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Capítulo 2

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– Não tens uma opinião favorável a meu respeito, não é? – perguntou Dan dando graças por Molly não ter uma faca na mão.

– A opinião que tenho sobre ti – explicou ela – é que me deixas os nervos em franja. Diz o que vieste cá fazer e vai-te embora, por favor.

Dan pensara que vê-la novamente não iria afectá-lo, que o tempo se tinha encarregue de amansar aquela fera que conhecera há anos atrás e por quem tinha sentido mais do que queria admitir. Tinha-se enganado. Aquela rapariga tinha-se convertido numa mulher de uma beleza insuperável. Estava mais elegante, mas continuava a ter um temperamento explosivo.

– Posso ser arrogante e insuportável, mas tu és insuportável. Se te incomoda que me chamem de doutor, problema teu. Chamam-me assim, tal como a ti te chamam de mãe. Não sei porque é que isso irá mudar a história.

– Nem todos têm falhas de memória como tu – disse quase com tristeza. – Não fiz mais do que entrar por esta porta. Ainda nem consegui desfazer as malas.

– Apareces de surpresa, zangas-te com os vizinhos e achas estranho que ninguém te dê as boas-vindas? O problema não é o que os outros pensam de ti, é esse ressentimento que carregas nas costas.

– Que eu nunca quis.

De repente, ficou indefesa. Dan pareceu ter visto o brilho das lágrimas nos olhos da mulher, mas era impossível.

Molly Paget não chora por nada nem por ninguém.

O homem sentiu uma vontade imensa de abraçá-la, mas recompôs-se e enfiou as mãos nos bolsos como medida de segurança.

– Não, mas és quem se empenha em continuar a carregá-la às costas. Aceita o conselho de um velho amigo. Deixa-te de rancores, aprende a dar. Aposto o que quiseres que não te criticam assim tanto como julgas.

– Era por isso que querias falar comigo?

– Não. Vim dizer-te que houve problemas e que, por isso, a enfermeira não pode vir esta noite. A Hilda precisa de ser medicamentada antes de dormir. Queres que te ensine ou preferes que seja eu?

– É preciso dar injecções? – perguntou Molly, incomodada.

– Não – respondeu sem conseguir esconder o sorriso. – Se tivesse de ser, seria eu a dá-la. Não me esqueci de que detestas agulhas.

– Ah, sim? – perguntou, surpreendida.

– Sim. Cortaste-te com um copo no teu primeiro dia de trabalho no Ivy Tree. Levei-te ao consultório do meu pai e quase desmaiaste quando ele te disse que precisavas de ser suturada.

Molly olhou para a cicatriz que tinha no dedo. Dan percebeu que não usava aliança.

– Nunca pensei que te lembrasses disso, estou surpreendida – murmurou.

Ele também. Nunca mais recordara aquele acidente, mas a nostalgia invadiu-o. Lembrou-se da jovem irresistível que conheceu naquele Verão. Doce, deliciosa e madura. Com o sangue a escorrer-lhe pelo uniforme. Não demorou nem meio segundo a oferecer-se para levá-la ao médico.

– Lembro-me de muitas coisas que se passaram naquele Verão – disse.

– Eu preferia esquecer muitas delas – afirmou ela. – Era muito nova.

– Sim, muito mais do que aquilo que me disseste na altura.

– E tu foste muito mais grosseiro do que o necessário. Não bastou dizer que te tinhas fartado de mim, não. Tiveste de contar-me que tinhas outra namorada. Não evitaste humilhar-me à frente das outras empregadas. Trataste-me como se fosse tua criada.

– Ou estou com falta de memória ou estás a confundir-me com outra pessoa. Não me lembro de nada disso.

– Chamava-se Francine – continuou Molly como se estivesse a cuspir balas. – Abraçava-te com tanta força quando a levavas na pendura da tua moto, que parecia uma lapa.

– Sempre foste mordaz com as palavras – riu. – Alegro-me que não tenhas perdido essa virtude.

Molly não dissera nenhuma piada.

O homem dera-se conta de que a separação fora mais dolorosa para ela do que Molly era capaz de admitir.

O que aquela mulher nem imaginava era que para ele também não fora nada fácil. Não teve outro remédio senão deixá-la quando descobriu que só tinha dezassete anos e não os vinte que dissera. Apesar de ser um jovem desmiolado, tinha senso comum.

