Читать книгу Reprezentação à Academia Real das Ciências sobre a refórma da ortografia - Unknown - Страница 1

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Senhores.—Os abaixo assinados dirijem-se á academia real das ciências em cumprimento de um dever.

Numa reunião pública, celebrada nésta cidade em 23 do corrente, fôrão encarregados de, em comissão, pedir a éssa real academia que ocorra a uma necessidade que quázi só d'éla póde esperar satisfação; e vem dezempenhar-se do onrozo encargo.

Paréce-lhes ociozo aduzir argumentos para justificar o pedido. Não tendo a língua uma gramática e um dicionário que póssão dizer-se oficiais, não avendo nórma para a ortografia, nem para a pronúncia, e sendo isso o que se péde á academia, déve considerar-se desnecessária qualquér justificação.

O parecer de que ésta reprezentação vai acompanhada, contem um sistema de ortografia e um método de o pôr em prática, os quais avaliareis como merecêrem. Os abaixo assinados apenas esprímem o dezejo e a esperança de que julgueis dever adòtal-os.

Dando pois ezecução á primeira parte da propósta que termina esse parecer, e que a mencionada reunião aprovou com escluzão das palavras—ou outro que julgue melhór, no cazo de rejeitar este—, os abaixo assinados pédem á academia real das ciências que, publicando uma gramática e um dicionário ao mesmo tempo ortográfico e prozódico ou ao menos um vocabulário, se digne preenxer éssa lacuna e satisfazer éssa necessidade que todos reconhécem e sêntem,—a de uma ortografia nòrmal.

Não pódem porem deixar de xamar a vóssa atenção para a alteração aludida, que a reunião onde fôrão eleitos, fês no parecer da comissão. Por éla vê-se que a opinião d'aquéla assembleia é, que a refórma a realizar na ortografia déve ser em sentido sónico.

Dignai-vos acreditar, senhores académicos, em nóssos sentimentos de consideração e respeito.

Porto, 26 de dezembro de 1878.==Adriano de Abreu Cardoso Machado, prezidente==Conde de Samodães==Manuel Felippe Coelho==Agostinho da Silva Vieira==Jozé Barbóza Leão.

*Parecer da comissão de refórma ortografica*

Senhores.—Reconhecendo o estado anárquico da nóssa ortografia, e que é precizo fazêl-o cessar, nomeastes em reunião de 27 de maio uma comissão, encarregada d'estudar e propor-vos os meios de alcançar esse desideratum; o qual só póde conseguir-se dotando a língua com uma ortografia nòrmal.

Aceitando uma parte dos eleitos o espinhozo mas onrozo encargo, a comissão constituiu-se. E ao encetar os seus trabalhos ofereceu-se-lhe, como questão prévia, determinar qual o dezenvolvimento que deveria dar-lhes.

Efètivamente alguem podia entender que éla teria satisfeito propondo simplesmente, que se reprezentasse á àutoridade competente para que determinasse aquéla ortografia, e fizésse com que só éla fosse ensinada nas escólas, e empregada nas repartiçõis públicas assim como nas tipografias e litografias da sua dependência em tudo que tivésse carátèr oficial. Outros podíão julgar que se devia ao mesmo tempo pedir, que a ortografia determinada fosse o mais simples possível: a fim de que o aprender a ler e escrever se tornasse por esse módo tão fácil, como póde realmente. E podia tambem querer-se, que se lhe propuzésse a ortografia que devia ser adòtada.

Teve portanto de rezolver ésta questão, depois de a estudar sôb este tríplice módo de ver.

Pareceu-lhe porem, que uma pouca de reflèção bastava para se pôr de parte a primeira ideia. Todos sábem a consideração que em jeral merécem, e os rezultados que é costume alcançárem, reprezentaçõis d'éssas em assuntos d'ésta natureza; e a comissão não podia acreditar que ficásseis satisfeitos com uma propósta que não teria utilidade prática. Assim como lhe pareceu que a segunda ideia, sendo sujeita aos mesmos inconvenientes, devia ser pósta de parte como a primeira.

