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Capítulo 2

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“Põe-me no chão, sua sanguessuga lunática!” Alicia gritou enquanto arranhava as costas de Damon quando ele a atirou por cima do ombro. No momento em que ela se apercebeu que não iam em direção ao Night Light, queria que ele parasse… obviamente, querer e ter eram duas coisas diferentes. “Quero ir ver o Micah!”

“O Michael mandou-me trazer-te de volta para aqui e é aqui que vais ficar”, Damon ordenou enquanto entrava calmamente no quarto de Alicia. Atirou-a para cima da cama e estremeceu quando as suas unhas lhe deixaram longas marcas nas costas. Rosnando, acrescentou: “Acho que o teu namorado não vai ficar muito desiludido se te atrasares um pouco para o seu lado… da cama.”

Alicia bufou e tentou sair da cama, mas Damon rapidamente se debruçou sobre ela com as palmas das mãos firmemente plantadas em cada um dos lados dos seus ombros.

Damon olhou para ela, fitando-a, tentando uma vez mais colocá-la sob o seu feitiço de compulsão. “Bolas, eu disse para ficares!”

“Não sou um cão, sou um gato, seu…” A mente de Alicia ficou em branco por um segundo enquanto olhava para ele, vendo a forma como os seus cabelos balançavam sobre o seu rosto perfeito. Sentiu algo no fundo do seu estômago despertar de desejo. Baixando o olhar para os lábios dele, usou a única coisa que poderia afastar da sua mente a vontade de o beijar… agressividade.

“Tu não mandas em mim!” Alicia deu-lhe um murro no peito, mas logo se arrependeu quando Damon apertou os olhos de dor e inclinou-se, ficando ainda mais perto dela.

“Nunca ninguém te bateu enquanto crescias?” Damon rosnou, começando a suar. Rolou de cima dela, acabando deitado de costas ao seu lado.

“Isso querias tu.” Alicia franziu a testa, perguntando-se como raios é que ele tinha acabado de atravessar a cidade com ela às costas como se fosse um Neandertal e agora parecia que ia desmaiar só porque ela lhe tinha batido por causa disso. “Estás bem?” Ela perguntou desconfiadamente, não querendo sentir-se culpada pela sua retaliação.

Damon abriu os olhos só para ficar cara a cara com uma estúpida ursinha carinhosa. Os seus olhos ametista se estreitaram ao ler… Micah… no colar que ela estava a usar e com a imagem… dele.

“Estou fino… e tu?” Respondeu, sentando-se e questionando-se porque é que se tinha dado ao trabalho de se envolver com humanos… principalmente com mulheres. Elas só davam problemas. Pondo-se de pé, foi em direção à porta, esperando não fazer nenhuma idiotice como desmaiar. “Se tentares sair desta casa antes do Michael voltar, dou-te a comer àquele ursinho de pelúcia.”

Alicia olhou para a porta até ele se ter ido embora e depois ergueu uma sobrancelha para o seu ursinho de pelúcia inocente. “Bem, eu sei o que fiz… mas o que é que tu fizeste para o irritar?”

Ela revirou os olhos e estendeu a mão para ligar a luz do candeeiro. Damon estava com tanta pressa para a atirar para a cama que nem sequer tinham acendido a luz. Estava prestes a agarrar no ursinho, mas congelou quando algo na cama lhe chamou à atenção. Bem ali, no mesmo lugar onde Damon estivera deitado, havia uma mancha vermelha que ainda estava fresca. Ela aproximou a mão e estava prestes a tocar-lhe quando desistiu.

Levantando-se da cama, Alicia foi até à varanda e escorregou para o outro conjunto de portas de vidro que davam para o quarto de Damon. O que ela viu fez o seu coração ‘espalhar-se’ pelo chão.

Damon bateu a porta do quarto e arrancou a t-shirt preta, atirando-a para o outro lado do quarto. Enquanto o fazia, várias balas que estavam sobre o interior da sua t-shirt atingiram o chão e as paredes. O seu corpo estava constantemente a expulsá-las para fora da sua carne num esforço para sarar. Ele respirou fundo e olhou para baixo, para os buracos ensanguentados, com grande desgosto. Eram as balas que ainda estavam a ser empurradas que faziam com que os ferimentos não sarassem.

Vendo uma bala a sair-lhe do peito, puxou o resto dela para fora. Agarrou-se ao poste da cama com a outra mão com tanta força que a madeira começou a rachar e acabou por partir. Se não fosse o sangue de lobisomem que tinha bebido mais cedo, estaria agora de joelhos aos gritos a esvair-se em sangue. Pensando bem, provavelmente não teria escapado daquela mansão.

O sangue de um ser paranormal era mais poderoso do que o sangue humano, mas era óbvio que se quisesse sarar muito mais depressa teria de ir à procura de mais sangue. Nunca ninguém o tinha acusado de ser paciente.

Com um gemido, Damon deixou cair no chão a bala que tinha acabado de puxar e foi até ao vestuário buscar outra t-shirt. No entanto, só encontrou alguns pulloveres… tirou o preto do cabide e vestiu-o antes de se dirigir para as portas da varanda.

Alicia tapou a boca com a mão para evitar gritar quando viu o tamanho do estrago que havia no peito de Damon. Alguns dos buracos das balas continuavam a sangrar e ainda havia um ou outro que continuava a expulsar balas da sua pele. Não admirava que se tivesse encolhido quando ela o atingiu no peito. Sentiu uma pontinha de culpa dominar o seu coração. Como poderia ter sido tão cruel?

