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III

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Quando, no verão passado, a questão da lista multipla (scrutin de liste) appareceu no parlamento francez por uma proposta do deputado Bardoux, defensores e adversarios d'ella invocaram a historia dos dois regimes eleitoraes, querendo os primeiros mostrar que estavam com as mais genuinas tradições republicanas, e sustentando os segundos, com inflammado interesse, a these opposta.

Sem embargo de ser pouco edificante vêr uma das mais brilhantes assembléas do mundo dividir-se assim na interpretação de factos tam proximos e tam geraes, é certo que a intenção de todos elles era perfeitamente legitima, porque a melhor prova d'uma instituição pratica é a experiencia que d'ella se faz.

Houve exaggero de um e outro lado, mas da parte dos que pugnavam pela lista multipla estava maior porção de verdade historica. A lei de 22 de dezembro de 1789, a primeira que a França teve sobre liberdade politica, mandava fazer as eleições pelo voto plurinominal, e do mesmo modo dispunham a Constituição de 1791, o decreto de 12 de agosto de 1792, a Constituição de 1793 e a do anno III. Este systema, hybridamente combinado com o do suffragio uninominal, atravessou todo o periodo da Restauração, e só em 1831, no estabelecimento da monarchia de julho, foi que elle teve de ceder, ficando em vigor, até 1848, o suffragio por circulo, que a revolução d'esta data aboliu logo por um acto do governo provisorio, sendo a lista multipla adoptada para a formação das duas assembléas republicanas. O principe L. Bonaparte, ainda presidente, substituiu-lhe o voto uninominal, que serviu admiravelmente, em todo o tempo do imperio, aos nefastos intuitos d'este famoso aventureiro. A terceira republica reviveu o regimen eleitoral de 1849, e foi por elle formada a assembléa de 1871. Substituido pelo outro systema em 1875, voltou, no anno corrente, a ser proposto, questionado apaixonadamente e por fim votado na camara franceza, depois d'um dos mais notaveis discursos com que a poderosa eloquencia de Gambetta tem illuminado a tribuna de Mirabeau; e se a fortuna lhe foi adversa no senado, talvez isso se deva antes a rivalidades pessoaes do que a divergencias de doutrina.

D'este summario historico vê-se que a democracia franceza tem decidida predilecção pela lista multipla, que ainda póde invocar em seu favor as malquerenças dos ministros de Luiz Philippe e dos cortesãos de Napoleão III.

Menos avisado andava, pois, o deputado Charles Boysset, relator da commissão que deu parecer contrario á proposta de Bardoux, quando escrevia que aquelle systema eleitoral não tinha honrosos precedentes; e ainda menos feliz quando a paixão e o interesse partidario o levavam á injustiça de dizer que a assembléa de 1848 era mediocre de espirito e de coração! A grande voz de Gambetta vingou nobremente a memoria da revolução de 1848 n'estas eloquentes palavras: A assembléa constituinte d'esta epocha está acima de todas as aggressões e de todas as criticas, quer se falle do seu coração, quer do seu espirito. Todos podem julgar, á sua vontade, o coração das assembléas, mas o brilho do talento, o prestigio dos caracteres… Qual é o talento, o genio, o illustre homem politico que não tinha logar na assembléa de 1848, com excepção do sr. Guizot? Eu vejo-os ahi todos. A sua politica pertence ás disputas dos homens, mas não o ascendente do seu espirito, da sua auctoridade. Eu creio que, depois da Convenção, a assembléa de 1848 é a maior que a França tem na ma historia.

A camara de Versailles não merecia ao eminente orador uma phrase de rehabilitação; mas, n'um dos mais distinctos movimentos da sua eloquencia, o suffragio universal e a lista multipla ficaram salvos d'essa prova, pela reacção que logo operaram contra as suas proprias fraquezas.

Os adversarios da proposta de Bardoux não podiam sustentar-se dignamente n'este campo. O voto plurinominal, segundo o espirito d'aquella proposta, é vulneravel em alguns pontos, mas, como logo veremos, não se lhe póde negar a qualidade de ser, mais que outro qualquer systema, favoravel á formação de assembléas fortes pelo seu pensamento politico e luzidas pela distincção intellectual dos seus membros. E esta qualidade, sempre consideravel, é hoje preciosissima, porque os deveres da civilisação, instantemente reclamados em toda a parte, só podem ser satisfeitos por situações politicas muito definidas e muito vigorosas.

Na nossa prática constitucional foram já adoptados os dois regimens. Estabelecida a eleição directa, começou-se pela lista multipla. Consagra este systema eleitoral o decreto de 30 de setembro de 18528.

Durou sete annos este regimen, que não pôde resistir á valente opposição que lhe fez José Estevão. A lei de 23 de novembro de 1859 foi inspirada por este glorioso orador, que, d'essa vez, desserviu um pouco a liberdade que elle tantas vezes honrara com o seu talento e com o seu caracter, porque não pôde prever que o systema de 1859 ainda havia de produzir peores resultados, muito peores, do que o de 1852.

No relatorio do projecto, que se converteu n'aquella lei, diz-se: «A commissão adopta o principio dos circulos pequenos, propondo um só deputado por cada circulo. Buscando assim a unidade e a verdade da representação, e procurando obter a expressão genuina de todas as opiniões e conveniencias das povoações, considerou a commissão que os interesses locaes são distinctos, mas não contrarios ao interesse geral, e que este não póde compôr-se senão da somma de todos aquelles.» E com estas poucas idéas, variadamente paraphraseadas nas duas camaras, correu toda a discussão d'um projecto importantissimo, que interessava á propria existencia da liberdade, porque esta tem, com o suffragio politico, a mesma estreita relação que as funcções vitaes têem com os seus respectivos orgãos!

Estudada nas sessões das camaras, aquella discussão é d'uma esterilidade absoluta. Não ha alli um argumento estatistico, uma consideração pratica, uma alta theoria, a comprehensão, por qualquer modo manifestada, de que se questionava o mais momentoso assumpto que póde ser sujeito a assembléas politicas. Passou-se d'um para outro regimen eleitoral, sem que o systema revogado fosse convencido da sua iniquidade, e o que vinha substituil-o recebesse a calorosa consagração que os amigos da liberdade offerecem sempre ás novas fórmas d'este augusto principio. Pois na camara, que votou a lei de 23 de novembro, estavam os eloquentissimos oradores José Estevão e Rebello da Silva, e batia o coração do sincero democrata F. Coelho do Amaral!

8

«Art. 38.º A eleição de deputados faz-se por circulos eleitoraes.

«Art. 39.º Os circulos elegem um deputado por cada 6:500 fogos.

«Se a fracção restante dos fogos de qualquer circulo eleitoral for egual ou superior a 4:332 fogos, eleger-se-ha mais um deputado.

«Art. 40.º O continente de Portugal, as ilhas adjacentes e as provincias ultramarinas são, para este fim, divididas nos circulos que constam do mappa juncto.

«O numero de deputados, que compete a cada circulo eleitoral, é o que se acha designado no mesmo mappa.»

Segundo este decreto, o continente, as ilhas adjacentes e as provincias ultramarinas comprehendiam 48 circulos, e elegiam 156 deputados. D'estes circulos o maior, pertencente ao districto de Vizeu, tinha 47:416 fogos, e elegia 7 deputados. Faziam excepção ao principio geral, estabelecido n'este decreto, os circulos de Macau e de Solor e Timor, cada um dos quaes elegia sómente um deputado.

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