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O commercio

britannico favoravel

ao reconhecimento. O meio era indubitavelmente favoravel á acção da novel diplomacia brazileira. O commercio britannico, cujo influxo na Camara dos Communs é consideravel pelo facto mesmo de achar-se representado n'essa assembléa n'uma vasta proporção (já assim era antes de 1832), aspirava abertamente á tranquillidade publica do outro lado do Oceano, e com tal intuito favoneava quanto podia o reconhecimento do Imperio, cuja grandeza territorial e fartura de recursos promettiam um campo remunerador á exploração mercantil européa. Aferindo as cousas pela craveira ingleza e medindo quanto no seu paiz valia a influencia do commercio sobre a marcha dos negocios publicos, é que o consul geral Chamberlain aconselhava no Rio de Janeiro o Ministro de Estrangeiros Carvalho e Mello a cessar o Governo de fazer apprehender os navios mercantes portuguezes e, pelo contrario, abrir-lhes os portos brazileiros. Restabelecido o trafico entre os dous paizes e accumulados os creditos commerciaes portuguezes no Brazil, os proprios negociantes do Reino sentiriam o maximo interesse em promover a reconciliação, antepondo as vantagens praticas ás susceptibilidades patrioticas. Differente proceder de Canning para com Portugal e a Hespanha. A Canning não era comtudo licito ferir directa e profundamente as susceptibilidades de Portugal, onde estava justamente envidando esforços para moralmente sustentar o regimen constitucional, que parecia ser da escolha enthusiastica da nação, mas que na verdade era repugnante não só á côrte, como á idiosyncrasia nacional. Não precisára ter as mesmas contemplações com a Hespanha, adversaria de sempre em vez de alliada de seculos, e cujo imperio colonial se esphacelára debaixo das vistas indulgentes da Inglaterra, sem que esta pensasse um instante em obstar á desaggregação, antes indirectamente favorecendo-a com a sua sympathia e até agindo directamente, ao combater os ensaios europeus da intervenção supplicada por Fernando VII junto dos monarchas da Santa Alliança. Ainda depois do restabelecimento do poder absoluto em Madrid, teve o rei d'Hespanha de dar ao gabinete de St-James as duas garantias por este exigidas para não tornar immediato o reconhecimento da independencia das possessões rebelladas do Novo Mundo. As garantias eram as seguintes: 1.ª, que a Santa Alliança não auxiliaria a Hespanha no reduzir á obediencia as colonias insurgentes; 2.ª, que o trafico mercantil não volveria a ser exclusivo da mãi patria, ficando aberto a todas as bandeiras. Semelhante promessa por parte da Inglaterra estava porem longe de ser definitiva, no pensamento dos que a formulavam. Não passava de uma dilação. As garantias da Hespanha apenas temporariamente satisfaziam a Canning, para quem o reconhecimento das nacionalidades da America Latina era resolução assente, e que formalmente declarou á Hespanha que, no momento opportuno, o Governo Britannico adoptaria as medidas convenientes para executar o seu designio sem mais entender-se com ella (without further reference to the court of Madrid). Emancipação das colonias hespanholas da America. As colonias hespanholas da America já tinham aliás todas dado provas mais que sufficientes da vitalidade que n'ellas borbulhava. Buenos-Ayres, a que primeiro, rebellando-se contra o usurpador, por menos guarnecida e sopitada e mais pobre e descurada logrou separar-se da mãi patria, não só derrubára o poderio dos seus vice-reis, como armára expedições libertadoras que com Belgrano tinham chegado sem proveito ao Paraguay, com Balcarce attingido ousadamente o Alto Perú, e com San Martin denodadamente corrido ao soccorro do Chile depois do fracasso da insurreição local. Buenos Ayres tambem por si resistira ás intrigas francezas e austriacas, soffregas por impôrem-lhe um principe da Casa de Bourbon ou da de Habsburgo depois de mallograda a candidatura de D. Carlota Joaquina, e, conservando com amor a sua liberdade, ainda que esta não passasse de uma mescla de tyrannia e de anarchia, affirmára em 1826 no Congresso de Tucuman a sua independencia e das provincias que lhe gravitavam em torno, assim consagrando o movimento de 25 de Maio de 1810, em que fôra deposto o vice-rei Cisneros e