Começou a abrir a porta, mas parou quando Damon se voltou e agarrou numa camisola que estava no armário, puxando-a para fora. Teve vontade de chorar quando viu as suas costas ensanguentadas, que ainda tinham pior aspeto do que o peito. Quantas vezes o tinha atingido nas costas antes de terem chegado ao quarto? Alicia sentiu os joelhos fraquejarem com o pensamento.

Quando começou a caminhar em direção às portas da varanda, rapidamente deu um salto para o lado e girou, encostando-se contra a parede de tijolos entre as duas portas de vidro. Levando a mão ao seu peito ileso de ferimentos, susteve a respiração e esperou que ele não viesse cá fora e a apanhasse a espiá-lo.

O seu pânico rapidamente deu lugar à dor… e, em seguida, à raiva e à confusão. Damon tinha-lhe mentido quando a trouxe da mansão… todo aquele sangue era dele. Porque faria uma coisa dessas? Porque é que a protegeria e depois não lhe diria que estava ferido? Ele podia ter morrido… e para quê? Para salvá-la?

Os olhos de Alicia se arregalaram quando as portas da varanda se abriram repentinamente e Damon saltou para cima do grosso beiral do terraço, lançando o olhar lá para baixo, para a rua. Tentou equilibrar-se no corrimão sólido, mas antes que pudesse fugir, sentiu a presença dela atrás de si. Ele conseguia sentir todas aquelas emoções na presença dela e suspirou… estava cansado e ferido e não queria continuar a discutir mais com ela esta noite.

“O Michael apagou-lhes da memória o facto de teres estado lá esta noite. Se fores agora a correr para o Micah antes que te chamem… vais estragar tudo aquilo que ele fez para te ajudar. Se não queres ficar cá por mim… então, pelo menos, fá-lo pelo Michael.” Dito isto, Damon voltou-se e pulou da varanda, indo parar lá abaixo, à relva.

Alicia suspirou e correu para o parapeito de pedra, olhando para baixo enquanto ele tombava às cegas. Os seus olhos se arregalaram e agarrou-se à pedra quando percebeu que o tombo de Damon não tinha sido tão às cegas quanto ela pensava. Os seus braços baleados pareciam estar a puxar as sombras à sua volta… e depois desapareceram antes de ele atingir o chão.

Alicia procurou por ele na escuridão, pronta para o momento em que o visse, mas não havia nada… nem sequer o som dos seus passos. Sentiu pena dele e do sofrimento em que ele se tinha metido por causa dela esta noite.

Abraçou-se a si própria, sentindo-se repentinamente mais só do que poderia imaginar, desejando desesperadamente que ele não tivesse partido. Precisava pedir-lhe desculpa… agradecer-lhe e também voltar a bater-lhe por não lhe ter dito que estava ferido. Onde é que ele ia? O que é que os vampiros faziam quando estavam feridos?

Ele queria que ela ficasse e fizesse o que Michael tinha pedido. Suspirando, decidiu obedecer-lhe por uma vez… mas não o fazia por Michael.

Afastando-se do parapeito da varanda, Alicia voltou para o quarto e sentou-se na cama. Ficou a olhar para o telefone por um breve momento, perguntando-se o que devia fazer se tocasse. Devia atender? E se não fosse Michael? E se fosse Warren ou Quinn a ligar por causa de Michael e ela atendesse o telefone?

Damon tinha razão… ela devia-lhes o suficiente para pelo menos esperar até de manhã antes de tomar qualquer decisão ou fazer algum disparate. Lembrou-se da intensidade na voz de Michael quando este disse a Damon que a trouxesse para casa. Ninguém a queria lá esta noite, exceto Damon talvez … mais uma coisa que ela podia agradecer-lhe.

À espera que o tempo passasse mais rápido, levantou-se e vestiu uma camisa de dormir mais fina. Puxando os cobertores da cama, deitou-se e tentou adormecer. Logo ficou demasiado calor, apesar de ter deixado as portas da varanda abertas para deixar entrar a brisa fresca. Andou às voltas na cama durante quase uma hora até que finalmente levantou uma das mãos para limpar o suor da testa.

A sua pele estava mais quente do que era suposto, por isso jogou os cobertores para baixo num esforço para refrescar-se. Frustrada, enrolou os cobertores até parecerem uma almofada de corpo e depois rolou para o seu lado, abraçando-a e jogando uma perna por cima da almofada. Começou a balançar-se contra o cobertor, gostando da sensação de a ter entre as coxas e abraçou-a ainda mais.

Arregalou os olhos quando, de repente, reconheceu aqueles sintomas. Tinha lido sobre isso e já tinha visto uma das suas colegas de escola a passar por isso.

“Não…” sussurrou, sentindo-se estremecer com aquele pensamento. “Por favor, não posso entrar no cio.”

*****

Damon correu por entre as sombras, atravessando a cidade em direção aos subúrbios mais sombrios em busca de algo ou de alguém que precisasse de morrer. Tentou afastar Alicia da sua mente, mas parecia que cada minuto que passava perto dela, mais fundo ela se entranhava na sua pele. A parte mais estranha era… que ele gostava de a ter ali.

Construiu a sua vida sob o facto de não ter de se preocupar com nada… ou com ninguém. Também se orgulhava de ter criado uma regra que lhe permitia ter o que quisesse. Ele queria-a e ela precisava de parar de atiçar o demónio. Quando caiu da varanda, rezou para que ela fosse suficientemente esperta para não o seguir. Felizmente, a rapariga sabia alguma coisa sobre auto-preservação.

