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Capítulo 1

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A casa pareceu-lhe mais pequena e humilde do que se lembrava. No entanto, o carro azul-escuro que estava estacionado lá fora era novo e caro. Todavia, não acreditava que pertencesse a Dan Cordell. Era demasiado conservadora e prática. De certeza absoluta. Ele era mais Harley’s, o diabo de duas rodas.

Contudo, a voz que a saudou ao entrar em casa de sua mãe era, sem dúvida, a sua, grave e suave.

– Finalmente, dignaste-te a aparecer.

Molly perguntou-se se a emoção seria tão evidente na sua cara como a que ela estava a sentir pelo corpo.

– Óbvio – contestou ao pressionar a mão contra o frio metal, na esperança que isso a fizesse esquecer o quanto o seu coração queimava. – Disseram-me que a minha mãe está muito doente e que precisa de alguém que cuide dela. Foi por isso que voltei.

Dan encolheu os ombros e olhou para Ariel.

– E ela…?

Molly sabia que, tarde ou cedo, teria de responder àquela pergunta, mas não pensava que fosse tão cedo.

– É a minha filha – disse, rezando para que nunca se inteirasse da verdade.

– Isso já eu calculava – disse Dan ao sorrir, com aquele sorriso que, no passado, a fizera esquecer todos os vestígios da educação puritana que lhe dera seu pai. – Como é que ela se chama?

– Ariel – disse Molly ao apertar a filha contra si.

O seu olhar era muito azul e directo, como há onze anos atrás, mas mais terno quando pousou na menina.

– É um nome muito bonito, tal como a pessoa que o tem – Ariel sorriu encantada e Molly sentiu uma pontada de pânico no coração. Será que via alguma familiaridade nos traços da criança? E se algum tipo de intuição lhe dissesse que estava perante carne da sua carne, sangue do seu sangue?

Molly viu a menina a dirigir-se para a cozinha.

– Vai ver o que há no frigorífico. Talvez tenhamos de ir até à mercearia. Vê lá se há leite, pão, ovos e sumo.

Dan observou a criança a afastar-se pelo corredor.

– Não sabia que virias com a tua família – disse Dan.

– E eu não sabia que tinhas as chaves de casa da minha mãe – ripostou ela. – Ou entraste pela janela?

– Sou o médico da tua mãe – contestou. – E telefonei antes de vir.

Molly ficou de boca aberta. Dan Cordell, cujos entretenimentos preferidos, há onze anos atrás, eram andar atrás das mulheres e coleccionar multas por excesso de velocidade, é médico?

– Sim, claro! E eu sou a Anna, a ama dos filhos do rei de Siam!

– Não, Molly. Tu és a filha ausente, a filha que tem vergonha dos seus pais, que preferiu esquecê-los quando casou com um marido rico. Não confundas a realidade com a ficção.

A sua boca soltava insultos tão facilmente como no passado lhe tinha dito palavras bonitas. O comentário sobre o marido rico quase a fez perder o controle, mas aguentou-se. Quem teria inventado tal coisa?

– Muito bem! Se és, de facto, o médico da minha mãe podes dizer-me como é que ela está?

– Suficientemente mal para não poder estar sozinha. Se cair da cama ou das escadas pode ser o seu fim. E já estava mal antes do acidente.

– Como assim?

Dan observou-a com um olhar clínico. Trazia calçadas umas botas de couro e um blusão de caxemira com um capuz em pele.

– Parece-me incrível que precises de perguntar isso. Se tivesses…

– Se não tivesse sido tão má filha não precisaria de perguntar-te, é isso? – interrompeu-o. – Não deixes que a roupa te confunda. Por baixo continuo a mesma rapariga sem vergonha e rebelde que não merecia os pais que tinha.

– Tu é que estás a dizê-lo, não eu.

– Isso é o que dizem todos. Por isso, tive de partir antes de completar os dezoitos anos. Suponho que agora que regressei voltarei a ouvir esse tipo de comentários.

– Foi por isso que tiveste tantos anos sem cá vir?

Molly evitou suspirar. Como revelar-lhe a verdade? Como contar-lhe que quando a deixou, depois da sua secreta aventura de Verão, ela ficara grávida? Que não pôde contar com o apoio da mãe, porque ela nunca tivera a coragem de opôr-se à tirania do pai. Com medo de ser morta pelo pai, decidiu partir. E como dizer-lhe que os odiava a todos?

