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Capítulo 2 ─ O lado oposto

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No outro lado do Coração do Tempo, dois anos depois, e mais de mil anos no futuro.

A carta estava endereçada para o santuário de Hogo. O avô Hogo olhou o envelope elegante que o mensageiro lhe entregava quando voltava para a mesa onde tomava chá. Antes da batida na porta, ele desfrutava a paz e quietude daquela casa, geralmente tão agitada.

Todos haviam saído para aproveitar a tarde. Tama estava num salão de jogos na cidade com uns amigos, Kyoko tinha ido à biblioteca para estudar, e a sra. Hogo fora fazer compras no mercado.

Apanhando uma pequena faca sobre a mesa, o avô deslizou cuidadosamente a lâmina afiada através do envelope de bordas douradas. Pegou uma carta com firma reconhecida em papel grosso de bordas douradas de dentro do envelope e começou a lê-la. Quanto mais lia mais atônito ficava. Tratava-se de uma bolsa de estudos, uma bolsa de estudos completa numa escola muito cara e em um subúrbio do outro lado da cidade.

“Universidade K.L.” Sua voz de ancião mostrou assombro, pela primeira vez em muitos anos. Enquanto lia, percebia que todos os custos estavam cobertos, até mesmo o custo do dormitório onde ela ficaria. A carta estava assinada pelo fundador da escola pela sua rubrica K.L.

O rosto enrugado do avô abriu-se no mais luminoso dos sorrisos. Kyoko iria ficar mais feliz do que nunca. Ele sabia que ela estava preocupada de não ser aceita em nenhuma academia por ter faltado tanto à escola, e agora, ela estava indo para uma melhor que qualquer outra da região.

Franziu o sobrolho, pensativo. A admissão nessa escola era a mais difícil de todas e ele não sabia de ninguém que tivesse tido a inscrição aceita. Havia também um boato que pouquíssimos estudantes eram aceitos por causa dos requisitos excessivamente rigorosos apenas para fazer a inscrição. Como ela tinha sido aceita num lugar para o qual nem tinha feito a inscrição?

Sua mente recapitulou os dois últimos anos. Kyoko tinha levado algum tempo para entrar de novo no clima do dia a dia depois tinha voltado da casa do santuário tão desorientada. Todos tinham ficado confusos quando ela aparecera repentinamente, pois ela não tinha lembrança alguma do tempo em que estivera ausente.

A família Hogo sabia onde ela havia estado, porque ela tinha ido e vindo através do portal do tempo muitas vezes. Kyoko era a única com amnésia súbita a respeito do ocorrido

Ela nem se lembrava de Toya. Mas para o avô tudo estava bem, pois ele achava melhor que ela não tivesse lembrança alguma do guardião da travessia do portal. Era melhor que ela esquecesse tudo sobre o outro lado e o perigo que tinha trazido.

Seus olhos ficaram tristes por um momento. Sim, a família sabia quase tudo que tinha acontecido, porque Kyoko ia e vinha entre os mundos e, enquanto neste lado, ela os colocava a par dos últimos acontecimentos. O avô também podia afirmar que ela escondera boa parte do que não queria que eles soubessem. Coisas que agora eles jamais saberiam, pois ela tinha esquecido esses segredos.

Mesmo depois de Tama, sua irmã mais nova, ter lhe contado muito do que sabia, ela apenas balançava a cabeça e abaixava os olhos. Apenas se lembrava de ter estado sozinha em outro mundo. Um mundo cheio de monstros.

O avô franziu os lábios enquanto refletia. Ele sabia que as coisas tinham se endireitado porque Kyoko dissera que se lembrava de algo sobre o Cristal do Coração Guardião voltando para dentro dela e que isso não ocorria mais. Depois de algumas semanas, ela já se dedicava inteiramente aos trabalhos escolares e estava tirando ótimas notas; então, tudo tinha valido a pena. O avô ouviu a porta da frente se abrindo e sorriu abertamente.

Beijando a carta como se fosse um amuleto sagrado de boa sorte, viu sua neta indo para a cozinha. Kyoko adoraria essas notícias.

