Читать книгу O filho inesperado do xeque - Carol Marinelli - Страница 6

Capítulo 2

Оглавление

Nova Iorque, a Cidade dos Sonhos. E para Aubrey Johnson, a cidade do que poderia ter sido.

Oxalá estivesse ali noutras circunstâncias. Oxalá tivesse posto os pés em Manhattan para estudar música como sempre sonhara, mas estava ali para dizer adeus ao homem que lhe dera uma oportunidade.

Uma oportunidade que ela não tinha aproveitado.

O dia mal acabava de começar e já estava cansada. Sofrera uma infeção num ouvido e o voo de Las Vegas durara toda a noite, o que não tinha ajudado muito.

O funeral seria ao meio-dia e, embora fosse um evento íntimo e só para ilustres, era-lhe indiferente que não tivesse sido convidada. Sabia alguns truques e tentaria entrar às escondidas, mas, se não conseguisse, apresentaria o seu respeito a uma distância conveniente.

Parecia-lhe importante estar ali.

Na casa de banho do aeroporto, despiu as velhas calças de ganga e o top e substituí-os por um vestido preto de cocktail que uma amiga lhe emprestara. Ficava-lhe um pouco grande, mas disfarçaria com o xaile.

Foi de comboio e depois apanhou o metro. Seguindo as instruções que lhe dera a amiga, deu por si em Manhattan, numa rua muito concorrida num soalheiro dia de primavera.

Por um momento ficou com a cabeça caída para trás a contemplar ensimesmada os altos edifícios, mas depressa se viu atropelada por um mar de gente que caminhava com rapidez. Entrou nuns grandes armazéns e subiu para o segundo piso para beber um café, que bem o merecia. Mas o seu orçamento para aquele dia era muito curto.

Tinha visto na televisão que Jobe estava muito doente, por isso nas últimas semanas tentara fazer algumas poupanças, o que não tinha sido fácil, já que a infeção no ouvido a impedia de trabalhar no trapézio, e as gorjetas das mesas que servia tinham diminuído. Ainda assim, conseguira comprar dois bilhetes baratos de ida e volta para que ela e a mãe pudessem estar presentes no funeral.

Mas a sua mãe recusara-se a ir.

Stella adorava Las Vegas e tinha vivido intensamente a cidade, mas agora mal saía da sua caravana, e nunca durante o dia.

Tentou prolongar o café que estava a beber e, quando acabou, tomou o antibiótico e desceu as escadas para a área de cosmética. Distraiu-se a experimentar batons no dorso da mão, até que a empregada se aproximou para perguntar-lhe se podia ajudar.

– Assim espero – Aubrey suspirou. – Na verdade, não sei o que estou a procurar. Não costumo maquilhar-me.

Não era verdade porque, em cada noite que subia ao palco, usava uma espessa camada de maquilhagem, mas, se a sua amiga estava certa, a empregada iria oferecer-se para maquilhá-la. E assim foi.

Mas Aubrey hesitou. Não lhe parecia correto.

– Só me maquilho quando subo ao palco – admitiu.

– Então, procura um look mais natural?

– Sim, mas… – Aubrey respirou fundo. A empregada era mais ou menos da sua idade e, sem dúvida, esperava que ela comprasse algo para ganhar a sua comissão. – Na verdade não posso permitir-me comprar nada – admitiu.

A jovem olhou-a por um momento e depois sorriu.

– Pelo menos és sincera. De qualquer modo, deixa-me maquilhar-te. Com sorte, as pessoas virão espreitar e assim saímos as duas a ganhar – sentou-a num banquinho alto. – Onde vais? – perguntou. – A um funeral? – adivinhou, vendo-a vestida de negro.

– Sim. Um amigo da família. É um evento de alto nível e não quero chamar as atenções.

– Hoje deve ser o dia dos funerais. O de Jobe Devereux, o de… – interrompeu-se ao ver que Aubrey corava. – É a esse funeral que vais?

Jobe pertencia à realeza de Nova Iorque e, quando Aubrey assentiu, a jovem soube exatamente o que ela ia enfrentar.

– Então, vamos trabalhar. Ah, chamo-me Vanda.

– Aubrey.

Vanda tirou vários ferros de cabelo e alisou o ondulado cabelo loiro a Aubrey antes de analisar o seu rosto.

– Tens uma estrutura óssea incrível.

– Devias ver a minha mãe. Tinha umas maçãs do rosto maravilhosas.

– Tinha?

Aubrey não respondeu. A mãe fazia questão de não falar das suas mágoas e, mesmo estando longe de Las Vegas, preferiu não referir como o rosto da mãe tinha ficado marcado pelo fogo.

