Читать книгу O filho inesperado do xeque - Carol Marinelli - Страница 5
Capítulo 1
Оглавление– Vai intervir no funeral, Alteza?
As perguntas dos paparazzi começaram ainda antes de o príncipe Khalid de Al-Zahan ter saído do seu carro.
O funeral de Jobe Devereux iria decorrer no dia seguinte e os jornalistas e a televisão tinham-se aglomerado muito perto da sua casa na Quinta Avenida para captarem as imagens de quem chegava para apresentar as condolências. Khalid tinha voado para Nova Iorque desde Al-Zahan e, a pedido da família, fora diretamente do seu avião privado para a casa de Jobe.
Ele iria ao funeral com a barba bem feita, bem penteado e de fato, mas naquela noite, acabado de chegar de um longínquo lugar do deserto, vinha com a barba por fazer e vestido com umas roupas escuras. Khalid era um homem impactante: alto e magro, mas forte. Contudo, apesar do impressionante físico, dirigia-se de um modo elegante e calmo para a casa que tão bem conhecia, sem se dignar a responder a todas aquelas perguntas, já que tinha a mente noutra coisa. Não só acabava de perder um sócio nos negócios, como também uma pessoa que valorizava e respeitava.
– A Chantelle ficará sentada com a família?
– Haverá algum convidado inesperado?
– Alteza, é verdade que o rei de Al-Zahan vai anunciar em breve o seu casamento?
A última pergunta conseguiu perturbá-lo, embora ele tivesse conseguido disfarçar. A pressão que sofria no seu país para que casasse era imensa. Mas o facto de essa mesma pressão se repetir ali, em Nova Iorque, o lugar que ele considerava o seu refúgio, era-lhe insuportável.
A governanta abriu a porta e ao entrar constatou que, ainda antes do funeral, a morte de Jobe tinha já tinha juntado muita gente. Havia grupos espalhados pela casa, em conversas em pé com um copo na mão, quase como se o funeral já tivesse acontecido.
Mas ele não estava ali para conversar, por isso foi conduzido diretamente ao escritório de Jobe.
– Vou dizer ao Ethan que o senhor já chegou – disse a governanta. – Está a falar com o senador.
– Diz-lhe que não há pressa.
– Posso oferecer-lhe algo?
– Estou bem – respondeu ele, mas, quando a governanta já estava para sair da sala, chamou-a. – Barb, lamento muito a tua perda.
A mulher respondeu-lhe com um sorriso triste.
– Obrigada, Khalid.
Era um alívio estar ali, longe das hordas. Não estava com espírito para conversa fiada.
Era curioso que um aposento que pertencia a uma casa que ficava tão longe da sua pudesse conter tantas memórias. O globo terrestre de Jobe sempre exercera nele uma poderosa atração. Já era uma antiguidade quando o comprou e gostava de contemplar os países desaparecidos enquanto a sua ilha, longe do continente, permanecia.
E também ali, naquele mesmo bar caseiro, experimentara álcool pela primeira vez. Naquela mesa tinha sido feito o primeiro desenho do hotel Royal Al-Zahan e agora só faltava um ano para a inauguração.
Um sonho impossível que, porém, nasceu naquele escritório.
Agarrou um pesado pisa-papéis e recordou Jobe, estranhamente desconfortável, a passá-lo de uma mão para a outra quando ele abriu a porta do escritório. Voltou a recordar esse momento:
– Queria ver-me, senhor?
– Quantas vezes tenho de dizer-te que me trates por Jobe? Até os meus próprios filhos o fazem.
Mas ele tratava o seu próprio pai pelo título e tinha de inclinar-se quando este entrava ou saía, por isso era-lhe difícil aceitar a informalidade com que se tratavam uns aos outros na casa Devereux.
– Senta-te, filho.
Aceitou o convite, embora até tivesse preferido ficar em pé. Estava convencido de que iria receber uma reprimenda. Tinha dezasseis anos, estava há quase um em Nova Iorque, e ele e Ethan tinham descoberto como arranjar bilhetes de identidade falsos de adultos. E as raparigas.
– Não há um modo fácil de dizer-te isto – começou Jobe por dizer, depois de limpar a garganta. – Khalid, tens de ligar já para tua casa.