– Sinto muito ter sido uma besta.

– Eu não – ripostou ela. – Agradeço-te teres mostrado como eras na realidade. Foi mais fácil recomeçar a vida noutro lugar.

– Como?

Molly corou e deu meia volta.

– Nada – disse enquanto acendia o fogão. – Digamos que amadureci rapidamente. Por isso, dei conta de que tinha estado muito confusa ao acreditar que poderíamos ter sido um casal estável.

– Mal partiste e conheceste o homem dos teus sonhos. Casaste-te e constituíste família.

Molly encolheu os ombros.

– Conheci o homem dos meus sonhos. E tu? Não encontraste a mulher da tua vida?

– Não me casei, se é isso que queres saber.

– Por quê? Não encontraste ninguém à altura?

– Na verdade até encontrei, mas, como sempre, estou a fazê-la esperar – respondeu. – Olha, isto é o que tens de dar à tua mãe antes de dormir – disse ao anotar algo numa folha. – Os medicamentos estão numa bandeja que está no armário do seu quarto. Se tiveres qualquer problema ou dúvida, telefona-me. Não te esqueças de passar amanhã pela clínica.

– Vou ver se tenho tempo – respondeu Molly, desafiante.

– Espero que tenhas – advertiu-a. – Não estou a pedir, estou a ordenar. Se te importas com a tua mãe, irás.

Na manhã seguinte, fê-la esperar meia hora antes de recebê-la. Ver-se num local tão neutro e asséptico pareceu-lhe melhor do que aquele homem a aparecer lá em casa sempre que lhe apetecesse.

Quanto menos a visse e, sobretudo, a Ariel, melhor.

Todavia ainda não estava recomposta do susto, ao descobrir que Dan era o médico de sua mãe. Na sua presença, sentia-se frágil como uma taça de fino cristal, com as emoções à flor da pele.

Aquela fragilidade era perigosa. Poderia fazê-la perder a razão, quando lhe fizesse perguntas sobre o pai de Ariel. Era impossível não vê-lo, assim teria de lidar com ele da melhor forma possível. Tinha muitas dúvidas a colocar-lhe sobre a saúde da sua mãe.

Para o bem da menina queria contar-lhe que o que a sua mãe dissera sobre o marido rico não era correcto.

Hilda contara, quando Molly partiu, que a filha tinha arranjado um marido rico. Fora essa a desculpa que arranjara. Hilda explicara à filha toda a história, a noite passada.

– E se alguém perguntar a Ariel por ele?

– Por que é que haveriam de perguntar? É apenas uma criança.

– Porque os vizinhos são uns bisbilhoteiros, sabe-lo bem. Por que é que não disseste que tinha arranjado trabalho ou, melhor, por que é que não os ignoraste?

– Impossível! – exclamou Hilda. – Alice Livingston iria contar que a minha filha tinha fugido. Por isso, decidi dizer que tinhas casado. Achei que seria demasiado aborrecido e que assim falariam de outras coisas.

– Nem sei como é que acreditaram nisso!

Hilda sorriu e segurou na mão da filha.

– Até o teu pai acreditou. Nunca lhe revelei a verdade. Sei que me culpas por ter permitido que ele te maltratasse. Mas doía, provavelmente, mais a mim todos os maus tratos que sofreste, só não ficava com feridas visíveis.

Ariel já estava deitada. Era a primeira vez que mãe e filha conversavam sozinhas. Molly sentiu-se com forças para perguntar o que sempre desejara saber.

– Então, por que é que nunca o deixaste? Por que é que não fugimos? Como conseguiste viver com semelhante besta?

– Porque, como costumas dizer, vivíamos no passado, com um século de atraso. Tive-te com quarenta e três anos de idade. As mulheres da minha idade não abandonam os maridos. Além disso, no início da casamento ele não era assim. Quando casámos era um homem adorável, mas o acidente modificou-o. Ao perder a perna, perdeu a vida. Era alto e forte, mas um coxo não faz nada num barco de pesca. Morreu ao saber que tinha deixado de ser o patrão da frota.

– Ser coxo não o impedia de perseguir-me pela rua cheio de ira.

– Porque o recordavas de como ele era antes do acidente… são, forte e independente. A raiva devorava-o. Por isso, às vezes, dizia e fazia aquelas coisas.

– Às vezes? Não me recordo de um só dia em que não me fizesse sentir mal. Era rebelde porque ele me tornou assim.