Finalmente alcançou o seu objetivo: uma área degradada de Los Angeles. Damon manteve-se no canto mais sombrio do passeio sorrindo com malícia quando os carros da polícia passavam por ele e todos desapareciam. Assim que a polícia ficasse longe da sua vista, a escumalha da terra voltaria a sair do esconderijo e voltaria à atividade normal.

Damon zombou de duas mulheres seminuas e continuou a andar quando tentaram seduzi-lo com os seus corpos. Talvez há umas semanas atrás ele tivesse reconsiderado vagamente sobre isso, mas neste momento… ele não queria ter nada a ver com o sexo oposto. A ideia de beber o sangue de alguma delas fê-lo sentir-se ligeiramente indisposto.

Ao virar uma esquina, Damon reparou em dois brutamontes mais à frente e ambos olharam na sua direção quando se aproximou. Aquilo sim era algo que lhe apetecia fazer.

“Tá-se bem?” Perguntou um deles com uma voz profunda. Tinha as mãos enfiadas nos bolsos do casaco à espera de uma venda de drogas. Ao ter um vislumbre dos olhos selvagens do homem, decidiu desistir, achando que este tipo já tinha conseguido as drogas noutro sítio.

Damon não respondeu e continuou a andar. Sabia o que se seguia e estava ansioso por isso. Estes dois tipos eram provavelmente os reis desta rua com os seus músculos salientes e olhos negros superficiais. Conseguia sentir o cheiro a sangue velho nas suas roupas e ver os dedos marcados que sempre carregavam. Yep, nas suas mentes, eram provavelmente umas lendas.

“Ei!” Gritou o segundo, “o meu amigo fez-te uma pergunta.”

“E o meu silêncio deveria ter sido suficiente para fazê-lo perceber que não estou de bom humor.” Damon avisou e voltou a cabeça para os encarar. Lançou-lhes um sorriso maléfico, as suas presas a brilhar sobre a luz fraca do candeeiro de rua quando eles viram as íris vermelhas dos seus olhos. “No entanto, um jantarzinho com vocês os dois parece-me bem.”

Damon foi rápido a mover-se, agarrando no primeiro e drenando-o em menos de um minuto. Desatou a suar devido à dor quando mais balas começaram-lhe a sair mais rapidamente do corpo e aterraram no chão com estalos metálicos audíveis. Inclinando a cabeça para trás, desatou a rir-se sem fôlego antes de deixar cair o homem morto aos seus pés.

O eco do segundo homem a fugir captou a sua atenção e Damon correu atrás dele, puxando uma vez mais as sombras para perto de si para disfarçar a sua perseguição. A dor e a adrenalina mantiveram-se elevadas.

Alcançou o sacana corpulento e perseguiu-o por uns momentos, disfrutando do seu cheiro a medo. Quando o homem começou a abrandar, Damon limitou-se a soltar uma gargalhada na escuridão, fazendo com que o humano começasse a correr mais depressa. Sim, era disto que ele precisava… livrar o mundo desta escumalha humana enquanto lhes sugava o sangue que precisava para se curar.

Ficando rapidamente farto da perseguição, Damon aproximou-se do homem e empurrou-o para um beco. Os esforços do humano eram minimamente valentes, mas quando comparado com a força superior de Damon… o resultado foi inevitável.

Por fim, o homem parou de dar luta e Damon atirou-o para o chão imundo. Durante a luta, pequenos pacotes de pó branco caíram dos bolsos do homem, juntamente com um maço de dinheiro e uma arma. Damon ajoelhou-se ao lado do cadáver e, usando um canto da camisa, limpou-lhe o rosto de qualquer vestígio antes de pegar no dinheiro, guardá-lo no bolso de trás e ir-se embora.

Ao chegar ao fim do beco, Damon enfiou as mãos nos bolsos e pôs-se a andar pela calçada como se não tivesse nada a temer. Agora que a sua necessidade de matar e de se alimentar estava parcialmente satisfeita, poderia ser mais seletivo na escolha da sua próxima vítima.

Misery assistiu a todo o conflito entre o vampiro e os dois humanos que escolheu como vítimas. Queria aproximar-se dele, mas estava demasiado fraca para o fazer. Em vez disso, satisfez-se ao alimentar-se do medo que os dois humanos demonstravam enquanto o vampiro lhes sugava até à última gota de sangue. As suas mortes tinham sido deliciosas.

O seu encontro com Kane ao início da noite forçou-a a usar todo o poder que tinha armazenado desde que fugiu da caverna. Esgotou quase todo o seu poder quando o combinou com o sangue de Kane. Criar rachaduras nas paredes dimensionais deste mundo foi um processo tedioso que exigia muito mais poder do que o que ela tinha de momento. Conseguia sentir os batimentos cardíacos malignos desta área e sabia que tinha despertado alguns dos demónios mais fracos que por aqui dormiam.

Teria de ser mais forte para diluir as paredes de maneira a que os demónios do outro lado se apercebessem e pudessem aproveitar a vantagem. Se os demónios fossem suficientemente poderosos… poderiam terminar a fenda do outro lado e juntar-se a ela neste mundo.