acclamada a junta governativa. No resto dos vice-reinados a contenda com os elementos fieis ao dominio da metropole sob não importa que regimen, passára por alternativas, ora jubilosas, ora cruciantes, e motivára o derramamento de muito sangue generoso e muito sangue leal em scenas de carnificina que dão á historia da emancipação da America Hespanhola uma tonalidade rubra que a da America Portugueza não conheceu. Na primeira a lucta foi incomparavelmente mais porfiada. Foi antes uma campanha prolongada que começou logo em 1809, quando chegaram além mar as primeiras noticias da invasão da Hespanha pelos exercitos de Napoleão, e ainda durava no Perú quando a Inglaterra, após a entrada em Madrid e em Cadiz das forças do duque d'Angoulême, entrou a dispôr o reconhecimento das republicas que haviam alcançado a victoria e ensaiado a pacificação. O espirito de independencia seguira levando com effeito a melhor, e o gabinete inglez encontrava, nas decididas vantagens obtidas pelos revolucionarios americanos, a mais completa justificação da politica momentaneamente tentada pelos ministros de 1797, de, em opposição á Hespanha, ajudarem moral e praticamente a libertação das suas possessões no Novo Mundo. Estas a tinham entretanto grangeado por si mesmas, pelo explodir dos odios amontoados, e á custa de muitos sacrificios, de muita heroicidade e de muita barbaridade. A insurreição alli resentira-se da falta de um centro, como o tivera a do Brazil, que attrahisse e harmonizasse os disseminados esforços, mas o rastilho revolucionario fôra tão veloz e preciso que ateára fogo a todo o continente, desde o Orenoco até o Prata, desde o planalto do Mexico, em que se ergue a antiga cidade de Montezuma, até a fralda dos Andes, em que se espreguiçam as villas levantadas pelos conquistadores. A extrema facilidade com que o incendio se propagou, com que as labaredas revolucionarias apontaram quasi a um tempo em Caracas, em Quito, em Santa Fé de Bogotá, em Santiago, em Buenos Ayres, prova á saciedade que a usurpação franceza foi apenas um pretexto, posto que em muitos casos sincero, para a lealdade colonial, e que de facto as possessões, si não estavam promptas em educação civica para desfructarem os beneficios da emancipação, achavam-se no emtanto maduras para a insurreição pela infiltração das idéas jacobinas—como tinham vindo a ser denominadas as idéas crescidas e acalentadas no seculo XVIII. Por mais que calafetassem as construcções coloniaes, o aroma subtil e violento da liberdade derramava-se por toda a parte e estonteava todas as cabeças. Frequentemente inconsciente muito embora, a aspiração era tão geral quanto irresistivel, e acabára por conduzir á autonomia do continente. Emissarios inglezes na America Hespanhola. Pelo tempo em que os plenipotenciarios brazileiros, transpunham os humbraes do Foreign Office, apparelhados para a peleja diplomatica, emissarios inglezes percorriam as ex-colonias hespanholas afim de informarem com segurança o gabinete de Londres da situação politica e social em cada uma e do gráo de estabilidade dos seus governos. A litteratura britannica sobre a America Latina é devéras copiosa no primeiro quartel do seculo XIX e a opinião publica na Inglaterra agia com perfeito conhecimento, não só dos recursos, das bellezas naturaes e da historia de qualquer das possessões da Peninsula, como dos seus costumes, qualidade de população e tentativas de independencia. Canning porem carecia de proceder com todas as precauções e reservas officiaes, e por isso aguardou os relatorios dos seus emissarios antes de decidir entrar em relações commerciaes com Buenos Ayres, como aconteceu em Julho de 1824, e com a Colombia e o Mexico, como succedeu em Dezembro do mesmo anno. É evidente que taes relações commerciaes equivaliam a relações politicas, mas em rigor, segundo Canning explicou n'um dos seus discursos parlamentares, o reconhecimento em condições semelhantes, podia passar pela consequencia de protegerem-se interesses já legalmente existentes e não denotar o proposito de crear interesses novos. Offerecimento pela Grã Bretanha á Hespanha da sua mediação. Immediatamente antes, porem debalde, offerecêra a Grã Bretanha á Hespanha a sua mediação para tratar com as possessões emancipadas, sobre a base da