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Capítulo 1

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– Vai intervir no funeral, Alteza?

As perguntas dos paparazzi começaram ainda antes de o príncipe Khalid de Al-Zahan ter saído do seu carro.

O funeral de Jobe Devereux iria decorrer no dia seguinte e os jornalistas e a televisão tinham-se aglomerado muito perto da sua casa na Quinta Avenida para captarem as imagens de quem chegava para apresentar as condolências. Khalid tinha voado para Nova Iorque desde Al-Zahan e, a pedido da família, fora diretamente do seu avião privado para a casa de Jobe.

Ele iria ao funeral com a barba bem feita, bem penteado e de fato, mas naquela noite, acabado de chegar de um longínquo lugar do deserto, vinha com a barba por fazer e vestido com umas roupas escuras. Khalid era um homem impactante: alto e magro, mas forte. Contudo, apesar do impressionante físico, dirigia-se de um modo elegante e calmo para a casa que tão bem conhecia, sem se dignar a responder a todas aquelas perguntas, já que tinha a mente noutra coisa. Não só acabava de perder um sócio nos negócios, como também uma pessoa que valorizava e respeitava.

– A Chantelle ficará sentada com a família?

– Haverá algum convidado inesperado?

– Alteza, é verdade que o rei de Al-Zahan vai anunciar em breve o seu casamento?

A última pergunta conseguiu perturbá-lo, embora ele tivesse conseguido disfarçar. A pressão que sofria no seu país para que casasse era imensa. Mas o facto de essa mesma pressão se repetir ali, em Nova Iorque, o lugar que ele considerava o seu refúgio, era-lhe insuportável.

A governanta abriu a porta e ao entrar constatou que, ainda antes do funeral, a morte de Jobe tinha já tinha juntado muita gente. Havia grupos espalhados pela casa, em conversas em pé com um copo na mão, quase como se o funeral já tivesse acontecido.

Mas ele não estava ali para conversar, por isso foi conduzido diretamente ao escritório de Jobe.

– Vou dizer ao Ethan que o senhor já chegou – disse a governanta. – Está a falar com o senador.

– Diz-lhe que não há pressa.

– Posso oferecer-lhe algo?

– Estou bem – respondeu ele, mas, quando a governanta já estava para sair da sala, chamou-a. – Barb, lamento muito a tua perda.

A mulher respondeu-lhe com um sorriso triste.

– Obrigada, Khalid.

Era um alívio estar ali, longe das hordas. Não estava com espírito para conversa fiada.

Era curioso que um aposento que pertencia a uma casa que ficava tão longe da sua pudesse conter tantas memórias. O globo terrestre de Jobe sempre exercera nele uma poderosa atração. Já era uma antiguidade quando o comprou e gostava de contemplar os países desaparecidos enquanto a sua ilha, longe do continente, permanecia.

E também ali, naquele mesmo bar caseiro, experimentara álcool pela primeira vez. Naquela mesa tinha sido feito o primeiro desenho do hotel Royal Al-Zahan e agora só faltava um ano para a inauguração.

Um sonho impossível que, porém, nasceu naquele escritório.

Agarrou um pesado pisa-papéis e recordou Jobe, estranhamente desconfortável, a passá-lo de uma mão para a outra quando ele abriu a porta do escritório. Voltou a recordar esse momento:

– Queria ver-me, senhor?

– Quantas vezes tenho de dizer-te que me trates por Jobe? Até os meus próprios filhos o fazem.

Mas ele tratava o seu próprio pai pelo título e tinha de inclinar-se quando este entrava ou saía, por isso era-lhe difícil aceitar a informalidade com que se tratavam uns aos outros na casa Devereux.

– Senta-te, filho.

Aceitou o convite, embora até tivesse preferido ficar em pé. Estava convencido de que iria receber uma reprimenda. Tinha dezasseis anos, estava há quase um em Nova Iorque, e ele e Ethan tinham descoberto como arranjar bilhetes de identidade falsos de adultos. E as raparigas.

– Não há um modo fácil de dizer-te isto – começou Jobe por dizer, depois de limpar a garganta. – Khalid, tens de ligar já para tua casa.