– Bom… – prosseguiu Vanda enquanto trabalhava, – dizes que usas maquilhagem no palco. A que te dedicas?

– Faço um pouco de tudo. Danço em alguns espetáculos, sou trapezista e…

– Não posso!

– Nada de glamouroso, acredita. Um pouco de tudo.

Um pouco de tudo para evitar dedicar-se à profissão mais velha do mundo. E quando devia a renda, quando não tinha horas extras para fazer… mas a sua mãe precisava dos medicamentos. Ainda bem que tinha encontrado outro modo de pagar as contas a cada mês.

O dinheiro de Jobe Devereux chegava pontualmente à sua conta e era também pontualmente que a sua generosa contribuição era gasta.

Fizera-o acreditar que estava a estudar música e Jobe, que não sabia nada da sua mãe e que era um homem muito ocupado, nem investigara. O dinheiro, em vez de ir para os seus estudos, acabava em operações, contas da clínica, medicamentos, reabilitação, mais operações…

Até a sua mãe pensava que era prostituta. Nunca lho tinha dito abertamente, claro, mas era Aubrey que pagava as contas e a mãe nunca lhe perguntara de onde vinha o dinheiro.

Tivera várias ofertas, mas declinara-as todas. A verdade era que desconfiava dos homens. A sua mãe trabalhara como acompanhante e ela era o fruto desse trabalho, mas, quando a mãe começou a ter menos marcações, tornou-se difícil pagar as contas a cada mês.

Até que Jobe apareceu na vida de Stella. Pela casa dela tinha passado um verdadeiro desfile de homens, o que a tornou cínica e receosa em tudo o que dizia respeito ao sexo. Apesar dos vestidos reduzidos e dos movimentos provocantes, nunca tinha sido beijada, e muito menos tudo o resto.

– Não permitas que a história se repita – dissera-lhe Jobe.

Na verdade, essa possibilidade aterrorizava-a, embora a necessidade começasse a tornar-se premente, já que Jobe tinha morrido e o dinheiro deixaria de chegar.

Esse pensamento levou-a a fechar fortemente os olhos, o que não era boa ideia tendo em conta que lhe estavam a aplicar o eyeliner.

– Um segundo – disse, e respirou fundo para tentar recompor-se.

– Não te preocupes – respondeu Vanda. – Já está quase. Deixa-me só dar-te um retoque nos lábios.

Aubrey abriu os olhos e descobriu que uma pequena multidão se tinha formado para presenciar a transformação. E era mesmo uma transformação.

Vanda aproximou-lhe um espelho e Aubrey esbugalhou os olhos ao ver-se.

– Estou…

– Incrível – Vanda sorriu.

– Não – respondeu Aubrey. Tinha de encontrar a palavra adequada. A maquilhagem era subtil e os seus olhos pareciam muito grandes e azuis. A boca, maquilhada num suave tom bege, projetava uma imagem doce, tão diferente do vermelho a que estava habituada. – Estou sofisticada.

– Vais encaixar na perfeição – disse Vanda, olhando brevemente para o vestido barato que levava, mas quanto a isso não podia fazer nada. – Vou dar-te uma amostra de lápis de lábios para que possas retocar-te antes do serviço fúnebre.

– Deixa, não precisas de fazer isso.

– Já viste quantas clientes tenho agora? Espero que o dia te corra tão bem como parece que me vai correr a mim.

Assim o esperava Aubrey porque, no fundo, estava aterrorizada.

Havia uma multidão às portas e o controlo de segurança era férreo, mas isso não a deteve. Caminhou para a barreira e dirigiu-se a um agente de segurança.

– O meu motorista deixou-me no local errado – tentou-o, mas o guarda lançou-lhe uma pergunta rápida.

– Nome?

– Aubrey – murmurou ela. – Aubrey Johnson.

– Espere aqui.

Não ia conseguir entrar. O seu nome não estaria na lista de convidados. Ainda assim estava habituada a entrar de penetra em concertos e coisas assim, e acalentava a esperança de conseguir contornar o segurança, ou de juntar-se a um grupo de convidados.

Mas não ia ter tal sorte.

O guarda falava pelo microfone com alguém e sabendo que não estava na lista, olhou em volta, tentando encontrar um ponto de onde, pelo menos, conseguisse ver o caixão. Queria dizer-lhe adeus. E não só em nome da sua mãe, mas também em seu nome.

– Por aqui, menina Johnson.

