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Primeira Parte
Cena II

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Câmara. Entram Dona Nize, Dona Clóris e Sevadilha.

Sevadilha: Ai, senhora, que ainda não creio que estamos em casa, pois vimos mais tarde, não nos acha o senhor velho!

Dona Clóris: Em boa nos metemos!

Dona Nize: Nunca tal nos sucedeu; que te parece, Dona Clóris, a porfia daqueles homens em nos querer conhecer?

Sevadilha: Sim, senhora, como se nós fossemos suas conhecidas.

Dona Clóris: E a facilidade com que se namoram logo estes homens, é o que mais me admira!

Sevadilha: Pois o maldito do Criado, que tanto se meteu comigo, como piolho por costura!

Dona Clóris: Que te veio dizendo?

Sevadilha: Mil despropósitos misturados com várias finezas esfarrapadas.

(Entra Fagundes com o manto apanhado no braço).

Fagundes: Ainda esses Alecrins, e Manjeronas, hão de dar nos narizes a muita gente.

Dona Nize: Que diz, Fagundes?

Fagundes: Digo que bem escusados eram estes sustos: ora, digam-me, senhoras, se seu tio viesse, e as não achasse em casa, que seria de mim?

Dona Clóris: Não falemos nisso, que ainda estou a tremer.

Fagundes: Apostemos, que isso foram conselhos desta senhora, que aqui está?

Sevadilha: Apelo eu, que testemunho! Olhe o diabo da mulher, parece, que me te tomado à sua conta!

Fagundes: Coitada, como se desconjura!

Sevadilha: Ainda por amor dela me hei de ir desta casa.

(Entra Dom Lancerote)

Dom Lancerote: Fagundes, depressa vá deitar mais um ovo nos espinafres, que aí vem meu sobrinho Dom Tibúrcio, já que sou tão desgraçado que por mais meia hora não chega depois de jantar.

Fagundes: Eu vou, meu senhor, mas cuido que o noivo a estas horas comerá novilho.

Dom Lancerote: Agora, minhas sobrinhas, é chegado o vosso esposo; não tenho que encomendar-vos o modo com que o haveis de tratar.

Dona Clóris: (à parte) Já vem tarde.

Dona Nize: (à parte) Veremos a cara a este noivo.

Sevadilha: (à parte) Pois dizem que é um galante lapuz.

(Entram Dom Tibúrcio com botas, vestido ridicularmente).

Dom Lancerote: Amado sobrinho, dá-me os braços. É possível que veja a um filho de meu irmão!

Dom Tibúrcio: Sim, senhor; mas primeiro mande vossa mercê ter cuidado naquelas choiriças que vem no alforje, não as dizime o arrieiro, que tem em cada não cinco aguirrapantes.

Dom Lancerote: Isso me parece bem, seres poupado; eu vou a isso. (vai-se).

Dona Clóris: Que te parece, Nize, a discrição do noivo?

Dona Nize: Muito bom princípio leva.

Sevadilha: (à parte) Parece que o seu gênio mais se casa com o alforje.

Dom Tibúrcio: (à parte) As primas não são más; porém a moça me toa mais.

(Entra Dom Lancerote)

Dom Lancerote: Sossegai, sobrinho, que já tudo está arrecadado.

Dom Tibúrcio: Agora sim; amado tio meu, por cujos humanos aquedutos circula em nacarados licores o sangue de meu progenitor, permiti, que os meus sequiosos lábios calculem esses pés, dedo por delo.

Dom Lancerote: Levantai-vos; sois discretos, meu sobrinho; pois vosso pai era um pedaço d’asno, Deus me perdoe.

Dom Tibúrcio: Não está mais na minha mão; em abrindo a boca me chovem os conceitos aos borbotões.

Dom Lancerote: Falai a vossas primas, e minhas sobrinhas, Dona Nize e Dona Clóris.

Dom Tibúrcio: Eu vou a isso.

Soneto

Primas, que na guitarra da constância

Tão iguais retinis no contraponto,

Que não há contraprima nesse ponto,

Nem nos porpontos noto dissonância.

Oh, falsas não sejais nesta jactância;

Pois quando atento os números vos conto,

Nessa beleza harmônica remonto

Ao plecto da Felina consonância:

Já que primas me sois, sede terceiras

De meu amor, por mais que vos agaste

Ouvir de um cavalete as frioleiras;

Se encordoais de ouvir-me, ó primas, baste

De dar à escaravelha em tais asneiras,

Que enfim isto de amor é um lindo traste.


