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Capítulo 1

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Lauren Isadora Clarke era uma londrina pura.

O campo britânico bucólico não a entusiasmava, parecia-lhe uma série de pradarias intermináveis com sebes por todos os lados que a impediam de chegar a algum lado. Preferia a cidade e a sua infinidade de meios de transporte ao alcance de todos. Além disso, se todos falhassem, podia ir a pé a bom passo de um lado para o outro. Lauren valorizava a pontualidade e não precisava desse calçado rígido e incómodo com solas como se fossem pneus.

Não era uma caminhante ou excursionista ou como quer que se chamam esses indivíduos corados com bengalas, casacos polares e sapatos práticos. Não gostava de subir encostas a soprar para depois ter de as descer, coberta da lama das colinas verdes de Inglaterra, graças à chuva. Não a atraía e nunca o fizera, o prazer duvidoso de andar de um lado para o outro para respirar ar fresco.

Gostava do betão, dos tijolos, do metro incomparável e dos estabelecimentos com comida para levar em todas as esquinas. Sentia urticária só de pensar em bosques frondosos e escuros.

No entanto, ali estava, a avançar pelo que o estalajadeiro chamara uma estrada e que, no melhor dos casos, não passava de um caminho de terra, no meio de um bosque espesso da Hungria.

Ainda não tinha urticária e devia estar a dar saltos de alegria, mas estava mais concentrada nas queixas.

Para começar e acima de tudo, os sapatos não eram, nem nunca tinham sido, práticos. Não acreditava no culto dos sapatos práticos. Era muito prática na sua vida. Geria minuciosamente as contas, pagava-as pontualmente e conseguia fazer com que o seu trabalho como secretária pessoal do diretor-executivo das Indústrias Combe, um homem imensamente rico e poderoso, alcançasse tal nível de excelência que chegava a pensar que era indispensável.

Os seus sapatos eram extravagantes e nada práticos, mas recordavam-lhe que era uma mulher, algo de que precisava quando o seu chefe a tratava como se fosse um eletrodoméstico que gostava que funcionasse sozinho, sem supervisão ou ajuda.

Há algumas semanas, Matteo Combe, o patrão, contara-lhe que a mãe se livrara de um filho antes de se casar com o seu pai.

Ela, como qualquer pessoa que tivesse visto a primeira página de uma revista sensacionalista durante os passados quarenta anos, sabia tudo sobre os pais do patrão. Bom, como passara quase toda a sua vida profissional a trabalhar para Matteo, sabia mais do que a maioria. Alexandrina San Giacomo, bonita, adorada, aristocrata e mimada, desafiara a sensatez e a sua linhagem veneziana altiva quando se casara com Eddie Combe, muito rico e muito pouco refinado, cujos antepassados tinham aberto caminho na indústria do norte de Inglaterra, muitas vezes, com as próprias mãos. A sua história de amor fora um escândalo, o seu casamento tumultuoso fora motivo de conjeturas e as suas mortes, com algumas semanas de diferença, tinham causado ainda mais agitação.

No entanto, nunca se insinuara nada sobre um filho ilegítimo.

Não era preciso dizerem a Lauren que, quando isso se soubesse, e essas coisas acabavam sempre por se saber, não teriam de se preocupar com as insinuações.

– Quero que o encontres – dissera Matteo, como se estivesse a pedir-lhe para lhe trazer um café. – Não consigo imaginar qual é a sua situação, mas preciso que esteja pronto para a imprensa e que, se for possível, seja dócil.

– O seu irmão perdido, que não conhece e que, por princípio, poderia odiá-lo, à sua mãe e a tudo o que os San Giacomo representam… e acha que poderia acatar os seus desejos…

– Confio em ti – replicara Matteo.

Desculpara-se desse disparate quase no mesmo instante porque o patrão tinha de tratar de muitas coisas. Os seus pais tinham morrido um atrás do outro. A irmã mais nova, com a cabeça oca, engravidara e ele acabara por dar um murro ao pai do bebé. Uma reação que Lauren achava completamente natural, ainda que, infelizmente, Matteo lhe tivesse dado o murro no enterro do pai.

Os paparazzi e mais do que um convidado tinham fotografado ou filmado o murro dado ao príncipe Ares de Atilia e o conselho de administração da sua empresa vira-o como uma oportunidade de manobra contra ele. Matteo tivera de se submeter à avaliação de uma especialista que não era uma aliada e era muito possível que o destituíssem se o relatório não fosse favorável.

Lauren, naturalmente, desculpava-o.

– Houve alguma vez que não o tenhas desculpado? – perguntara Mary, a companheira de apartamento, sem parar de olhar para o telemóvel.

