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O suffragio politico é concedido para a formação de assembléas legislativas, ou de corporações incumbidas da administração local. Para que elle produza, pelo melhor modo, o seu resultado, qual d'estas duas cousas será mais conveniente: a votação de cada eleitor n'um só nome, destinado a representar um determinado circulo, ou a votação de lista com muitos nomes, que ficam constituindo a representação collectiva d'uma area mais larga?

Do simples enunciado da questão resalta já que ella é de pura fórma, extranha ao que poderia chamar-se, em linguagem antiga, a essencia do suffragio. O que se debate é o valor relativo de dois processos empregados para a consecução da mesma cousa, de dois modos de aproveitar praticamente uma força, que, em qualquer d'elles, subsiste como era.

Não partem da mesma ordem de idéas os que defendem o voto uninominal e os que rompem lanças em defesa da lista multipla. Aquelles preoccupam-se mais do interesse e da competencia do eleitor; estes visam principalmente á melhor constituição das assembléas politicas. Os primeiros representam, n'esta questão, a escola que considera o suffragio como um direito; os segundos pertencem á que considera o voto politico, não como um direito do homem, mas como o privilegio do cidadão, subordinado aos interesses geraes do Estado.

Diga-se de passagem que esta distincção tem um grande sabor metaphysico. Contra a comprehensão do suffragio como um direito insurge-se a anthropologia, estudada pelos modernos processos; contra a definição d'elle como privilegio levanta-se a historia da sua generalisação, póde dizer-se que até ao limite extremo, nos mais adeantados povos da Europa e da America.

É á philosophia naturalista do seculo XVIII que se deve a idéa de que todos os homens, pelo só facto de serem homens, devem ter egual participação no governo das sociedades. A declaração dos direitos do homem e do cidadão, com que abre a constituição franceza de 1793, consagra, no art. 6.º, este principio: a liberdade tem por fundamento a natureza. Esta phrase vem da Encyclopedia.

Mas a natureza, como a entendia aquelle seculo, não é qual a descrevem as sciencias de hoje. Era então um mixto de factos positivos e de abstracções idealistas, um conceito absoluto de que era facil deduzir as mais ousadas consequencias. E passava-se da natureza para a sociedade, importando ao regimen d'esta as mesmas illusões egualitarias que a sciencia consagrava n'aquella. Se a natureza é a mesma em todos os homens, todos os homens devem ter os mesmos direitos politicos. Era este o raciocinio, sympathico ás inferioridades sociaes, fulminante para as tradições estabelecidas, excellente como instrumento de negação, mas falso, falsissimo, como base da nova ordem de instituições, que era necessario edificar sobre os escombros do passado.

O naturalismo de hoje formúla conclusões oppostas áquella doutrina. Buffon e Diderot são triumphantemente combatidos por Darwin e Haekel. É já verdade incontestada que os progressos da civilisação, differentes de povo para povo, e, dentro do mesmo povo, de classe para classe, produzem novas faculdades naturaes, e que a obra do esforço humano se perpetúa conjunctamente nas paginas da historia e na anatomia do cerebro.

A este modo de explicar as desegualdades sociaes corresponde a doutrina que considera o voto como um encargo, na phrase de Stuart Mill6, ou como um direito publico, por opposição a direito natural, na linguagem de Bluntschli8. O direito de suffragio, diz este illustre professor, não é um direito natural do individuo, como pretende o Contracto Social, mas um direito publico derivado do Estado, existindo só no Estado, não podendo servir contra elle. É como cidadão, não como homem, que o eleitor vota; elle não deduz o seu direito de si mesmo, das necessidades da sua existencia, ou do seu desenvolvimento pessoal, mas da constituição do Estado, e para bem d'este.

Infelizmente as lições da moderna biologia e as profundas theorias dos mais eminentes publicistas vieram tarde, demasiadamente tarde. A revolução politica, que estendeu a todas as classes a faculdade de intervirem na gerencia social, sem consideração pelo seu estado mental e pela sua situação economica, estava já consummada quando vieram a lume aquellas verdades. E uma revolução feita é uma fatalidade indestructivel; deixa sempre na organisação dos povos um elemento novo, bom ou máo, mas tão firme, tão persistente como as camadas geologicas que se sobrepõem na constituição do nosso planeta.

6

Gouvern. Représ., pag. 226.

8

La Politique, pag. 275.

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