Dom Lancerote: Também sois Poeta, meu sobrinho?

Dom Tibúrcio: Também temos nosso entusiasmo, senhor tio, isto cá é veia capilar e natural.

Dom Lancerote: Oh! Quanto me pesa que sejais Poeta, pois por força haveis de ser pobre.

Dom Tibúrcio: Agora, senhor, eu sou um rico Poeta. Pois, primas, que dizeis da minha eloqüência? Não me respondeis?

Dona Clóris: Os Anjos lhe respondam.

Dona Nize: Aí não há mais que dizer.

Dom Tibúrcio: Ah, senhor tio, essa rapariga é cá da obrigação da casa?

Dom Lancerote: É moça da almofada.

Dom Tibúrcio: Não é mal estreada; e que olhos que tem! Benza-te Deus!

Sevadilha: Quer Deus que trago um corninho por amor do quebranto.

Dom Lancerote: Eu cuido, Sobrinho, que mais vos agrada a criada, do que a noiva.

Dom Tibúrcio: Tudo o que é desta casa me agrada muito.

Dom Lancerote: Agora vamos ao intento: Sabereis, minhas Sobrinhas, que vosso primo Dom Tibúrcio, filho de meu irmão D, Tifônio e de dona Pantaleoa Redoldan, a qual também era irmã de vosso pai, e meu irmão D. Blianis, vem a eleger uma de vós outras para esposa, pela mercê que me faz; que a ser possível casar com ambas, o fizera sem cerimônia, que pra mais é o seu primor.

Dom Tibúrcio: Por certo que sim, e não só com ambas, mas até com a criada; pois, como digo, desejo meter no coração tudo o que dor desta casa.

Dom Lancerote: Eu o creio, meu sobrinho; nisso saís a vosso Pai.

Dona Clóris: (à parte) Não vi maior asno!

Dona Nize: (à parte) Nem eu maior simples!

(Diz dentro Semicúpio)

Semicúpio: Quem merca o Alecrim?

Dona Clóris: Ó Sevadilha, chama a esse homem do Alecrim; anda depressa.

Sevadilha: (à parte) Entrou no fadário!

Dom Lancerote: Sobrinho, não estranhais este excesso de minha sobrinha; porque haveis de saber, que há nesta terra dois ranchos. Um do Alecrim, outro da Manjerona, e fazem tais excessos por estas duas plantas, que se matarão umas às outras.

Dom Tibúrcio: E vossa mercê consente, que minha primas sigam essas parcialidades?

Dom Lancerote: Não vede que é moda, e como não custa dinheiro, bem se pode permitir?

Dom Tibúrcio: Bem sei que isso são verduras da mocidade, mas contudo não aprovo.

Dom Lancerote: E a razão?

Dom Tibúrcio: Não sei.

Dona Clóris: Vossa mercê como vem com os abusos do monte, por isso estranha os estilos da Corte.

Dona Nize: Calai-vos, mana, que ele há de ser o maior apaixonado que há de ter o alecrim e a Manjerona.

Dom Tibúrcio: Se eu enlouquecer, não duvido.

(Entram Semicúpio com um molho de Alecrim ao ombro).

Semicúpio: Quem quer o Alecrim?

Dona Clóris: Anda pra cá: tem mão, não o ponhas no chão.

Semicúpio: Pois aonde o hei de pôr?

Dona Clóris: Aqui no meu colo: ai, no chão o meu Alecrim? Isso não.

Semicúpio: A real e meio, por ser para vossa mercê?

Dona Clóris: Põe aí cinqüenta molhos.

Semicúpio: Pelo que vejo, esta é Dona Clóris. (à parte) Eis aí tem todos os molhos; reparta lá com a senhora, que suponho também quererá o seu raminho.

Dona Nize: Ai, tira-te para lá, homem, com esse mau cheiro.

Semicúpio: (à parte) Já sei, que esta é a da Manjerona de Dom Fuas.

Dom Tibúrcio: Bem haja, minha prima, que não é destas invenções.

Dom Lancerote: Porque é da Manjerona, por isso aborrece o Alecrim.

Dom Tibúrcio: Resta-me que vossa mercê também tenha algum rancho.

