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Capítulo 3

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Em todas estas aventuras, foi uma desgraça para mim não ter embarcado na qualidade de simples marinheiro: porque, assim, ter-me-ia, é verdade, sujeitado a um trabalho muito rude, mas, em compensação, teria aprendido navegação, e seria capaz de vir a ser piloto, tenente, e talvez o capitão de um navio. Mas, nisto como em tudo o mais, estava escrito que eu escolhesse o pior; e sentindo-me com dinheiro na algibeira, e com bom fato no corpo, não queria ir para bordo senão vestido à fidalga: desta maneira não havia de lá ter emprego algum, nem me punha em estado de o ter.

Logo que cheguei a Londres, tive a felicidade de cair em boas mãos: coisa que nem sempre acontece a um rapaz estouvado e sem juízo como eu era. A primeira pessoa com quem travei conhecimento foi com um capitão de navios, o qual estivera na costa da Guiné e, tendo lá sido feliz, resolvera lá voltar. Esse homem gostou da minha conversação e, ouvindo-me dizer que tinha vontade de ver mundo, propôs-me o embarcar com ele nessa mesma viagem; assegurou-me que não seria obrigado a fazer a menor despesa; que comeria com ele, e seria o seu companheiro; que, se eu quisesse levar alguma coisa comigo, gozaria de todas as vantagens que o comércio pode proporcionar, e que talvez o lucro que daí me proviesse não frustrasse as minhas esperanças. Aceitei a oferta do capitão, que era um homem franco e honrado. Aventurei nesta empresa uma soma de quarenta libras esterlinas, que empreguei em quinquilharias segundo os seus conselhos. Juntara eu esse dinheiro com o auxílio de alguns dos meus parentes, que tinham correspondência comigo, e que, como julgo, tinham levado meu pai e minha mãe a contribuírem secretamente com esta soma para a minha primeira aventura. Posso dizer que, de todas as minhas viagens, esta foi a única que teve êxito; devo muito à boa fé e à generosidade do meu amigo capitão; porque, entre muitas vantagens que tirei com ele, tive a de aprender sofrivelmente a matemática e as regras da navegação, a avaliar precisamente a marcha de um navio, e a orientar bem as velas. Se ele tinha gosto em me ensinar, tinha-o eu também em aprender: de tal modo que esta viagem me tornou ao mesmo tempo marinheiro e mercador. Efetivamente, trouxe cinco libras e nove onças de pó de ouro à minha parte; com o que ganhei, em Londres, perto de trezentas libras esterlinas. Este êxito inspirou-me vastos projetos, que depois causaram a minha ruína. Este bom amigo, o capitão de navios, morreu poucos dias depois da nossa volta a Londres. Todavia resolvi-me a tornar a fazer a mesma viagem. Deixei em depósito, nas mãos da viúva do capitão, duzentas libras esterlinas, levei comigo mercadorias do valor das outras cem, e embarquei no mesmo navio, com um homem que da primeira vez fora o piloto, e, desta, era o comandante.