– Passa-se alguma coisa com os gémeos?

A sua mãe estava quase a dar à luz.

– Não. A tua mãe deu à luz esta manhã, mas houve complicações. Não conseguiram salvá-la, Khalid. Lamento muito ter de dizer-te isto, mas a tua mãe morreu.

Foi como se todo o oxigénio tivesse desaparecido da sala. E ele, apesar de esforçar-se para não o mostrar, sentiu que não conseguia respirar. Não podia ser. A sua mãe era uma mulher tão viva que, ao contrário do seu pai, estava sempre a rir e amava a vida… A rainha Dalila era a razão pela qual ele estava em Nova Iorque.

– Liga para casa – repetiu Jobe. – Diz ao teu pai que podemos ir agora mesmo ao aeroporto e que eu te acompanharei até Al-Zahan.

– Não – respondeu ele. Jobe não percebia que ele teria de chegar a bordo do avião real. – Mas obrigado pela oferta.

– Khalid – Jobe suspirou, exasperado, – permite-te sofrer.

– Com todo o respeito, senhor, sei bem o que me é permitido. Vou ligar ao rei agora mesmo.

Khalid esperava que ele o deixasse sozinho, mas, em vez disso, Jobe fez algo que nunca teria esperado: apoiou os cotovelos na mesa de mogno e escondeu a cara entre as mãos. Porque tinha sido duro para ele ter de dar-lhe a notícia e sentia a morte da sua mãe e a dor que ia sofrer Hussain, o seu irmão de dois anos, e os gémeos recém-nascidos.

Então, ouviu a voz do seu pai.

– Alab – disse, chamando-lhe pai. Um erro.

– Antes de ser teu pai, sou teu rei – recordou-lhe. – Nunca o esqueças, nem sequer por um instante, e sobretudo nos tempos difíceis.

– É verdade? A mãe morreu?

O rei confirmou-lhe a notícia, mas também lhe disse que encontrava consolo no facto de se ter salvo outro herdeiro.

– Celebramos esta manhã ter vindo ao mundo outro herdeiro ao trono de Al-Zahan.

– Ela teve um menino e uma menina?

– Exato.

– Chegou a vê-los? Pôde tê-los nos seus braços? Ela sabia o que tinha tido?

– Khalid, que tipo de pergunta é essa? Eu não estava com ela.

Que nem sequer se tivesse dado ao trabalho de averiguar aquilo deprimiu-o. E um estremecimento de agonia soltou-se dos seus lábios.

– Não vais chorar – avisou-o o pai. – És um príncipe, não uma princesa. As pessoas precisam de ver força, e não de verem o seu futuro rei a portar-se como se fosse um camponês que geme e chora.

Jobe aproximou-se dele e pôs uma mão no seu ombro. Desconhecia o que se estava a dizer, já que a conversa era em árabe, mas a sua mão continuou ali pousada já depois do telefonema ter terminado.

– Lamento, filho. Mas vais superá-lo. O Abe e o Ethan também perderam a mãe.

– Mas eles tinham-no a si.

– Tu também me tens, Khalid.

E ali, naquele escritório, chorou pela sua mãe.

Durante algum tempo andou assustado, desesperado e triste, e Jobe permitiu-lho. Ele foi a única pessoa que o viu chorar porque as lágrimas não lhe eram permitidas. Nem quando era uma criança.

Mas quando o avião real chegou para levá-lo, a máscara estava de novo no seu lugar e nunca mais voltou a deixar de o estar.

– Khalid?

Não tinha ouvido Ethan entrar, mas voltou-se para dar-lhe as condolências. Ele era seu sócio nos negócios e um amigo, embora não se pudesse dizer que fossem muito unidos.

Ele não estava muito unido a ninguém.

– Obrigado por vires, Khalid.

– Nunca teria deixado de comparecer ao funeral de Jobe.

– Refiro-me a esta noite. Agradeço-te. Quanto tempo vais ficar?

– Até depois de amanhã.

– Tens de partir tão depressa?

– Precisam sempre de mim em casa.

– Bom, fico contente por teres vindo.

– Deixa-te de simpatias e vai direto ao assunto. Que se passa?

