Читать книгу A meio da noite - Segura nos seus braços - Margaret Way - Страница 7

Capítulo 3

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O ladrão tocou nas costas da poltrona, à procura de alguma coisa. Estava tão perto que o seu fôlego aqueceu o ar perto dela. Não encontrou o que procurava e deslizou o braço para procurar no lado onde Adele se escondia.

Ela fez a única coisa que lhe ocorreu. Ele não tinha luvas e tinha a mão a centímetros da sua cara, portanto, cravou-lhe os dentes na pele exposta do pulso.

Ele soltou um grito de dor e recuou com um salto, tropeçando com os seus próprios pés ao fazê-lo.

– O que raios…?

Adele estava preparada para arranhar, morder e pontapear, para fazer o que fosse necessário com o objectivo de sair dali a salvo.

Então, arrepiou-se. Aquela voz…

– Nick?

Ele levantou-se.

– Obrigado por uma recepção tão quente!

– O que estás a…? O que achas que…? – a adrenalina não demorou a transformar o medo em fúria. Fechou os olhos, respirou fundo e voltou a tentar: – O que raios estás a fazer a entrar às escondidas na minha casa a meio da noite?

– Na nossa casa.

– Deixa de te concentrares em detalhes estúpidos! Pregaste-me um susto de morte!

– Estava à procura… – inclinou-se e acendeu o candeeiro da mesinha.

Estendeu a mão e apanhou uma carteira de pele que havia no chão.

– E disto.

A poucos centímetros, havia um telemóvel. Adele olhou para ele. Não era o que costumava ter. Por alguma estranha razão, a descoberta deixou-a triste.

– Tirei-os do bolso. Descobri que era muito difícil conseguir um lugar onde ficar sem ter nenhum dos números de telefone dos meus amigos nem dinheiro para um hotel.

Estava tão aturdida que não sabia o que dizer. Há um minuto, desejara que estivesse em casa e, agora que o desejo lhe fora concedido, estava pronta para o expulsar outra vez. Todo o seu aborrecimento se evaporou numa nuvem de confusão.

– Como entraste? – perguntou-lhe, ainda a olhar para o telefone.

Nick pôs a mão no bolso traseiro e tirou um porta-chaves que fez oscilar num dedo. Depois, encolheu os ombros.

– Pensei que estarias deitada. Planeava entrar em silêncio, pegar nas minhas coisas e voltar a desaparecer. Nunca terias sabido que tinha estado aqui.

– Tens chaves? – não soube porquê, mas, de repente, custava-lhe entender os conceitos mais básicos.

– Sim.

Franziu o sobrolho.

– Então, se ainda tens as chaves, porque não as usaste quando apareceste?

– Não sei. Suponho que tentava ser cortês.

Nick? Cortês? Não encaixou na sua mente.

Fez a única coisa que conseguiu: deixou-se cair na poltrona e desatou a rir-se. Pouco depois, percebeu que não era capaz de parar e as lágrimas deslizavam pelas suas faces.

Só Nick era capaz de lhe provocar aquele ataque de riso. O homem era impossível, intolerável, e ainda mais impossível.

Por uma vez, Nick não tinha um sorriso preparado. Não deixou de olhar para ela e de pestanejar. Parecia tão perdido que, quando fazia aquela expressão, era impossível de resistir.

Abanou a cabeça.

– Nunca encontrarás onde ficar a estas horas. É melhor ires buscar as tuas coisas e pô-las no quarto livre. Depois falaremos.

Quando entrou na cozinha às seis e meia da manhã, encontrou Nick à espera sentado à mesa. Inclinou a cabeça.

– Levantaste-te cedo – três horas demasiado cedo para o que era habitual nele.

– Disseste que íamos falar.

Levantou o punho engomado da blusa e olhou para as horas.

– Hoje não tenciono faltar ao trabalho, Nick. Tenho uma vida e não a vou interromper por ti.