Apesar de a sua demonstração não ter sido suficiente para fazer o que pretendia, a maldade nesta cidade estava a desenvolver-se e não demoraria muito tempo até ela voltar a ter o seu poder no auge novamente. Uma vez alcançado esse nível de poder… ela poderia, uma vez mais, tentar rasgar as paredes desta dimensão. A aura deste vampiro não era tão saborosa quanto a de Kane, mas a semelhança e o potencial do ritual de sangue estavam definitivamente lá.

Este vampiro… apesar de ter demonstrado um lado sádico que captou a atenção de Misery… tinha um poder completamente diferente do de Kane. Ela já sabia como aproveitar o verdadeiro poder de Kane, mas quanto mais olhava para a alma deste, mais conseguia ver a sua perigosa verdade. O poder que este possuía só podia ser libertado enquanto protegia algo ou alguém que amava. Um poder inútil desde que a criatura suprimiu tal emoção.

Após estudar o vampiro por mais alguns momentos, Misery decidiu que era melhor se este permanecesse desprovido de amor, porque se ele alguma vez aproveitasse essa emoção… o seu poder seria ilimitado.

Damon conseguia sentir o cheiro dos vampiros sem alma a vaguear ao seu redor e a descer pelos becos mais sombrios. Por um segundo, pensou em livrar a cidade de alguns deles, mas decidiu que já tinha feito a sua boa ação do dia. Se queriam alimentar-se dos vermes desta zona, quem era ele para os impedir? Não era nada que ele já não tivesse feito antes. Enquanto continuava a andar, mais balas caíam da sua camisola e atingiam o chão, tilintando na calçada como memórias esquecidas.

Os cabelos da nuca de Damon eriçaram-se e ele parou de andar, virando a cabeça de um lado para o outro… estava a ser observado. Finalmente, jogando a cabeça para trás, os seus olhos estreitaram-se quando viu uma silhueta disforme à espreita no telhado do edifício ao seu lado.

Regressando às sombras, Damon envolveu-se na escuridão à sua volta, odiando a falta de privacidade desta cidade com todas aquelas malditas espécies paranormais a andar de um lado para o outro. Antes de vir para cá, nunca tinha estado perto de transmorfos ou de anjos caídos. No seu país, os transmorfos tinham sido expurgados na idade das trevas e foram espertos o suficiente para não regressarem. Nunca se tinha apercebido do quão territorial era numa terra que tentava manter limpa.

Nunca tinha sido de viajar pelo mundo como o Michael e o Kane… não quando se estava a divertir tanto onde estava. Mas aquilo no telhado não era um transmorfo… era um anjo caído e não era nenhum dos homens que tinha visto na igreja. Este devia ser o que escapou.

*****

Zachary suspirou de alívio quando o último dos jornalistas finalmente se aborreceu e deixou a sua cena do crime, entre aspas. Voltou a sua atenção para os bombeiros cobertos de fuligem e estremeceu apaticamente. Coitados, nem sequer tiveram oportunidade de controlar as chamas, embora parecessem gratos por não se terem alastrado para lá das terras de Anthony Valachi. Zachary sorriu quando viu aquilo pelo qual tinha estado à espera.

Tinha feito o fogo ficar tão quente, que sabia que não demoraria até que estivesse tudo queimado. Fê-lo por duas razões. A primeira, para dar pena aos humanos que sacrificavam diariamente as suas vidas a brincar com o fogo e a segunda, para destruir qualquer prova que os humanos não precisassem de ver… e isso incluía corpos para autópsia ou ossos para estudar.

“Parece que estão a abrandar,” disse Chad ao aproximar-se de Zachary. “Surpreende-me que o Trevor não esteja aqui.”

“Oh, ele esteve aqui,” Zachary sorriu. “A última vez que o vi estava a arrastar a tua irmã daqui para fora para eu explodir com o lugar.”

“O quê?” Chad gritou e depois aproximou-se para que ninguém pudesse ouvi-lo. “Estou aqui há porra de uma hora e só agora é que me dizes que a minha irmã quase morreu esta noite?”

“A bala só passou de raspão,” Zachary adorou gozar com o novato. Mas depois sentiu-se um pouco culpado quando Chad ficou pálido. “Relaxa, ela está bem.”

“És um idiota,” informou Chad sem remorsos.

“Já me chamaram pior,” Zachary deu de ombros. “Mas por agora, podes tratar-me por chefe. Antecipei a tua papelada, por isso já está tudo tratado. Já não trabalhas para o departamento da polícia. Eles é que trabalham para ti e tu para a CIA, no que lhes diz respeito. E isto está sob a jurisdição da CIA, uma vez que envolveu a máfia.”

“Então, o que devo fazer agora?” Perguntou Chad, sentindo-se um pouco perdido e pensando como é que poderia espancar um jaguar por ter colocado, uma vez mais, a vida da sua irmã em risco.

“Aproveita a promoção porque vou deixar-te a tomar conta disto esta noite.” Zachary deu-lhe uma palmadinha no ombro antes de abrir a porta do carro e deslizar lá para dentro. Contava até três antes de Chad bater na janela. Abrindo-a, arqueou a sobrancelha.

“O que lhes digo?” Chad perguntou.

“Aí é que está. Não tens permissão para dar qualquer informação neste momento.” Zachary deu uma risada e voltou a subir a janela, voltando a rir-se quando Chad pontapeou-lhe o pneu enquanto passava por ele.

