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Capítulo 4

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Nick procurava algo na mochila que tinha aos seus pés. Ela olhou para ele de esguelha e suspirou. Tinha um dos seus aparelhos na mão, provavelmente o iPod, o que lhe daria alguns momentos de paz.

No entanto, para sua grande irritação, começou a teclar num aparelho grande.

– O que raios estás a tramar?

Nick simplesmente sorriu.

– Espera e verás. Vais adorar.

Continuou a conduzir com o olhar cravado na estrada. Quando teve a oportunidade de voltar a olhar, Nick estava curvado sobre o artefacto, a carregar em botões numa rápida sucessão. Como resposta, obteve um assobio. Então, estendeu a mão e pô-lo num suporte que pusera no pára-brisas.

– Navegação por satélite – anunciou orgulhoso.

Ela revirou os olhos e concentrou-se em manter-se a uma distância prudente do carro que estava à sua frente.

– Devia imaginar que acabarias por adquirir um arsenal de artefactos que pensassem por ti, especialmente agora que não estou ao teu lado.

– Estás sentada à minha esquerda. Estás ao meu lado.

– Sabes a que me refiro. És um homem típico. Deus nos livre que tenhas de consultar um verdadeiro mapa de estradas.

– Adele, nunca deixarias que me aproximasse mais de três metros do mapa. Reconhece, querida, tu não gostas de entregar o controlo.

– Isso não é verdade. Simplesmente, gosto de ter alguma coisa para fazer em viagens longas – olhou para o aparelho com os olhos brilhantes. – O que acontece se essa coisa fizer com que nos percamos?

Nick chegou-se para trás e esticou as pernas.

– Impossível. Isto é óptimo. A informação está sempre ao alcance da tua mão. Localiza exactamente onde te encontras, dia e noite.

Deixou de olhar para ele, carrancuda, e estudou o visor. Perguntou-se se não devia experimentar.

– Nunca se engana?

Nick encolheu os ombros.

– É uma máquina. Tem os seus momentos, porém, geralmente, é tão precisa como tu serias. Praticamente perfeita.

Adele suspirou. Perfeita. Começava a odiar aquela palavra.

Conhecia todas as pressões inerentes a ter de estar certa cem por cento do tempo, a que toda a gente esperasse que fosse perfeita. Não, não era que o esperassem… mas, sim, que contassem com que o fosse. Causava muita tensão ter de estar sempre a fazer malabarismos, sem nunca apreciar o luxo de não importar se uma bola caísse.

Uma voz metálica atravessou o silêncio:

– Dentro de quinhentos metros, saia na próxima saída.

Adele olhou para o visor com os olhos semicerrados, porém, o sol batia-lhe directamente e não conseguiu vê-lo correctamente.

– Isso significa que tens de mudar de faixa, Adele. Se não, não poderemos seguir pela saída.

Era mais fácil dizer do que fazer. Metade do trânsito da estrada estava a tentar dirigir-se para a mesma saída e não havia espaço para mudar de faixa.

– Saia na próxima saída. Saia na próxima saída.

Quando acabou de olhar outra vez para o retrovisor e tentou diminuir a velocidade, foi demasiado tarde. Passou ao lado da saída.

Nick levantou os braços.

– Óptimo!

Olhou para ele furiosa.

– Teria sido mais fácil se me tivesses deixado depender dos meus próprios olhos e ouvidos para ler os sinais! Não estou habituada a usar esta estúpida…

O navegador por satélite interrompeu-a com um persistente som de assobio. No seu ecrã apareceu um enorme sinal de interrogação.

– Faça inversão de marcha assim que for possível – ordenou com uma serenidade revoltante.

– Cala-te, aparelho mandão! – exclamou. – Estamos numa auto-estrada. Era suposto saberes que não posso virar!

Nick deitou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

Não estranhou que ele achasse a situação engraçada.

A estação de serviço foi uma visão bem-vinda. Adele saiu do carro e dirigiu-se para a casa de banho das mulheres. Então, apoiou as mãos no espelho e inclinou-se.

Respirou fundo e observou-se. Ainda tinha o cabelo preso num rabo-de-cavalo e estava tão arranjada como sempre, contudo, ao estudar o seu reflexo, percebeu que começava a desfazer-se. Alguma coisa nos seus olhos, uma ligeira careta descendente nos lábios.

Olhou para o espelho até que achou que ficaria vesga, depois ergueu-se, endireitou os ombros e levantou o queixo.

Era uma rotina familiar, que aprendera na universidade, quando precisava de apresentar uma fachada corajosa ao mundo. Não pudera contar com o encanto e a perspicácia de algumas das suas colegas, porém, o que lhe faltara em confiança compensara-o com observação e trabalho árduo.