– É um homem muito ocupado, Mary – declarara ela, na manhã em que saía de Londres.

– Como te encarregas sempre de nos recordar.

Nesse momento, enquanto seguia por aquele caminho poeirento para Deus sabia onde, compreendeu que não se metera nessa disputa só porque era muito difícil encontrar uma boa companheira de apartamento e Mary, com a sua obsessão de se manter em contacto com os trinta mil amigos que tinha nas redes sociais, passava quase o tempo todo fechada no seu quarto e ocupada com filtros para fotografias e vozes absurdas, o que lhe deixava o apartamento para ela nas poucas oportunidades que tinha.

Além disso, recordou-lhe uma vozinha, tinha toda a razão, não é?

No entanto, estava ali para levar a cabo o que Matteo lhe pedira, não para duvidar da sua lealdade por ele.

Naquele momento, os seus sapatos de saltos com tachinhas, porque não tinha uns sapatos apropriados para a lama e para os bosques e nunca teria, estavam a fazer com que aquele passeio imprevisto por um bosque húngaro fosse ainda mais desagradável do que imaginara e tinha uma imaginação muito fértil. Olhou para os pés com o sobrolho franzido, cobriu-se melhor com o xaile vermelho e pensou algumas coisas sobre o patrão que nunca repetiria em voz alta.

Não fora fácil encontrar o Dominik James correto.

Quase não tinha informação, para além de alguns detalhes que a mãe de Matteo deixara no seu testamento. Começara por falar com o advogado que redigira o testamento de Alexandrina, um idoso ardiloso mais habituado a lidar com os assuntos dos aristocratas do que a responder às perguntas das empregadas. Olhara para ela por cima de uns óculos de que estava quase convencida que não precisava e garantira-lhe que, se houvesse mais informação pertinente, a teria incluído, algo em que ela não acreditou.

Enquanto Matteo estava concentrado nas sessões de avaliação e se enfurecia com as Indústrias Combe, começara uma investigação frenética. Os dados eram simples. Alexandrina, herdeira da fortuna imensa dos San Giacomo e conhecida em todo o mundo como outra pobre menina rica, engravidara quando tinha pouco mais de quinze anos graças a um rapaz mais velho, claramente inadequado e que, para começar, não devia ter conhecido. A família descobrira que estava grávida quando não pudera disfarçá-lo mais e mudara-a de escola.

O menino nascera quando Alexandrina tinha dezasseis anos. A igreja encarregara-se dele e ela voltara à vida social como se não tivesse acontecido nada. Que Lauren soubesse, não voltara a falar do primeiro filho até o mencionar no testamento.

«Ao Dominik James, o meu primeiro filho, que me arrebataram quando era apenas uma criança, deixo um terço da minha fortuna e bens materiais.»

O nome era uma pista. James era a versão inglesa de Giacomo. Lauren investigou todos os Dominik James que encontrou e acabou por ficar com duas possibilidades. Descartou o primeiro quando encontrou a sua árvore genealógica numa página de Internet, que não tinha nada a ver com os San Giacomo.

O outro Dominik James fora criado numa série de orfanatos católicos de Itália, antes de ter fugido para Espanha. Passara a adolescência lá, de vila em vila, de uma forma a que ela só podia chamar ambulante. Aos vinte e tal anos, alistara-se no exército italiano e desaparecera quando saíra. Reaparecera há pouco para fazer um curso na universidade e, depois, voltara a desaparecer.

Não fora fácil, mas, laboriosamente, localizara-o nesse bosque emaranhado e remoto da Hungria, algo que, depois de tanto trabalho, Matteo lhe dissera que estava escrito na versão em papel do testamento de Alexandrina que encontrara entre os pertences do pai de Matteo.

– Foi o que o meu pai escreveu na sua cópia do testamento da minha mãe – comentara Matteo, num tom jocoso.

Jocoso como se não lhe tivesse passado pela cabeça que ela poderia ter precisado de saber que o Dominik James que procurava estava na Hungria.

Naturalmente, não lho disse e agradeceu.

Era possível que o pai de Matteo tivesse feito notas no testamento de Alexandrina, mas, evidentemente, não tivera intenção de encontrar o filho ilegítimo que a esposa tivera muito antes de o conhecer. Por isso, não só tinha de localizar Dominik James, como, certamente, teria de lhe comunicar a sua ascendência ali, naqueles bosques imponentes que se abatiam sobre ela e que pareciam tirados de um conto de fadas.

Felizmente, não acreditava nos contos de fadas.

Voltou a embrulhar-se no xaile vermelho para se proteger do frio.