O seu humor desvaneceu-se assim que ficou sozinho com os seus próprios pensamentos. Ele sabia que a maior parte da matilha era inofensiva e que só estava sob a influência das ordens do seu Alfa, mas os outros iriam querer vingar-se pela morte de Anthony Valachi. Alguns apontariam para os socorristas de Micah, mas outros apontariam o dedo a Steven e à traidora da sua noiva. De qualquer forma, isso colocaria o Night Light no que restava da lista negra da máfia da cidade.

Retirando o telemóvel, Zachary ligou para o membro do PIT que estava infiltrado numa das partes mais perigosas da alcateia. Se estava a acontecer o que ele achava que estava a acontecer, então seria prudente seguir em frente e enviar umas quantas ameaças de morte para o Night Light, só para manter os pumas em alerta máximo, ou melhor ainda… fazê-los fechar o clube por um tempo.

*****

Angelica contemplou a cidade lá em baixo através da janela pensando no pesadelo que a tinha despertado. Ver todas as luzes e vida dentro da cidade, mesmo a meio da noite, reconfortou-a e foi difícil desviar o olhar.

Nunca tinha tido um pesadelo antes… nunca sequer tinha tido um único sonho e foi isso que mais a perturbou. Esfregou os dedos sobre a marca na palma da mão, culpando-a pelo pesadelo. Estava tão perdida em pensamentos mórbidos, que quando a porta atrás dela bateu, quase saltou da própria pele.

Zachary tinha aberto a porta devagar, caso Angelica ainda estivesse a dormir. Quando a viu ali de pé, em transe, não resistiu à tentação e bateu com a porta. A reação dela foi ainda melhor do que esperava.

“Se fosse um demónio, tinhas sido mordida,” ele sorriu e em seguida baixou o olhar para o punhal que ela segurava com tanta força, tanta que os nós dos seus dedos até estavam brancos. “Ou talvez não,” corrigiu logo de seguida com uma careta. “O que é que te fez sair da gaiola?”

“Pesadelos,” disse Angelica com sinceridade enquanto relaxava o punho. Não adiantava mentir sobre isso… pelo menos, não para ele. Respirou fundo, tentando aliviar a tensão nos ombros e depois enrugou o nariz, “cheiras a torradas queimadas.”

“Queres esfregar-me as costas?” Zachary balançou as sobrancelhas enquanto se dirigia para a casa de banho.

Angelica olhou uma vez mais pela janela antes de se afastar dela. Ao ouvi-lo ligar o chuveiro, sentou-se no sofá de dois lugares e pegou no caderno que estava ao lado do portátil e começou a desenhar o homem que tinha visto na caverna. Uma vez que foi ele que a marcou, o pesadelo tinha de ser obra sua. Começou com os olhos e depois, foi suavizando os traços com o lápis quando o rosto começou a ganhar vida no papel.

Zachary saiu da casa de banho, coberta de vapor, ainda a secar o cabelo com a toalha. Caminhando por trás de Angelica, lançou um olhar para o retrato do homem que tinha visto na caverna com ela. Observou a forma delicada com que ela desenhava os longos cabelos negros do homem… como se o vento ainda estivesse a soprar sobre eles. Para um demónio, ele parecia tudo menos diabólico aos olhos dela.

“Já cheiras melhor,” comentou Angelica enquanto olhava para ele. Tocando no desenho, perguntou: “Podemos entrar em contato com o Dean para lhe mostrar este retrato?”

“Vi-o esta noite na mansão do alfa. Mas parece que ele anda mais num vai e vem por aqui que talvez fosse mais fácil mostrá-lo ao Kane.” Zachary sugeriu saltando por cima do sofá e sentando-se ao lado dela, tirando-lhe o retrato das mãos e estudando-o. “O Kane disse que Misery é uma mulher.”

“Era o que eu temia,” suspirou Angelica. “Se não for o mesmo demónio que eles libertaram da caverna… então receio que a Misery não seja o único demónio na cidade.”

“O que te faz dizer isso?” Perguntou Zachary.

Em vez de lhe responder, Angelica fez a única coisa que pensou que nunca faria. Pondo-se de lado no assento, alcançou Zachary e inclinou-se na sua direção. Quando Zachary tentou beijá-la instantaneamente, ela inclinou a cabeça para que ele acabasse por beijar-lhe a testa. Então deixou que o sonho passasse pelas suas memórias.

Zachary estremeceu à medida que o cenário mudava e viu-se rodeado pelo seu pesadelo. Quando as imagens cintilantes finalmente se desvaneceram e Angelica foi-se afastando lentamente dele, Zachary abriu os olhos e sussurrou: “Wow… isso foi um sonho desagradável.”

Angelica assentiu. “Pois, especialmente para alguém que nunca teve um único sonho durante toda a sua vida.”

*****

Kriss procurou em todos os lugares onde achava que um anjo caído e assustado que tinha passado mais tempo aprisionado do que ele poderia imaginar pudesse estar escondido. Não era exatamente do caído que ele andava à procura… mas sim Dean. Após esgotar-se a procurar em todas as igrejas e áreas mais pequenas da cidade que o demónio evitava, ocorreu-lhe que talvez estivesse a procurar nos lugares errados. Não era como se ele conhecesse a sua presa intimamente.

Indo de um extremo ao outro, Kriss começou pelo coração da cidade. Horas depois, foi recompensado quando teve um vislumbre da criatura a atravessar os telhados e a saltar de um edifício para o outro.

Seguindo-o a uma larga distância, Kriss notou a coloração clara do anjo juntamente com as suas asas brancas como a neve, que agora estavam ocultas da visão humana, mas não a ele. Inclinou a cabeça para o lado quando o anjo olhou por cima do ombro como se tivesse a sensação de que estava a ser seguido.