Julgou pois, que éra seu dever tomar no sentido mais amplo a missão que recebera, e dezempenhal-a néssa conformidade; isto é, no sentido de se indicar a ortografia, que deveria pedir-se que fosse estabelecida como ortografia nòrmal. Éra árdua a taréfa, mas não podia declinal-a.

Neste ponto, a comissão teve de reconhecer que a ortografia portugueza não podia deixar de ser etimolójica, sónica ou mista.

Óra, a mista é a ortografia que temos e cuja refórma se reclama jeralmente; e por mais que a sistematizássemos, pareceu á comissão que não seria possível obter-se uma ortografia como déve dezejar-se que tenhâmos. Seríão precizas m[~u]itas régras com m[~u]ito numerózas eicèçõis, ficando ainda m[~u]itas couzas sem ser reguladas; de módo que o conhecimento da ortografia tornar-se-ia tão difícil de alcançar, como é o de algumas artes e ciências. Suceder-nos-ia como aos francezes, que, apezar de tantos trabalhos e tão àutorizados como são os da sua academia, tem ainda uma ortografia que, em parte tambem pelas dificuldades peculiares da língua, se não considéra digna d'aquéla nação culta.

Restava portanto tomar por baze da ortografia que se propuzésse, ou a etimolojia ou a pronúncia.

A respètiva escolha éra o ponto mais grave da taréfa a cargo da comissão. Tratou por isso d'esclarecer-se bem a esse respeito; e entre outras couzas, procurou conhecer o jénio da língua, àlem d'outros meios pelo da sua istória, a fim de guiar-se por ele.

Veja-se pois, que é o que sobre o assunto nos dis a istória.

* * * * *

A istória ensina, que o português primitivo, a língua do berço da monarquia (Entre Douro e Minho), a que falávão os senhores e ómens d'armas que ajudárão Afonso Enriques a fundar este reino, éra uma mistura da linguájem rude dos aboríjenes (mistura tambem) e do latim bárbaro das lejiõis românas,—mistura alterada com elementos introduzidos pelos conquistadores do nórte, principalmente os suévos e vizigódos, e tambem pelos sarracenos, e alterada ainda, depois de conquistado o sul, por motivo das relaçõis com os seus abitantes já meio árabes e outros árabes verdadeiros, e, depois de estabelecida a capital em Lisboa, por cauza da colonização vinda de Marrócos e do grande número d'estranjeiros que concorríão ao seu porto, particularmente os cruzados m[~u]itos dos quais aí ficárão; bem que móstre que predominava o elemento latino, pelo m[~u]ito que se encarnara na Península o módo de ser dos românos, por ser o latim a língua dos atos religiózos e das relaçõis com Roma e com os outros governos da Európa, e porque os sacerdótes érão quázi os únicos ómens de letras no país. Assim como nos ensina que esse amálgama éra apenas língua falada; porque pouco ou nada se lia e escrevia, visto que o elemento burguês apenas se fazia sentir, e os senhores só cuidávão de armas, desdenhando até o saber ler e escrever,—erro de educação que durou em parte até não m[~u]ito lonje de nós.

Póde pois imajinar-se o que éra o português d'éssas épocas, e atésta-o o m[~u]ito pouco que d'ele résta. Póde dizer-se que não se escrevia; e falava-se um português tão simples, quanto érão simples os ómens e a vida que vivíão.

A istória móstra que foi assim, até que no fim do século XIII D. Dinís, esse modelo de reis, criou em Lisboa as escólas jerais, começo da universidade, que depois tanto se tem ilustrado em Coimbra. Mas móstra ao mesmo tempo, que isto não fês mais que àumentar o predomínio do latim; porque para as escólas jerais e depois para a universidade viérão vários professores estranjeiros, jente m[~u]ito versada no latim que éra a língua dos ómens de letras, e viérão tambem os compêndios das universidades estranjeiras que érão todos em língua latina. E as escólas que D. Dinís e seus sucessores estabelecêrão fóra d'alí, érão ou de primeiras letras onde só se ensinava a ler e escrever, ou de gramática latina, sendo lá absolutamente desconhecida a gramática portugueza,—circunstáncias que sòmente cessárão no fim do segundo quartel do prezente século.