– Como se eu não o soubesse.

– O que queres dizer com isso?

Ele esfregou os olhos.

– Ignora-me. Estou cansado e resmungão. Nós, os restantes mortais, não nos levantamos da cama antes do amanhecer sem um cabelo fora do lugar como tu.

Talvez ele não estivesse vestido, porém, parecia-lhe muito mais atraente do que um mero mortal com o pijama mal abotoado.

Um momento. Desde quando Nick usava pijama?

Certamente, o pijama era melhor para a sua pressão arterial do que a alternativa.

Voltara a fazê-lo. De algum modo, só precisava de estar na mesma divisão que ela para lhe transtornar todos os pensamentos. Ao descer as escadas, sentira-se segura, eficiente, preparada para enfrentar o mundo. E, naquele momento, sentia-se… demasiado vestida.

– Acabei de me levantar e estou pronta para ir trabalhar, é só isso. Alguns de nós não podemos passar o tempo no alpendre até às três da manhã e chamar-lhe trabalho, sabes?

Nick bocejou e tapou a boca com a mão.

– Estou demasiado cansado para ter outra vez esta discussão. Podemos dar por concluído que eu me comporto como um pirralho e que tu és a adulta? Assim poderemos saltar todos os gritos.

Quis dizer-lhe que não, mas isso transformá-la-ia na criança de três anos, portanto, mordeu a língua e aproximou-se da cafeteira. Para sua surpresa, o café estava preparado e quente.

Nick levantou-se e entregou-lhe uma chávena.

– O escritório só abre às nove da manhã. Temos tempo para falar.

Ela assentiu. No entanto, assim que se sentaram um à frente do outro, reinou o silêncio.

No final, Adele já não conseguiu suportá-lo.

– Porque não me disseste que a tua mãe estava doente?

– Como descobriste?

– Debbie deixou-te uma mensagem no atendedor de chamadas. Suponho que a tua mãe não é a única que desconhece que vivemos separados há quase um ano.

– Sabes como elas são unidas. Se alguma delas soubesse, contaria à minha mãe e eu não queria acrescentar outra preocupação à sua vida.

– Devias ter-me contado.

Nick olhou para ela com a cabeça inclinada.

– Parece-me recordar uma linha ocupada nas conversas telefónicas mantidas contigo.

– Não estou a falar dessa altura. Agora. Porque não me disseste nada ontem?

– Seria demasiado parecido com chantagem emocional.

Ela bebeu um gole de café.

– Na verdade, eu considerá-lo-ia ser sincero.

– Estás a dizer-me que sabê-lo não te teria obrigado a realizar a viagem, mesmo que fosse a última coisa que desejasses fazer?

Ela desceu o olhar. Nick tinha razão. Se tivesse conhecido a verdade, teria ido à festa, sem se importar com os seus desejos pessoais. Porém, por outro lado, conhecer a verdade devolvia-lhe o controlo.

– Bom, agora já sei, não é verdade?

O sorriso de Nick não chegou aos seus olhos.

– O que vais fazer?

Ela suspirou e endireitou-se na cadeira.

– Proponho que tratemos a situação de forma adulta. Irei à Escócia contigo. Adoro a tua mãe e não quero perturbá-la, mas…

Nick levantou-se com um salto e abraçou-a.

– Obrigado – sussurrou-lhe ao ouvido. – A sério. Isto vai significar muito para a minha mãe. Não sabes como me sinto agradecido.

Ela apoiou as mãos sobre os seus ombros para o impedir de continuar a apertá-la, porém, o seu cheiro e a sensação quente que emanava dos seus braços, que a rodeavam, começaram a alterar-lhe os sentidos. Há tanto tempo que não abraçava ninguém…

De facto, não o fazia desde que Nick se fora embora. Mona não era muito propensa a essas manifestações, como tal, só podia fazê-lo com a pequena Bethany e o seu irmão mais velho, Josh. Porém, até esses abraços eram agridoces, recordando-lhe o que poderia ter sido e o que jamais seria.