Nunca fizeram viagem tão desgraçada. Navegando para as Canárias, ou antes, entre essas ilhas e as costas de África, fomos surpreendidos, ao romper do dia, por um corsário turco de Salé, que nos deu caça a todo o pano. Pelo nosso lado enfunámos todas as velas para nos safarmos; mas, vendo que o corsário singrava para nós e que ao fim de algumas horas seríamos alcançados, fomos preparando-nos para o combate. Tínhamos a bordo doze peças de artilharia; o corsário tinha dezoito. Pelas três horas da tarde, estava ao alcance de tiro de peça, começou o ataque, mas começou mal, porque, em vez de nos atacar pela popa, como era a sua tenção, deu a descarga para um dos nossos bordos. Nós, então, apontámos-lhes oito dos nossos canhões para sustentar o ataque, e demos pela nossa vez uma descarga que o fez recuar, mas só depois de nos ter respondido, fazendo começar a sua fuzilaria, que era de duzentos homens. Contudo, os nossos marinheiros conservavam-se firmes; nenhum deles fora ferido. Preparou-se o corsário para renovar o combate, e nós para o sustentar. Mas vindo do outro lado à abordagem sessenta dos seus, lançaram-se à nossa coberta e começaram a jogar o machado, cortando e talhando mastros e enxárcias. Pelo nosso lado, recebíamo-los a tiros de mosquetes, à lança, à espada e outras armas; de sorte que os expulsámos duas vezes da coberta. Todavia, para não insistir nesta época lúgubre da minha história, depois de desamparado o navio, mortos três marinheiros, e outros oito feridos, fomos obrigados a rendermo-nos e fomos levados prisioneiros a Salé, porto pertencente aos mouros. Os tratamentos que me deram ali não foram tão terríveis como eu os imaginava primeiro, e não fui levado com o resto dos nossos marinheiros para o interior do país, ao sítio onde o imperador reside; mas o capitão do corsário guardou-me como parte da sua presa, porque eu era rapaz e ágil, e, por consequência, próprio para o seu navio. Uma tal mudança de condição, que de homem livre me tornava escravo, emergiu-me no desespero. Recordei-me do discurso verdadeiramente profético de meu pai, que me predissera que havia de vir miserável e que não havia de ter ninguém para me socorrer na minha miséria. Não conhecendo grau mais alto de calamidade, parecia-me que a predição estava inteiramente realizada, que a mão de Deus caíra sobre mim, e que estava perdido sem recurso. Mas isto ainda não era senão uma amostra dos males que devia sofrer, como se verá no seguimento desta história. O meu novo patrão, ou, se o querem, o meu novo senhor, tendo-me levado consigo para casa, esperava eu que também me levasse quando fosse para o mar, que o seu destino seria, mais tarde ou mais cedo, ser aprisionado por um navio de guerra espanhol ou português e que desse modo resolveria a minha liberdade; mas essa esperança desvaneceu-se logo, porque, quando embarcou, deixou-me em terra para tratar do seu jardinzinho e para fazer as funções ordinárias de um escravo na casa; e quando voltou ordenou-me que dormisse no seu camarote para guardar o navio.

Quando estava a bordo, só pensava em me safar; mas, depois de ter pensado bem nisso, não achava expediente algum que pudesse satisfazer um espirito razoável nem que fosse ao menos plausível; porque não tinha ninguém em quem me fiasse, nem quem quisesse embarcar comigo; nenhum companheiro de escravatura: de tal modo que, durante dois anos inteiros, não vi a menor aparência de poder executar um tal projeto, apesar de entreter com esta ideia muitas vezes a minha imaginação.

No fim de dois anos proporcionou-se-me uma ocasião bastante singular, que despertou em mim o pensamento que concebera há muito tempo de trabalhar para recobrar a minha liberdade. Como visse que o meu patrão ficava em terra mais que de costume, e não equipava o seu navio, e isso por falta de dinheiro, segundo vim a saber, não deixava ele, duas ou três vezes por semana, de sair com a grande chalupa para pescar na enseada. Nessas ocasiões levava-me consigo, assim como um jovem escravo mouro, para remar no barco; nós divertíamo-lo e eu mostrava-me muito hábil na pesca: enfim, o meu patrão estava tão contente comigo, que às vezes mandava-me, com um dos seus parentes chamado Ismael, e com o jovem escravo, para lhe pescar um prato de peixe. Aconteceu que, uma vez, tendo nós ido pescar de manhã, com uma grande calmaria, levantou-se de repente um nevoeiro tão espesso, que nos tirou a vista de terra, apesar de não estarmos afastados dela senão meia légua; pusemo-nos a remar sem ter rumo certo; trabalhámos todo o dia e toda a noite seguinte: no dia seguinte pela manhã achámo-nos no mar alto; em vez de nos aproximarmos da praia, tínhamo-nos afastado dela pelo menos duas léguas; mas voltámos a salvo, não sem muito custo e até com bastante perigo, porque o vento começava a estar um pouco forte, e sobretudo tínhamos muita fome.