Era primavera, mas não havia forma de saber isso ali. As árvores eram altas e espessas e não deixavam passar a luz do sol e as sombras espalhavam-se por todos lados e faziam com que se sentisse… inquieta.

Embora também fosse possível que não se sentisse assim por causa das sombras dos ramos. Era possível que fosse, simplesmente, porque estava ali ou porque o estalajadeiro dessa vila remota se rira quando lhe dissera que estava à procura de Dominik James.

– Boa sorte – dissera o homem, embora lhe parecesse irónico. – Há homens que não querem que os encontrem, menina, e ignorar isso costuma causar problemas.

Uma vez lá, no bosque, onde só havia árvores e tinha a sensação inquietante de que estava completamente sozinha, mas não estava, esse comentário era especialmente ameaçador.

Saíra da vila há mais de meia hora e fora a última coisa parecida com a civilização que vira. Tentou convencer-se de que era uma sorte que o caminho não subisse para as montanhas imponentes, mas era complicado considerar-se sortuda quando estava rodeada de terra por todos os lados. A espessura do bosque, o barulho dos pássaros por cima da sua cabeça, os estalos que lhe indicavam que havia animais, embora não os visse…

Tremeu e pensou que estava a ser absurda. Então, o caminho fez uma curva e viu-o. Ao princípio, pensou que era como uma miragem do deserto, mas de madeira, embora nunca tivesse visto uma miragem e não houvesse desertos em Londres. No entanto, quanto mais se aproximava, mais claro era que os seus olhos não estavam a enganá-la. Havia uma espécie de construção rústica numa clareira entre as árvores.

Aproximou-se a pouco e pouco da beira da clareira. A única coisa que quisera durante toda a caminhada fora sair daquele bosque cansativo, mas uma vez na clareira, sentiu-se nervosa. No entanto, Lauren não acreditava nos nervos. Ignorou essa sensação e olhou para a construção com o sobrolho franzido. Era uma casa feita com troncos ordenadamente entrelaçados e saía fumo pela chaminé… e não havia o mínimo motivo para uma citadina convencida como ela sentir um aperto no coração ao vê-la, como se tivesse passado toda a vida perdida em bosques de madeira e betão e à procura de uma casinha acolhedora precisamente como aquela.

Naturalmente, era ridículo e esfregou o peito sem querer, como se, assim, pudesse fazer alguma coisa para aliviar a pressão. Não acreditava nos contos de fadas, mas lera-os e as casinhas que pareciam perfeitas no meio de bosques perigosos… Não se lembrava da história, mas, normalmente, uma casa no bosque levava diretamente a bruxas, feitiços e lobos que mostravam os dentes…

Então, percebeu que o alpendre da casinha não estava vazio como pensara, que uma das sombras era um homem e que estava a olhar fixamente para ela. O coração acelerou e pareceu-lhe que podia deitá-la ao chão ali mesmo, onde o bosque lutava para vencer a clareira.

No entanto, não estava disposta a ceder, fosse quem fosse o homem.

– Dominik James?

Perguntou-o com decisão e clareza, como se não estivesse alterada… porque não devia estar. Embora estivesse completamente quieta, sentia que as pernas não estavam tão convencidas como ela de que tinham de a segurar, sobretudo, quando o coração continuava a acelerar.

O homem saiu da sombra do alpendre para a luz que iluminava a clareira, mas só conseguiu fazer com que o seu coração enlouquecesse ainda mais.

Era alto, muito alto, e com esse tipo de ombros muito largos que faziam com que as suas mãos quisessem… fazer coisas que se recusava a imaginar. Tinha o cabelo escuro e denso, descuidado e demasiado comprido para o seu gosto, mas realçava-lhe o queixo firme e proeminente. Os lábios estavam fechados, embora fossem suficientemente carnudos para que algo a embargasse por dentro. Usava uma camisa de manga comprida que se colava ao peito formidável, umas calças escuras que lhe realçavam as coxas poderosas e umas botas que devia ter escolhido mais por serem práticas do que por serem bonitas.

No entanto, foram os seus olhos que fizeram disparar os alarmes. Eram cinzentos como uma tempestade, como os de Matteo. O cinzento dos San Giacomo, como tinham sido os de Alexandrina. Não precisava de se identificar para que ela soubesse com toda a certeza que estava a olhar para o herdeiro perdido dos San Giacomo… e não pôde entender porque sentiu um arrepio como se fosse um pressentimento. Desejou aproximar-se lentamente.

– O meu nome é Lauren Clarke…

Tentou recordar que devia ser eficiente e não estava a sê-lo naquele momento por causa de todas essas sensações que a embargavam.

