Читать книгу Escândalo em veneza - Caitlin Crews - Страница 6
Capítulo 2
ОглавлениеMatteo Combe era o típico homem arrogante, ostentoso e rico com um poder desmesurado e imerecido que Sarina Fellows não conseguia suportar.
Também era consideravelmente bonito, algo que, para ela, fora um ponto contra ele desde o começo. Tinha esse tipo de beleza que fazia com que as pessoas se tornassem idiotas quando o encontravam. Era como bater com a cabeça contra uma parede ou como começar a rir-se como uma tola de doze anos e odiava sentir como essa reação crescia dentro dela quando há muito tempo que se considerava imune a esse tipo de homens.
No entanto, ele tinha algo diferente, ele era… mais. Era algo relacionado com o brilho do seu cabelo escuro e a firmeza do seu queixo, era o seu nariz aristocrático e esses olhos cinzentos como uma tempestade, era essa segurança em si próprio que cobria como um manto o seu corpo alto, magro e atlético e que deixava muito claro que cedia a ela, a essa avaliação que o seu próprio conselho de administração exigira, porque ele queria, pois não havia nada no mundo que pudesse obrigá-lo a fazer uma coisa que não queria fazer. Fazia-a pensar num rio poderoso que rugia por cima de uma colina. Era enorme, imparável… e perigoso, sussurrou-lhe algo por dentro.
Sarina desprezou-o assim que a palavra se formou na sua cabeça. Efetivamente, era bonito, austero e exuberante ao mesmo tempo, era bonito e rico, asquerosamente rico. Um dos ramos da sua família estava enraizado na indústria de Yorkshire e, o outro, remontava ao Renascimento italiano, mais ou menos, quando se construíra essa casa em concreto.
Entendia perfeitamente porque quisera que aquela primeira reunião fosse ali, no conto de fadas tornado realidade que era Veneza. Queria que ela se inundasse nessa cidade de palácios antigos e história que era como uma tapeçaria resplandecente onde a família era um fio de ouro, onde ela ficaria boquiaberta com o seu esplendor e riqueza… embora ela não fosse das que ficavam boquiabertas e Matteo Combe não sabia onde se metera.
Não só odiava os homens como ele, como também os conhecia. Sabia do que eram capazes e chegara a ter alergia a essa forma de arrogância. A sua amiga de infância, que considerara uma irmã, tornara-se viciada nos homens como Matteo. Seguros de si próprio sem reparos, apoiados pela história e por todo o dinheiro que lhes chegara ao longo dos séculos e tidos em conta por qualquer pessoa que se cruzasse no seu caminho todos os dias das suas vidas.
Efetivamente, sabia tudo sobre os homens como ele.
Não precisava de o destruir, mas os homens como Matteo pareciam-lhe uns balões enormes e muito inchados e ela decidiu ser uma agulha bem afiada. Passara muito tempo a rebentar egos masculinos desmesurados na sua profissão e tinha uma certa reputação de conseguir dominar os mestres do universo e de mostrar os mortais de moralidade mais do que duvidosa que costumava haver por baixo de tanta fanfarronice.
Alguns dos homens que analisava também eram íntegros e, face à ausência de infrações ou condutas inapropriadas, adorava fazer um relatório impecável do homem em questão. Não odiava os homens, como muitas pessoas a acusavam, odiava os homens que abusavam do poder e das pessoas vulneráveis a esse poder.
Tinha a certeza de que Jeannette, estivesse onde estivesse, estava a olhar para ela e a apoiá-la…
E como explicar que esse homem rico e arrogante já tivesse conseguido abrir caminho para as suas entranhas como nenhum outro fizera com essa certeza, sombria e reflexiva, que exsudava como um perfume irresistível?
Isso ficava nas conversas privadas que mantinha dentro da cabeça e que não tencionava permitir que ele soubesse.
– Quer que tenha remorsos.
Matteo estava sentado numa poltrona que, embora não soubesse nada de antiguidades, Sarina sabia que era linda e de um valor incalculável. Era o mais parecido com um rei.
– Se não conseguir tê-los, quererá dizer que chumbei no exame?
– Não se trata de chumbar ou passar – corrigiu ela, enquanto anotava alguma coisa para que se sentisse incomodado. – Parece-lhe enervante?