– Passa-se alguma coisa com os gémeos?
A sua mãe estava quase a dar à luz.
– Não. A tua mãe deu à luz esta manhã, mas houve complicações. Não conseguiram salvá-la, Khalid. Lamento muito ter de dizer-te isto, mas a tua mãe morreu.
Foi como se todo o oxigénio tivesse desaparecido da sala. E ele, apesar de esforçar-se para não o mostrar, sentiu que não conseguia respirar. Não podia ser. A sua mãe era uma mulher tão viva que, ao contrário do seu pai, estava sempre a rir e amava a vida… A rainha Dalila era a razão pela qual ele estava em Nova Iorque.
– Liga para casa – repetiu Jobe. – Diz ao teu pai que podemos ir agora mesmo ao aeroporto e que eu te acompanharei até Al-Zahan.
– Não – respondeu ele. Jobe não percebia que ele teria de chegar a bordo do avião real. – Mas obrigado pela oferta.
– Khalid – Jobe suspirou, exasperado, – permite-te sofrer.
– Com todo o respeito, senhor, sei bem o que me é permitido. Vou ligar ao rei agora mesmo.
Khalid esperava que ele o deixasse sozinho, mas, em vez disso, Jobe fez algo que nunca teria esperado: apoiou os cotovelos na mesa de mogno e escondeu a cara entre as mãos. Porque tinha sido duro para ele ter de dar-lhe a notícia e sentia a morte da sua mãe e a dor que ia sofrer Hussain, o seu irmão de dois anos, e os gémeos recém-nascidos.
Então, ouviu a voz do seu pai.
– Alab – disse, chamando-lhe pai. Um erro.
– Antes de ser teu pai, sou teu rei – recordou-lhe. – Nunca o esqueças, nem sequer por um instante, e sobretudo nos tempos difíceis.
– É verdade? A mãe morreu?
O rei confirmou-lhe a notícia, mas também lhe disse que encontrava consolo no facto de se ter salvo outro herdeiro.
– Celebramos esta manhã ter vindo ao mundo outro herdeiro ao trono de Al-Zahan.
– Ela teve um menino e uma menina?
– Exato.
– Chegou a vê-los? Pôde tê-los nos seus braços? Ela sabia o que tinha tido?
– Khalid, que tipo de pergunta é essa? Eu não estava com ela.
Que nem sequer se tivesse dado ao trabalho de averiguar aquilo deprimiu-o. E um estremecimento de agonia soltou-se dos seus lábios.
– Não vais chorar – avisou-o o pai. – És um príncipe, não uma princesa. As pessoas precisam de ver força, e não de verem o seu futuro rei a portar-se como se fosse um camponês que geme e chora.
Jobe aproximou-se dele e pôs uma mão no seu ombro. Desconhecia o que se estava a dizer, já que a conversa era em árabe, mas a sua mão continuou ali pousada já depois do telefonema ter terminado.
– Lamento, filho. Mas vais superá-lo. O Abe e o Ethan também perderam a mãe.
– Mas eles tinham-no a si.
– Tu também me tens, Khalid.
E ali, naquele escritório, chorou pela sua mãe.
Durante algum tempo andou assustado, desesperado e triste, e Jobe permitiu-lho. Ele foi a única pessoa que o viu chorar porque as lágrimas não lhe eram permitidas. Nem quando era uma criança.
Mas quando o avião real chegou para levá-lo, a máscara estava de novo no seu lugar e nunca mais voltou a deixar de o estar.
– Khalid?
Não tinha ouvido Ethan entrar, mas voltou-se para dar-lhe as condolências. Ele era seu sócio nos negócios e um amigo, embora não se pudesse dizer que fossem muito unidos.
Ele não estava muito unido a ninguém.
– Obrigado por vires, Khalid.
– Nunca teria deixado de comparecer ao funeral de Jobe.
– Refiro-me a esta noite. Agradeço-te. Quanto tempo vais ficar?
– Até depois de amanhã.
– Tens de partir tão depressa?
– Precisam sempre de mim em casa.
– Bom, fico contente por teres vindo.