sua respectiva independencia. Apenas pretendia que o governo de Fernando VII entrasse nos ajustes preliminares com inteira disposição de ceder n'esse ponto em troca de outras condições satisfactorias. A Hespanha não entendeu acquiescer: appellou para a sua dignidade como um argumento irrespondivel contra tamanha derogação da sua soberania, e o ensaio de accordo gorou sem que Canning se preoccupasse extraordinariamente com isso, porque contava infallivelmente com o futuro. Laissez faire et laissez venir—tinham sido as suas instrucções de 31 de Dezembro de 1823 a Sir William A'Court, representante britannico em Madrid. «Mais cedo ou mais tarde, si nos conservarmos quietos e não dermos pretexto de queixas contra nós, as cousas correrão muito da forma que desejarmos, ou pelo menos que permittirmos..... A questão hispano-americana está essencialmente ajustada.» A doutrina de Monroe e a parte que n'ella cabe a Canning A doutrina de Monroe acabava de dar, na expressão de Canning, o coup de grâce ao Congresso de que cogitavam as potencias continentaes para regular aquella questão. Ora não convinha por modo algum á Inglaterra deixar tomar-se a dianteira pelo Governo de Washington, o qual, mediante a famosa declaração presidencial e o connexo reconhecimento das novas nações latino-americanas, andava grangeando influencia e popularidade no Novo Mundo. É curioso que Canning tivesse indirectamente sido o maior causador da doutrina de Monroe. Havendo proposto ao ministro americano Rush uma acção conjuncta dos Estados Unidos e da Inglaterra na questão da America Latina, dirigida contra a politica reaccionaria da Europa continental, obtivera como resposta achar-se o ministro sem poderes especiaes para acceitar tão imprevisto alvitre, não duvidando comtudo assumir tamanha responsabilidade si a Grã Bretanha quizesse começar por proceder ao reconhecimento politico dos novos paizes hispano-americanos. Opportunidade do reconhecimento da America Hespanhola. Canning julgou não ser ainda chegado o momento indicado e declinou a suggestão de Rush, a qual levantava forte opposição no seio do gabinete. Os Estados Unidos aproveitaram-se porem e deram expressão concreta á insinuação que fôra feita pelo Secretario dos Negocios Estrangeiros de Jorge IV, d'ella resultando a chamada doutrina de Monroe. O instante verdadeiramente opportuno para a sua acção, vangloriou-se Canning de tel-o escolhido um pouco depois, quando Buenos Ayres entrou a soldar as suas desconjunctadas provincias confederadas, a Colombia a escapar ao perigo que lhe acarretára o embarque para outro vice-reinado do seu exercito nacional libertador, e o Mexico a forrar-se das loucas tentativas dos pretendentes como Iturbide. Influxo dos Estados Unidos. Canning entretanto não entendia oppôr-se em caso algum ao estabelecimento de uma monarchia no Mexico, mesmo que fosse em proveito de uma infanta hespanhola. No seu pensar esse acontecimento, que extenderia ao continente norte o principio monarchico já estabelecido no sul, obstaria até a traçar-se a linha de demarcação de que elle mais se arreceava, a saber, America contra Europa, como davam mostras de pretender os Estados Unidos e seria fatal n'uma geral democracia transatlantica. Que assim procedendo, obedecia o illustre estadista á sua perspicacia e não a moveis egoistas, já o verificámos. O espirito politico de Canning attingira o gráo de visão e de tolerancia em que a preoccupação das formas de governo desapparece perante as considerações mais puras, mais levantadas ou mesmo simplesmente mais patrioticas, porque elle não occultava, na sua feliz expressão, que em vez de Europa, gostaria de quando em vez de ler—Inglaterra[4]. Canning e as monarchias absolutas. N'uma carta escripta em 16 de Setembro de 1823 a Sir Henry Wellesley, então embaixador em Vienna, acha-se mais uma vez affirmada a sua liberrima theoria das formas de governo. Não tinha, dizia, objecção alguma a que a monarchia absoluta continuasse a florescer onde era o producto proprio do solo e onde estivesse contribuindo para a felicidade, ou para a tranquillidade (que afinal de contas é a felicidade) do povo. A harmonia do mundo politico não ficaria comtudo destruida por causa da variedade de instituições civis, em Estados differentes, assim como