*****

Três semanas depois...

Olhos amarelos demoníacos observavam a jovem do passado se aproximar da academia. Ele a encontrara e, de alguma maneira, faria o que era certo novamente. Sentiu sua aparência humana se desvanecer por um instante, quando seus olhos brilharam como ouro líquido na lembrança de tudo que tinha acontecido naquele dia fatídico no meio da batalha cruenta.

Os raios do sol da manhã entraram pela janela projetando uma estranha sombra de asas atrás dele. Ergueu as mãos com garras e estreitou os olhos observando suas garras recuarem para o interior de seu disfarce humano.

Voltando seu olhar de assombração para a sacerdotisa, ele acalmou internamente seus poderes. Era chegado o momento. Com a pureza de Kyoko, sentiu o despertar da maldade dentro de si. A batalha inacabada estava prestes a começar. Dessa vez, ele não cometeria o mesmo erro.

Kyoko olhou o imenso edifício. Teve a mesma impressão de estar olhando o grande castelo de algum passado desconhecido. Sorriu intimamente; não pôde evitá-lo. Ela ainda estava muito feliz depois que soube da bolsa de estudos e pelo fato de que podia mesmo morar ali.

Voltou-se para Tama. Ele fôra de grande ajuda tendo vindo em seu auxílio, carregando sua bagagem e ajudando-a a se instalar. Kyoko estava contente por ter falado com sua mãe e avô quando estava em casa e ter podido se despedir deles. Estava meio tonta com tanta liberdade e respirou fundo para saboreá-la.

“Kyoko, você vai ficar aí o dia inteiro, ou vai em frente procurar o dormitório?” Tama se queixou, apesar de também ter ficado impressionado com a vista. Ele olhou para cima, pasmado com o gigantesco arco que levava ao portão principal.

Kyoko olhou o mapa e apontou para o enorme edifício ligado ao lado direito da escola. “Deve ser aquele edifício”. Ela virou-se para Tama dando uma piscadela. “Obrigada pela ajuda hoje de manhã”.

Tama sorriu, um pouco embaraçado. “Claro Kyoko, afinal, vou ficar um pouco livre de você e só isso já me compensa”. Partiu agachado tentando escapar dela morrendo de rir.

Kyoko começou a correr atrás dele, mas parou no meio do caminho sentindo-se observada.

Enquanto a brisa afastava seu cabelo ruivo-castanho do rosto, ela olhava o edifício perguntando-se que olhos eram esses que a espreitavam, já que não via ninguém. Vinha percebendo coisas estranhas nos últimos anos, e sabia que, sem dúvida alguma, alguém a espionava de perto. Quase sentia que a tocavam.

Pensou ter percebido algum movimento na janela de cima, mas ao fixar o olhar, não viu nada. Kyoko soltou um suspiro e compreendeu que a sensação de estranheza tinha passado. Suavemente mordeu o lábio sentindo-se decepcionada em partir. Desistindo por fim, ela finalmente alcançou Tama e entraram juntos no prédio. Ambos ficaram paralisados quando olharam em volta.

“Esse lugar é assombroso”, murmurou Tama, olhando e acrescentado com voz séria. “Cuidado com esse mapa, conhecendo-a bem, digo que você pode se perder aqui”.

Kyoko fingiu que não ouviu enquanto seus olhos vagavam pelo interior do saguão principal. O salão onde estavam tinha uma altura de três andares e uma escadaria que subia em espiral para os outros pisos. Num dos lados havia uma enorme biblioteca; o outro lado parecia abrigar uma área de recreação e, bem no meio, existia um gigantesco candelabro pendendo lá do alto do teto abobadado.

´Realmente, detestaria vê-lo cair´, disse ela para si mesma.

Embaixo do candelabro, uma área de estar com móveis luxuosos. Os estudantes estavam já ativos e empenhados em seus afazeres, embora ainda fosse bem cedo da manhã. Ela quis chegar o mais cedo possível e agora eram 7h30; olhou o mapa novamente perguntando-se para onde deveria ir em seguida.