– Que o meu futuro esteja nas mãos de alguém que não consegue responder a uma pergunta direta? – perguntou ele, com um brilho nos olhos cinzentos. – Nem pensar.
Não esperara que fosse tão irónico. E nem todas as fotografias do mundo, e Sarina estava convencida de que as vira todas só para o investigar, faziam justiça a essa intensidade que era Matteo Combe, a esse cabelo denso e quase preto que parecia indisciplinado, a esse olhar cinzento como a ardósia que fazia com que ela não só pensasse na chuva, mas, o que era mais grave, em dançar por baixo dela. Mesmo quando sabia melhor do que bem que isso levava à loucura e a coisas piores do que uma pequena loucura.
Normalmente, usava fatos muito caros e feitos à medida ou outra roupa formal que lhe permitisse impressionar e avassalar os outros. Naquele dia, no entanto, recebera-a com o que ela supunha que fosse roupa informal. Usava umas calças de ganga desfiadas que deviam ser muito caras porque, evidentemente, as comprara assim. Os homens como ele não faziam nada que pudesse desgastar-lhe os joelhos ou rasgar-lhe o tecido. Estava muito claro que as botas tinham sido feitas à mão ali mesmo, em Itália, e a sua t-shirt parecia-se tanto com as t-shirts de algodão que o comum dos mortais usava como um caça-bombardeiros se parecia com um avião de papel… e, o pior de tudo, ajustava-se ao peito e permitia-lhe saber coisas que não queria saber sobre a forma física incrível de Matteo.
Já sabia. Sabia que gostava de correr quilómetros e quilómetros, sabia que gostava de nadar distâncias épicas e sabia que o tempo e a energia restantes eram dedicados a levantar pesos. Já lera tudo isso, mas uma coisa era lê-lo no quarto de um hotel e, outra muito diferente, era estar à frente de um homem que gastava toda a força que podia, até a física.
No entanto, ela estava ali para avaliar o seu estado mental, não para se babar quando via como os braços ficavam tensos por baixo da manga da t-shirt. Franziu um pouco o sobrolho e voltou a concentrar-se nele.
– Se se empenhar, esta relação só será… antagonista.
– É uma relação antagonista por definição – replicou ele, com uma delicadeza que não se refletiu no seu olhar. – Suponho que saiba.
– Mas desfruta do antagonismo nas relações, não é?
Ele riu-se como se o tivesse surpreendido.
– Não diria que gosto do antagonismo, mas, na minha família, era quase inevitável.
– No entanto, contou-me que ama muito a sua irmã. Acha que o amor é uma forma de antagonismo?
– Evidentemente, a sua família é muito diferente da minha. Se não, já saberia a resposta a isso.
Sarina sabia quase tudo sobre a sua família, como qualquer pessoa no mundo civilizado, porque os dois ramos dessa família tinham ocupado os artigos da imprensa sensacionalista durante muito tempo. Embora ela não a lesse, era impossível não saber alguma coisa. O pai de Matteo aparecia periodicamente nesses artigos por supostas indiscrições matrimoniais ou empresariais. A mãe fora considerada a mulher mais bonita do planeta enquanto fora viva e estivera acompanhada pelos correspondentes escândalos e especulações.
A irmã e ele estavam muito unidos ou tão unidos como podiam ser com uma diferença de dez anos, o que lhe dera o papel de pai suplente, mais do que de irmão.
Ela, pelo contrário, fora criada por uns cientistas frios mais interessados nas suas investigações e nos seus conflitos intelectuais banais com os colegas do que na filha que, parecia-lhe, fora mais como uma experiência sobre a humanidade do que fruto do verdadeiro desejo de ser pais e não tinham o mínimo interesse nos escândalos que ela pudesse ter criado pelo caminho.
Também não conseguia imaginar-se a ser criada num lugar como essa casa, por muito bonita que Veneza fosse. Jeannette e ela tinham sido criadas numas casas antigas de Berkeley Hills e tinham entrado e saído de quartos repletos de montes de livros com tapetes desgastados agradáveis, de alpendres enlameados e de jardins descuidados. Essa casa era uma acumulação espetacular de tapeçarias perfeitamente conservadas e de estátuas clássicas de pedra para que ninguém pudesse esquecer-se de que aquilo era o epicentro da riqueza mais ancestral.