a harmonia do mundo physico não é perturbada pelas grandezas diversas dos corpos que constituem um systema. O Evangelho proclamou que ha uma gloria do sol, outra gloria das estrellas, e assim por diante. O principe de Metternich parecia ser de opinião contraria—que todas as glorias deviam ser iguaes, e estava até disposto a tentar a experiencia com a Inglaterra, para tornar a gloria d'ella o mais possivel identica á do sol e da lua do Continente. Metternich porem que nos deixe socegados em nossa esphera, accrescentava Canning, ou tocaremos uma musica muito desafinada. Condições de neutralidade no reconhecimento da America Hespanhola. Canning era de opinião que uma nação tinha por dever reservar suas energias para dadas occasiões, e não andar desperdiçando-as em contendas que se podessem evitar. Por isso labutava por despir o acto que daria validade internacional ás colonias emancipadas da tutela hespanhola, de toda e qualquer apparencia de hostilidade. Na occasião em que, resolvendo agir, resolveu a agirem gabinete e corôa, reconhecendo a entrada d'aquellas colonias no gremio das nações, já não mais se tratava, com effeito, de retaliar pelas injurias recebidas ás mãos das auctoridades da metropole pelos vehiculos do commercio britannico, nem sequer de n'um impeto de enthusiasmo ajudar os estados embryonarios a alcançarem sua liberdade. Tratava-se tão sómente de admittir os factos consummados e entrar em relações officiaes com as unicas auctoridades constituidas do Novo Mundo. Canning desejava no emtanto fazer sobresahir a neutralidade de facto guardada pela Inglaterra, chegando a consentir na justificação eventual da Hespanha no pretender favores mercantis especiaes das suas possessões emancipadas. Canning entre Portugal e Brazil. A parcialidade britannica em prol da constituição autonomica da grande porção do continente que obedecia aos dictames de Madrid, não era todavia um segredo para ninguem, pelo menos desde que se iniciára a gerencia por George Canning dos negocios exteriores da Inglaterra, e sobretudo desde que o Governo Hespanhol recusára os offerecimentos de mediação ou bons officios que, melhor avisado ou mais sagaz, o Governo de Lisboa acabaria por adoptar para grande beneficio dos seus interesses, os quaes de outro modo teriam corrido á revelia e sido por completo sacrificados ao pundonor do Imperio. Tratando-se de Portugal, carecia Canning, disposto embora no intimo e inabalavelmente a igualmente reconhecer a independencia do Brazil, de salvar mais ainda as apparencias, zelar todas as formas, orientar a sua navegação entre peores cachopos e mais difficeis correntezas. Tomou não obstante pela nossa questão tão decidido interesse quanto pela das republicas hispano-americanas, por amor da qual duas vezes offereceu a Jorge IV sua demissão, e foi quem realmente promoveu o rapido e feliz resultado d'esse inicial conflicto diplomatico. Interesse de Canning no reconhecimento do Imperio. O seu interesse no reconhecimento pacifico da independencia do Imperio era de resto multiplo e de facil comprehensão. Á Inglaterra convinham freguezes ricos e alliados fortes, não freguezes arruinados e alliados desmantelados pela guerra. Demais, a forma monarchica de governo adoptada pelo novo Brazil estava, em face da poderosa facção demagogica nacional, para assim dizer dependente da prompta sancção européa. O exemplo da cordialidade restabelecida entre a mãi patria portugueza e a sua ex-colonia, com todo um cortejo de vantagens economicas, devia além d'isso ser efficacissimo para a Hespanha e para a Santa Alliança, que a sustentava em sua improficua obstinação. Delongas de Portugal. Portugal é que não estava açodado como o promettido mediador no fazer as pazes com a sua possessão rebellada, sobretudo depois que a expulsão manu militari dos deputados da nação brazileira e a prisão e exilio dos corypheus do partido anti-portuguez lhe haviam dado fagueiras esperanças de que D. Pedro, um instante desorientado pelos perfidos conselhos dos patriotas, voltaria á razão e ao lucido exame dos seus interesses, que eram os de uma monarchia una. Portugal não contava portanto demover-se da sua postura sem primeiro ter exgottado os ardis e delongas da diplomacia, e sem bem experimentar a rigidez da decisão de