– Não faças mais perguntas sobre mim. Perguntei-te sobre a minha mãe. Sei que os meus pais tiveram um acidente de carro numa passagem de nível, que o meu pai morreu e que a minha mãe ficou mal. O que quero saber é sobre a gravidade das suas lesões e se irá recuperar.

Viu um brilho nos olhos de Dan. Como de decepção.

– Mudaste muito, Molly. Não és a rapariga que eu conhecia.

– É o que pretendo!

– Perdeste a tua doçura.

– E perdi as minhas ilusões juvenis, doutor. Se tu continuasses fiel às tuas, não sei se hoje serias o médico da minha mãe. Isso faz-me pensar em outra coisa. Por que é que o teu pai não está aqui? Ele é que era o nosso médico.

– Reformou-se o ano passado. Se queres uma segunda opinião, ele não ta dará. Posso dar-te o número de telefone de um colega, mas, se quiseres um especialista, terás de ir buscá-lo fora de Harmony Cove. Aliás, já consultei o cirurgião-ortopedista da região; ele está de acordo com a minha modesta opinião.

– Talvez peça uma segunda opinião, sim – disse ao golpear nervosamente o chão. – Entretanto, gostaria que respondesses à pergunta que te fiz. Como é que está a minha mãe? E não me escondas nada. Se achas que não vai recuperar ou se vai ficar inválida para o resto da vida, diz-me.

– Como toma há muito tempo esteróides para a asma, tem uma forte osteoporose. Isso, aliado à sua idade, a uma dieta pobre e a uma falta geral de cuidados sanitários. Se abraçares essa mulher com força podes partir-lhe as costelas. No acidente, partiu a anca. Colocaram-lhe uns parafusos. É possível que volte a andar, mas, certamente, apenas com o auxílio de um andarilho. Poderíamos melhorar a qualidade dos seus ossos, mas apenas se tomar a medicação. O problema é que se esquece de tomá-los, está deprimida. Parece que não quer ficar boa. Atrevo-me a dizer que quer morrer. Estou a ser suficientemente claro?

Suficientemente? Aquelas informações deixaram Molly como um pudim Flan. Sentiu um doloroso nó na garganta.

– Bastante – disse ao abrir a porta. – Obrigada por teres vindo.

Dan parou.

– Não tenhas tanta pressa para perder-me de vista. Não me vou embora enquanto não tiver a certeza de que percebeste as limitações da tua mãe. E de como deves tratá-la.

– A assistente social que entrou em contacto comigo, a teu pedido, explicou-me tudo. E quanto aos cuidados, não preciso que me ensines a mudar os lençóis ou a pôr uma cunha.

– Não creio que estejas preparada. Há anos que não vês a tua mãe, ela mudou. Prefiro ficar a dar-te apoio moral.

– Não. Prefiro não ter-te por perto a todo o instante. Se não há uma medicação ou tratamento específico…

– Mas há – interrompeu Dan. – Vem cá uma enfermeira, duas vezes ao dia, para tratar da tua mãe.

– Bem. Então, se tiver mais dúvidas, falarei contigo… ou com outro médico… talvez ainda esta semana.

– Sempre que necessitares, irei esclarecer-te no que puder e virei cá vê-la. A não ser que a tua mãe decida mudar de médico. Chama-me sempre que precisares. Amanhã, se precisares de mim, estarei disponível ao meio-dia. Não estou no consultório do meu pai, mas sim na clínica Eastside, na rua Waverle. Cadie Boudelet, a vizinha, tratará de Hilda na tua ausência.

– O que é que te faz pensar que Cadie Boudelet estará disposta a ficar com a minha mãe? Nunca se deram muito bem.

– É ela quem tem tratado da tua mãe desde o acidente. Tem vivido praticamente com ela, desde que teve alta do hospital.

– Está mais ocupada, assim não tem tempo para meter-se na vida dos outros.

– Bem, alguém teria de desempenhar o papel de bom samaritano e… como não estavas…

Molly fechou os olhos para não ver a censura que havia nos de Dan. Quando os voltou a abrir, o homem caminhava pela rua, de costas para ela, com o cabelo preto coberto de flocos de neve. Sem se voltar, entrou no carro e afastou-se.