Suspirando, olhou por cima do ombro para Tama e apontou a escada em espiral em frente deles. Tinham quatro maletas entre eles, pois Kyoko estava mesmo de mudança e elas estavam pesadas.

Tama fez cara desanimada. “Você deve estar brincando”. Ele soltou a alça da maleta maior reconhecendo que os rodízios não serviriam para nada dessa vez. “Só tenho 12 anos, sabia?”

Ela ergueu os ombros determinada.

Kyoko se surpreendeu quando uma voz masculina atrás dela disse: “A senhorita chama-se Kyoko Hogo”?

Ela imediatamente virou-se e respondeu: “Sim”

Seus olhos se arregalaram quando encarou o belo jovem que perguntava. Tinha surpreendentes olhos azuis e uma longa cabeleira escura puxada para trás em rabo de cavalo. Enquanto olhava admirada, sentiu uma brisa estranha passar pelo seu rosto. As pontas de seu cabelo lhe fizeram cócegas na face enquanto a brisa soprava.

Ele estava lhe sorrindo de maneira atraente. Então, para sua surpresa, ele estalou os dedos e dois camaradas apareceram não se sabe de onde, pegaram a bagagem e subiram a escada com elas. Os olhos de Kyoko mostravam assombro, mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, o outro sujeito levou suas mãos ao lábio e beijou-as como se ela fosse uma princesa.

“Meu nome é Kotaro. Não gostaria de ver alguém tão linda como você tendo que carregar algo tão pesado. Agora, siga-me para que eu lhe mostre seu dormitório”. Kotaro começou a subir as escadas confiantemente, de mãos dadas com ela.

O calor repentino que percorreu seus dedos e subiu pelos braços, continuou se espalhando pelo corpo de Kotaro e despertando seu sangue de guardião. Esse era um segredo que pretendia guardar. Kotaro apertou a mão dela ligeiramente sabendo que ela era quem esperara tão pacientemente. Sentira no momento em que ela entrara na sala.

Kyoko ergueu a sobrancelha delicadamente e pensou consigo mesma: “Deuses, salvem-me de homens corteses. Onde é que vim parar?”

Virando-se, ela encolheu os ombros para Tama, que estava ali de boca aberta. Kyoko levantou a cabeça para o lado e ergueu uma sobrancelha. “Tama, tenha cuidado, você vai acabar pegando uma mosca se ficar assim.” Antes que ele pudesse se recompor, ela virou-se e seguiu a figura ágil do sujeito que ela só sabia chamar-se Kotaro.

Mentalmente, ela marcou um ponto a seu favor, no marcador secreto e imaginário que mantinha entre ela e Tama. Ela o ouviu bufar atrás dela enquanto subiam as escadas e soube que estava ganhando o jogo.

Cruzaram então com um sujeito que descia as escadas. Quando ele passou sem olhá-la ela sentiu um aperto no coração e parou de respirar. O silêncio se fez quando ele passou por ela quase que em câmera lenta. Então, tudo voltou ao normal enquanto seu coração bateu uma vez menos e depois se acelerou.

Uma sensação de desconforto percorreu sua pele, como se ela não estivesse notando algo, ou melhor, como se ela tivesse perdido alguma coisa e sentisse muitíssimo. Tentando espantar a reação estranha, nem mesmo se voltou para descobrir quem tinha passado por ela. No momento sentiu que era melhor não tomar conhecimento.

“Bem, pelo menos a rapaziada aqui é grande o bastante para lhe dar água na boca”, Tama murmurou, fazendo Kyoko soltar um muxoxo mentalmente.

Chegando no último degrau, Kotaro e ela seguiram por um corredor cheio de portas de ambos os lados. Ela presumiu que se tratava dos dormitórios, mas ele não diminuiu o passo nem parou em nenhum deles. No final do corredor havia uma porta com o aviso: NÃO ENTRE. Ela estava um pouco confusa quando Kotaro e os dois que carregavam sua bagagem tranquilamente passaram por eles como se estivessem na própria casa, e abriram a porta para galgar mais um lance de escadas.