Canning, para a qual influira, afóra os expostos e palpaveis motivos, a attitude sympathica e correcta do Brazil official, contrastando com a hostilidade á Inglaterra, evidenciada pelas Côrtes de Lisboa. Verdade é que o Governo Constitucional estrebuchava nas ancias da morte desde a Villafrancada, e que a plena auctoridade restabelecida do soberano buscaria instinctivamente firmar-se na amizade britannica, tradicional na sua dynastia, ainda que fossem fortissimas as seducções empregadas pela Santa Alliança para angariar mais este sequaz. Instabilidade politica no Brazil. Os Andradas e o sentimento liberal. Por outro lado a instabilidade politica no Brazil era tão pronunciada que com orientação definitiva alguma se podia contar. É sabido que os Andradas, que governavam quando foi proclamada a Independencia e para esta trabalharam pertinazmente, excitaram pelas suas arbitrariedades a inimizade de Ledo, José Clemente e outros elementos mais democraticos, apoiados nas lojas maçonicas, mandadas mais tarde parcialmente fechar, e para minarem a influencia das quaes organizaram os Andradas o Apostolado e fundaram o Regulador. O Apostolado tomou as feições de um club como os da Revolução Franceza, sendo para a Constituinte do Rio de Janeiro o que o club dos Jacobinos foi para a Convenção: alli se discutiam primeiro as medidas legislativas a propôr á Assembléa deliberante. Os Andradas eram, no justo dizer de Armitage, facciosos na opposição e prepotentes no poder. Após uma curta demissão, tinham voltado ao ministerio com a condição de deportarem os contrarios e buscaram firmar na perseguição a sua auctoridade, com o resultado que lhes decahiu de prompto a popularidade, crescendo a onda liberal. Ao iniciar a Constituinte as suas discussões, encarnavam os Andradas a defeza dos interesses monarchicos contra as idéas radicaes da maioria da Assembléa. As posições inverteram-se porem muito depressa. A defeza por Antonio Carlos de um projecto anti-portuguez de Muniz Tavares levára os realistas extremes a travarem alliança com os patriotas, sempre desconfiados dos Andradas, cuja queda assim se tornou inevitavel, substituindo-os ministros moderadamente realistas (Carneiro de Campos e Nogueira de Gama). Os Andradas converteram-se logo por isso ás idéas opposicionistas e tornaram-se façanhudos liberaes. Foi o tempo inolvidavel do Tamoyo e da accesa lucta parlamentar que terminou com a demonstração militar levada a cabo pelos Portuguezes, a organização de outro gabinete mais marcadamente realista, a dissolução da Constituinte e a deportação de José Bonifacio, Antonio Carlos, Rocha, Montezuma e outros. Portugal invoca em Londres os antigos tratados de alliança. O golpe de vista antolhava-se pois favoravel á ex-metropole, para a qual a desordem no Brazil significava a perspectiva de melhores tempos. D'ahi uma recrudescencia em Lisboa de esperanças e de impertinencia. Em Londres o ministro Villa Real exigira na Nota Verbal ao Foreign Office de 4 de Março de 1824, a mesma aliás em que Portugal entrou a fraquejar, que, em observancia dos antigos tratados de alliança entre as duas nações, a Inglaterra não celebrasse convenção alguma com o «Governo do Rio de Janeiro» sem que fosse contemplado Portugal, e indicára ao mesmo tempo as condições preliminares de quaesquer negociações suas com o Brazil. Eram quatro essas condições: cessação de hostilidades; restituição das prezas maritimas e levantamento dos sequestros; promessa formal de não serem atacadas as colonias ainda fieis á Corôa portugueza; despedida dos subditos britannicos ao serviço do Imperio. Na sua communicação ao ministro Carvalho e Mello, successor de Carneiro de Campos, o consul Chamberlain especificava como sendo os seguintes os tratados invocados por Portugal em abono da sua reclamação: Tratado de Londres de 29 de Janeiro de 1642, artigo 1.º, Tratado de Westminster de 10 de Julho de 1654, artigos 1.º e 16.