Dom Lancerote: Olhai vós, não deixo cá de mim para mim de ter minha parcialidade.

Semicúpio: Ora demos princípio à tramóia. (à parte). Ai, senhores, quem me acode?

Dom Lancerote: Que tens, homem?

Semicúpio: ai, ai, confissão.

(Cai Semicúpio estrebuchando, fingindo um acidente)

Dona Clóris: Coitado do homem! Que tens? Que te deu?

Dona Nize: Tão venenoso é o teu Alecrim, que mata a quem o traz?

Dom Lancerote: Olá, tragam água.

(Entram Fagundes e Sevadilha com uma quarta).

Sevadilha: Ai, senhores, que isto é acidente de gota coral!

Semicúpio: (à parte) O coral dos teus lábios que acidentes não fará?

Dom Lancerote: A unha de grão besta é boa para isto.

Dom Tibúrcio: Puxem-lhe pelos dedos, que também é bom remédio.

(Dom Lancerote, Dom Tibúrcio, Sevadilha e Fagundes pegam em Semicúpio, e este com o estrebuchamento fará cair a todos).

Dom Lancerote: Mostra cá o dedo.

Semicúpio: (à parte) Agradeço o anel.

Dom Tibúrcio: E a força que tem o selvagem!

Sevadilha: Eu não posso com ele.

Semicúpio: Lá vai o dedo polegar c’os diabos? Eu estou capaz de tornar a mim, antes que me deixem despedaçado.

Dom Lancerote: Borrifa-o, Fagundes.

Fagundes: Ora deixem-no comigo. (Borrifa-o).

Semicúpio: Pó diabo! E o que fedem os borrifos da velha! A maldita parece que tem apostema no bofe.

Dona Nize: Não se cansem, que ele não torna a si tão cedo.

Semicúpio: Essa é a verdade.

Fagundes: Mas, pelo sim pelo não, eu lhe vazo esta quarta; que quando Deus quer, água fria é mezinha.

Semicúpio: (à parte) Valha-te o diabo, que me deitaste água na fervura! Eu não tenho mais remédio, que aquietar-me, senão virá como remédio algum pau santo sobre mim.

Fagundes: Senhores, ele está mais sossegado depois da água, venham jantar que a mesa está posta.

Dom Lancerote: Vai buscar o meu capote, e cobre-o que está tremendo o miserável.

Semicúpio: (à parte) É maravilha, que um miserável cubra ouro.

Dom Tibúrcio: Aquilo são convulsões; mas bom é cobri-lo por amor do ar.

(Entra Fagundes com um capote)

Fagundes: Eis ai o capote; se ele o babar, babado ficará.

Semicúpio: (à parte) Anda, tola, que não me babo.

Dom Lancerote: Tu, Sevadilha, tem sentido neste homem, enquanto jantamos; vinde, Sobrinho. (vai-se).

Dom Tibúrcio: Vamos, que tenho uma fome horrenda. (vai-se)

Dona Nize: É galante figura o tal meu primo. (vai-se).

Dona Clóris: Fagundes, agasalha esse alecrim. (vai-se).

Fagundes: Tanto me importa; se fora Manjerona, ainda, ainda. (vai-se).

Sevadilha: Só isto me faltava, ficar eu guardando a este defunto!

Semicúpio: Vejamos quem é esta Sevadilha, que ficou por minha enfermeira. Ai que suponho que é a menina do malmequer, que lá traz um no cabelo. Vamo-no erguendo, por ver se nos quer bem. (vai-se erguendo).

Sevadilha: Deite-se, deite-se. Ai, que o homem tem frenesis! Acudam cá.

Semicúpio: Cala-te, Sevadilha, não perturbes esta primeira ocasião de meu amor.

Sevadilha: Deixe-se estar coberto.

Semicúpio: Bem sei, que o calafrio de meu amor é tão grande, que se pode cobrir diante d’El-Rei; mas confesso-te que já não posso aturar o gravame deste capote.

Sevadilha: Ai, que o homem está louco, e furioso!

Semicúpio: A fúria com que te ausentas me faz enlouquecer; não fujas, Sevadilha, que eu sou aquele sujeito do malmequer, e tão sujeito aos teus impérios, que sou um criado de vossa mercê.

Sevadilha: Eu te arrenego, maldito homem! Tu és o desta manhã?