Tama se aproximou de Kyoko e murmurou: “Acho que estão lhe mandando para um calabouço”.

Kyoko sorriu maliciosamente e disse-lhe sobre o ombro: “Estamos subindo, não descendo, seu bobo”.

“Pois então é um quarto gelado no alto de uma torre”, disse Tama dando-lhe uma tapinha na nuca.

´Bem, pelo menos vou ficar em forma´, pensou quando chegaram no alto de mais um elegante lance de degraus e entraram num outro corredor, só que, bem bonito dessa vez. O piso liso parecia ser de mármore. As portas eram bem distantes umas das outras. Havia apenas três quartos nesse corredor. Ocorreu-lhe que Kotaro talvez não soubesse onde ela deveria ficar afinal de contas.

Kotaro passou pela última porta pensando consigo mesmo que ela deveria ser alguém muito especial, pois poucos tinham permissão para entrar nesse corredor e ele sabia que ali estavam os melhores quartos do campus. Ele parou em frente da porta e esperou que ela e seu jovem amigo chegassem.

Kotaro sorriu, viu que ela estava nervosa. Ele sentiu pelo olfato. Olhando seus olhos turbulentos cor de esmeralda, sentiu prontamente seu coração fraquejar, mas por enquanto, ele faria como lhe foi ordenado.

Estendeu a mão com a palma para cima. “Chegou a hora de minha folga, mas, se precisarem de alguma coisa...” Ele lhe deu a chave do quarto e, olhando-a de uma maneira que a fez corar, galantemente curvou-se em reverência e fez sinal para que os dois ajudantes o acompanhassem.

Kyoko e Tama observaram a partida de ambos com um olhar interessado até se perderem de vista. Kyoko então olhou de novo para a porta e tomou ar. Bem ali na porta leu a placa que dizia Kyoko Hogo.

Tama deu um tapinha amigável no ombro da irmã. “Cuidado, desse jeito você pode apanhar uma mosca”.

Kyoko cerrou os olhos enquanto apagava mentalmente o ponto que marcara para si própria. Pegando a chave, ela destravou a porta abrindo-a timidamente e olhando o interior.

Tama arregalou os olhos e passou na frente dela. “Incrível!” “Esse quarto tem quase o mesmo tamanho de nossa casa”. Sua voz de assombro ecoou no ambiente. “Daria para você abrir uma danceteria barulhenta aqui”.

“Você então aprova meu calabouço?” Kyoko tornou a marcar aquele seu ponto.

*****

Duas horas mais tarde, bem depois dela ter agradecido Tama e dele ter ido embora, Kyoko estava arrumando suas coisas no armarinho do banheiro. Ela olhou de novo para a banheira que bastante grande para cinco pessoas.

Dando um suspiro, ela imitou seu irmãozinho, “Incrível!”

Ela podia sentir arrepios atrás do pescoço enquanto se perguntava se não havia um engano naquilo tudo. “É isso aí”, murmurou para si mesma. Alguém apareceria dali a um minuto para lhe mandar fazer as malas. Ela simplesmente sabia que devia estar no quarto errado.

Kyoko saiu do banheiro e deu uma olhada no quarto. A cama era a maior que já tinha visto e, já estava toda arrumada, completa, com um edredom macio e tudo. O quarto era lindo com as cores roxas e azuis do tapete macio e da cama. Havia salpicos de vermelho escuro aqui e ali e um closet de roupas bastante grande para a gente se perder lá dentro.

Ela entrou na sala de estar onde tudo era negro ou dourado e que tinha tudo que se poderia querer. A cozinha já tinha sido verificada. Tinha de tudo. Ela balançou a cabeça pela milésima vez. “Incrível!” Ela mordeu o lábio inferior pensando no que fazer. Era sábado de manhã e as aulas só começariam segunda-feira.

“Bem, não posso me esconder aqui o dia inteiro”, murmurou para si mesma.

Sentindo que estava bisbilhotando onde não devia, Kyoko foi para a porta, esticou o pescoço e deu uma olhadela no hall. Não vendo ninguém, saiu, fechou a porta, e caminhou de mansinho até a escada para descer.