Devagar, foi consciente de que as mãos que tinham estado a apertá-la, nesse momento estavam apoiadas nas suas costas. Os dedos começaram a mexer-se, acariciando-a com suavidade, até lhe provocarem um calafrio e um formigueiro que acabou por se situar atrás das suas orelhas.

Depois, ouviu-o conter o fôlego, como se tivesse inspirado a sua fragrância e isso não lhe fosse suficiente. Foi a sua perdição. Sentiu lágrimas nos olhos.

Desejava os dias de feliz ignorância, quando acreditara que a relação duraria para sempre. Sentia falta do conhecimento de que, pelo menos aos olhos de alguém, era especial. Foi uma pena que a realidade tivesse de invadir a fantasia.

Ele chegou-se para trás para olhar para ela e ela viu um desejo semelhante nos seus olhos.

– Adele – sussurrou, enquanto baixava a cabeça.

A sua intenção era afastar-se do beijo, contudo, não conseguiu. Estava aprisionada num campo magnético que a mantinha agarrada a ele. Talvez fosse um truque da memória, ou talvez porque, sem saber, estivera à espera daquele momento durante os últimos nove meses. No entanto, aquele beijo foi ainda melhor do que os que se esforçara em excesso para não recordar, mais electricamente carregado, mais terno, mais doce, mais… tudo.

Recuperou a prudência quando sentiu que subia os dedos para a parte superior do casaco do pijama. O que estava a fazer? Enlouquecera?

Não podia esquecer que, quando enfrentara a pior crise da sua vida, ele a abandonara. Não pudera depender dele. Sem importar o quanto se amassem ou como a sua química fora perfeita, não significava que pudessem sobreviver a um futuro juntos sem se despedaçarem mutuamente.

Deixou o botão no seu sítio e afastou-se dele.

Nick estendeu os braços, mas ela abanou a cabeça.

– Isto não muda nada.

De facto, sim, mudara. Mostrava-lhe ainda melhor o caminho que tinha de tomar. Se queria manter o seu coração a salvo daquele homem, ia ver-se obrigada a tomar medidas drásticas.

– Como disse, proponho que nos ocupemos disto de um modo adulto, esquecendo como foi uma tolice manteres a tua mãe na ignorância.

O sorriso de Nick hesitou.

– Tentava poupar-lhe uma tensão adicional num momento em que já estava saturada. Sabes? O cancro de mama é bastante sério. Eu não diria que o que fiz foi algo infantil.

Por dentro, sentiu-se perturbada, mas por fora certificou-se de não mexer nem uma pestana.

– Eu sei que o cancro é algo sério. Não sou estúpida. Estou apenas a dizer que encaraste a situação da forma errónea. Lidaste com o assunto como fazes sempre, levando as coisas de momento em momento, em vez de considerar as consequências a longo prazo. Tens de lhe contar a verdade sobre nós.

– Qual é a verdade, Adele? Num minuto, afastas-me e no seguinte… Por exemplo, o que aconteceu agora mesmo?

Ela recuou até que bateu na bancada.

– Simplesmente mostraste um excesso de entusiasmo, como é habitual.

– Fazes com que pareça um cão labrador.

Adele engoliu em seco. A sua intenção não fora insultá-lo, apenas mantê-lo afastado da melhor maneira que sabia… com palavras.

E a verdade era que, no seu lado positivo, Nick era muito parecido com um labrador: leal, carinhoso e com uma energia inesgotável, mas isso não o tornava menos destrutivo e havia mais em jogo do que uns sapatos mordidos ou um jornal destruído.

– Tu também te mostraste bastante entusiasta – acrescentou ele.

Tinha razão. Dedicara quase um ano a levantar cuidadosamente as suas defesas contra ele e, em apenas vinte e quatro horas, Nick transformava-as em gelatina.