A sua mãe suspirou.

– Fisicamente és parecida com ele, mas não quero que te pareças com o seu carácter. Não deixes que a sua ira te invada porque te destruiria a ti e à minha preciosa neta.

Molly tinha dado voltas àquelas palavras. Chegara à conclusão de que faziam sentido. Tinha de libertar-se da influência do pai.

A porta da clínica abriu-se, Dan entrou.

– Olá, Molly – saudou-a. – Entra para o meu consultório. Venho já.

Demorou cerca de dez minutos, Molly começava a ficar impaciente.

– Julgas que tenho o dia todo? – soltou.

– Bem, bem, as crianças não têm hora marcada para nascer. Devias sabê-lo. Por acaso a tua filha nasceu com hora marcada?

A última pessoa de quem queria falar era de Ariel, mas tinha que contestá-lo.

– Não – disse.

– Vês? – disse com um daqueles irresistíveis sorrisos. – Tens fome?

– Como?

– Se tens…

– Eu ouvi, mas não sei porque é que perguntaste isso.

Dan observou-a.

– Pára de te comportar como se tivesses engolido um limão. Estou a convidar-te para almoçar, não estou a dizer que vou arrancar-te o coração.

Molly pensou que isso já fizera há onze anos atrás, mas não iria revelá-lo. O seu ego era enorme.

– Não, obrigada. A Ariel está com a minha mãe e não quero deixá-las sozinhas além do estritamente necessário.

– Apenas por meia hora, para decidirmos o que fazer com a tua mãe. Apenas um sanduíche. Se quiseres, telefona-lhe.

– Não é preciso. Há biscoitos e leite. Ariel sabe tratar de si.

– A tua filha não é demasiado nova para tanta responsabilidade?

– Tem dez…

– Dez anos? – perguntou Dan. – Isso quer dizer que…

– Não, que tem dez vezes mais maturidade que as meninas da sua idade – disse a tremer por dentro. – Além disso, tenho o telemóvel comigo, caso precise de telefonar-lhe.

– Bom, nesse caso, não vejo problema algum de irmos almoçar para falarmos da tua mãe.

«Eu vejo todos os problemas do mundo! Quanto mais tempo passo contigo, mais probabilidades tenho de meter a pata na poça», pensou Molly.

– Tem cuidado – disse Dan agarrando-a pelo braço. – Serias de pouca ajuda se partisses uma perna.

Levava roupa suficiente para impedir que o frio entrasse no seu corpo, mas não evitava que sentisse o calor da sua mão. Seria porque era o único homem que tinha tocado nas suas paixões mais íntimas?

– Posso ir sozinha – contestou.

– Com essas botas, não – disse Dan em tom jocoso. – Mais vale calçares uns sapatos mais práticos, agora que estás por cá. Por quanto tempo pensas ficar?

– Todo o tempo que a minha mãe precisar.

– Isso poderá ser indefinidamente. Estás realmente disposta a fazer esse sacrifício?

– Estou – respondeu ao constatar que ele ainda não largara o seu braço, apesar de já terem atravessado a rua.

– E o teu marido? Se fosse teu marido não acharia piada nenhuma se me deixasses sozinho na outra ponta do país, mesmo que fosse para cuidares da tua mãe, quem nem sequer conheço.

– Essa é uma das razões porque tu não és meu marido. Não és o que eu esperava.

– A outra razão, é que nunca quis encarnar esse papel – disse ao entrarem no bar. – Entra. As empregadas já não são tão bonitas como antes, no entanto, Ivy Tree continua a ser um dos bares da região que melhor faz sanduíches.

Molly sentiu-se invadida pelo pânico ao entrar ali. Quis sair, mas tropeçou.

– Desculpa, tropecei no tapete.

– Já te disse que essas botas não servem para andares por aqui – sorriu.

Errado. Eram perfeitas para lhe dar um pontapé em determinado sítio.

Dan chamou a empregada e sentaram-se.

– Duas sanduíches da casa e café – disse.

– Eu quero uma salada de espinafres e chá – interveio Molly, decidida a demonstrar-lhe que era independente.

– Com açúcar e leite? – perguntou a empregada.

– Não, só com limão.

– O meu café é com açúcar e leite, Charlene. Já sabes que preciso de toda a doçura do mundo – sorriu.