Novamente, teve a sensação de estar sendo espiada e sentiu um calafrio na espinha, mas continuou andando e não se atreveu a virar e olhar.

“Ela pode me sentir”, pensou Kyou consigo mesmo. Talvez seus poderes não estivessem tão profundamente ocultos quanto ele temia. Ele soube o momento em que ela deixou o quarto ao inalar aquele aroma penetrante... saboreando-o.

E a lembrança de seu perfume lhe lembrou outras coisas. “Logo, logo, sacerdotisa, vamos desvelar seus poderes novamente. Você pode escondê-los, mas não por muito tempo”. Encostado na parede do corredor, seus olhos dourados a seguiram até ela sumir de vista.

*****

Kyoko respirou mais aliviada quando se encontrou no piso térreo. Ela reparou que agora estava entre pessoas de sua idade. Suspirando e sacudindo o último vestígio de estranheza que sentira no outro andar, Kyoko se perdeu em devaneios por mais um momento.

Não suportava quando seus sentidos tomavam conta dela daquela forma. Algumas vezes, desejava não sentir absolutamente nada. Decidiu sair do devaneio enquanto olhava o enorme piso térreo do edifício. “Preciso de uma chave liga-desliga para essa coisa”, murmurou, ainda pensando sobre as estranhas vibrações que tinha sentido há apenas um momento.

Deu uma olhada na biblioteca e olhou rapidamente para o outro lado. Decidiu então que queria primeiro saber mais sobre aquela área. Malhar tinha sido seu hábito desde muito cedo e sempre, e ela tencionava continuar assim. Durante os primeiros dois anos ela tinha tomado aulas de artes marciais variadas, e amou a liberdade de movimentos que lhe deu um corpo flexível.

Cruzando as salas de recreação, ela notou que existiam áreas para vários tipos de exercícios físicos. Num dos ginásios maiores, ela viu pelo vidro da divisória. Não pode resistir e ficou observando. Duas pessoas pareciam estar praticando esgrima. O ruído do metal contra metal lhe fez levantar uma sobrancelha. Aproximando-se da porta da sala, ela entreouviu.

“Você não está prestando atenção Suki.” O que estava vestido em preto replicou numa voz masculina provocadora batendo no ombro do outro e rindo.

Kyoko não viu os rostos porque ambos usavam viseiras protetoras.

“Shinbe!”, soou uma voz muito zangada, mas feminina. Então, sem nenhum aviso, a pessoa saltou para frente e deu-lhe um golpe na cabeça, aparentemente uma pancada com a copa da espada de esgrima.

Kyoko ficou surpresa ao notar o longo cabelo castanho nas costas da garota enquanto ela partia para cima do outro espetando-lhe o dedo no peito com a expressão contorcida pela raiva. “É difícil lutar seriamente quando você é tão promíscuo”.

Shinbe tirou sua viseira de proteção rindo abertamente. Levantou os braços como sinal de rendição e recuou. “Sinto muito Suki, mas ali estava, e sem sua proteção”. Sentindo uma onda de formigamento na pele, ele franziu o sobrolho e, lentamente, virou seu olhar de ametista para a garota em pé na porta: “Ah! Parece que temos uma visitante!”

Kyoko observou como a garota chamada Suki corou e se afastou do oponente andando em sua direção com um largo sorriso.

“Homens”, disse revirando os olhos antes de estender as mãos amigavelmente; “Oi, sou Suki, e esse pobre coitado é o Shinbe”, falou enquanto apontava para quem a acompanhava, ainda sorrindo.

“Suki”, exclamou o jovem Shinbe. “Você me ofende!” Enfatizou a afirmativa colocando as mãos sobre o coração.

Suki mostrou sua contrariedade: “Shinbe... se eu pudesse lhe ferir seu cérebro estaria vazando pelos ouvidos de tanta pancada que me forçou a lhe dar”.

Shinbe fez um gesto expressivo com as sobrancelhas: ”Você sabe que eu amo a forma dura de você me amar”.