Ao ouvir o seu nome pestanejou várias vezes enquanto a fita de veludo era retirada. Devia ser um engano. Johnson era um apelido corrente.

– Siga aquele grupo – disse-lhe o guarda.

Aubrey assim fez. Subiu as escadas de pedra e assinou o livro de condolências antes de entrar, mantendo sempre a cabeça baixa, receando que o agente desse conta do seu erro.

E foi assim que Khalid a viu pela primeira vez.

Ele fora avisado de que uma das mulheres misteriosas já chegara e que estava à espera para assinar o livro de condolências. Ele examinou a fila, passou por ela duas vezes sem a ver, até que por fim um homem se afastou e ele a avistou.

Pelo que tinha ouvido falar sobre ela e pelas fotos que tinha visto, esperava uma figura menos delicada. Era pequena. Muito pequenina. Tinha a cabeça inclinada e sobre os ombros levava um xaile de renda que agarrava com uma mão.

Khalid começou a andar para ela.

– Desculpe – foi dizendo a quem estava no seu caminho, com todos a afastarem-se. Ninguém protestou, e não porque fosse um funeral, mas porque embora tivesse acabado de fazer a barba e estivesse com um fato negro, emanava dele um ar autoritário que levava as pessoas a afastarem-se instintivamente.

No seu país, ter-se-iam ajoelhado.

Aubrey estava demasiado preocupada para dar-se conta daquela agitação na fila. A primeira coisa que sentiu foi o perfume dele.

Khalid cheirava sempre divinamente. Al-lubān, ou incenso, misturado subtilmente com óleo de guaiacol de uma árvore de pau santo que tinham oferecido ao palácio. A essa mistura acrescentavam-lhe uma nota de bergamota, cardamomo e açafrão, tudo misturado no deserto de Al-Zahan por um místico e em exclusivo para Khalid.

Era subtil, mas cativante, a um ponto que, quando chegou a Aubrey, ela teve de levantar a cabeça como um suricata e virar-se para procurar a origem. Um homem muito mais alto do que ela aproximou-se. E era realmente tão alto que ao princípio só viu a sua gravata negra. Depois foi subindo para a camisa branca, o queixo forte e no final… aquele olhar ardente que a fez esquecer tudo o que sabia.

Esqueceu-se de que não devia estabelecer contacto visual. E esqueceu-se de que não confiava nos homens.

Assim que os seus olhares se encontraram, ela simplesmente esqueceu tudo.

A expressão de Khalid permaneceu impassível, embora tivesse sentido de imediato o seu poder de atração. Desde os seus olhos de porcelana azul até à sua boca sensual e carnuda, era cativante. Levava muito menos maquilhagem que naquelas fotos de mau gosto. Talvez apenas sobrasse um pouco de blush, mas Aubrey era mesmo excecionalmente bela. Era fácil de perceber como um homem poderia facilmente ficar fascinado por ela.

A ele não ia acontecer tal coisa.

– Acho que é a tua vez de assinar – disse-lhe.

A sua voz era profunda, rica e com pronúncia, e as suas palavras não fizeram sentido para ela por um instante, mas por fim lembrou-se. O livro de condolências! Agarrou uma pesada caneta de prata. A mão tremia-lhe ao escrever o seu nome.

Aubrey Johnson

Quanto à sua morada… era melhor pôr só Las Vegas. E a mensagem? Que podia dizer?

«Obrigada por fazer com que a minha mãe se sentisse como uma rainha, pelas viagens e pelos momentos divertidos…» Isso não podia escrever. A longa relação que mantivera com a sua mãe fora mantida em segredo.

«Obrigada por teres acreditado em mim…»

Teria gostado de escrever isso, mas também não o podia fazer. Ou…

«Lamento ter-te mentido».

Jobe tinha feito questão de que ela aproveitasse a oportunidade e que não seguisse o caminho do resto da família, já que tanto a sua mãe como a sua tia Carmel ganhavam a vida da mesma maneira. Perdoar-lhe-ia que tivesse gastado o dinheiro da bolsa nos tratamentos da sua mãe? Nunca o saberia.

Queridíssimo Jobe, obrigada por tudo. Foste maravilhoso. Beijos.

Khalid aproximou-se para ler o que tinha escrito, mas a ideia de que ela pudesse ter estado com Jobe revolveu-lhe o estômago.

Agarrou a caneta e escreveu o que teria escrito antes dos seus olhos se terem encontrado com os de Aubrey.

Allah yerhamo.

Que Deus se apiadasse dele.

Essas palavras pareciam-lhe mais apropriadas.

O filho inesperado do xeque

Подняться наверх