– Queres uma resposta em relação à direcção que esta relação vai seguir?

Ele levantou as mãos.

– Esperava que pudéssemos decidi-lo a caminho de Invergarrig.

– Não é preciso esperar até este fim-de-semana. Posso dizer-to agora – Nick olhou para ela com frieza. – Irei à festa contigo, mas com algumas condições.

– Condições – repetiu.

– Sim. Está na hora de deixares de confundir as vidas dos outros. Está na hora de assumires a responsabilidade dos teus actos.

A boca dele transformou-se numa linha. Ela continuou:

– Far-te-ei este favor se aceitares que nos divorciemos. Quando regressarmos da Escócia, irei falar com um advogado.

Não teria podido parecer mais aturdido nem que ela o tivesse esbofeteado. De facto, Adele sentiu um grande vazio no coração ao ouvir as suas próprias palavras.

Já estava. Expressara-o em voz alta e já não podia desfazê-lo.

– Está na hora de seguir em frente. Tenho uma vida própria e não posso passar o resto dela a ordenar as coisas à tua passagem.

Nick olhou para ela nos olhos e ela sentiu que se encolhia por dentro. Pareceu-lhe que, de repente, a sua energia se esgotara.

– Perfeito. Pelo menos agora sei o terreno em que piso.

Deixou o envelope apoiado contra a cafeteira, pois sabia que aquela seria a primeira paragem de Adele depois de um dia atarefado no escritório.

A sua mala esperava-o no hall. Levantou-a e, ao sair, fechou a porta com suavidade.

As chaves estavam quentes quando as tirou do bolso de trás. Em comparação, a metálica caixa do correio parecia gélida devido à geada da noite. Levantou a tampa e pôs o porta-chaves no interior. Ao ouvi-lo cair, virou-se e afastou-se.

O ar parecia curiosamente imóvel quando Adele abriu a porta de entrada e pousou a mala no lugar habitual. Enquanto tirava o casaco e o pendurava no armário, tentou descobrir o que faltava.

Nick devia estar no seu atelier a tentar aperfeiçoar o seu famoso sangue falso. Prepararia um bom jantar e falariam da situação com calma e racionalidade. A única coisa que se passava era que não funcionavam bem como casal, mais nada. Não havia motivo para que a separação não pudesse ser amigável. Ainda podiam ser amigos.

O envelope foi a primeira coisa que viu ao entrar na cozinha. Franziu o sobrolho. Era a caligrafia de Nick com um marcador verde.

Abriu-o e tirou umas folhas arrancadas de um bloco de notas de argolas.

Adele, vou ficar em casa de Craig algumas noites… Pensei que era melhor para ambos dispormos de um pouco de espaço. A minha mãe gostaria que estivéssemos em Invergarrig na sexta-feira para um jantar familiar. Diz-me se te parece bem, caso contrário, iremos no sábado. Telefonar-te-ei dentro de alguns dias, quando ambos estivermos mais calmos.

Nick

Acalmar-se? Estava perfeitamente calma!

Dobrou as folhas e voltou a guardá-las no envelope. Depois, não soube o que fazer com ele, portanto deixou-o outra vez contra a cafeteira e saiu da cozinha.

Subiu e, ao entrar na casa de banho, abriu as torneiras com um gesto distraído.

E quem diabos era Craig?

Despiu-se e deixou a roupa num monte pouco comum no chão e tentou conseguir fazer com que a água quente levasse a sua desilusão. Era a saída do cobarde… Um bilhete daqueles. Devia tê-lo imaginado.

Aproximou-se e virou a torneira da água quente até que saiu quase a ferver.

Pelo menos, ela tivera uma causa apropriada para não o ver no mês de Maio. Deixar um bilhete poderia ter sido uma atitude cobarde, mas fora a única coisa que conseguira fazer na altura.

