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CAPITULO VI
A «ratoeira» do elevador da Bibliotheca insuccesso do «complot»

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Todo o dia 28, desde as primeiras horas da manhã, foi passado n'uma anciedade enorme indescriptivel. Os republicanos e os dissidentes, ainda então á solta, sabiam perfeitamente que a policia os não desfitava e que era uma questão de minutos, talvez, a perda da sua liberdade.

Proximo das 11 horas da manhã, o sr. Alpoim, que estava no centro da dissidencia progressista, recebeu a ordem revolucionaria n'outro logar transcripta, e ás 2 da tarde foi para o elevador da Bibliotheca com os srs. João Pinto dos Santos, Egas Moniz, Cassiano Neves, Batalha de Freitas e outros mais. Encafuaram-se todos n'um cubiculo, tendo á porta uma vedeta que se revesava regularmente. Das 2 ás 4, nada occorreu ali de anormal. Ás 4, os dissidentes, já então acrescidos de Marinha de Campos e Alvaro Pope, esperaram que o chefe da grande orchestra movesse a batuta. N'outros pontos de Lisboa, a scena era quasi identica. Estava tudo a postos. Faltava apenas o signal combinado…

Ao cahir da tarde, como se espalhasse o boato de que o movimento tinha de soffrer novo adiamento de horas, Marinha de Campos, Alvaro Pope e o visconde de Pedralva foram de automovel percorrer os quarteis, transportando ao mesmo tempo armas e munições. Pouco depois, entrou no elevador o tenente-coronel Amancio de Alpoim e communicou aos conjurados que a revolta gorara e que era conveniente que abandonassem o edificio, pois a policia já lhes andava no encalço.

Debandaram. Mas d'ahi a uma hora voltaram novamente a reunir-se na casa do tenente Furtado, contigua ao elevador. Isso de nada serviu, porque Alvaro Pope, que ali appareceu já noite fechada, tinha informações identicas ás do tenente coronel Amancio de Alpoim. O movimento fôra mal succedido, as tropas tinham sido postas de prevenção, as guardas dos edificios publicos haviam sido reforçadas e o comité revolucionario ordenara definitivamente a retirada das forças mobilisadas. O dr. Egas Moniz, sabendo que o sr. Affonso Costa e o visconde da Ribeira Brava tinham entrado no elevador, foi ao seu encontro. N'esse mesmo instante, a policia principiava a cercar a casa do tenente Furtado. Era evidente que se preparava para capturar o sr. Alpoim e os seus amigos, como d'ahi a pouco capturou os srs. Affonso Costa, dr. Egas Moniz e visconde da Ribeira Brava. Impunha-se a fuga.

O porteiro do edificio, informado do caso, communicou ao sr. Alpoim a existencia d'uma sahida pelo lado da calçada de S. Francisco. Os dissidentes aproveitaram-na, mas com dificuldade. A portinha era estreita e o corredor que ali conduzia era lobrego e cheio de teias de aranha. Os dissidentes desceram-no, cautelosamente, quasi roçando pelos policias, que começavam então a invadir as escadas. Em baixo, novas difficuldades e sobresaltos. A fechadura não servia desde annos e foi um trabalhão para fazer girar a chave. Na calçada de S. Francisco não havia um unico policia… O sr. Alpoim e alguns dos seus amigos foram ao centro dissidente, no largo das Duas Egrejas. Ali souberam das prisões effectuadas dentro do elevador da Bibliotheca. O visconde do Ameal encaminhou-se logo para a estação do Rocio, d'onde fugiu para Villa Franca e depois para Hespanha; o visconde de Pedralva imitou-o, e o sr. Alpoim, mettendo-se n'um trem, foi para casa. Mas, calculando que ia egualmente ser preso, passou, momentos antes da policia o procurar, para a residencia do sr. Teixeira de Souza e no dia seguinte, á noite, abrigou-se no palacete do sr. Henrique de Mendonça, d'onde se escapuliu, em automovel, para o paiz visinho.