Dedicara horas a estudar as raparigas populares, como falavam e como se mexiam. Até as suas gargalhadas e os gestos. Depois, levantara-se cedo para praticar à frente do espelho da casa de banho enquanto todos os outros roncavam. Não demorou a ter amigas e os professores pareceram reparar mais nela e, no final dos anos passados na Universidade Lumley, fora uma das suas alunas mais populares.

Ninguém precisava de saber que a rapariga socialmente inepta ainda estava sob a superfície. Assim, escondia-a através da linguagem corporal adequada e de um certo brilho nos olhos. Era como vestir uma capa, uma pele exterior debaixo da qual ninguém se incomodava em olhar.

Com o passar dos anos, o seu alter-ego tornara-se no centro das atenções. Agora, a verdadeira Adele só aparecia quando se encontrava no santuário da sua casa. Talvez algum dia essa menina tímida se visse abafada por essa personagem alternativa e a sua eficiência e a sua segurança se tornassem reais.

Sorriu. Com o tempo, baptizara esse lado da sua personalidade com o nome de «Super Adele».

Com cuidado, aplicou outra camada de rímel e pintou os lábios. Já estava. Pronta para enfrentar o mundo… pelo menos por fora.

Pendurou a mala no ombro e saiu.

A Super Adele parecera uma ideia tão boa ao princípio… toda a gente a adorava. E, durante algum tempo, gostara dessa atenção. Contudo, no presente, essa adoração perdera parte do seu encanto.

«Adoram-na a ela, não a mim».

Até Nick se apaixonara pela Super Adele.

Quando se tinham casado, adorara que a considerasse capaz de fazer qualquer coisa, de ser qualquer coisa, porém, passados alguns anos tornara-se um pouco cansativo. Tentara descer do pedestal, mas Nick não o permitia. Agarrava-se com força à Super Adele e não a soltava.

O impulso de encurvar os ombros foi quase entristecedor, porém, endireitou ainda mais as costas. Tinha o restaurante à sua frente e pôde ver Nick sentado a uma mesa, à sua espera.

Como desejou poder sentar-se àquela mesa de plástico, baixar a cabeça e chorar…

Por vezes, odiava o seu alter-ego.

Nick deixou que Adele se afastasse e dirigiu-se para o café. Ao entrar, sentiu-se invadido por uma abundância de plástico brilhante e o cheiro a comida gordurosa. Evitou as salsichas e o resto da comida e pediu duas chávenas de café de aspecto lôbrego.

Sentou-se perto da janela suja que abrangia um lado do local e esperou que Adele chegasse.

O local estava praticamente deserto. Um casal de idosos concentrava-se num pequeno-almoço frito de aspecto pegajoso com uma lentidão agónica, um homem de negócios refugiava-se atrás de um jornal e uma adolescente com um avental sujo fingia que limpava as mesas.

Adele não demorou a aparecer e sentar-se à sua frente, rígida e engomada. Odiava quando fazia aquilo. Não precisava de recorrer à fachada à sua frente.

– Vá lá, Adele. Não é o fim do mundo. Não demoraremos muito tempo a encontrar a próxima saída e regressar à estrada certa.

Ela assentiu e bebeu café. Como sempre, a sua fúria esgotara-se e sentia-se vazia.

– Já alguma vez pensaste que as tuas expectativas são demasiado elevadas? Estabeleces objectivos difíceis e castigas-te quando não os alcanças. Não tens de provar nada, sabes? Foi uma volta errada. Toda a gente escolhe um caminho errado alguma vez na sua vida.

– Não estou a tentar provar nada nem impressionar ninguém. Gosto que as coisas sejam bem-feitas e apenas exijo de mim o que espero dos outros. Seria hipócrita não o fazer.

Ele assentiu. Para viver de acordo com os padrões de Adele, era necessário ser um perito no salto à vara.

– Acho que, quanto mais próximas as pessoas estão de ti, mais altas pões as marcas de aprovação.

– Não sejas tonto. Ninguém precisa de passar um exame para ser meu amigo.

Não? Então, porque sentia que cada palavra, cada movimento que fazia, era ponderado e avaliado?

– Acho que queres que toda a gente faça as coisas à tua maneira – ela abanou a cabeça enquanto engolia o café. – Só porque não planeio as coisas com um ano de antecedência, não significa que seja um irresponsável – continuou ele. – Sou diferente de ti, Adele, mas isso não significa que não consiga fazer as coisas ou que não me importe. Nunca falhei uma data de entrega nem deixei de cumprir um contrato. Simplesmente, temos métodos diferentes para alcançar os nossos objectivos.