“Daqui a um minuto lhe mostro o que é amor duro, mas não quero que a nova garota fique assustada”, replicou Suki.

Kyoko já gostava dela, apertou sua mão com firmeza e ela sorriu. “Oi, sou Kyoko Hogo, mas me chame apenas de Kyoko”.

Ela estendeu o olhar para o rapaz atrás de Suki. “Muito prazer em conhecê-los”. Alguma coisa nos olhos dele chamou a atenção de Kyoko. Tinham uma surpreendente cor ametista, eram de prender a respiração. Seus cabelos abrangiam um pouco mais que a largura dos ombros, eram muito negros e tinham destaques azuis. Lembrava-lhe aqueles cantores das bandas de rock do anos 80.

Suki sorriu abertamente. “Hei, já me falaram de você. Sim, eu sabia que você chegaria hoje. Tinha intenção de a procurar daqui a um pouco para vermos as redondezas”. De repente ela ficou com o olhar tenso e virou-se para o lado, encarando Shinbe firmemente: ”Eu não faria isso se fosse você”.

Kyoko virou-se e a encarou. Claro! A mão do rapaz parou no ar, quase tocando o traseiro de Suki, e ele sorria com um olhar radiante.

Shinbe suspirou e baixou a mão: “Um dia vou descobrir como você sabe, mesmo quando não está olhando».

Suki apenas resmungou: “Eu apenas sei, só isso!”. Dando a Kyoko um sorriso amigável, ela disse: “Venha comigo e eu troco num instante”. Ela segurou a mão de Kyoko enquanto saía pela porta.

Kyoko deu uma olhada para Shinbe a tempo de vê-lo acenando em despedida. “Esses dois vão se divertir à beça”, pensou consigo mesma enquanto entrava no vestiário feminino.

Suki já podia dizer que gostava de Kyoko e, por alguma razão, sentia que a conhecia mesmo antes de encontrá-la. “Kyoko, conte-me um pouco sobre você enquanto mudo de roupa”, disse ao ir para trás da divisória.

Kyoko sentou-se no banco sentindo-se completamente à vontade com Suki. “Bem, vim de um lugar pequeno do outro lado da cidade. E por alguma razão, assim de repente, recebi uma carta dizendo que tinha direito a uma bolsa de estudos aqui”. Kyoko ouviu o OK de Suki, então continuou. “Realmente não entendi como tinha recebido uma bolsa de estudos sem ter apresentado um pedido antes”.

Suki sentiu a pergunta na afirmativa, sorriu e esticou o pescoço para fora da divisória. “Não se preocupe com isso. Você chegou aqui como eu cheguei”. Ela sumiu por trás da divisória novamente enquanto dizia, “nunca pedi Bolsa alguma também”.

Kyoko mostrou surpresa: “Mas por quê? Tem que haver um motivo; você sabe qual?”

Suki surgiu, agora completamente mudada. Sentou-se para calçar os tênis. “Sim, foi o que eu imaginei. Bem, pelo menos em parte. O cara que é o dono dessa escola procura pessoas com... Suki pausou e balançando a cabeça completou com <habilidades especiais>”. Ela encolheu os ombros e acrescentou: “Pode ser que você tenha que se acostumar com muita coisa quando começar a conhecer as pessoas que vivem aqui”. Ela sorriu, sabendo que estava certa.

Repentinamente, Suki ficou em pé e atirou um sapato no armário do vestiário, sorrindo maliciosamente satisfeita quando ouviu alguém praguejando baixinho do outro lado. Apanhando o sapato, ela sentou-se para calçá-lo. “E agora, qual é mesmo sua habilidade especial?»

A respiração de Kyoko pareceu parar, enquanto seu raciocínio disparava. Não havia como alguém ali saber que ela era uma sacerdotisa. Ela fechou a cara para Suki culpadamente e desviando o olhar respondeu: “Nenhuma que eu saiba”.

