum um jovem chegar tão alto nos círculos da culinária—e cumprimentou ele. Charlie sorriu e pediu desculpas por servir algo não tão elegante como gostaria. Com uma piscadela, deu a Peter um bolo de trigo a mais.
Enquanto Peter se afastava do trailer, os Gianellis acenaram, convidando-o para sentar e comer com eles. Peter fez isso com alegria; já fazia tanto tempo que ele teve companhia e agora estava ficando bêbado de camaradagem. Kudjo lhe deu um tapa nas costas quando se sentou, saudou o resto de pessoal, e então pegou uma segunda motocicleta do caminhão líder e saiu com ela. “Onde ele está indo?” perguntou Peter.
“Oh, ele é nosso batedor,” disse Dom Gianelli. “Vai na frente, dá uma olhada na situação, garante que nossa rota está segura. Era isso que ele estava fazendo ontem quando encontrou você.”
Peter acenou. “Faz sentido.”
“Bom homem, esse Kudjo. Aposto que teria sido um excelente jogador de futebol americano. Um wide receiver5 natural, pelo jeito dele.”
“Posso me juntar a vocês?” veio uma voz feminina por trás. “Não posso deixar passar a notável chance de conhecer um bacharel.”
“Sim, sente-se,” sorriu Gina Gianelli.
A garota que se sentou ao lado de Peter era baixa e meio corcunda, com um cabelo castanho desgrenhado e olhos grandes. Sua característica mais aparente era seu nariz, que dominava sua face a ameaçava tomar o controle completamente. “Sou Marcia Konigsburg, vinte e quatro e solteira. Não que eu esteja medindo você para um bolo de casamento, mas acho que é bom deixar as coisas claras o quanto antes. Desenho roupas para boutiques, e também faço fantasias para o teatro. Acho que é por isso que Honon pediu para que eu viesse—seja lá onde vamos parar, acho que precisaremos de alguém que faça as roupas certas para a ocasião.”
Peter gostou dela instantaneamente. Ela era amigável, quase grudenta, mas cujo charme superava a impressão inicial de falta de elegância. “Li seu livro, sabe,” ela prosseguiu.
“Então você é a única.”
“Ei, você é engraçado também. Sim, ele realmente me impressionou. Estava no segundo grau do colégio na época, e acho que tudo me impressionava. David Hume, Aleister Crowley e você eram meus três favoritos.”
“Certamente fazemos um trio estranho.”
“Se serve de consolo, meus amigos diziam que eu não tinha gosto. Esse era o tipo de pessoas que eu costumava andar—loucas, todas elas.”
Subitamente Peter sentiu uma sensação estranha na nuca, como se estivesse sendo observado. Ao virar ele viu uma garota o observando ao lado de um dos carros. Ela era jovem, magra e loira, com a aparência que transmitia uma inocência quase angelical. Quando se virou para olhar melhor ela olhou em outra direção, fingindo não ter percebido. Peter deu de ombros e voltou a conversa.
Marcia nem notou que ele não prestava atenção e estava falando algo sobre a quebra no jeito formal da educação, a qual ela mesma tinha testemunhado.
“Foi bem como você mencionou—as aulas tinham cada vez menos a ver com a realidade, não só porque não queriam ser relevantes, mas porque a realidade escapava delas.” As palavras dela fora tiradas quase como estavam no livro; deve ter memorizado essa parte.
Dom Gianelli acenou para um homem alto com uma camisa de malha branca e calças pretas. “Padre Tagon,” chamou ele, “por que não se junta a nós?”
O homem seguiu a sugestão. “Espere até conhecer este cara,” Dom falou para Peter. “ele é capaz de realmente entrar em um debate com você.”
O recém chegado era um homem alto e magro, na casa dos trinta, com um nariz de falcão, olhos castanhos e uma grande testa que gradualmente se fundia com seu cabelo castanho. “Oi” disse ele, curvando-se para Peter e estendendo a mão. “Sou Jason Tagon.”
“Ouvi Dom chamar você de ‘Padre’?”
“Poderia me chamar de ‘Doutor’ se quisesse—tenho um Ph.D. em astronomia.” Mas sim, sou um padre. Títulos não parecem ter muito significado nos dias de hoje, e prefiro ser chamado de Jason.”
Peter acenou e armazenou aquele fato em sua memória, que já estava ficando rapidamente sobrecarregada dessa sequência de novos rostos e nomes. “Dom também mencionou algo sobre você debater comigo.”
“Ele fraseou isto de forma exagerada. Não posso argumentar contra suas predições—elas obviamente se tornaram realidade. São suas atitudes que me incomodam.”
“Sobre a Igreja Católica?”