Sabia porque a recebera ali, mas o tiro ia sair-lhe pela culatra e não achava que ele soubesse. Graças a isso, já sabia como se levava a sério, assim como à sua árvore genealógica… e isso dava-lhe vantagem.
– Porque achou que era melhor que nos encontrássemos aqui? – perguntou ela, num tom frio. – Este lugar é claramente uma casa privada, não parte do seu império empresarial. É outra tentativa de fazer com que esta… relação siga um roteiro sexual?
– Doutora Fellows, é a única que não para de mencionar o sexo – replicou Matteo, num tom aveludado.
Ela conseguiu fazer com que o seu rosto não refletisse nenhuma reação.
– Insistiu que começássemos aqui e não num dos seus muitos escritórios, pode explicar-me porquê?
– Porque estou aqui neste momento.
A sua voz tinha algo opaco e um sotaque único, que não era nem britânico nem italiano. Era algo sombrio e mais cativante do que ela estava disposta a reconhecer. Para seu espanto, sentia uma espécie de… arrepio que abria caminho dentro dela, que lhe chegava entre as pernas e palpitava! Ficou gelada de espanto.
– Deu-me a impressão de que tanto a doutora como o presidente do conselho queriam que estas reuniões se celebrassem o mais depressa possível e eu, como sou muito obediente, pus-me ao seu dispor imediatamente.
Esse homem não tinha nada de obediente e Sarina ordenou-se que tinha de se concentrar nos motivos para estar ali e não nessa coisa… palpitante, nem nessa intensidade desmedida que sentia por baixo da superfície aristocrática dele.
– Senhor Combe, acho que queria que viesse a esta casa para me impressionar.
– Não me passou pela cabeça, nem remotamente, a ideia de a impressionar.
– Estou a avaliá-lo por motivos empresariais e, mesmo assim, aparece de t-shirt, no seu espaço mais pessoal. Quando muito, não está a levar-me a sério. Parece-lhe acertado?
Então, houve algo que mudou no olhar dele, como um brilho de mau feitio contido. Inclinou-se para a frente e apoiou os cotovelos nos joelhos e, de repente, ela percebeu que, embora ele lhe tivesse chamado uma biblioteca, era apenas uma sala. Efetivamente, havia alguns livros e uma lareira e não era um espaço pequeno, mas, quando ele se mexia assim, era como se ocupasse tudo.
– Normalmente, daria uma lição aborrecida de história a um visitante, mas esta casa tem muito pouco de pessoal. Está como sempre esteve. Sou o seu curador, não o seu habitante. Tenho de a entregar intacta à geração seguinte. Passou assim, de primogénito para primogénito, desde que foi construída. Para mim, doutora, não há diferença entre o aspeto pessoal e o empresarial. A minha mãe era uma San Giacomo. Saberá o que isso significa.
– É a sua forma de me recordar que é famoso, senhor Combe?
– A minha família não é famosa – contradisse, com amabilidade. – A fama é efémera. A minha família, os dois ramos, é proeminente e com uma fortuna considerável e foi assim há séculos.
– Acha…?
– Deixemos de nos perseguir, por favor – interrompeu ele, com delicadeza, embora ela percebesse a impaciência. – O que quer de mim? São certas palavras ordenadas de uma forma concreta que acalmarão essa dignidade ofendida que o meu conselho de administração finge sentir? Diga-me o que precisa e poderei dar-lho para que todos possamos continuar com as nossas vidas.
Foi como uma bofetada e fez com que se interrogasse porque não percebera que estava a alterá-la daquela forma… e não era apenas essa coisa que sentia como uma palpitação nova na… barriga.
Efetivamente, era agradável olhar para ele, até era magnético, mas havia mais alguma coisa. Estava inclinada para a frente nessa poltrona tão incómoda que escolhera e tinha de fingir que estava confortável. No entanto, não estava a avaliar Matteo Combe como devia, estava a agarrar-se a todas as suas palavras e estava a desfrutar demasiado de discutir com ele. Estava… a divertir-se com aquilo… com ele.
Uma onda de ódio por si própria apoderou-se dela e, em certo sentido, espantou-a que não a arrastasse e que ele não a tivesse visto.