– Eu sei.

Ele teve vontade de se rir. Era inútil. Se não conseguia esclarecer-lhe as coisas, pelo menos podia tentar aliviar o seu estado de espírito.

– Queres um bolo de chocolate? Vi um no balcão.

Ela assentiu, quase a sorrir. Ele levantou-se e foi comprá-lo. Se Adele não ingerisse uma dose de açúcar, nunca se animaria.

Inclinou a cabeça e olhou para ela.

– Pareces cansada.

– Obrigada.

Esticou o braço e pegou na sua mão. Parecia extenuada, sem vontade de discutir, mas continuava a ser incrivelmente bonita. Nos seus traços delicados havia uma força que falava da sua tenacidade e dinamismo, uma luz inteligente nos olhos que o mantinha constantemente em alerta.

– Eu conduzirei o próximo trajecto. Tens seguro?

– Sou eu, claro que tenho seguro, Nick. Contra todos os riscos… inundações, incêndios, actos de Deus, combustão espontânea… Tudo bem, faz uma piada.

Ele apertou-lhe a mão. Sempre adorara os seus dedos longos e finos. De facto, sentira a falta deles.

– Vai andando para o carro. Eu tenho de comprar algumas coisas.

Viu-a afastar-se devagar. Caminhava sempre tão direita, tão orgulhosa.

Não sabia como ia derrubar aquelas barreiras. Contudo, uma coisa tinha clara, queria recuperar a sua esposa e ia fazer tudo o que estivesse ao seu alcance durante o fim-de-semana para lhe recordar o quanto ela também o desejava.

Ainda guardava alguns ases na manga.

Adele chegou à conclusão de que fingir estar a dormir podia ser cansativo. Levantou uma pálpebra e olhou de soslaio para Nick. Cantarolava algo para si mesmo e agia como se nada no mundo o preocupasse.

Voltou a fechar o olho.

Não era uma pessoa vingativa, porém, uma parte dela estava realmente incomodada por ele não estar mais incomodado. Decidir abandonar o casamento fora a decisão mais difícil da sua vida. Queria que Nick pelo menos parecesse um pouco perturbado.

Quando tinham proferido os seus votos na igreja, pensara que duraria para sempre. Deixara-se arrastar pela química intensa que existia entre eles e nem sequer parara para questionar se havia alguma coisa suficiente para manter aquela relação durante cinquenta anos. Acreditara que todos os ingredientes certos estavam presentes e não se incomodara em aprofundar mais.

Ele fizera com que acreditasse que eram duas metades de um todo. Doce e amargo. Luz e escuridão. Porém, no final, eram demasiado diferentes. Mais como o azeite e a água.

Uma voz que começava a odiar, quebrou o silêncio:

– Dentro de quinhentos metros, saia na próxima saída.

Abriu os olhos e endireitou-se. Já iam deixar a auto-estrada? Dormira a viagem quase toda?

Chovia, contudo, em vez das colinas e os pinhais que esperara ver, havia campos extensos de cogumelos. A paisagem era deprimentemente plana. Era tudo demasiado inglês.

– Porque saímos da auto-estrada, Nick? Onde estamos?

– Em alguma parte dos subúrbios de Stafford. Vamos parar para pôr gasolina – acrescentou em jeito de explicação.

Apesar da sensação de vazio do seu estômago, sentiu que as suas papilas gustativas se rebelavam diante da ideia de mais comida de plástico numa estação de serviço.

– Não tenho a certeza de que… Porque deixámos a estrada?

A voz metálica impediu-o de responder.

– Saia na próxima saída e vire à esquerda.

Estava demasiado cansada para perguntar novamente. Nick ia fazer o que queria, independentemente da sua opinião, portanto, o melhor seria poupar o seu fôlego.

Quinze minutos mais tarde, subiram por uma entrada de veículos e parou o carro. Tinham estacionado à entrada de uma cabana de fantasia: janelas com vidraças, telhado de duas águas e uma bonita cerca à volta de um jardim que parecia espectacular, inclusive naquela época do ano.

Nick fez soar a buzina e Adele fez uma careta. Segundos mais tarde, um homem de trinta e tantos anos saiu da cabana e sorriu a Nick enquanto ele saía do carro.

– Nick! Fico contente por teres conseguido vir. Trouxeste o motor de máquina de lavar roupa que me prometeste?

– Certamente. Está no carro, mas antes de to dar tens de cumprir a tua parte do acordo… um almoço suculento para dois viajantes esgotados.

O homem sorriu.