– Trabalho para o Matteo Combe, o presidente e diretor-executivo das Indústrias Combe. Se não o conhece, o senhor Combe é, entre outras coisas, o filho mais velho da falecida Alexandrina San Giacomo Combe… e tenho motivos para acreditar que a Alexandrina também era a sua mãe.

Praticara-o, repetira-o várias vezes na sua mente e até o ensaiara naquela manhã à frente do espelho do quarto da estalagem. Não fazia sentido andar com rodeios e o melhor era ir diretamente à questão.

Esperara diferentes reações por parte dele. Podia negar tudo, podia ser arrogante ou podia expulsá-la. Previra planos alternativos para todas as situações, mas o homem que tinha à sua frente não disse nada e dirigiu-se para ela, obrigando-a a reparar que se mexia com uma elegância letal para o tamanho que tinha. Teve de suster a respiração e, quanto mais se aproximava, melhor conseguia ver a expressão da sua cara e dos seus olhos, que lhe pareceu de um sarcasmo brincalhão.

Não tinha nenhum plano alternativo para isso.

– A senhora Combe, que faleceu recentemente, incluiu-o no seu testamento. – Lauren fez um esforço para continuar. – O meu empregador quer que se cumpra o desejo da sua mãe, senhor James, e mandou-me aqui para que comece o processo.

Esse homem continuou sem falar. Abrandou quando se aproximou, mas limitou-se a olhar para ela atentamente. Olhou para ela de cima a baixo de uma forma que lhe pareceu insuportavelmente íntima e ela sentiu o calor que se apropriava dela.

Era como se lhe percorresse todo o corpo com as mãos, como se estivesse a verificar como o cabelo que apanhara num rabo de cavalo era suave e como o xaile que usava para combater o frio dos bosques húngaros era grosso. Olhava para as pernas dela, até àqueles sapatos tão bonitos como pouco práticos, e voltava a subir.

– O senhor Combe é um homem rico e importante.

Lauren mal conseguia manter o tom firme e autoritário de que tanto gostava quando aquele homem estava tão… perto e quando olhava para ela como se fosse um festim, não uma emissária.

– Não o digo porque não queira cumprir os compromissos que tem consigo, porque quer, digo-o porque a sua importância exige que ajamos com uma certa… sensibilidade.

De repente, apercebeu-se de demasiadas coisas. Dominik, tinha a certeza de que tinha de ser ele, tomara banho há pouco tempo. Conseguia ver alguma humidade no cabelo que ia de um lado para o outro como se tivesse vontade própria e, pior ainda, conseguia cheirar a mistura de sabonete e limpeza de um homem incorrigivelmente saudável. Fazia com que sentisse vertigens e sentiu-se convencida de era que por isso que o coração acelerava no peito.

O bosque esperava à volta deles. Não estava em silêncio, mas também não se ouvia o barulho tranquilizador da cidade, as conversas, o trânsito e os sons de todos esses seres humanos que fingiam não estar sozinhos, para que a distraíssem do olhar curioso, penetrante e inequivocamente cinzento daquele homem.

Se sentisse os nervos, teria dito que os seus estavam… alterados.

– Desculpe – continuou ela, quando estava tão alterada que ou dizia alguma coisa ou fugia. – Fala inglês? Não pensei em perguntar.

Ele esboçou um sorriso leve e esticou uma mão enquanto ela o observava, petrificada, por algum motivo que não conseguia entender.

Achou que ia tocar nela, acariciar-lhe a cara, passar-lhe a mão pelo cabelo ou percorrer-lhe o pescoço com esses dedos compridos e elegantes como vira que faziam num filme romântico e desatinado que ela se recusava a reconhecer que vira, mas não o fez. Sentiu uma desilusão lacerante quando tocou na beira do xaile como se estivesse a verificar a qualidade da lã.

– O que… está a fazer? – perguntou Lauren, sem a mínima esperança de manter uma atitude profissional.

Perdeu a força nas pernas e a voz não parecia a sua, era entrecortada e quebradiça.

Ele estava mais perto do que devia ter estado, porque ela tinha a certeza de que não conseguira mexer-se. Além disso, tinha a cabeça inclinada de uma forma que fazia com que tudo se mexesse por dentro… até ficar perigosamente imóvel.

– Uma rapariga loira e linda entra no bosque com pouco mais do que uma capa vermelha e resplandecente…

A sua voz era insinuante, como um feitiço que fazia com que voltasse a pensar em contos de fadas e não tinha a sua incredulidade em consideração. Era grave, cheia de matizes e com um sotaque leve que fazia com que o sangue bulisse, assim como outros cantos mais recônditos.

– O que achas que poderia acontecer? – acrescentou ele.

Então, baixou essa cabeça espantosamente masculina e beijou-a.

Escândalo no quarto

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