Molly observou os pescadores de lagosta a repararem as redes. Só faltavam três meses para a chegada da Primavera, a neve desapareceria e os turistas chegariam. No entanto, o cinzento era agora a cor predominante. Molly odiava todos e cada recanto daquele povoado. Tudo a fazia recordar de como eram os seus habitantes, de visão estreita e tacanhos.

Fechou a porta e voltou-se para Ariel, que saía da cozinha.

– Não é preciso irmos às compras, mamã. O frigorífico está cheio.

– Sim, mas o que está lá dentro pode ter meses, é preciso ver isso.

– Não, eu verifiquei o prazo de validade dos alimentos. Por exemplo, o leite e os ovos são frescos.

Se Ariel o diz, então é porque é verdade. Apesar de ter apenas dez anos, contara apenas com a sua mãe e, por isso, tinha sido obrigada a crescer. A sua filha consolou-a nos momentos menos bons, que tinham sido muitos no início.

– És uma grande miúda! – disse. – Que faria eu sem ti?

Fazia muitas vezes aquela pergunta, mas naquele dia tomara um novo e sombrio significado. O que faria se Dan descobrisse a verdade e ficasse com Ariel?

Afastou aquele horrível pensamento da sua cabeça.

– Vamos subir. Vamos cumprimentar a tua avó. Conhecer-te irá alegrá-la.

Molly olhou para as escadas, estreitas e escuras, que a faziam recordar a sua minúscula habitação. Quando era mais nova que a filha, aquela casa parecia cheia de ameaças, de monstros que podiam aparecer em qualquer lugar, para castigá-la por ter cometido pecados que nunca chegou a compreender.

Pela primeira vez estava a vê-la como era na realidade: uma casa fechada, severa e silenciosa, como o homem que a governara com mão de ferro.

A porta do quarto de seus pais estava entreaberta. Molly empurrou-a e olhou para as recordações. Imediatamente, outras lembranças assaltaram-na. O mesmo tapete no chão, as mesmas cortinas nas janelas e o mesmo crucifixo sobre a cama.

Quando tinha pesadelos, o pai nunca permitira que se deitasse na cama com eles. Nem sequer na típica manhã de domingo. Nunca lhe contara uma história. Das suas memórias de criança, aquela casa era tão severa como uma prisão. Ao vê-la com olhos de adulta a opinião mantinha-se.

– Cadie, és tu? – perguntou a mulher.

Surpreendida por aquela voz tão débil, Molly aproximou-se e constatou que Dan não tinha exagerado. Hilda Paget nunca fora uma mulher grande, mas as feridas, a doença e as dificuldades tinham transformando-a numa sombra daquilo que fora.

– Não, mãe, sou eu – disse com um enorme sentimento de culpa.

– Molly? – questionou a mulher. Ao tentar levantar-se gemeu de dor. – Filha, não devias ter vindo. As pessoas vão começar a falar de novo.

Molly sentia um nó de dor. Deu-lhe um beijo na face.

– Elas que falem. Vim cuidar de ti e isso é que importa.

– Mas já tratam de mim. Vem cá uma enfermeira duas vezes ao dia e a Cadie, a vizinha, vem de manhã e à noite e faz as compras para casa. Alice Livingston traz-me sopa à tarde… – apesar dos protestos, tinha segurando-lhe na mão de uma forma que parecia que jamais a voltaria a soltá-la. – Como é que tiveste conhecimento do meu estado de saúde? Quem é que te contou?

– O teu novo médico falou com uma assistente social do hospital que entrou em contacto comigo. Por que é que não me chamaste? Achas que não iria importar-me? Achas que iria voltar-te as costas?

– Porque sei o quanto odeias este lugar e o muito que iria custar-te regressar.

– Odeio-o, é verdade, e acho que vou odiá-lo até ao fim dos meus dias.

– Então, por que é que decidiste cuidar de uma mulher que nunca tratou de ti como uma mãe?

– Porque, ainda assim, continuas a ser a minha mãe e o pai já cá não está…

Não terminou a frase. Não concluiu: «já nada me impede de voltar». Não havia necessidade de remexer no passado. John Paget tinha-a expulsado de casa inúmeras vezes e insultado a plenos pulmões. Todos sabiam que pai e filha tinham grandes divergências.