– Phoebe preparou uma das suas deliciosas sopas. Se não tiveres cuidado, far-te-á beber um recipiente térmico inteiro antes de te permitir continuar com a viagem. Mulheres, eh?

Adele abriu a porta e esticou as suas pernas, dormentes devido à viagem.

– E, por falar em mulheres, esta deve ser a tua esposa.

E, antes que ela pudesse cumprimentá-lo e oferecer-lhe a mão, ele deu-lhe um abraço. Adele olhou para Nick com uma expressão de súplica por cima do ombro do homem, mas só recebeu um sorriso.

– Adele, apresento-te Andy… Trabalhamos em alguns projectos juntos.

Andy finalmente soltou-a e dedicou-lhe um sorriso trémulo.

– Prazer em conhecer-te, Adele, ouvi falar muito sobre ti. Nick não pára de falar da sua bonita e triunfadora mulher. Acho que, secretamente, está à espera de poder abandonar a indústria do cinema para que tu o sustentes com o estilo de vida ao qual gostaria de se habituar.

– Oh!

«Eloquente, Adele. Impressionante. É uma bonita maneira de estar à altura da imagem que Nick deu de ti».

Contudo, Andy não pareceu reparar, pois estava demasiado ocupado a conversar com Nick enquanto os conduzia para a cabana. Rendida, ela suspirou e seguiu-os. Passou a mão pelo cabelo. Graças aos exageros de Nick, a Super Adele ia ter de ficar para o almoço. E, naquele momento, os superpoderes do seu alter-ego estavam manifestamente ausentes.

Entraram numa sala acolhedora com uma lareira. Pouco depois, ouviu passos no corredor e virou-se a tempo de ver entrar uma mulher. Imediatamente, Nick levantou-se e deu-lhe um abraço forte… parecido com o que Andy lhe dera a ela.

– Phoebe! É óptimo voltar a ver-te. Como está tudo?

Phoebe riu-se quando Nick a abraçou ainda com mais força, abanando-a de um lado para o outro até que ela começou a perder o equilíbrio. Uma sensação aguda no estômago surpreendeu Adele. Não desapareceu nem sequer quando a mulher deu um beliscão no braço de Nick para que a soltasse.

Afastou-se dele e virou-se para olhar para ela, ainda com um sorriso radiante.

– Tu deves ser a famosa Adele.

Adele levantou-se do sofá onde se sentara e sentiu os braços e as pernas subitamente rígidos. Estendeu uma mão. Phoebe arqueou levemente o sobrolho, mas apertou-a.

As palavras de saudação não conseguiram ordenar-se na sua cabeça. O que podia dizer? Aquelas pessoas pareciam saber tudo sobre ela, porém, até há cinco minutos, Adele desconhecia a sua existência. Porquê? Realmente ignorara Nick cada vez que ele lhe dera detalhes pormenorizados do trabalho que realizava? Estivera assim tão absorta?

– Olá! – cumprimentou, tentando sorrir.

Phoebe devolveu-lhe o sorriso. Um sorriso verdadeiro. Era evidente que decidira conceder o benefício da dúvida à sua convidada. Adele sentiu-se como se tivesse encolhido alguns centímetros.

– Vem comigo ao celeiro, Nick. Quero a tua opinião sobre uma coisa que estou a construir. É suposto eu fabricar uma máquina de ténis enlouquecida para um anúncio, mas ela recusa-se a ser tão diabólica como quero.

– Se queres algo diabólico, eu sou o teu homem – afirmou Nick, dirigindo-se para a porta.

Phoebe abanou a cabeça.

– A comida estará pronta dentro de vinte minutos. Não me obriguem a ir buscar-vos, está bem? – piscou um olho a Adele. – Os rapazes e os seus brinquedos, não é verdade? Suspeito de que os nossos são piores do que a maioria. Porque não vens para a cozinha para conversarmos enquanto eles desmontam a máquina?

– Claro.

Queria ser brilhante, engenhosa e encantadora, a Super Adele, porém, os seus superpoderes pareciam enterrados debaixo de um monte de sucata. Fora de serviço.

Phoebe parecia realmente simpática. Devia ir para a cozinha e conversar, sem se preocupar com a sensação de formigueiro no seu estômago.

De repente, estar naquela cabana com Nick pareceu-lhe uma ideia atractiva. E ver Phoebe e Andy era como se estivesse a ver o filme de como devia ter sido a sua própria vida.

Tinham tudo: o lar, o casamento feliz. Raízes.

Não conseguiu evitar sentir-se com ciúmes.

Acima de tudo, o que desejava era ter raízes.

A meio da noite - Segura nos seus braços

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