Quando o anjo se focou novamente nas ruas abaixo dele, Kriss teve a sensação de que não era o único à caça esta noite.

“Quem procuras?” Kriss murmurou baixinho, perseguindo-o por mais alguns quarteirões. Seguindo-o por uma esquina, Kriss deslizou até parar quando o outro homem ficou subitamente parado no parapeito do edifício… de frente para ele. Foi a sua postura agressiva e o olhar feroz nos seus olhos prateados que fez Kriss parar.

Por um momento, nenhum deles se mexeu. Kriss aproveitou esse tempo para se concentrar nos seus poderes e espreitar a alma do outro homem. Conforme a imagem da sua alma ficava mais nítida, Kriss esperava ver o prateado brilhante do seu sangue verdadeiro, mas para sua surpresa, a alma deste anjo estava manchada. Os seus olhos se arregalaram quando percebeu que este homem era um híbrido.

Então, foi aquilo que sentiu quando a criatura explodiu da igreja. Kriss tentou determinar se este híbrido era tão mau quanto o demónio com quem tinha sido preso. Sentiu um empurrão quando a sua visão recuou e Kriss pestanejou. Só havia uma pessoa capaz de impedi-lo de ver a sua alma – Dean.

Inspirando fundo e depois expirando lentamente, Kriss decidiu que só havia outra maneira de descobrir. Assim que começou a avançar, o caído deu-lhe um sorriso nada amigável e deu um passo para trás, desaparecendo da sua vista ao cair da beira do telhado.

Percebendo o convite, Kriss rosnou e, num salto de corrida, fez um mergulho acrobático na beira do edifício em perseguição. Antes de atingir o asfalto, quatro andares abaixo, algo chocou contra ele e sentiu uns braços apertados à sua volta.

“Não,” Dean silvou enquanto atacava Kriss no ar.

“Pensei que querias encontrá-lo e capturá-lo,” Kriss gritou de repente, zangado. Andava há vários dias à procura de Dean e ver que ele estava tão próximo, o suficiente para saber que ele estava lá, mas que não queria sair do esconderijo, deixou-o irritado.

“Ele não é um coelho,” Dean passou-se enquanto mudavam de direção e voltavam a subir para o telhado do edifício. “Além disso, tenho estado a vigiá-lo há algum tempo e queres saber o que é que ele tem andado a fazer?”

“O quê?” Kriss franziu a testa.

Dean afastou-se imediatamente, colocando alguma distância entre eles. “Anda a perseguir a Misery, o demónio que o encurralou na caverna.”

Naquele momento, as nuvens finas acima deles se espalharam, permitindo que o luar brilhasse sobre eles e criasse as sombras no telhado que revelavam as suas verdadeiras identidades. Dean teve que desviar o olhar da perfeição de Kriss… sempre teve que desviar o olhar.

“Bem, talvez nos deixe ajudá-lo a conseguir uma pequena vingança,” sugeriu Kriss. “Já se passou algum tempo, mas juntos provavelmente poderíamos dar cabo dela.”

“Duvido,” Dean lançou o olhar na direção em que o anjo tinha desaparecido. “Sempre que me aproximo dele consigo sentir a sua raiva e medo.”

Kriss olhou na mesma direção sabendo a verdade. “Talvez tenha uma boa razão para nos temer.” Começou por mencionar o facto de ser um híbrido… não um verdadeiro caído, mas Dean interrompeu-o.

“Não importa, porque ele não confia em nós,” Dean deu um passo atrás para a beira do edifício e olhou para a cidade.

Sabia que Kriss pensava que tinha tudo planeado. Então este anjo não era um sangue-puro… mas estava bem perto e era isso que importava. Dean tinha visto a sua alma várias vezes nos últimos dias e faltava-lhe a maldade que rotulava a maioria dos híbridos como demónios. Aos olhos de Dean, isso fez dele um deles. Pensando melhor… talvez estivesse na altura de deixar Kriss entrar naquele pormenor.

“Sabes, ele é mais sangue-puro do que híbrido. A alma dele é diferente da nossa, mas o mal não reside lá… neste momento está cheia de medo, desconfiança e desejo. Espero que não tenhas mudado assim tanto ao ponto de não conseguires ver o bem dentro dele.”

Ele sabia que Kriss nunca tinha caçado híbridos por malícia nem os tinha destruído sem uma boa razão. Kriss foi um dos últimos anjos caídos a ser enviado para cá muito tempo depois das guerras dos demónios ter acabado… banido para este mundo apenas para se livrar de alguma população masculina. Kriss não sabia, mas Dean era muito mais velho do que isso.

Dean tinha sido um dos líderes da rebelião que pôs fim à guerra dos demónios… tendo mesmo enviado alguns dos sangue-puros para o submundo pelo seu massacre sem sentido de híbridos que não eram demoníacos. Algumas coisas são um pecado… não importa a forma como olhas para elas.

Kriss teve um flashback de querer matar Kane apenas para encontrar uma alma esfarrapada, mas estranhamente pura, a olhar para ele. Nunca se tinha deparado com tanta esquisitice. Se Kane tivesse sido um humano ou um demónio com tantos danos causados à sua alma… teria sido a pura maldade. Devia ter sido o diabo em pessoa. Isso fê-lo pensar se Dean tinha razão… que talvez tivesse perdido a sua capacidade de julgar.