Quasi á mesma hora em que os dissidentes abandonavam a casa do tenente Furtado, o dr. José d'Abreu corria ao Club dos Caçadores a convencer os revolucionarios que ali se encontravam da inutilidade do seu esforço, visto que o dr. Affonso Costa já tinha cahido nas garras da policia. Egual prevenção era feita aos grupos capitaneados pelo engenheiro Antonio Maria da Silva, professor Ferrão e tantos outros, que só esperavam o signal combinado para luctarem com energia, coragem e decisão em prol da liberdade politica. Depois, seguiram-se: o esboço de ataque á esquadra do Rato, onde morreu um policia, a fusilaria na rua da Escola Polytechnica e na rua Alexandre Herculano, a tentativa de ataque á esquadra do Campo de Sant'Anna, os incidentes de Alcantara, etc., emfim varios episodios que mostraram claramente aos profanos boquiabertos a extensão do movimento projectado.

Porque falhara? Já o dissemos: porque, dependendo em absoluto da prisão do dictador e não tendo o grupo civil a isso compromettido levado a cabo a sua missão, todos os elementos a postos se conservavam inactivos ou procuraram escapar com presteza á desforra do governo franquista. Todos… não dizemos bem. Affonso Costa, dentro do elevador da Bibliotheca e cercado pela policia, puxou d'um revolver para resistir até á ultima. O visconde da Ribeira Brava impediu-o de o desfechar. Machado dos Santos, Serejo Junior e Helder Ribeiro pensaram, como ultimo recurso, sublevar caçadores 2 e com esse regimento e o corpo de marinheiros tentar a libertação dos chefes revolucionarios encarcerados pela dictadura. Marinha de Campos alvitrou a sublevação da fragata D. Fernando e declarou-se prompto a fazel-o sem outro auxilio de militares. Machado dos Santos tentou tambem approximar-se das baterias de Queluz, onde os revolucionarios contavam um apoio fortissimo.

E descreve elle no seu relatorio de 1912:

«N'essa tragica noite tudo fugiu! O commandante audacioso d'um regimento teria salvo o seu paiz. As portas do quartel de marinheiros estavam completamente fechadas. Só o 2 de caçadores, que fôra reforçar a guarda do paço (onde estavam officiaes nossos) o poderia ter feito. O terror era grande na cidade. Encontro-me no Rocio com Candido dos Reis, Moura Braz e Tito de Moraes, se não estou em erro; dirigimo-nos ao Club Militar; o almirante Botto e um outro cujo nome me não occorre ouviram Candido dos Reis tentar leval-os para o nosso lado. João de Freitas Ribeiro gritava que uma dictadura nos não devia impôr um rei; os almirantes e um capitão de mar e guerra que lá estava (cujo nome tambem ignoro) ficaram mudos e quedos e nós retiramo-nos, ouvindo eu dizer a um dos tenentes que comnosco se encontravam:

« – Almirantes de borra, que nem para um acto de dignidade servem!..

«Candido dos Reis (ainda não era almirante) dirigiu-se a casa do dr. Bernardino Machado, levando-me em sua companhia; lá, falsas noticias nos chegam, e, entre ellas, duas de calibre superior; infantaria 5 tinha-se revoltado e tomado o Cabeço de Bolla e o 16 tinha-se batido contra a guarda e vindo para a rua. Candido dos Reis ordena-me que vá averiguar da verdade e, n'esse momento, chorando de raiva, lembro-me de ter sido menos correcto com o dr. Bernardino Machado, o qual muito paternalmente se não melindrou com isso, dizendo talvez no seu fôro intimo que eu era um visionario e que, como tal, era muito desculpavel o meu estado de exaspero. Ambos tinhamos razão; cada um via as coisas pelo seu prisma. Elle estava informado do retrahimento dos officiaes e eu imaginava que todos, até final, tinham obrigação de honrar os seus compromissos.»