Porque o surpreendia tanto que lhe pedisse o divórcio? Há meses que não viviam juntos, que nem sequer falavam. O que achava Nick que ia acontecer?

Como a banheira ameaçava transbordar, fechou as torneiras. Depois, encostou-se outra vez e tentou relaxar os tensos músculos dos ombros.

Esfregou a cara e tentou não reparar no modo como cada som ecoava na casa de banho. Até pela casa. Precisara de meses para se habituar a viver sozinha.

Sempre imaginara que a casa vitoriana com terraço seria um lar para Nick e para ela, um sítio onde poderiam ser felizes e que, a pouco e pouco, iriam enchendo de crianças. Quando ele desaparecera, levando consigo essa possibilidade, não suportara continuar ali. Demasiados sonhos tinham rebentado como balões.

A única coisa que desejara fora um lar que fosse quente e acolhedor, um lugar onde pudesse entrar e sentir o amor.

A casa onde crescera fora um palácio nos subúrbios, apropriado para o rei dos negócios que a habitava. Era uma pena que não a tivessem desenhado a pensar em crianças. A sua mãe tinha quarenta e um anos quando dera à luz e Adele suspeitava de que nunca o superara.

Certamente, nunca deixara que a existência de uma filha travasse o seu ritmo de vida. Contratara uma ama e continuara com as viagens pelo mundo com o seu marido. Para ela, sempre fora um pouco distante e deslumbrante… um pouco como uma rainha.

Apoiou a cabeça na banheira e olhou para o tecto. Tivera tantos planos para aquela casa, para a sua vida, e, com um movimento veloz, Nick voltara tudo ao contrário.

Quando ele partira, ela tentara dar-lhe outra identidade. Uns quadros novos, plantas diferentes na sala…

Regressara há apenas alguns dias e ela teria de começar novamente. E não se tratava de coisas físicas que não parava de encontrar pela casa. Não, dessa vez, estava tudo na sua cabeça e não tinha a certeza de dispor da força necessária para a limpar, não quando ia ter de passar o fim-de-semana com ele. Seria melhor esperar até segunda-feira.

No entanto, não ia contá-lo a Mona, pois a sua amiga tiraria a conclusão errada da situação e pensaria que não falava a sério sobre o divórcio.

Nick manteve a sua palavra… Não telefonou nos dias seguintes. Contudo, isso não impediu que Adele se assustasse cada vez que ouvia o telefone a tocar. No final, decidiu deixar que as chamadas fossem directamente para o atendedor de chamadas para não proferir mais saudações ofegantes. Começava a ser embaraçoso.

Porém, na quarta-feira à noite, às oito e quarenta e três, ouviu a sua voz e ficou paralisada.

«Adele? Sou eu. Eu… hum… precisamos de decidir a que horas queremos ir na sexta-feira de manhã».

Houve uma longa pausa.

«Telefonar-te-ei novamente mais tarde para ver se te encontro».

Passaram cinco segundos, soube porque os contou, e depois ele desligou.

Com cuidado, deixou o computador portátil no sofá e aproximou-se do telefone. Não reconheceu o número que aparecia no visor. Supôs que seria o do tal Craig.

Carregou na tecla de chamada e esperou.

– Sim?

A voz era jovem, loira e estava a meio de um risinho. Adele ficou rígida.

– Posso falar com Nick, por favor?

– Claro. Está no outro quarto.

Ouviram-se uns ruídos abafados e a rapariga tapou o auscultador com a mão. Não se esforçou muito, porque Adele continuou a ouvir tudo o que dizia.

– Nicky! – gritou. – É para ti… Acho que é a tua mãe.

Ouviu-o a rir-se ao aproximar-se do telefone e ela susteve a respiração quando pegou no auscultador.

– Vesti roupa interior limpa para o caso de ser atropelado por um autocarro, mamã, prometo.

– Ainda bem para ti.