Semicúpio: Cuidavas que não havia saber modo para ver-te?

Sevadilha: Queres que vá chamar a Dona Clóris, ou Dona Nize?

Semicúpio: Logo irás chamar a Dona Clóris, mas primeiro atende à chama de meu amor que se o fogo tem línguas, e as paredes tem ouvidos, bem pode a dura parede de teu rigor escutar a labareda em que me abraso: muita coisinha te poderia eu dizer; porém a ocasião não é para isso.

Sevadilha: Nem eu estou para essoutro.

Semicúpio: Eu o dissera, que o teu malmequer não é para menos.

Sevadilha: Nem a tua pessoa é para mais.

Semicúpio: Pois isso é deveras? Olha, que desconfio.

Sevadilha: Bem aviada estou eu! Bom amante tenho! Bonito eras tu para aturar vinte anos de desprezos, como há muitos que aturam, levando com as janelas nos narizes, dormindo pelas escadas, aturando calmas, sofrendo geadas, apurando-se em Romances, dando descantes, feitos estátuas de amor no templo de Vênus, e contudo estão muito contentes da sua vida; e assim para que me buscas?

Semicúpio: Para que me desenganes, se me queres, ou não.

Sevadilha: Pergunta-o ao malmequer, que ele t’o dirá.

Semicúpio: Se eu o tivera, aqui, fizera esta experiência.

Sevadilha: E onde está o que eu te dei?

Semicúpio: Lá o tenho empapelado, que cuido que o ar m’o leva.

Sevadilha: Assim te leve o diabo.

Semicúpio: Levará que é muito capaz disso. Pois em que ficamos? Bem me queres, ou mal me queres?

Sevadilha: Apanha aquele malmequer, que está junto àquela porta, e pergunta-lho, que ele to dirá.

Semicúpio: Pois acaso nas folhas do malmequer, estão escritos os teus amores, ou os teus desdéns?

Sevadilha: Da mesma sorte que a buena dicha na palma da mão.

Semicúpio: Eu vou apanhar o dito malmequer. (vai-se)

Sevadilha: Quem me dera que ficasse em malmequer para o fazer andar à prática!

(Entra Semicúpio com um malmequer)

Semicúpio: Eis aqui o malmequer: ora vamos a isso; que se há flores que são desengano da vida, esta o será do amor. Sevadilha, toma sentido, vê se fica no bem-me-quer.

Sevadilha: Isto é como uma sorte.

Semicúpio: Queira Deus não se converta o malmequer em azar. Tem sentido.

Sevadilha: Amor,se sai a coisa como eu quero, eu te prometo um arco de pipa, e uma venda nos Remolares em que ganhes muito dinheiro.

Canta Semicúpio a seguinte

Ária

Oráculo de amor

Propício me responde

Nas ânsias deste ardor

Bem me queres, mal me queres

Bem me queres, disse a flor.

Ai de mim, que me quer mal

Teu ingrato malmequer

Acabou-se o meu cuidado,

Que mais tenho que esperara?

Vou-me agora regalar,

Levar boa vida, comer, e beber.


(Entra Dona Clóris)

Dona Clóris: Oh! Quanto folgo que já estejas bom!

Semicúpio: E tão bom que parece que nunca tive nada.

Dona Clóris: Com que saraste?

Semicúpio: Com o mesmo mal; porque também há males que vêm por bem.

Dona Clóris: Que dizes, que te não entendo? Estás louco?

Semicúpio: Meu amo ainda o está mais do que eu, desde que te viu assim por maior esta manhã; e assim para significar-te a tremendíssima eficácia de seu amor, aqui me manda a teus pés, minto, aos teus átomos, para que com os disfarces do Alecrim possa merecer os teus agrados.

Dona Clóris: Sevadilha, põe-te a espreitar não venha alguém.

Sevadilha: Sim Senhora. Arrelá como ardil do homem! (vai-se)

Dona Clóris: E quem é esse teu ano que tanto me adora?

Semicúpio: É o Senhor Dom Gilvaz, cavalheiro de tão lindas prendas, com verbi gratia Londres e Paris.

Dona Clóris: Que oficio tem?

Semicúpio: Há de ter um de defuntos, quando morrer.

Dona Clóris: E enquanto vivo, em que se ocupa?

Semicúpio: Em morrer por vossa mercê.

Dona Clóris: Fala a propósito.