º, e Tratado de Whitehall de 23 de Junho de 1661, artigo secreto. No proprio mez da proclamação da Independencia do Brazil e na previsão d'esta occorrencia, o Governo Portuguez, o qual durante o mesmo predominio das Côrtes pensára em entrar com a Hespanha n'uma alliança defensiva e offensiva, juntando-se os seus recursos e armamentos com o fim de subjugarem as respectivas possessões rebelladas, instára com o Governo Britannico para concluir um tratado garantindo a Constituição approvada e a integridade do dominio lusitano. Apezar do governo liberal ameaçar fechar o accordo com o correlegionario hespanhol e necessariamente prejudicar a influencia ingleza até então absorvente, Canning excusára-se ao convite, que só vinha pôr estorvos ao seu plano de organização autonomica do mundo latino-americano, e não lhe parecia deduzir-se como clausula obrigatoria das solemnes convenções de amizade pactuadas entre as duas nações. A Chancellaria Brazileira discute o appello portuguez. No entender da Secretaria de Estrangeiros do Brazil o appello portuguez áquelles velhos tratados devia ser antes taxado de pueril, visto que, quando taes convenções haviam sido ajustadas, apenas podiam ter cogitado da hypothese de uma desavença e eventual reconciliação com terceira potencia, entrando uma das partes contractantes em accordos prejudiciaes aos interesses da outra parte. Em 1808 por exemplo, no momento da declaração de guerra de Napoleão, Portugal não teria a liberdade de ajustar a paz com a França em prejuizo da Inglaterra. É claro que os dous tratados, de 1642 e 1654, estipulavam nos termos mais explicitos que nenhum dos dous paizes consentiria em que fosse perpetrada injuria por guerra ou por tratado contra o outro paiz; que não seria concedido asylo nos territorios de um aos insurgentes contra o poderio do outro, e que ficariam fóra da lei os transgressores das disposições contidas nos referidos tratados. Mais do que isso—o tratado de 1661, celebrado por occasião do casamento de Carlos II com a Infanta de Portugal, rezava muito cathegoricamente que a Grã Bretanha protegeria a integridade do dominio colonial portuguez. O Governo de Lisboa sustentava que a tomada pelas forças do Governo independente do Rio de Janeiro das provincias brazileiras fieis á auctoridade portugueza; a persistencia nas hostilidades a despeito da attitude pacifica voluntariamente assumida por Portugal, e sobretudo o engajamento na marinha e exercito imperiaes de subditos britannicos, constituiam flagrantes violações dos tratados em vigor. Estes tratados não podiam porem, contestava nossa Chancellaria, prever o conflicto entre porções da mesma monarchia, da qual uma reclamasse «o goso privativo de seus direitos naturaes e politicos». A admittirem-se semelhantes fundamentos, a Inglaterra deveria igualmente pôr-se contra as colonias ao lado da Hespanha, nação com que andava ligada por tratados tão antigos quanto o de 18 de Agosto de 1604. Este facto não impedira comtudo a Hespanha de, alliada á França, combater a Grã Bretanha quando foi da revolta das Colonias Inglezas da America, com as quaes o proprio Portugal pretendêra entrar em relações, propondo a Benjamin Franklin, então enviado em Pariz, a negociação de um convenio, antes de reconhecida pela mãi patria a independencia dos Estados Unidos. Levando a 5 de Maio de 1824, por ordem de Canning, ao conhecimento do nosso Ministerio de Estrangeiros o conteudo da Nota Verbal do ministro Villa Real, o consul Chamberlain ajuntára achar-se S. M. Britannica disposto a não abandonar o seu velho alliado Rei de Portugal, e reiterára as representações do Governo Inglez contra «a continuação inutil de hostilidades não provocadas nem sequer retaliadas, as confiscações injustas e sem motivo plausivel de propriedades portuguezas, e o emprego indesculpavel de subditos britannicos nas operações de guerra contra uma potencia com a qual estava S. M. Britannica em relações de amizade e alliança». O Governo Britannico «esperava que o Governo Brazileiro, guiado por um espirito de sabedoria e humanidade, prestar-se-hia de bom grado a acceder a essas representações, baseadas tanto sobre seus proprios interesses quanto sobre os usos reconhecidos». Concessões do Imperio. Respondendo, avançava o Brazil que a Portugal não era dado valer-se de obsoletos, ou melhor, inapplicaveis tratados de alliança com a Inglaterra no intuito de embaraçar a obra do reconhecimento da sua cathegoria politica. Afim de por seu lado aplainar a execução da dita obra, convinha porem o Governo Imperial no levantamento dos sequestros; na attribuição das prezas ao julgamento de uma commissão