Desculpou-se com Jeannette e, enquanto pensava na sua amiga perdida, a sua irmã de alma, outra onda sacudiu-a. Essa, de uma tristeza que nunca a abandonava por completo, que não a abandonaria até fazer o que tinha de fazer para dar o seu castigo aos homens que se aproveitavam das raparigas encantadoras, de Jeannette, por exemplo, e como já estavam à procura da vítima seguinte, não faziam nada quando elas perdiam as forças.
Quando encontrara o corpo de Jeannette na casa de banho do apartamento que partilhavam, jurara que honraria a memória da melhor amiga, que faria tudo o que pudesse para levar à justiça, se merecessem, os homens que se consideravam intocáveis, que identificaria os predadores, que enfrentaria a arrogância e que, quando o fizesse, ajudaria a desmantelar os sistemas que mantinham os homens ultrajantes no poder.
Esse juramento não ficara em meras palavras, transformara-se na pedra angular da sua vida… e um homem muito bonito, imensamente rico e com uns olhos como o fumo não ia mudar isso.
– Receio que as coisas não sejam assim.
Disse-o num tom mais frio ainda do que antes e talvez fosse por compensação, mas Matteo tinha algo que a induzia a tentar competir com ele quando devia ter ido minando eficientemente a sua segurança em si próprio.
– Sei que é um homem habituado a ter as rédeas, mas não as tem neste caso, sou eu que as tenho. Digo-lhe onde e quando será a próxima reunião. Já aceitou aparecer e, da mesma forma, vou comunicar-lhe quando acabarmos.
– Não acho que tenha convencido o conselho de administração de que isto vai eternizar-se. Posso dizer-lhe que preferem a satisfação imediata.
– Não posso comentar consigo o que combinei ou não com o seu conselho de administração. São meus clientes e não posso revelar a relação que nos une.
– Que prático…
– Quero que entenda uma coisa. – Sorriu como se quisesse estimulá-lo, mas talvez exagerasse o sorriso. – Evidentemente, o controlo é muito importante para si. Controla a sua empresa e agora mais do que nunca. Aparentemente, acha que devia poder controlar com quem a sua irmã se reproduz. É um homem muito poderoso e os homens poderosos, por regra, acham que podem controlar tudo e a todos. No entanto, não controla isto e não me controla.
– Ena, não tinha pensado noutra coisa…
Mais uma vez, não estivera pronta para a sua ironia e isso perturbava-a, mas disfarçou ou, pelo menos, era o que esperava.
– Perfeito. Enquanto continua a pensar nisso, como tenho a certeza de que fará, gostaria que o considerasse como uma oportunidade.
– Como uma oportunidade… para quê? – perguntou ele, com um sorriso levemente sarcástico.
Matteo continuava inclinado para a frente e ela também, embora fosse involuntariamente. Então, de repente, a sala embargou-os como um punho de ferro, mas ela manteve-se como estava e não quebrou essa ligação para não lhe demonstrar que a sentira.
– Para si, senhor Combe – respondeu ela, num tom quase desenvolto. – É uma oportunidade para que seja uma pessoa melhor. Quando aprender a ceder o controlo, poderá descobrir que não tem de enfrentar conceitos como a masculinidade tóxica.
A sua expressão indicou-lhe que conceitos como a masculinidade tóxica não o preocupavam muito e que não tencionava enfrentá-los. Limitou-se a olhar para ela com esses olhos cinzentos e de uma forma que a deixou quase com falta de ar.
– Vou libertar-me de tudo isso porque a minha empresa irá à falência quando parar de lhe dedicar todo o meu tempo? Será a minha família a sofrer quando relaxar, já que sou o único que nos une? Acho que não consegue entender como sou, doutora Fellows. Não tento controlar o universo. É mais, entre nós, o universo que não se importa comigo. No entanto, gosto de controlar aquilo que tenho de controlar.
– Isso dito por alguém que se envolveu numa disputa no dia do enterro do seu pai.
Então, viu-o claramente, viu o brilho de raiva no seu olhar que lhe mudou o rosto, que o tornou tenso e sombrio, que lhe deu um poder completamente diferente… arrepiante, pensou ela, ao sentir essa palpitação outra vez, embora tentasse ignorá-la.
No entanto, nos olhos de Matteo, refletia-se a raiva e ela tinha a sensação de que ele sabia.
– Ena, doutora, acha que perdi a cabeça e bati nesse homem? Não, antes pelo contrário, foi premeditado e alegro-me por o ter feito.