– Deixa-te de simpatias e vai direto ao assunto. Que se passa?
– Muita coisa – admitiu Ethan. – E ninguém pode saber.
– Já sabes que dos meus lábios nada sairá.
A vida de Jobe Devereux tinha sido interessante, digamos, e a imprensa contara muitos detalhes. Os seus filhos, Abe e Ethan, já tinham visto de tudo.
Ou assim pensavam.
– Ele tinha uma conta da que não sabíamos nada.
Khalid ouviu o relato de como Jobe tinha um fraco pelo jogo e pelas mulheres dos cabarés. Aparentemente, aqueles longos fins de semana de ausência nem sempre eram passados nos Hamptons. Muitas vezes ia diretamente para Las Vegas, a Cidade do Pecado.
– Tinha dívidas?
– Não, não há dívidas, mas não se tratava de algo ocasional. Tinha muitas mulheres e… um casamento de que não sabíamos nada.
– Um casamento?
– Entre o casamento com a sua primeira mulher e o casamento com a minha mãe, afinal esteve casado com uma tal de Brandy durante setenta e duas horas.
– História antiga e sem importância – disse Khalid.
– É possível, mas trata-se de uma história antiga que pode bem ressurgir manhã.
– A reputação do Jobe está acima de tudo isso – respondeu Khalid, tranquilo, tentando acalmar aquelas águas turbulentas. – E a vossa, também. Se fosse algo recente, aí sim, poderia ser difícil de assumir para a sua companheira atual. Ele voltou para a Chantelle antes de morrer?
– Na verdade não, mas estiveram juntos, de um modo intermitente, durante alguns anos.
– Ethan, toda a gente tem um lado escuro – respondeu-lhe Khalid com calma. – E que o Jobe tivesse amantes, ou que estivesse casado por umas horas, não será uma grande surpresa. O Jobe levou uma vida intensa e todos sabemos como gostava das mulheres.
– Das mulheres, sim – Ethan suspirou e Khalid viu como estava incomodado. Agora sim, ia ouvir a verdadeira razão pela qual lhe tinham pedido que viesse antes do funeral. – Durante os últimos quatro anos, o meu pai enviou uma soma mensal muito considerável a uma Aubrey Johnson.
Isso sim, era uma surpresa.
– O Jobe tinha uma aventura com um homem?
E, naquela noite sombria, Ethan começou a rir.
– Não, Khalid. O Jobe não era gay.
– Mas Aubrey é um nome masculino.
– Não. Digamos que é unissexo. Garantidamente, a Aubrey Johnson não é um homem.
Ele entregou-lhe algumas fotos.
Não, Aubrey não era um homem. Na verdade, parecia ser algo mais do que uma simples mulher.
Aubrey Johnson tinha um espesso cabelo loiro e uns expressivos olhos azuis, mas as suas delicadas feições ficavam um pouco alteradas por uma maquilhagem muito marcada, com pestanas postiças e os lábios muito pintados de vermelho. A sua bela figura aparecia envolta numa única peça, uma malha vermelha de lantejoulas.
– Quantos anos tem? – perguntou Khalid, com um tom de desilusão na voz. Jobe tinha setenta e quatro anos.
– Vinte e dois. É dançarina.
– Imagino que não te refiras a dançarina num salão de baile.
A imagem seguinte respondeu à sua pergunta. Aparecia junto a um grupo de mulheres com um vestido muito reduzido e muito revelador. E, novamente, com muita maquilhagem.
– E é trapezista – acrescentou Ethan enquanto Khalid continuava a ver as fotos. – Embora não muito boa. A menina Johnson vive num parque de caravanas e é frequentadora habitual das mesas de jogo. Quando não está a atuar, parece que ela e o meu pai… – não conseguiu terminar. – Mal tinha dezoito anos quando começaram os pagamentos.
Em que raios estaria o Jobe a pensar?
Khalid não conseguia acreditar que o homem que tanto admirava tivesse mantido uma relação com alguém tão jovem.
Não. Não podia aceitar algo assim de Jobe.
– Poderá haver outra explicação?
– Se há, estamos a fazer tudo o que é possível para a encontrar – Ethan moveu a cabeça. – Mas não aparece.