ad hoc para fixação dos prejuizos soffridos e de justa e reciproca compensação; e por ultimo na facil promessa de não mandar atacar as colonias portuguezas d'Asia e Africa, persistindo em cerrar os ouvidos ás requisições chegadas d'Angola e Benguella, na costa occidental africana, para se lhes prestarem auxilio com que se reunissem ao Imperio. Uma expedição longinqua d'essa natureza mudaria aliás logo o caracter civil da contenda entre Brazil e Portugal, tornando-a quasi analoga a uma aggressão estrangeira contra as possessões de S. M. Fidelissima. Na materia da demissão dos officiaes britannicos, que livre e espontaneamente, no goso das suas prerogativas de cidadãos do Reino Unido, haviam posto suas espadas ao serviço da libertação de um paiz escravisado, é que o Governo Imperial escolhia não acceder; assim como continuava a fazer a cessação legal (porque virtual já o era) das hostilidades dependente do reconhecimento da independencia pela ex-metropole. A opinião publica e a suspensão das hostilidades. O Governo Imperial explicava que não só seria desairoso e offenderia o espirito publico, naturalmente susceptivel n'uma crise semelhante, o ordenar publicamente o Imperio a suspensão das hostilidades quando a paz se não achava ainda firmada, como daria ensejo a propagar-se a calumnia assacada pelos demagogos ao Imperador, de estar em connivencia secreta com seu Pai. Isto quando a separação era um facto consummado e absolutamente ao abrigo de qualquer reconsideração. O gabinete do Rio devia já estar farto de repetir o que representava a pura verdade historica—que a independencia do Brazil não fôra o simples resultado de um movimento brusco e repentino de despeito ou de revolta: fôra a coroação calculada e consciente de uma serie de actos praticados pelo paiz em defeza propria, desde que a politica franca e inequivocamente anti-brazileira das Côrtes de Lisboa obrigou o monarcha a regressar para Portugal, e pretendeu compellir o reino ultramarino a deixar-se novamente impôr a tutela do outro reino. Solidez da Independencia. D. Pedro não podia ter interesse pessoal na separação, que lhe diminuia o patrimonio: si accedeu em pôr-se á frente do movimento de desunião, é que o amor proprio offendido, a conveniencia do momento historico e mesmo a justiça da causa brazileira dictavam-lhe este procedimento, desejado e applaudido tanto pelos que ambicionavam obter depressa a emancipação do Brazil, como pelos que receavam ver cahir o paiz nas mãos da facção extrema ou fragmentar-se a immensa colonia. A independencia não corrêra no emtanto tão facil e rapida quanto poderia deduzir-se do aspecto quasi incruento do conflicto. O partido portuguez era poderoso, tinha soldados aguerridos, armas e mais dinheiro. O partido nacional possuia massas indisciplinadas, as armas de carregação que ia importando por intermedio dos seus agentes na Europa, e os montes de papel moeda que, a guisa de destroços de um naufragio, annunciavam o sossobrar do Banco do Brazil, creado pelo governo paternal de D. João VI para desenvolver a economia brazileira, e que passára a ser, com seus cofres vasios de numerario e seus livros de caixa prenhes de passivo, o emblema do descalabro financeiro da colonia que no seculo anterior fizera a opulencia de Portugal. O impeto do movimento separatista foi comtudo tão indomavel, que as forças militares da metropole cederam ante as ameaças palavrosas mais ainda do que diante das demonstrações bellicosas, que o sentimento de antagonismo ao Reino foi gradualmente tomando consistencia, linhas e feições com as provocações reaes e imaginadas, e que o divorcio dos espiritos attingiu o seu auge no momento mais azado para vingar e para forçar a deferencia das outras nações. Conveniencia de transferir para Londres a séde das negociações. As pretenções de Portugal tinham sido, com os argumentos expostos, habilmente discutidas no Rio de Janeiro entre o Ministerio de Negocios Estrangeiros do Imperio e o Consulado de S. M. Britannica, mas, para serem efficientes, as negociações tinham que transportar a sua séde para Londres, pelo menos emquanto se não chegasse a uma primeira intelligencia, que fizesse apparecer a perspectiva da reconciliação. A Nota do

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