Quantas noites de Inverno tinha passado calçada com uns ténis e com um blusão fino vestido? Quantas noites de Verão se tinha escondido no bosque, que havia atrás de casa, até ele sair para o trabalho para poder entrar?

Apesar de todos saberem o que se passava, ninguém tinha mostrado compaixão. Em vez disso, permaneceram calados, a observar sem fazer nada. «Pobre John Paget! Que rapariga endiabrada lhe saiu. Nasceu selvagem e morrerá selvagem.»

Tinha a certeza que quando soubessem que tinha regressado, iriam a correr até ao cemitério para verem se estaria a dançar em cima da campa do pai. Não valia a pena! Alegrava-se que tivesse morrido, não podia negá-lo. Tinha sido um monstro, o mundo estava melhor sem ele.

– Não julgues que não paguei pelo que permiti que acontecesse quando eras pequena – disse Hilda Paget com uma dor insuportável nos olhos. – Deixei que o teu pai te maltratasse, isso atormenta-me. Teria sido melhor que me tivesses deixado morrer na nossa cama.

– E permitir que todos tivessem razões para me criticar? Para que dissessem: «não te disse?» Nem pensar! – riu Molly tentando esquecer o passado. – Sinto muito, mãe, mas vim para ficar todo o tempo que for necessário. Não vim sozinha.

A sua mãe olhou para a porta, onde estava Ariel.

– Trouxeste a menina? – disse com a voz quebrada. – Ó, Molly, julguei que iria morrer sem conhecê-la!

Molly sentiu o coração a despedaçar-se, mas tentou acalmar-se.

– Vem cumprimentar a tua avó, querida.

Ariel aproximou-se do leito.

– Olá, avozinha. Sinto muito que o teu carro tenha sido colhido por um comboio.

Hilda ficou com os olhos marejados de lágrimas.

– Deus seja louvado! – disse ao agarrar na mão da neta. – É como voltar dezoito anos atrás. És igual à tua mãe. Os mesmos olhos castanhos, o mesmo cabelo… Ainda bem que não és parecida comigo.

– Vamos desfazer as malas – disse Molly à filha. – Vamos deixar a avó descansar um pouco. Mais tarde, jantamos aqui, de acordo? Parece-te bem, mãe?

– Muito bem – respondeu Hilda com um grande sorriso, apesar do cansaço que a invadia. – Nunca pude jantar na cama, o teu pai não deixava. Amanhã, por esta hora, julgaria que não teria porque lutar, mas agora é diferente.

Molly conseguiu sair do quarto e descer as escadas sem chorar. Mas ao chegar lá abaixo não aguentou a emoção.

«Um pouco tarde para te pores a chorar, Molly Paget. Eras a única pessoa que existia entre esta pobre mulher e a besta do seu marido, mas deixaste-a sozinha e em perigo. És uma má filha e mereces todas as críticas. Como é que te sentirias se a Ariel te abandonasse como tu abandonaste a tua mãe», fustigou-se.

Destroçada. Era assim que se sentiria. Para aquela mulher, Molly era o bem mais precioso do mundo.

O problema foi Hilda ter vivido pelo e para o marido, obedecendo-lhe sempre, apesar de toda a irracionalidade. Viver com ele convertera-se num suplício, podia tê-la chamado. Ao fim e ao cabo, Molly não desaparecera sem deixar rasto. Mantivera-se em contacto com a mãe através de carta. Hilda não respondia com muita frequência, e quando o fazia, as cartas eram quase impessoais. A última recebera-a há quase onze meses, continuava gravada na sua memória.

Querida Molly:

O Inverno tem sido duro. Os canos da cozinha congelaram duas vezes na semana passada e o pescado está caríssimo. O neto de Cadie Boudelet tem bronquite, coitadinho. A casa dos Livingston quase ardeu a semana passada por causa de umas chispas que saltaram da chaminé. O nosso televisor avariou, decidimos não comprar outro porque não há nada de boa qualidade, por isso, tento ir à biblioteca uma vez por semana. No Natal vendi duas colchas, o dinheiro veio mesmo a calhar. Começou a nevar em finais de Novembro, estamos em Abril e ainda não parou. O teu pai não sai de casa porque tem medo de cair nas placas de gelo.

Espero que a menina esteja bem e tu também.

A tua mãe, que muito te quer.

