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ОглавлениеCapítulo II
O sábado começou como qualquer outro dia. Mar despertou, e viu que o senhor Duarte lhe tinha enviado a morada de casa, juntamente com o número de telemóvel, para que o avisasse quando estivesse por perto – ou caso se perdesse com as indicações que lhe tinha dado.
Fez o pequeno-almoço e decidiu investir o tempo dela na preparação das perguntas que faria na entrevista. Fez uma investigação sobre a bolsa de valores, para estar a par do balanço das empresas do senhor Duarte, das empresas que integrava, do historial dele com as mesmas, entre outras coisas.
Mar tinha a intenção de conhecer o homem através do seu trabalho, e supunha que a chave do sucesso dele estava escondida nalgumas das decisões financeiras que este tomara. Era assim que mantinha vivo o amor pelo que fazia e por aquilo de que gostava. No caso de Mar, era a investigação, unir pontas soltas; analisar, compreender e escrever.
No início da carreira, a repórter percebeu, pouco a pouco, que o talento dela valia dinheiro. Percebeu também que não a teriam em consideração num jornal de mexericos nem num noticiário qualquer que perdesse tempo a passar notícias de ontem. Mar queria aparecer no momento, no agora, era esta a meta dela.
Precisou de tempo para ficar a par dos assuntos dos artigos de negócios. Já não vivia num mundo onde era rejeitada por ser mulher; pelo contrário, receberam-na de portas abertas, uma novata cujo único conhecimento do tema era que os números baixavam e subiam, e que muitos tinham dinheiro suficiente para comprar e destruir uma revista qualquer. Era carne fresca; estavam decididos a contratá-la porque contratar um especialista poderia custar-lhes mais dinheiro.
E foi assim que a bolsa de valores entrou na vida dela. No início, encarregava-se de encontrar e de falar de diferentes novatos que construíram o seu próprio caminho em direção ao mundo das finanças, que conseguiram o seu primeiro milhão, que investiram adequadamente. Às vezes, estes mesmos indivíduos assistiam à queda do próprio império e, da mesma forma que todos os caminhos levavam a Roma, cada decisão que tomassem conduzi-los-ia a um único lugar: a bancarrota; Mar concordava com esta analogia.
Por outro lado, foi conhecendo a pouco e pouco a grandeza daqueles que continuavam a trabalhar com empenho. Muitos eram filhos de pais abastados, que cresceram no mundo dos negócios; alguns eram pessoas inteligentes que compreendiam os números como nenhum indivíduo comum seria capaz de o fazer. Outros sabiam manipulá-los e aproveitar-se das debilidades de qualquer pessoa.
Mar, como muitos, encarava o mundo dos negócios como um miserável lugar de pessoas de fato. Não queria ter nada a ver com números nem com transações (embora tecnicamente viva agora disso), não queria tirar medidas para fazer casas, não queria aprender a cozinhar para restaurantes importantes, e também não queria cuidar nem salvar doentes. A cena dela eram as letras, a investigação, seguir os factos e chegar a uma conclusão.
Tentou fazer carreira em pequenos jornais, mas nunca a levaram para onde queria, portanto Mar preferiu começar a trabalhar para algo que pudesse ser lido tanto na Internet como no papel, sem que se tratasse de um sensacionalismo qualquer. Conseguiu um emprego numa revista, algo que considerou um golpe de sorte. Já que lá estava, cresceu à sua maneira.
Construiu a carreira a escrever diferentes artigos; recebeu prémios importantes; falou do sucesso e do fracasso. Foi subindo de posto e construindo um nome. Conheceu o amor, e depois percebeu que nunca foi essencial para ela. Não se imaginava uma mulher casada, pelo que se apaixonou pelo emprego – o único grande amor que conhecia realmente.
Após a investigação exaustiva que fez a respeito do currículo de empresas e de firmas de que o senhor Duarte fazia parte, viu como decisões dele refletiam uma personalidade intuitiva, feroz e decidida. Era um homem que sabia agir sob pressão, tomar decisões difíceis, sem perder com nenhuma delas.
Pareceu-lhe interessante: muitos fazem um lugar no mundo do dinheiro e dos balanços, muitos veem-se como gente importante, como boas pessoas. Ao mesmo tempo, outros cometem fraudes; poucos são só génios. A grande maioria descarrila, perde ou mente durante o processo. Mas, dentro deste pequeno grupo, às vezes podem continuar a ser vistos como empresários intelectuais, que não são consumidos pelo veneno do dinheiro ou dos seus dígitos.
Para ela, o senhor Duarte não era diferente – seguramente, guardava algum segredo para obter ganhos. Talvez fosse só um talento inato ou um desses talentos com os quais se faz contas de cabeça. Mar ficou a saber que os empresários ambicionavam ocupar cargos elevados, como diretores executivos, políticos, burocratas, e que ambicionavam governar empresas reconhecidas de marketing, do setor alimentar, de qualquer ramo.
Após um exame minucioso, Mar apercebeu-se de que Juan parecia ajudar as empresas a que estava associado a sair da crise em que estavam mergulhadas, que as tinha trazido à superfície, que fez delas o que eram hoje. Quando cumpria a missão dele, parava, não fazia grandes despesas, nem lhe foi conhecido nenhum fracasso nem uma grande perda.