Charlene ficou a olhá-lo, enamorada, antes de se afastar.

– Como é que o fazes? – perguntou Molly.

– O quê? – ripostou com ar inocente.

Tão inocente como um lobo num galinheiro!

– Como se não soubesses. Essa mulher tem idade suficiente para não cair rendida ante um homem bem falante. Quase que o uniforme cai, tamanha é a sua emoção.

– Ah, sim? Não reparei – disse ao esticar a mão sobre a mesa e ao brincar com os dedos de Molly. – Estava a pensar era o quanto esse uniforme te ficava bem há uns anos atrás.

– Bastante indecente, é o mais provável – disse ela ao apartar a mão. – A saia era demasiado curta.

– Lembro-me das altas e maravilhosas pernas. Quase me bateste quando te disse isso pela primeira vez.

Molly só se lembrava dos seus lábios e de como aquele homem a deixava louca quando faziam amor.

– Isso já não tem importância. Estamos aqui para falar da minha mãe. Passa os dias na cama porque não pode subir e descer as escadas. Se eliminássemos esse obstáculo, que possibilidades teria de sair de casa?

– Bem, primeiro, teria de usar uma cadeira de rodas. Mas como tu bem o disseste as escadas são um problema. Assim sendo, temos de eliminar essa hipótese. Teria recuperado melhor se tivesse numa casa de repouso, mas não quis nem ouvir falar nisso.

– Se conseguisse que se movimentasse mais, a enfermeira teria de continuar a vir duas vezes por dia?

– Não. Na verdade, se conseguisse levantar-se da cama recuperaria mais rapidamente. Continuaria com o seu tratamento para a asma e para a osteoporose e com os analgésicos para as dores durante mais algumas semanas. Creio que as condições em que vive estão a provocar uma recuperação mais lenta. As pessoas nestas condições deixam de ter razões para melhorarem.

– Sobretudo se o único familiar que têm as abandona, não é?

– Isso não ajuda, óbvio – disse Dan ao olhá-la nos olhos. – Desculpa se te magoa, mas é a verdade.

Nesse momento, chegou a comida e Molly teve de esperar uns segundos, até que a empregada se afastasse, para poder contestá-lo.

– Não tenho de dar-te explicação alguma, mas se tivesse tido conhecimento do acidente, quando o mesmo aconteceu e não meses depois, teria vindo antes.

– A Hilda não quis.

– Sim, mas sou sua filha. Tinhas a obrigação de comunicar-me o sucedido.

– A minha primeira obrigação era com a minha paciente. Para que saibas, quando deixei que os serviços sociais entrassem em contacto contigo, agi contra sua vontade – explicou. – Mas alegro-me por tê-lo feito.

Sem saber como interpretar aquela frase, Molly devorou a salada de espinafres.

– Teria de continuar a ver-te?

– À medida que a tua mãe for melhorando, cada vez menos. Não tentes modificar radicalmente a vida da Hilda. Primeiro, vamos ver como reage. Se houver progressos, as visitas podem passar a ser feitas semanalmente e podemos espaçá-las progressivamente.

– Para que tu não precises de ir lá a casa, posso levá-la à clínica?

– Se conseguires levá-la, não vejo problema algum.

– Não te preocupes, que não vou deixar que a cadeira de rodas caia ladeira abaixo. Trocarei de carro, vou adquirir um monovolume. Não sou médica, mas sei que sair de casa, mesmo que seja para ir a uma consulta lhe fará bem.

– Estou de acordo, mas deixa-a na cama durante uns dias.

– Já te ouvi da primeira vez. Já sei que terá uma longa recuperação pela frente.

Dan encolheu os ombros.

– Bem. Mais alguma questão?

– Por agora, não.

– Então, importas-te que te faça algumas perguntas?

– Claro que não – respondeu ao limpar-se ao guardanapo. – Dispara.

– Não perguntaste nada sobre o teu pai, porquê?

– Porque não me interessa. Estou feliz que tenha morrido. Se soubesse da sua morte tinha ido ao funeral. Teria feito das tripas coração, mas ia pela minha mãe.

O homem suspirou.

– Não achas que está na hora de baixares as armas?

– Não acredito na salvação da alma.

– Nesse caso, poderias responder-me a outra questão? Se és casada, porquê é que continuas a assinar com o teu nome de solteira, Paget, e não usas aliança?

O outro lado do amor

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