Jason sorriu. “Em parte sim. Você falou—vejamos se consigo citar—‘a Igreja Católica fez mais do que qualquer organização na história para retardar o curso do progresso do homem.’ “
“Espero que você não tenha levado isso para o lado pessoal; o fato é que a igreja Católica esteve presente por mais tempo que qualquer outra organização na história. Todas as organizações eventualmente se tornam repressivas em alguma extensão—elas passam por certo ponto em sua existência onde sua função original troca para preservação própria. Eu era contra a estrutura burocrática, não contra os Católicos em si.”
“Eu percebi isso. Mas nós, Católicos individuais, somos levados a acreditar que a Igreja não pode fazer coisas erradas, e sofrer esse tapa ainda dói. Essa não é minha única objeção. Como um ordenado de Deus, não pude deixar de perceber que você deixou Ele fora de seus cálculos.”
“Como um ordenado agnóstico,” rebateu Peter, “não pude deixar de sentir que o sobrenatural era uma variável supérflua em meus cálculos. Estava lidando primariamente com ecologia social. As regras foram postas por Deus—se ele realmente existe—há muito tempo atrás, e não pude notar mudanças significativas em tais regras uma vez o jogo tendo começado. Trabalho exclusivamente com seres humanos.”
“E você ignorou a possibilidade de intervenção divina.”
“Digamos que teria recebido de braços abertos, mas não contava com ela.”
“O que me diz sobre essa tentativa de colonização interestelar?”
“Se está tentando dizer que foi intervenção divina, não serei capaz de refutar. Na mesma medida, desafio você a provar que não foi um mero trabalho de homens ingênuos e dedicados.”
“Touché” sorriu Jason.
Aquele mesmo sentimento de ser observado atingiu Peter uma segunda vez. Ele olhou ao redor e notou a garota loira encarando ele longe dali. “Quem é ela?” ele perguntou para as pessoas ao redor.
“Aquela é Risa Svenson,” prontificou-se Marcia. “Nós a pegamos em Monterrey. Uma garota bem estranha se quer saber.”
“Estranha? Em que sentido?”
“Basicamente é apenas tímida,” explicou o padre. “Isso e sua juventude parecem manter ela afastada do resto de nós.” Contudo, é uma pessoa muito boa.”
“Gostaria de ir conversar com ela um pouco. Obrigado a todos por dividirem o café comigo. Jason, estou interessado em continuar nosso debate mais tarde.”
Peter levantou-se e caminhou até a garota, que novamente fingia não o ter notado. “Desculpa por perguntar, mas você estava olhando para mim?”
Ela o olhou assustada. “Eu não estava—”
“Sim, estava. Não me incomoda muito, só quero saber por quê.”
Ela abriu a boca para inventar uma desculpa, fechou, então disse, “Você é tão famoso e tal, só queria dar uma olhada em você. O que há de errado com isso?”
“Nada. Na verdade estou aliviado em descobrir que não pareço o monstro horrível que pensou que fosse.”
Pela expressão que ela fez, Peter soube que adivinhou corretamente. “Não achei que fosse um monstro de verdade,” disse ela rapidamente.
“Claro que não.”
“Mas ouvi tantas coisas ruins sobre você—”
“Alguma vez leu meu livro?”
“Não, era jovem demais. Mas vi o show na TV. Não gostei—pareceu tão... depressivo e negativo.”
“Foi depressivo e negativo, e não gostei dele também. Mas o que fazer com a verdade? Se apenas a enterrar em um canto, ela irá se desenterrar, e morder suas canelas.”
“É tudo...sei lá. Queria sentir que haveria alguma esperança para o mundo. Seu livro fez as pessoas sentirem que há nenhuma.”
“A situação estava lá para todos verem. Fui apenas aquele que acendeu as luzes. Não funcionou—as pessoas apenas fecharam os olhos e foram tropeçando para o futuro. Só relatei os fatos.”
“Fatos não são suficientes,” disse a garota. “Precisamos de sonhos.”
“Quantos anos você tem?”
A garota olhou para ele defensivamente. “Dezenove, Por quê?”
“Quando eu tinha dezenove tinha acabado de ganhar o meu bacharel em sociologia. As pessoas me consideravam algum tipo de gênio e passei por um programa acelerado de estudo. Eu tinha sonhos até então, bons sonhos. Ia corrigir todos os problemas do mundo, endireitar as coisas de forma que pudéssemos viver em paz.” Ele deu de ombros. “Então algo aconteceu—talvez apenas cresci, não sei. Mas em apenas dois anos, todos os sonhos tinham virado pesadelos. O mundo estava indo alegremente para o inferno, e ninguém fazia nada para parar. Tentei gritar, tentei puxar os freios, e as pessoas me ignoraram. Não é de se admirar que me senti desesperado?” Peter notou, muito para seu desgosto, que havia lágrimas em seus olhos. Ah sim, tudo o que preciso. Surtar e chorar na frente de uma estranha,