– Muita coisa – admitiu Ethan. – E ninguém pode saber.

– Já sabes que dos meus lábios nada sairá.

A vida de Jobe Devereux tinha sido interessante, digamos, e a imprensa contara muitos detalhes. Os seus filhos, Abe e Ethan, já tinham visto de tudo.

Ou assim pensavam.

– Ele tinha uma conta da que não sabíamos nada.

Khalid ouviu o relato de como Jobe tinha um fraco pelo jogo e pelas mulheres dos cabarés. Aparentemente, aqueles longos fins de semana de ausência nem sempre eram passados nos Hamptons. Muitas vezes ia diretamente para Las Vegas, a Cidade do Pecado.

– Tinha dívidas?

– Não, não há dívidas, mas não se tratava de algo ocasional. Tinha muitas mulheres e… um casamento de que não sabíamos nada.

– Um casamento?

– Entre o casamento com a sua primeira mulher e o casamento com a minha mãe, afinal esteve casado com uma tal de Brandy durante setenta e duas horas.

– História antiga e sem importância – disse Khalid.

– É possível, mas trata-se de uma história antiga que pode bem ressurgir manhã.

– A reputação do Jobe está acima de tudo isso – respondeu Khalid, tranquilo, tentando acalmar aquelas águas turbulentas. – E a vossa, também. Se fosse algo recente, aí sim, poderia ser difícil de assumir para a sua companheira atual. Ele voltou para a Chantelle antes de morrer?

– Na verdade não, mas estiveram juntos, de um modo intermitente, durante alguns anos.

– Ethan, toda a gente tem um lado escuro – respondeu-lhe Khalid com calma. – E que o Jobe tivesse amantes, ou que estivesse casado por umas horas, não será uma grande surpresa. O Jobe levou uma vida intensa e todos sabemos como gostava das mulheres.

– Das mulheres, sim – Ethan suspirou e Khalid viu como estava incomodado. Agora sim, ia ouvir a verdadeira razão pela qual lhe tinham pedido que viesse antes do funeral. – Durante os últimos quatro anos, o meu pai enviou uma soma mensal muito considerável a uma Aubrey Johnson.

Isso sim, era uma surpresa.

– O Jobe tinha uma aventura com um homem?

E, naquela noite sombria, Ethan começou a rir.

– Não, Khalid. O Jobe não era gay.

– Mas Aubrey é um nome masculino.

– Não. Digamos que é unissexo. Garantidamente, a Aubrey Johnson não é um homem.

Ele entregou-lhe algumas fotos.

Não, Aubrey não era um homem. Na verdade, parecia ser algo mais do que uma simples mulher.

Aubrey Johnson tinha um espesso cabelo loiro e uns expressivos olhos azuis, mas as suas delicadas feições ficavam um pouco alteradas por uma maquilhagem muito marcada, com pestanas postiças e os lábios muito pintados de vermelho. A sua bela figura aparecia envolta numa única peça, uma malha vermelha de lantejoulas.

– Quantos anos tem? – perguntou Khalid, com um tom de desilusão na voz. Jobe tinha setenta e quatro anos.

– Vinte e dois. É dançarina.

– Imagino que não te refiras a dançarina num salão de baile.

A imagem seguinte respondeu à sua pergunta. Aparecia junto a um grupo de mulheres com um vestido muito reduzido e muito revelador. E, novamente, com muita maquilhagem.

– E é trapezista – acrescentou Ethan enquanto Khalid continuava a ver as fotos. – Embora não muito boa. A menina Johnson vive num parque de caravanas e é frequentadora habitual das mesas de jogo. Quando não está a atuar, parece que ela e o meu pai… – não conseguiu terminar. – Mal tinha dezoito anos quando começaram os pagamentos.

Em que raios estaria o Jobe a pensar?

Khalid não conseguia acreditar que o homem que tanto admirava tivesse mantido uma relação com alguém tão jovem.

Não. Não podia aceitar algo assim de Jobe.

– Poderá haver outra explicação?

– Se há, estamos a fazer tudo o que é possível para a encontrar – Ethan moveu a cabeça. – Mas não aparece.

– Não poderia ser filha dele? – insistiu Khalid, reticente e a pensar o pior.