– Adele!

– Craig parece mais loiro e com uma voz mais fininha do que eu imaginava.

– Eh? Oh, não. Essa é Kai. É a namorada dele… esta semana. Como sabias que era loira?

Adele revirou os olhos.

– Adivinhei.

– Suponho que ouviste a minha mensagem.

– Sim.

– Bom, vamos na sexta-feira ou no sábado?

Mordeu o lábio inferior. Um dia adicional com Nick ia ser difícil, porém, podia ser a última vez que veria a sua família. Um jantar familiar parecia-lhe maravilhoso.

– Posso ir na sexta-feira.

Ouviu-o soltar o fôlego.

– Óptimo. Mas vamos ter de sair cedo.

– A que horas?

– Não sei. Ainda não fiz os cálculos.

Típico. Obviamente, não pensara nada acerca do assunto.

– Bom, a que horas é o jantar?

– Um segundo… A mamã telefonou-me para me dar todos os detalhes. Só tenho de os encontrar.

Ouviu-o pousar o telefone numa superfície dura.

– Bom – anunciou ele, pouco depois. – Começa às oito horas.

– O nosso objectivo devia ser chegar lá às seis no máximo. Dar-nos-á tempo para esticar um pouco as pernas. Quanto tempo demora a viagem?

– Debbie diz que ela demora nove horas, mas está uma hora mais perto do que nós, portanto sugiro que partamos às oito.

– É melhor às sete. Temos de ir pela M25 – ouviu Nick gemer. – Então, a que horas vens buscar-me?

Silêncio durante alguns segundos.

– Tu é que tens o carro, Adele. Eu não trouxe nenhum na minha bagagem de mão.

Adele fechou os olhos e deixou-se cair no sofá.

– Então não só vou ter de estar num carro contigo durante onze horas, como também tenho de conduzir?

– Podemos alternar. Deixar-te-ei fazer o primeiro turno.

– Céus, obrigada – abriu os olhos e cravou a vista no tecto. – É melhor dares-me a morada de Craig. Quero que estejas à minha espera à porta às sete em ponto ou partirei sem ti.

Perguntou-se se não soara demasiado como a mãe dele.

– Como quiseres.

Soube que ele devia estar a sorrir satisfeito e ela não conseguiu conter um sorriso.

Aquele homem era impossível. Impossível.

Se não fosse tão cedo, Adele teria tocado a buzina com vontade. Já era suficientemente mau ser a motorista sem ter de estar à espera no carro com temperaturas abaixo dos zero graus, já que o aquecimento era irregular e só produziria algo parecido com calor assim que pisasse o acelerador a fundo.

O relógio do tablier indicava que eram sete e sete minutos. Dar-lhe-ia até às sete e dez, depois abortaria a missão.

Abanou a cabeça. Abortar a missão? Que tipo de linguagem era aquela? Começava a soar cada vez mais como Mona. Qualquer pessoa pensaria que se tratava de uma missão militar.

Ligou o rádio com uma mão enluvada.

Talvez se tratasse a situação como uma campanha militar, pudesse sair, se não triunfadora, pelo menos com o coração e a dignidade intactos. Se deixasse que Nick atravessasse as suas defesas, teriam de pegar nos seus pedacinhos para a reconstruírem. Nunca mais seria a mesma.

O único problema era que não sabia nada sobre guerra.

Só recordava alguns filmes da Segunda Guerra Mundial e coisas que o seu avô costumava dizer.

«Conhece o teu inimigo».

Isso era fácil. Conhecia Nick de cor. Embora isso não ajudasse muito, pois quanto mais pensava nele, mais se derretia.

«Mantém sempre o elemento surpresa».

Sorriu e acariciou o volante. Nick ia subir pelas paredes quando visse o seu carro.

Estava na hora de Nick provar o seu próprio veneno. Esfregou as mãos. Gostou de se sentir má.