Cumprindo a ordem de Candido dos Reis, Machado dos Santos encaminhou-se para Campo de Ourique. Em volta do quartel de infantaria 16, agglomeraram se muitos populares que affirmavam que o regimento tinha sahido, levando tudo adeante de si. Machado dos Santos, incredulo, approximou-se do edificio e perguntou á sentinella quem ia a commandal-o.

– Vá para o largo – foi a resposta que obteve.

E, quasi ao mesmo tempo, a guarda do quartel fez uma descarga de fusilaría, seguida de alguns tiros espaçados que obrigaram o triumphador da Rotunda a fugir até o largo da Estrella e depois até o Rato. Aqui formava pacatamente o 16, commandado pelo respectivo coronel. Mais adeante, em frente da casa do dictador, uma companhia d'aquelle regimento fraternisava com um esquadrão da guarda municipal. Não havia que duvidar; o 16 sahira do quartel, mas para defender a monarchia.

Em resumo; apesar do insuccesso palpavel da insurreição, é justo consignar que, na noite de 28 de janeiro, muitas das creaturas n'ella implicadas quizeram desobedecer á ordem do comité revolucionario e lançar-se corajosamente na revolta. Houve momentos de amargura, em que esses homens attribuiram a responsabilidade do adiamento, sine die, da insurreição, ás hesitações d'uns companheiros. Um grupo de sargentos de artilharia chegou mesmo a propor a sedição do regimento 1 como inicio immediato do movimento. Foi necessario que a vontade persuasiva de alguns se impusesse fortemente para evitar um copioso derramamento de sangue. O desejo de combater, a raiva que a contra ordem de revolução provocara n'um grande numero de conjurados eram tamanhos que só por milagre Lisboa não acordou a 29 de janeiro de 1908 mergulhada em horrorosa chacina.

Felizmente, não succedeu assim. O dictador, tendo-se-lhe desenrolado ante a vista turva uma boa parte da machinação revolucionaria, embrenhou-se, naturalmente, n'um amontoado de providencias de occasião. Primeiro que tudo, collocou a mordaça do estylo na bocca da imprensa; ordenou uma sahida de tropas que equivalia á declaração do estado de sitio, visto que ellas é que fizeram na madrugada de 29 a policia da cidade; ordenou rusgas; remetteu para os fortes grandes levas de presos; exhibiu a cavallaria da municipal em diversos locaes para aterrar, para suffocar o menor impulso de reacção; e no dia 29 preparou-se para completar a sua obra de repressão com o famoso decreto que o ministro Teixeira de Abreu levou a Villa Viçosa á assignatura do rei Carlos.

O governo franquista, não satisfeito com o ter lançado á tôa para diversas prisões todas as creaturas que a policia encontrou nas ruas da cidade, momentos depois do ataque á esquadra do Rato, aprestava-se a expellir pela barra de Lisboa todos os politicos, todos os cidadãos que, n'uma hora de legitima revolta contra um regimen de perfeita tyrannia, tinham ousado preparar a queda logica, indispensavel, do throno dos Braganças. Á atmosphera de pavôr immenso, que creara com essas perseguições arbitrarias – o governo civil de 28 para 29 encheu-se rapidamente de populares – queria sobrepôr uma verdadeira mortalha, embrulhando no famoso decreto todas as individualidades que elle suppunha, com bom ou mau fundamento, implicadas na conspiração.

Não o conseguiu, porém. E não o conseguiu, porque, mal o decreto foi publicado no Diario do Governo e antes que o dictador iniciasse a sua applicação feroz, outra força, e extraordinaria força, com que elle nunca sonhara, impediu a consecução dos seus designios. O regicidio travou a corrida vertiginosa para a selvajaria que o gabinete João Franco desfechara, pretendendo convencer o paiz de que assim cumpria uma missão patriotica. O regicidio… sim, foi o regicidio que evitou um authentico attentado brutal, anti-politico, libertou dos ferros da prisão alguns dos organisadores da revolta de 4 e 5 de outubro e impediu que muitos dos que implantaram a Republica em Portugal gemessem até essa data gloriosa no desterro abrasador…

A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)

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