Suki levantou uma sobrancelha, mas encolheu os ombros sabendo que ela iria descobrir, mais cedo ou mais tarde. “Vamos embora. Shinbe, provavelmente, já está nos esperando”. Abriu a porta e, realmente, viu Shinbe que esperava perto o bastante para ter ouvido o que conversavam. Ele sorriu inocentemente, ao mesmo tempo que retrocedia.

Suki fechou a porta atrás deles e apontou para o aviso nela afixado. “Shinbe, você não sabe ler? Aqui está dizendo Vestiário Feminino”. Ela o encarou firmemente.

Shinbe encolheu os ombros: “Sim, e é por isso que estou aqui perto do aviso”. Ele escapou depressa quando ela lhe deu um tapa. “Suki...eu sou homem, preciso de carinho. Qual melhor modo de obtê-lo do que aprender como a mente feminina funciona?”.

“Você pode pesquisar na biblioteca”, disse Suki entre dentes.

Shinbe forçou uma risada. “Caríssima Suki, todos os livros sobre a mente feminina na biblioteca...estão em branco”.

Suki sorriu de volta: “isso é porque os autores daqueles livros são homens”.

Arqueando a sobrancelha, Shinbe ficou mais perto: “Exatamente!” Planejo ser o primeiro a escrever um que faça sentido para os que têm testosterona”

Suki disparou um olhar de desistência para Kyoko e baixou o olhar para ver as horas. “Hei, vocês estão com fome? Vamos primeiro ao restaurante dos estudantes comer alguma coisa”.

Kyoko concordou. Ela tinha estado muito nervosa para se alimentar de manhã, mas, na companhia deles, ela se sentiu bem em casa e estava faminta.

Shinbe, acenando com a mão, disse: “Senhoras primeiro!” Ele deu um grito quando Suki deu-lhe outra bordoada na cabeça.

“Não fui tão lenta dessa vez, não é mesmo? Agora, vá na frente”, e Suki lhe deu um olhar acusador. Uma vez que Shinbe estava seguramente caminhando na frente, ela se debruçou sobre Kyoko com um sorriso forçado: “Lembre-se apenas de conservá-lo sempre na sua frente, a menos que queira ser apalpada”.

Kyoko não se conteve. Disparou a rir e não parou até entrarem numa lanchonete interna ─ que para ela mais parecia uma sala de jantar. Seus olhos se arregalaram quando ela se aproximou de Suki. “Você sabe, todas as vezes que eu volto a este lugar, eu sinto que estou no lugar errado”.

Shinbe levou-os até à mesa no fundo da sala. Suki e Kyoko deslizaram num banco enquanto Shinbe sentou-se do lado oposto, como se fosse o sujeito mais inocente do mundo. “Sabe, a gente leva muito tempo para se acostumar a este lugar”. Ele sorriu para Kyoko fazendo brilhar seus olhos ametistas. “Já estou aqui há um ano e ainda não me acostumei”.

Suki deu uma cotovelada no ombro de Kyoko. “Ele chegou aqui do mesmo modo que eu e você. Um convite para vir quando quiser". Ela encolheu os ombros como se dissesse a Kyoko para apenas aceitar e aproveitar.

Kyoko mostrou estar confusa com o olhar. “Não percebo. Por que alguém faria isso?”

Shinbe fez sim com a cabeça, sabendo que alguém precisava lhe dizer a verdade. “Tenho algumas aptidões e Suki também". Ele encolheu os ombros e piscou para ela. “Todos aqui com bolsa de estudos também têm". Fez uma pausa procurando a palavra certa: “Somos prendados de uma maneira ou de outra”. Ele ergueu uma sobrancelha para Suki: “Você já contou para ela?”

Suki fez que não rapidamente com a cabeça e virou-se para Kyoko querendo de repente mudar de assunto: “Hei, você quer um hambúrguer com fritas?”

Kyoko concordou e Suki ficou de pé, como se para evitar a pergunta sobre bolsas de estudo gratuitas. “Espere aqui, volto logo, não se preocupe". “Para os que têm bolsas a alimentação é gratuita e eles a trazem até nós”. Suki foi fazer o pedido deixando-a sozinha com Shinbe.

O Coração Do Tempo

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