Semicúpio: Senhora, meu amo não necessita de ofícios para manter os seus estados , porque tem várias propriedades consigo muito boas; além disso tem uma quinta na semana, que fica entre a quarta e a sexta, tão grande que é necessário vinte e quatro horas, para se correr toda.

Dona Clóris: Quanto fará toda de renda?

Semicúpio: Não se pode saber ao certo; sei que tem várias rendas em Flandres, e outras em Peniche, e estas bem grossas; também tem um foro de fidalgo, e um juro de nobreza.

Dona Clóris: Basta que é fidalgo?

Semicúpio: Como as estrelas, que as vê ao meio-dia, e as estas horas não vê outra coisa; e certamente lhe posso dizer que é tão antiga a sua descendência, que diz muita gente, que descende de Adão.

Dona Clóris: Se isso é assim, talvez, que me incline a quere-lo para meu esposo.

Semicúpio: Venha a resposta, senhora, que meu amo está esperando com língua de palmo.

Dona Clóris: Pois ouve o que lhe hás de dizer.

Canta Dona Clóris a seguinte

Ária

Dirás ao meu bem,

Que não desconfie,

Que adore, que espere,

Que não desespere,

Que à sua firmeza Constante serei.

Que firme eu também

A tanta fineza

Amante, constante

Extremos farei. (vai-se)


Semicúpio: Vencido está o negocio; mas o capote do velha cá não há de ficar por vida de Semicúpio; que se a ocasião faz o ladrão, hei de sê-lo por não perder a ocasião. (vai-se com o capote).

(Entra Sevadilha)

Sevadilha: Espera, homem, onde levas o capote? E foi-se como um cesto rosto? Ai, mofina desgraçada, que há de ser de mim se meu amo não achar o seu rico capote?

(Entra Dom Lancerote)

Dom Lancerote: Já sarou o homem, Sevadilha?

Sevadilha: Sim, Senhor.

Dom Lancerote: Já se foi?

Sevadilha: Sim, Senhor.

Dom Lancerote: Guardaste o capote?

Sevadilha: (à parte) Ai é ela.

Dom Lancerote: Não ouves? Guardaste o capote?

Sevadilha: Qual capote?

Dom Lancerote: O meu.

Sevadilha: Qual meu?

Dom Lancerote: O meu de Saragoça.

Sevadilha: Ah sim, o capote do homem do Alecrim?

Dom Lancerote: Qual homem?

Sevadilha: O do acidente.

Dom Lancerote: Tu zombas?

Sevadilha: Zombaria fora, o homem levou o capote.

Dom Lancerote: O meu capote?

Sevadilha: Eu não sei, se ele era de vossa mercê, o que sei é que o homem do Alecrim levou um capote, com que estava coberto.

Dom Lancerote: E como o levou?

Sevadilha: Nos ombros.

Dom Lancerote: O meu capote furtado?

Sevadilha: Pois nunca se viu furtar um capote?

Dom Lancerote: Não, bribantona, que era um capote aquele que nunca ninguém o furtou. Oh, dia infeliz, dia aziago, dia indigno de que o Sol te visite com os seus raios!

Sevadilha: Santa Bárbara!

Dom Lancerote: Tu, descuidada, hás de por para ali o meu capote, ou do corpo t’o hei de tirar.

Sevadilha: Como m’o há de tirar do corpo se eu o não tenho?

Dom Lancerote: Desta sorte.

Cantam Dom Lancerote e Sevadilha: a seguinte

Ária a duo

Dom Lancerote:

Moça tonta, descuidada,


Sevadilha:

Há mulher mais desgraçada

Neste mundo? Não, não há.


Dom Lancerote:

Se não dás o meu capote,

Tua capa hei de rasgar.


Sevadilha:

Não me rasgue a minha capa.


Dom Lancerote:

Dá-me, moça o meu capote.


Sevadilha:

Minha capa.


Dom Lancerote:

Meu capote.


Ambos:

Trata logo de o pagar.


Dom Lancerote:

Meu capote assim furtado!


Sevadilha:

Meu adorno assim rasgado!


Ambos:

Que desgraça!


Dom Lancerote:

Contra a moça.


Sevadilha:

Contra o velho.


Ambos:

A justiça hei de chamar:

Meu capote donde está? (vão-se).


Guerras do Alecrim e da Manjerona

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