– Não. O meu pai era um homem generoso e, se soubesse que ela era sua filha, nunca teria permitido que estivesse a viver num parque de caravanas. E, se o dinheiro fosse por uma qualquer razão benevolente, tinha fideicomissos e colaborava com organizações de beneficência. Mas os pagamentos à menina Johnson saíram de uma conta oculta, que ele não queria que alguém soubesse.

– Ainda bem que ficaste a saber antes que se tornasse público.

– Se houver algum escândalo, eu e o Abe tratamos do assunto, mas não queremos que se saiba amanhã no funeral. Queremos que o nosso pai tenha uma despedida digna.

– Claro.

– Comunicámos os nomes destas mulheres aos seguranças para que as mantenham afastadas de…

– Não, não – interrompeu-o Khalid. – Vocês têm de as deixar entrar no funeral.

– De modo algum. Não vamos transformar a sua despedida num espetáculo de Vegas.

– Ethan, pensava que me tinhas feito vir cá para pedir-me conselhos.

– Sim, mas…

– Queres armar uma cena com as câmaras fora do teu controle?

– Claro que não.

– Então, acrescenta essas mulheres à lista de convidados. Se chegarem, põe os seguranças a vigiá-las. Eu também farei com que os meus estejam atentos. Vocês foquem-se em despedirem-se do vosso pai e não te esqueças que, se alguma aparecer, será para apresentar os seus respeitos. E isso não se nega a ninguém.

– Não – Ethan suspirou.

– E deverás convidá-las para a homenagem privada.

– Não! Isso é apenas para a família e para os amigos próximos.

– Não deveria precisar recordar-te que deves manter perto os teus inimigos, Ethan.

– E arriscar-me a que tudo acabe por tornar-se num circo? – explodiu Ethan, mas sabia que Khalid nunca dava um conselho sem refletir, por isso acabou por assentir. – Falarei com o Abe.

– Tudo se esclarecerá – tranquilizou-o Khalid. – É possível que o teu pai guardasse alguns segredos, mas era um bom homem.

– Eu sei. Obrigado por estares aqui. Para o meu pai significaria muito.

– O teu pai significava muito para mim.

E continuaram a falar dos detalhes do que ia acontecer no dia seguinte. O título de príncipe de Khalid tinha sido suprimido do serviço por seu expresso desejo.

– Tens a certeza disso? – insistiu Ethan quando Khalid se preparava para retirar-se.

– Completamente. Foi uma das melhores coisas do tempo que passei aqui – admitiu Khalid. – Ninguém me tratava como príncipe ou como herdeiro da coroa. Aqui era apenas o Khalid. Amanhã deves focar-te em recordar o teu pai. Eu ocupo-me dos problemas que possam surgir.

Ethan assentiu agradecido e ambos saíram do escritório.

– E tu, Khalid?

– Eu o quê?

– Se toda a gente tem um lado escuro, qual é o teu?

– Não esperarás realmente que te responda a essa pergunta, pois não? Claro que não, porque na verdade ninguém conhecia Khalid.

A imprensa descrevia-o como um homem que gostava de brincar com as mulheres, mas nada mais longe da realidade: ele não brincava.

A nada.

As suas emoções estavam sempre sob estrito controle e não permitia que ninguém se aproximasse, nem sequer na cama.

Particularmente na cama.

Tinha tomado a decisão de não ter um harém. Detestava ver como a sua mãe sofria quando o seu pai visitava o harém. E como depois a acusava, quando nascia outra criança de uma das amantes, dizendo que a culpa por não conseguir dar-lhe outro herdeiro varão era dela.

As crianças assim nascidas não tinham o mesmo estatuto dos filhos do casamento, nem eram considerados da família. Ele não queria comportar-se assim, por isso tinha recusado o harém. Mas em Nova Iorque saía com mulheres sofisticadas e experientes que aceitavam a ausência de ternura fingida.

Era apenas sexo.

A sua absoluta ausência de afeto pagava-a com diamantes, presentes e, às vezes, até com dinheiro puro e duro. Naquela noite, levava uma boa maquia no bolso.

O filho inesperado do xeque

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