Viver no meio dos humanos por tanto tempo ensinou-lhe que até mesmo as melhores intenções sempre tiveram um lado negro. Tinha decidido há muito tempo atrás que a morte era apenas a verdadeira forma do mal e que devia deixar que o resto se resolvesse por si.

“Quanto tempo pretendes persegui-lo?” Kriss perguntou com curiosidade.

“Até ele perceber que não sou uma ameaça,” respondeu Dean de forma enigmática.

Kriss inclinou a cabeça e olhou para Dean, notando vários buracos de balas na sua roupa. “Que diabo tens feito? Cheiras a fumo e esses buracos nas tuas roupas não são de traças.”

“Deixa-me perguntar-te uma coisa,” Dean nem sequer olhou para Kriss. “Estás mesmo aqui por mim? Ou só precisas de uma distração porque estás a evitar os teus sentimentos pela Tabatha?”

Kriss estendeu a mão, agarrando no braço de Dean e girando-o para que se enfrentassem. “Porque é que tens que ser sempre tão agressivo?” Exigiu saber.

Dean sacudiu o braço do aperto de Kriss. “Se calhar porque consigo ver na tua alma onde és cego.”

Kriss desviou o olhar e quando olhou para trás, Dean já tinha desaparecido.

*****

Kane abriu calmamente a janela do quarto de Tabatha e esgueirou-se lá para dentro. Tinha estado a observá-la através das janelas, mas sentindo que a sua inquietação não se ajustava bem a ele e o facto de não conseguir ler os seus pensamentos, estava a enlouquecê-lo. Tudo o que conseguia ouvir eram sussurros quase silenciosos provenientes da sua mente.

Olhou para o teto, perguntando-se quem é que tinha tido a brilhante ideia de fazer dela a única pessoa que ele não conseguia escutar, quando ela era a única que ele queria ouvir. Kane manteve a escuridão puxada à sua volta enquanto se encostava à moldura da porta do quarto aberto e viu-a mover-se do sofá para a televisão.

Tabatha baixou o rádio. Achou que o som de fundo ajudaria a fazer com que o apartamento não parecesse tão vazio, mas só a estava a irritar. Sentia a falta da sua colega de quarto.

Kriss tinha desaparecido durante várias semanas no passado e ela sabia que ele sabia tomar conta de si, mas isso nunca a impediu de se preocupar. Aquele demónio, a sua pele arrepiou-se com a memória, tinha sido capaz de encurralar Dean, mesmo que tivesse sido apenas por algumas horas. Foi difícil para ela aceitar o facto de haver coisas lá fora que podiam magoar Kriss.

Voltou a passar os dedos pelo ombro e pelo peito onde tinha sido ferida, sentindo apenas uma pele macia e imaculada. Achou que tinha sido suficientemente esperta ao fazer Kane pensar que estava sob o seu domínio… mas ela é que foi enganada. Mesmo assim, ele disse-lhe que não se lembrasse de ir ver Misery… mesmo assim ela lembrou-se. Levantando lentamente os mesmos dedos, tocou nos lábios, desejando lembrar-se exatamente do que Kane lhe tinha feito.

Talvez ela tivesse estado sob o seu feitiço durante todo aquele tempo, mas por alguma razão só se lembrava de uma parte. Ele disse que estava a vigiá-la… a segui-la. Tabatha sentiu os cabelos da nuca se eriçarem e o quarto pareceu encolher.

Tirando os dedos dos lábios, sussurrou: “Kane, estás aqui?”

Kane agarrou-se à moldura da porta para não se mover na sua direção, mas nenhum poder na Terra o impediria de responder: “Sim.”

A sua voz estava assombrada, o que fez Tabatha girar sob os calcanhares e procurar por ele. Ficou dividida entre a desilusão e o medo quando não o viu mesmo atrás dela. “Sou assim tão má que tens de te esconder de mim?” A sua respiração estava mais acelerada e questionou-se em silêncio se isto era o equivalente a estar a brincar com o fogo.

Kane deixou a escuridão dispersar-se à sua volta e viu quando o olhar dela recaiu sobre si. “Talvez eu seja o mau.”

Tabatha engoliu em seco. Ele parecia um pouco perverso na sua silhueta à porta do seu quarto… tinha que reconhecer. “Talvez não te sentisses tão mal se tivesses batido à porta da frente,” ela sugeriu, perguntando-se há quanto tempo estava ele dentro do seu apartamento. Sentindo uma ligeira fraqueza nos joelhos, voltou-se e forçou-se a caminhar calmamente para o sofá e a sentar-se.

“Terias-me convidado a entrar?” Perguntou Kane com curiosidade enquanto entrava na sala. Reparou na forma como ela se virou e puxou os pés para cima do sofá, chegando-os para mais perto de si enquanto se encostava contra o apoio de braços almofadado.

“Não sei,” Tabatha respondeu. “É a primeira vez que estás aqui?”

“Não,” Kane nem sequer se deu ao trabalho de mentir. Para quê mentir quando podia fazê-la esquecer que tinha estado aqui?

“Então estou a convidar-te para entrares. Senta-te,” apontou para o outro assento do sofá. Se estivesse aqui para a magoar, já o teria feito… certo? Ela observava a forma como ele mantinha os seus movimentos lentos, como ela pediu. Estava a mentir… já tinha visto a velocidade a que ele se movia quando queria. Ele estava a ser cuidadoso para não a assustar e isso deixou-a ainda mais nervosa.

