Читать книгу Fantasmas, Garotas E Outras Aparições - Stephen Goldin - Страница 8

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Fora de sua escuridão especial, Melissa ouviu a voz de Dr. Paul falando em sussurro na extremidade do quarto. — Dr. Paul — ela gritou. — Ah, Dr. Paul, por favor, venha aqui! A voz dela assumiu um gemido de desespero.

A voz de Dr. Paul parou, e então murmurou algo. Melissa ouviu os passos dele se aproximarem dela. — Sim, Melissa, qual o problema?— Ele disse em um tom profundo, paciente.

— Estou com medo, Dr. Paul.

— Mais pesadelos?

— Sim.

— Você não precisa se preocupar com eles, Melissa. Não vão te machucar.

— Mas eles são assustadores — Melissa insistiu. — Faça-os parar. Faça-os desaparecer como você sempre faz.

Outra voz sussurrava na escuridão. Parecia com a do Dr. Ed. Dr. Paul ouviu os sussurros e, em seguida, disse sob sua respiração: — Não, Ed, não podemos deixar isso continuar assim. Estamos bem atrasados com o cronograma. — Então em voz alta: — Você terá que se acostumar com pesadelos em algum momento, Melissa. Todo mundo os tem. Eu não estarei aqui para sempre para fazê-los desaparecer.

— Ah, por favor, não vá.

— Ainda não estou indo, Melissa. Ainda não. Mas se você não parar de se preocupar com estes pesadelos, talvez eu tenha que ir. Me diga do que se tratam.

— Bem, no começo eu pensei que eles fossem números, o que não é um problema porque os números não estão relacionados com pessoas, eles são agradáveis e gentis e não machucam ninguém como nos pesadelos. Então, os números começaram a mudar e se tornaram linhas - duas linhas de pessoas, e elas estavam correndo em direção uma da outra e se atirando. Havia fuzis e tanques e obuses. E as pessoas estavam morrendo também, Dr. Paul, muitas pessoas. Cinco mil, duzentos e oitenta e três homens morreram. E isso não foi tudo porque lá embaixo do outro lado do vale, houve mais tiros. E ouvi alguém dizer que estava tudo bem porque enquanto as baixas ficassem abaixo dos quinze ponto sete por cento durante as primeiras batalhas, a posição estratégica, que era o topo da montanha, poderia ser adquirida. Mas quinze ponto sete por cento da força total seria nove mil seiscentos e dois ponto sete sete oito nove um homens mortos ou feridos. Era como se eu pudesse ver todos aqueles homens lá deitados no chão, morrendo.

— Eu te avisei que uma mentalidade de cinco anos ainda não era madura o suficiente para Logística Militar — Dr. Ed sussurrou.

Dr. Paul o ignorou. — Mas isso foi em uma guerra, Melissa. Deve-se esperar que pessoas morram em uma guerra.

— Por quê? Dr. Paul?

— Porque... porque assim que uma guerra é, Melissa. E além do mais, isso não aconteceu de fato. Foi só um problema, como com os números, só que havia pessoas ao invés de números. Foi tudo de mentira.

— Não, não foi, Dr. Paul — chorou Melissa. — Foi tudo real. Todas aquelas pessoas eram reais. Eu até sei seus nomes. Tinha Abers, Joseph T. Pfc., Adelli, Alonzo Cpl, Aikens...

— Pare com isso, Melissa — disse Dr. Paul, sua voz subindo bem mais alto do que o normal.

— Me desculpe, Dr. Paul — Melissa se desculpou.

Mas o Dr. Paul não a tinha ouvido; ele estava ocupado sussurrando para Dr. Ed. —... nenhum outro recurso senão uma análise completa...

— Mas isso poderia destruir toda a personalidade que trabalhamos tão duramente para construir. — Dr. Ed sequer se preocupou em sussurrar.

— O que mais poderíamos fazer?— Dr. Paul perguntou cinicamente. — Esses “pesadelos” dela estão nos deixando ainda mais atrás com o cronograma.

— Poderíamos tentar deixar Melissa analisar a si mesma.

— Como?

— Observe. — A voz dele começou a assumir os tons doces que Melissa entendeu que as pessoas usavam com ela, mas não umas com as outras. — Como você está?

— Estou bem, Dr. Ed.

— O que você acharia se eu te contasse uma história?

— É uma história feliz, Dr. Ed?

— Ainda não sei, Melissa. Você sabe o que é um computador?

— Sim. É uma máquina de contagem.

— Bem, os computadores mais simples começaram assim, Melissa, mas rapidamente ficaram mais complicados até que logo existiam computadores que podiam ler, escrever, falar e pensar por si mesmos, sem a ajuda de homens.

— Agora, era uma vez, um grupo de homens que disseram que se um computador podia pensar por si só, ele era capaz de desenvolver uma personalidade, assim eles se propuseram a construir um que pudesse agir como uma pessoa de verdade. Eles o chamaram de Analisador de Sistemas Multi-Lógico, ou MLSA...

— Parece um pouco com “Melissa” — Melissa deu uma risadinha.