E as escólas jerais e a universidade criárão os ómens de letras que, com o andar do tempo, fixárão a língua e lhe determinárão a ortografia, a qual, como éra natural, aferírão pelo latim, dando lugar a Càmõis poder dizer:

E na língua na qual quando imajina,

Com pouca corrução crê que é latina.


Se é que póde dizer-se que foi determinada uma ortografia, tendo cada clássico e cada lèccicógrafo ortografado a seu módo.

Com tudo a istória ensina tambem, que a nação continuou a falar a sua língua, aceitando sòmente os aperfeiçoamentos que recebia a gramática, e modificando racionalmente a prozódia. Éssa língua alatinada pela ortografia que se estabeleceu, ficou circunscrita aos impréssos e á escritura dos eruditos, sendo apenas falada por alguem que queria afètar de sêl-o.

Em fim éla ensina que por isso, apezar do latim continuar dominando como senhor, apezar da gramática latina continuar a ser a única professada oficialmente, limitados sempre os professores d'instrução primária ás xamadas primeiras letras, a linguájem falada foi sucessivamente ganhando vitória sobre vitória contra a linguájem escrita. O que se escrevia e imprimia em 1836, aí está para demonstrar como já se axava alterada a ortografia estabelecida nos séculos XV e XVI.

E pela sua parte o prezente móstra a todos, quão fecundo foi o impulso dado pelas leis sobre instrução publicadas néssa época recente, e qual o rezultado d'élas e de outras que viérão depois, principalmente as de 1844. Oje temos nos liceus um curso m[~u]ito dezenvolvido de português, e em quázi todas as escólas primárias se ensina alguma couza de gramática portugueza. Quanto á latina, de que em outro tempo avia uma cadeira quázi em cada concelho, basta dizer que, fóra dos liceus, os distritos de Leiria e Béja, por ezemplo, tem cada um a sua, e o de Lisboa tem duas; e os dicionários aprezêntão próvas irrecuzáveis de quanto vai diminuído o respeito pela etimolojia latina.

Desde m[~u]ito, finalmente, que o latim deixou de ser a língua das relaçõis internacionais. Quando este âno o mundo católico acudiu ao Vaticâno a celebrar o meio centenário do venerável bispo d'Imola, oje assentado na cadeira de S. Pedro, fôrão bem raros os discursos e missivas em latim. Apenas de Roma vem ás nóssas xancelarias diplomas néssa língua, mas que são dados ao público em português. Passárão de móda as apóstrofes e sentenças latinas, com que d'antes se apimentávão entre nós os discursos e escritos; e até já os prègadores quázi si limítão a dar em latim o tema dos sermõis. De módo que, se ele não fora a língua dos ofícios divinos e preparatório obrigado para os estudos superiores, teria já partilhado a sórte das línguas mórtas; e vel-o-íamos em bréve a par do grego, de que temos apenas três ou quatro cadeiras, que m[~u]ito poucos alunos freqüêntão: como o móstra a d'ésta cidade, onde no âno passado se matriculárão dois, e este âno nenhum.

* * * * *

Em vista pois de tudo isso que dis o passado e móstra o prezente, a decizão da comissão axava-se determinada por si mesma. A influência do latim está m[~u]i decadente, e o português afirma nóbre e dezassombràdamente a sua vitalidade e direito a pléna emancipação. A nóssa língua tem feito regulàrmente a sua evolução na pronúncia, constituindo-se aquí em compléta independência; tentou-se por vezes tornal-a tambem independente na escritura; e foi isto conseguido em parte pela própria força das couzas. Parecia pois não se poder deixar de realizal-a complètamente, ao tratar-se de dar-lhe uma ortografia nòrmal.

Entendeu portanto a comissão, que xegara o momento de estabelecermos a pléna independência da língua em matéria ortográfica; fazendo com o latim, o que os latinos fizérão com o grego. O latim recebeu intato do grego, o que se julgou apropriado á sua índole e circunstáncias; o que o não éra, mas se julgou apropriável, aceitou-se apropriando-o; o que se considerou inapropriável, rejeitou-se. É o caminho que já seguírão espanhóis e italiânos, e que em França se tem instado e insta para que seja seguido; e não crê a comissão que possâmos seguir outro.

Reprezentação à Academia Real das Ciências sobre a refórma da ortografia

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