Kane ergueu uma sobrancelha. “É assim que tratas todos os teus perseguidores?” Perguntou com toda a seriedade. “Convida-os para entrar para tomar chá e biscoitos?”

Tabatha abanou a cabeça. “Não bebo chá e detesto biscoitos. Uma chávena de café e um bagel serve perfeitamente.”

Kane sorriu para ela com um ar triste. “Como sabes que não te vou magoar?”

“Se me quisesses fazer mal, já o terias feito,” respondeu Tabatha, evocando o pensamento que tinha tido momentos antes. Pensando melhor, rapidamente acrescentou: “Apesar do facto de ter tendência a ficar ferida quando estás nas imediações.”

Kane estremeceu e sentou-se finalmente no lugar que ela lhe indicou na outra ponta do sofá, virando-se para a enfrentar e encostando-se ao apoio de braços oposto. Levantou a perna direita, dobrando o joelho e sentou-se num estilo meio indiano com um braço dobrado sobre o estômago.

“Então diz-me querida, porque me convidaste a entrar?” Kane perguntou.

“Porque estás aqui?” Tabatha esquivou-se da pergunta.

Kane sorriu. “Sabes que é falta de educação responder a uma pergunta com outra pergunta?”

Tabatha foi momentaneamente surpreendida pela forma como o sorriso dele mudou ligeiramente os contornos do seu rosto, fazendo-o parecer tão perigoso e sedutor como ela acreditava que ela era.

“Até pode ser verdade,” disse Tabatha pensativa. “Mas é a mim que tens seguido e quero saber porquê.”

Kane deu de ombros. “Porque me apetece.”

Tabatha fitou-o. “Porque te apetece?”

Kane inclinou a cabeça para o lado. “Porque é que os vampiros fazem o que quer que seja?”

Tabatha abriu a boca, fechou-a, e depois abriu-a novamente sem conseguir articular uma resposta.

“Porque lhes apetece,” respondeu Kane por ela.

Tabatha suspirou. “Olha, se não me queres dizer a verdade, então não te posso obrigar. Mas, se vamos ser amigos, precisamos trocar pelo menos uma verdade um sobre o outro.”

Kane ergueu as sobrancelhas e sorriu. “Ah, então agora vamos jogar à verdade ou consequência?”

Tabatha corou, lembrando-se das poucas vezes em que jogou o jogo enquanto estava no secundário… falar de situações embaraçosas. “Sem a consequência e respondes primeiro.” Ela sussurrou.

Kane concordou. “Tudo bem. Já que sou o perseguidor, vamos seguir as tuas regras.”

Tabatha sentiu um arrepio percorrê-la na sua fácil admissão de que ele estava de facto a segui-la. “Porque é que o Kriss não gosta de ti? Ele não me quer dar uma razão.”

“Porque não lhe pertences,” respondeu Kane demasiado depressa.

“Que tipo de resposta é essa?” Tabatha exigiu saber.

“É a tua vez,” indicou Kane.

Tabatha resmungou, “Como queiras,” e então ficou tensa sem saber o que esperar.

“Gostas de cães?”

Tabatha pestanejou. A pergunta não tinha nada a ver. Relaxou e sorriu com carinho. “Adoro-os. Quando era pequena, tínhamos um pequeno Yorkie, mas ele fugiu. Nunca consegui superar isso… às vezes ainda sinto a falta dele.”

Kane devolveu o sorriso com um sorriso lento quando os seus olhos se cruzaram. “Tens de conhecer o meu Yorkie um dia destes… chama-se Scrappy.”

Tabatha sentiu um arrepio pelo corpo todo e literalmente saltou do assento quando o telefone tocou. Levantando-se, correu para o telefone para atender, na esperança que fosse Kriss a ligar. Ao levantar o auscultador, voltou-se para olhar para Kane, mas este já tinha desaparecido sem deixar vestígios de que alguma vez esteve lá.

Fez uma busca rápida no quarto, para o encontrar vazio. Com um suspiro, Tabatha pressionou o telefone contra a orelha. “Estou?” Encolheu-se quando ouviu a voz de Jason.

“O que te aconteceu? Simplesmente desapareces e não me ligas para dar uma explicação?” Jason andou de um lado para o outro. “Caramba Tabby, deixaste-me preocupadíssimo.”

Tabatha sorriu para o auscultador. De alguma forma, os gritos de Jason fê-la sentir-se um pouco mais normal. Rapidamente fez as contas mentalmente quando começou a explicar o que aconteceu sem lhe dar um único detalhe sobre qualquer coisa que tivesse a ver com o paranormal.

Kane afastou os galhos do arbusto por uma fração de tempo enquanto via Tabatha relaxar pela primeira vez desde que Trevor a deixou em casa. Os seus lábios insinuavam um sorriso enquanto a ouvia dizer a verdade a quem estava do outro lado do telefone, e a mentir como uma louca ao mesmo tempo. O seu sorriso desvaneceu-se e a sua expressão virou saudade. O que ele daria para ter o seu sorriso assim com tanta facilidade. Afastando-se da janela, sabia que estava na hora de ir embora… conseguia sentir Kriss a aproximar-se.

“Espera um minuto Jason,” Tabatha franziu a testa enquanto tinha a estranha sensação de estar a ser observada. Virando a cabeça para a janela, congelou ao ver Kriss ali a observá-la. “Jason, falamos amanhã, está bem?” Voltou-se e desligou o telefone, mas quando voltou a olhar para trás, Kriss já tinha desaparecido.

Atração

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