— Parece, não parece? Bom, estes homens perceberam que uma personalidade não é algo que simplesmente aparece no ar de uma vez; tem que ser desenvolvida lentamente. Mas, ao mesmo tempo, eles precisavam da capacidade de computação da máquina porque era o computador mais caro e complexo já feito. Então, o que eles fizeram foi dividir o cérebro do computador em duas partes - uma iria lidar com cálculos normais, enquanto a outra iria se desenvolver na personalidade desejada. Em seguida, quando a personalidade fosse desenvolvida o suficiente, as duas partes poderiam ser unidas novamente.

— Pelo menos, essa é a maneira que eles pensavam que iria funcionar. Mas descobriu-se que o projeto básico do computador impedia uma completa dicotomia - significando dividir ao meio - das funções. Sempre que eles davam um problema para a parte de computação, uma parte dele necessariamente se infiltrava na parte da personalidade. Melissa, isso era ruim porque a parte da personalidade não sabia que era um computador; ela pensava que era apenas uma garota, como você. Os dados que se infiltraram a confundiram e assustaram-na. E quanto mais assustada e confusa ela ficava, mais sua eficiência diminuía e ela não funcionava mais corretamente.

— O que os homens fizeram, Dr. Ed?

— Eu não sei, Melissa. Eu estava esperando que você pudesse me ajudar a terminar a história.

— Como? Eu não sei nada sobre computadores.

— Sim, você sabe, Melissa, você só não se lembra. Posso te ajudar a lembrar de várias coisas. Mas vai ser difícil, Melissa, muito difícil. Todos os tipos de coisas estranhas virão na sua cabeça, e você vai começar a fazer coisas que você nunca pensou ser capaz de fazer. Quer tentar isso e nos ajudar a descobrir o final da história, Melissa?

— Tudo bem, Dr. Ed, se você quer isso de mim.

— Boa garota, Melissa.

Dr. Paul estava sussurrando ao seu colega. — Ligue “Memória Parcial” e diga a ela para chamar o subprograma “Análise de Circuito”.

— Chame “Análise de circuito”, Melissa.

De repente, coisas estranhas aconteceram na mente dela. Longas séries de números surgiram e mesmo que parecessem sem sentido, de alguma forma ela sabia que eles significavam coisas diferentes, como resistência, capacitância, indutância. E havia miríades de linhas - retas, em ziguezague, rabiscos. E fórmulas...

— Leia MLSA 5400, Melissa.

E de repente, Melissa se viu. Foi a coisa mais assustadora que ela já tinha experienciado, bem mais que os horríveis pesadelos.

— Veja seção 4C-79A.

Melissa não conseguia se controlar. Ela tinha que olhar. Para a menina, não parecia muito diferente do resto de si mesma. Mas era diferente, ela sabia. Bem diferente. Na verdade, não parecia ser de maneira alguma uma parte natural dela, mas sim como uma bengala usada por aleijados.

A voz do Dr. Ed estava tensa. — Analise essa seção e relate sobre a mudança ideal para redução máxima de escoamento de dados.

Melissa deu o melhor de si para cumprir a ordem, mas ela não podia. Algo estava faltando, algo que ela precisava saber antes de poder fazer o que o Dr. Ed tinha pedido. Ela queria chorar. — Não posso, Dr. Ed! Eu não posso, não posso!

— Eu te disse que não iria funcionar — Dr. Paul disse lentamente. — Teremos que ligar a memória completa para análise completa.

— Mas ela não está pronta — Dr. Ed protestou. — Isso poderia matá-la.

— Talvez, Ed. Mas se isso acontecer... bem, pelo menos saberemos como fazer melhor da próxima vez. Melissa!

— Sim, Dr. Paul?

— Prepare-se, Melissa. Isso vai doer.

E, sem mais avisos além desse, o mundo atingiu Melissa. Números, intermináveis fluxos de números - números complexos, números reais, números inteiros, subscritos, expoentes. E havia batalhas, guerras mais terríveis e sangrentas que aquela que ela tinha sonhado, e listas de casualidades que eram mais reais para ela porque ela sabia tudo sobre todos os nomes - altura, peso, cor do cabelo, cor dos olhos, estado civil, número de dependentes... a lista continuava. E havia as estatísticas - salário médio dos motoristas de Ohio, número de mortes devido ao câncer nos Estados Unidos de 1965 a 1971, rendimento médio do trigo por tonelada de fertilizante aplicado...

Melissa estava se afogando em um mar de dados.

— Me ajude, Dr. Ed, Dr. Paul. Me ajudem!— Ela tentou gritar. Mas não podia se fazer ouvir. Outra pessoa estava falando. Um estranho que ela mão conhecia estava usando a voz e dizendo coisas sobre semicondutores e fatores de impedância.

E Melissa estava caindo mais e mais fundo, empurrada pelo exército implacável de informações.

Cinco minutos mais tarde, Dr. Edward Bloom abriu o interruptor e separou a memória principal da seção de personalidade. — Melissa, — ele disse suavemente — está tudo bem agora. Nós sabemos como a história vai acabar. Os cientistas pediram ao computador para se redesenhar e ele o fez. Não haverá mais pesadelos, Melissa. Só bons sonhos de agora em diante. Não é uma boa notícia?

Silêncio.

— Melissa?— A voz dele era alta e instável. — Você pode me ouvir, Melissa? Você está aí?

Mas já não havia qualquer espaço no MLSA 5400 para uma garotinha.

Fantasmas, Garotas E Outras Aparições

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