Mar deduziu as respostas dele às perguntas dela: “Como chegou ao ponto onde se encontra agora?”, “O que pensa quando toma uma decisão difícil?”, “Gostaria de deixar para trás o mundo da administração de empresas ou continuaria, independentemente de tudo?”, “Considera-se um homem de negócios ou, para si, é apenas um título?”, entre outras. Tinha as perguntas prontas, tinha tomado o pequeno-almoço e ainda não era hora de almoço. Mar sabia o que estava a fazer, e encarregava-se de o fazer muito bem. Tal como os grandes empresários, sabia desembaraçar-se e tinha a sua própria chave para o sucesso.
Juan, como qualquer pai, começou o dia a preparar-se mentalmente para cuidar do filho. Alegre e sem reclamar, fez o pequeno-almoço, desfrutou da manhã ao lado do primogénito dele e organizou o essencial para o dia... Seria o início de uma semana interessante: passaria algum tempo com Samir, desfrutaria de diversões, de atrações familiares e, a certa altura da semana, daria uma entrevista a uma revista importante.
Passada a rotina matinal, foram brincar para o pátio. Samir, que estava a dar uma volta de bicicleta, ia e regressava e, enquanto isto acontecia, Juan pensou: Para saber mais sobre o meu sucesso?
Quando voltava, o pai corria, como se estivesse a ser perseguido, e ficava de um lado, para que Samir desse uma volta inteira pelo pátio da casa. A casa era muito grande, e a volta em bicicleta não lhe ficava atrás em tamanho.
Que terei eu feito que fez com que o mundo dos negócios reparasse em mim?
Juan não estava habituado ao foco da câmara nem a entrevistas. Sabia que lhe pediam para trabalhar em empresas. Era um assessor importante, e detinha uma empresa em crescimento e bem estabelecida.
Tinha a quantidade necessária de contactos, de recursos e de conhecimentos para chegar à presidência de um país do qual não fazia parte, pelo que muitos imaginavam que poderia ser um político importante no país dele.
Mas Juan não era assim; a única preocupação dele era poder viver ao máximo, desfrutar da vida com o filho, não ser um homem consumido pelo trabalho – todavia, isto também não queria dizer que deixasse o trabalho de parte. Portanto, conseguiu ser um empresário com uma excelente posição, sem ter de estar sempre atento ao trabalho.
Sim, ficava uma ou outra noite a tratar de coisas importantes, mas nunca se esquecia do filho. As vantagens de ser o próprio patrão ajudavam-no a estar com o filho no escritório ou nas viagens de negócios.
Muitas vezes, o pequeno Samir dava-lhe ideias, ou auxiliava-o, com alguma pergunta aleatória, a cair em si. Não se poderia dizer que a chave do sucesso dele estava na ajuda que o filho lhe dava, com a sua compreensão imaginária da vida, mas sim que fazia as coisas por ele. Tanto assim era que a maioria das decisões que tomava, para não dizer que todas, traziam o nome do filho dele como cabeçalho.
Tendo pensado muito bem na questão, ao ver como o pequeno Samir dava voltas ao pátio, respondeu a uma das perguntas que julgava que a senhora Gálvez poderia fazer-lhe: A que deve o seu sucesso? A isto, Juan estava seguro de que responderia:
– Ao meu filho.
Tinha razão: grande parte do sucesso dele devia-se ao filho, Samir, e não só à competência de Juan enquanto líder nem ao talento com os números, nem ao que o pai lhe ensinou a respeito dos negócios, de uma carreira e de estudos importantes. Isto, de alguma forma, era apenas uma pequena fração do que o impulsionava para ir longe. Mas esse grande vento que soprava nas velas dele era o filho.
A seu ver, comportava-se talvez como qualquer outro pai atencioso, que não fazia nada do outro mundo ou que não lhe correspondesse. Porém, aos olhos dos outros, era visto como um pai excelente.
O filho de Juan, o seu único filho, era o herdeiro de muitas coisas. Tal como o pai, Samir tinha um registo de acontecimentos importantes às costas. Não tinha mais de 9 anos, portanto, grande parte da vida dele concentrava-se em estudar e em saber o quanto doía uma queda da bicicleta, do skate ou de qualquer outro veículo que lhe tenha sido comprado.
Sentia-se alegre com o pai. Não conhecia a solidão: estava sempre com o pai ou com os amigos – que, embora não tivessem tantos recursos, dispunham de um fluxo aceitável de dinheiro, que lhe permitia desfrutar da mesma qualidade de vida que Samir. Era um rapaz feliz, autodidata, inteligente e divertido. Sabia muitas coisas que aprendia com Juan, que lhe ensinava tudo o que podia para que estivesse preparado para o mundo e para o que quisesse fazer quando fosse grande.
Juan, como sempre, sentia-se orgulhoso da sua masculinidade, mas, mais do que tudo, do filho. Não havia nada no mundo que o fizesse mudar de ideias. Ninguém lhe tiraria o que sentia pelo filho, o que tinha feito. Era a pessoa mais importante da vida dele, e era a única que lhe restava.