Eram sete e nove… e quarenta segundos… quarenta e cinco. Virou a chave na ignição.

Então, Nick saiu de casa com uma mala de viagem e uma mochila pequena. Ainda não a vira. Um sujeito robusto entregou-lhe o que parecia um saco desportivo. Nick deu-lhe uma palmada nas costas e sorriu.

Nesse momento, o sorriso evaporou-se da cara de Adele. Algo loiro e magro correu até ao caminho da casa, rodeou o pescoço de Nick com os braços e deu-lhe um beijo na face. Adele resmungou e subitamente parou, surpreendida consigo mesma.

Alguns segundos mais tarde, o que não demoraria a ser o seu ex-marido, descia pelo atalho do jardim e olhava para um lado e para o outro da rua. Adele desceu o vidro e cumprimentou-o. Ele devolveu-lhe o gesto… e fez uma careta.

Recomeçou a andar com uma expressão pouco feliz.

– Adele! O que fizeste com o carro?

– Chiu! São sete da manhã.

– Eu sei que horas são. Quero saber o que fizeste com o meu carro!

– O nosso carro… Vendi-o.

– Tu… tu…

Olhou para o céu, depois apertou os lábios com força e abanou a cabeça. Abriu o porta-bagagem e pôs as suas coisas lá dentro. Uma das malas produziu um ruído metálico, o que era um pouco estranho, porém, Adele não parou para pensar nisso. Tinha coisas mais urgentes que requeriam a sua atenção.

Nick sentou-se ao seu lado, fechou a porta com força e olhou para ela.

– E então?

– Já não precisávamos daquela coisa tão grande. Não é prática para a cidade.

Pareceu-lhe que Nick ia ter uma apoplexia. Adele engoliu em seco e pensou que talvez se tivesse excedido um pouco.

Vender o todo-o-terreno fora a única vingança que tivera ao alcance da mão. Quisera rasgar as suas camisas em farrapos, mas não conseguira convencer-se a pôr o plano em prática. Ainda cheiravam a ele.

– Precisava de algo mais pequeno, prático… um utilitário.

Ele carregou num botão do tablier. Não aconteceu nada.

– Eu diria que é sucata – murmurou. – Se foi isto que conseguiste pelo dinheiro que devias ter lucrado com o meu Jipe, então foste enganada.

Ela olhou para ele de esguelha.

– Não sou estúpida. Não gastei o dinheiro todo no carro. Sou perfeitamente capaz de comprar um carro sem os teus conselhos.

Ele suspirou.

– Adele, o teu segundo nome é «capaz». Porque haveria de pensar que alguma vez poderias precisar de mim para alguma coisa?

– Não sejas ridículo – Nick virou-se para pôr o cinto de segurança e ela imitou-o. – Suponho que gostarias que eu fosse parecida com a loirinha, que me atirasse para os teus braços e te adorasse. Anda sempre pela rua com um top e uns calçõezinhos? Deve ser muito resistente ao frio.

Os lábios de Nick permaneceram fechados enquanto sorria.

– É sueca. Está habituada ao frio.

Adele pôs a mudança e olhou pelo retrovisor, carrancuda.

– Claro que às vezes se esquece de vestir o casaco – acrescentou.

Adele puxou o travão de mão.

Nick riu-se.

– Estou a brincar, Adele. Anima-te. Temos uma longa viagem pela frente. Pensei que podíamos parar nas Terras Altas escocesas para comer. Até então, mantenhamos uma conversa agradável.

– Tu falas. Eu conduzo.

– Está bem. E do que conversamos? Já sei. Voltando à tua anterior conversa, pelo menos havia uma coisa para a qual precisavas de mim. E, se bem me lembro, às vezes até suplicavas.

Adele encurvou-se sobre o volante e ficou em silêncio. Àquele ritmo, Nick teria sorte se chegasse com vida ao almoço.

A meio da noite - Segura nos seus braços

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