Como de costume, não se interessava pela sua vida, não perguntava pela neta. Aquela aparente indiferença, que tinha durado uma década, havia feito nascer e crescer em Molly um rancor que não acreditava que pudesse evaporar-se. E de facto, era assim. Ao ver a alegria com que a sua mãe as havia recebido, perguntou-se porque razão escrevera aquelas cartas despojadas de carinho.

De repente, percebeu a solidão que havia entre cada linha das cartas que escrevera, o vazio interior de uma mulher sem esperança.

– Mas agora estou aqui, mãe – sussurrou, enquanto se dirigia para a cozinha. – Vou tratar de ti o melhor que sei.

A cozinha permanecia igual, o mesmo frigorífico, o mesmo forno, a mesma mesa horrível, as mesmas cadeiras.

Não era de estranhar que a sua mãe não quisesse ficar boa. Um rato enjaulado teria uma existência melhor que a sua.

Molly decidiu preparar uma sopa de tomate, sanduíches de queijo e chá. Quando estava a terminar, a porta das traseiras abriu-se. Sentiu o vento gelado e o olhar gélido de Cadie Boudelet.

– Disseram-me que tinhas voltado – disse ao observá-la com desprezo. – As más notícias voam.

– Alegro-me em vê-la, senhora Boudelet – afirmou ao constatar que nada tinha mudado. – Deseja alguma coisa ou veio apenas para cumprimentar-me?

– Vejo que continuas tão arisca como sempre – respondeu Cadie ao deixar um embrulho sobre a mesa; e cruzou os braços. – Vim trazer o jantar da tua mãe. Podes parar o que estavas a fazer. A não ser que seja para ti, o que não seria de estranhar, porque nunca pensaste em ninguém a não ser em ti.

Molly queria expulsá-la, mas conteve-se. Apesar de tudo, fora uma grande ajuda.

– Sei que tem ajudado a minha mãe desde que saiu do hospital, mas agora estou cá eu. Não vale a pena continuar a incomodar-se. Não quero que a minha mãe seja um problema para a senhora.

– Problema? Isso é o que tu és. Nem toda essa roupa da cidade é capaz de ocultá-lo. O facto de teres um marido rico não muda nada. O maior favor que podias ter feito à tua mãe era não ter voltado. Não precisa de ti para nada. Agora precisa de superar a morte de teu pai.

No momento em que Molly ia intervir, e não com boas maneiras, a porta principal foi aberta. Era Dan.

– Ora bem! – exclamou Molly. – Ninguém bate à porta antes de entrar?

– Não é preciso porque não temos o que esconder – contestou Cadie. – Claro que agora que estás aqui…

– Vim ver como estavas, Molly – disse Dan. – Este cheiro magnífico é de um dos teus guisados, Cadie?

A expressão da mulher suavizou-se.

– É, se quiseres jantar lá em casa és bem-vindo.

– Obrigado – sorriu Dan, encantador, – mas tenho uns assuntos a tratar. – Molly, podemos falar?

– Presta muita atenção ao que o doutor te disser – disse Cadie ao sair. – Sabe o que diz. É uma sorte a tua mãe estar a receber os seus cuidados.

Fez-se silêncio. Molly ficou parada a olhar para Dan.

– Ilucida-me. Como é que é possível que todos te adorem se tens um passado delinquente? E que a mim me detestem, apesar de ter mudado?

– Talvez me tenha esforçado mais para mudar a ideia que tinham a meu respeito, até porque nem tenho a tua língua. Há quanto tempo é que chegaste? Há um par de horas? E já estás a discutir com a vizinha. Se eu não tivesse aparecido, talvez a tivesses posto na rua em vez de lhe agradeceres.

Aquilo era o fim! Cadie Boudelet era uma ignorante que não tentava conhecer os factos para tirar conclusões. Por isso, o que pensava dela ou de outra pessoa qualquer era irrelevante. Ter ouvido Dan comentar que ele tinha conseguido limpar a sua imagem e ela não era-lhe quase insuportável, mas não teve problemas em dizê-lo.

– Provocas-me náuseas, Dan Cordell! Se há algo que não consigo suportar é que pretendas fazer-me crer que não se pode censurar nada. Logo a mim, que sei que não é bem assim. Se achas que lá por teres «doutor» antes do nome vais mudar o rumo história, estás muito enganado. Além de arrogante és insuportável!

O outro lado do amor

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