– Não poderia ser filha dele? – insistiu Khalid, reticente e a pensar o pior.
– Não. O meu pai era um homem generoso e, se soubesse que ela era sua filha, nunca teria permitido que estivesse a viver num parque de caravanas. E, se o dinheiro fosse por uma qualquer razão benevolente, tinha fideicomissos e colaborava com organizações de beneficência. Mas os pagamentos à menina Johnson saíram de uma conta oculta, que ele não queria que alguém soubesse.
– Ainda bem que ficaste a saber antes que se tornasse público.
– Se houver algum escândalo, eu e o Abe tratamos do assunto, mas não queremos que se saiba amanhã no funeral. Queremos que o nosso pai tenha uma despedida digna.
– Claro.
– Comunicámos os nomes destas mulheres aos seguranças para que as mantenham afastadas de…
– Não, não – interrompeu-o Khalid. – Vocês têm de as deixar entrar no funeral.
– De modo algum. Não vamos transformar a sua despedida num espetáculo de Vegas.
– Ethan, pensava que me tinhas feito vir cá para pedir-me conselhos.
– Sim, mas…
– Queres armar uma cena com as câmaras fora do teu controle?
– Claro que não.
– Então, acrescenta essas mulheres à lista de convidados. Se chegarem, põe os seguranças a vigiá-las. Eu também farei com que os meus estejam atentos. Vocês foquem-se em despedirem-se do vosso pai e não te esqueças que, se alguma aparecer, será para apresentar os seus respeitos. E isso não se nega a ninguém.
– Não – Ethan suspirou.
– E deverás convidá-las para a homenagem privada.
– Não! Isso é apenas para a família e para os amigos próximos.
– Não deveria precisar recordar-te que deves manter perto os teus inimigos, Ethan.
– E arriscar-me a que tudo acabe por tornar-se num circo? – explodiu Ethan, mas sabia que Khalid nunca dava um conselho sem refletir, por isso acabou por assentir. – Falarei com o Abe.
– Tudo se esclarecerá – tranquilizou-o Khalid. – É possível que o teu pai guardasse alguns segredos, mas era um bom homem.
– Eu sei. Obrigado por estares aqui. Para o meu pai significaria muito.
– O teu pai significava muito para mim.
E continuaram a falar dos detalhes do que ia acontecer no dia seguinte. O título de príncipe de Khalid tinha sido suprimido do serviço por seu expresso desejo.
– Tens a certeza disso? – insistiu Ethan quando Khalid se preparava para retirar-se.
– Completamente. Foi uma das melhores coisas do tempo que passei aqui – admitiu Khalid. – Ninguém me tratava como príncipe ou como herdeiro da coroa. Aqui era apenas o Khalid. Amanhã deves focar-te em recordar o teu pai. Eu ocupo-me dos problemas que possam surgir.
Ethan assentiu agradecido e ambos saíram do escritório.
– E tu, Khalid?
– Eu o quê?
– Se toda a gente tem um lado escuro, qual é o teu?
– Não esperarás realmente que te responda a essa pergunta, pois não? Claro que não, porque na verdade ninguém conhecia Khalid.
A imprensa descrevia-o como um homem que gostava de brincar com as mulheres, mas nada mais longe da realidade: ele não brincava.
A nada.
As suas emoções estavam sempre sob estrito controle e não permitia que ninguém se aproximasse, nem sequer na cama.
Particularmente na cama.
Tinha tomado a decisão de não ter um harém. Detestava ver como a sua mãe sofria quando o seu pai visitava o harém. E como depois a acusava, quando nascia outra criança de uma das amantes, dizendo que a culpa por não conseguir dar-lhe outro herdeiro varão era dela.
As crianças assim nascidas não tinham o mesmo estatuto dos filhos do casamento, nem eram considerados da família. Ele não queria comportar-se assim, por isso tinha recusado o harém. Mas em Nova Iorque saía com mulheres sofisticadas e experientes que aceitavam a ausência de ternura fingida.
Era apenas sexo.
A sua absoluta ausência de afeto pagava-a com diamantes, presentes e, às vezes, até com dinheiro puro e duro. Naquela noite, levava uma boa maquia no bolso.