Este acidente tornou o nosso patrão mais acautelado para o futuro. Resolveu não ir mais à pesca sem uma bússola e algumas provisões, demais a mais tendo à sua disposição o grande escaler do navio inglês que ele nos tirara. Assim, ordenou ao seu carpinteiro, que era também um escravo inglês, que construísse, no meio desse escaler, uma cabana semelhante à de uma barca, deixando suficiente espaço à popa e à proa; à popa, para manejar o leme e içar a vela grande; à proa, para o movimento livre de duas pessoas que pudessem fazer toda a manobra. Este escaler singrava com uma vela latina ou triangular, a qual passava por cima do camarote: neste camarote, que era muito baixo, o capitão tinha bastante lugar para se deitar ele e um ou dois escravos; para uma mesa, para pequenos armários de guardar os licores que quisesse, o pão, o arroz e o café. O meu patrão saiu muitas vezes com este barco para ir à pesca; e como eu tinha a habilidade de lhe apanhar muito peixe, não ia nunca sem mim. Ora aconteceu combinar ele um passeio com dois ou três mouros de alguma distinção, para sair um dia com esse escaler, a fim de pescar e de se divertir.

Com esse fim, fez provisões extraordinárias, que mandou embarcar na véspera, e ordenou-me que tivesse prontas três espingardas com chumbo e pólvora, porque tencionava caçar além de pescar.

Preparei todas as coisas conforme as suas ordens. No dia seguinte pela manhã esperava-o no escaler, que eu tinha lavado muito bem e estava assim mais asseado, e onde arvorara bandeiras e enfeites; numa palavra, não esquecera nada do que podia contribuir para receber bem os seus hóspedes, quando vi chegar o meu patrão sozinho; disse-me que os seus convidados tinham transferido o passeio para outra ocasião por causa de alguns negócios. Ordenou-me ao mesmo tempo que fosse com o escaler, acompanhado, como de costume, pelo homem e pelo rapaz, pescar-lhe algum peixe, porque os seus amigos deviam vir cear com ele, e acrescentou que o trouxesse logo que o pescasse, ordem à qual me dispus primeiro a obedecer. Esta circunstância fez renascer o meu primeiro desígnio de me libertar da escravatura; considerava-me no caso de ter um pequeno navio sob o meu comando; e logo que o meu senhor se retirou, comecei a preparar-me, não para uma pesca, mas para uma viagem, apesar de não saber que caminho havia de seguir. Bastava afastar-me dessa triste terra.

O primeiro passo que dei foi dirigir-me a esse mouro, com o precioso pretexto de prover o nosso sustento pelo tempo que estivéssemos embarcados.

Disse-lhe que não devíamos comer pão do nosso patrão; respondeu-me que tinha razão: por consequência foi buscar um cesto de bolacha para nosso uso, e três bilhas de água fresca. Eu sabia o sítio onde estava colocada a adega, fui de lá tirar as garrafas e levei-as para o escaler, enquanto o mouro estava em terra, circunstância que lhe faria pensar que tinham sido postas ali antes, para uso do nosso senhor.

Transportei ainda para ali um grande pedaço de cera que pesava mais de cinquenta libras com pacote de pavio, um machado, um martelo; todas estas coisas me foram, depois, de uma grande utilidade, sobretudo a massa de cera para fazer velas.

Armei ao meu companheiro uma outra rede, na qual caiu de boa fé, vão ver como.

— Ismael — disse-lhe eu —, temos aqui as espingardas do nosso patrão; não pode dar-nos pólvora e chumbo de caça? Porque talvez pudéssemos matar muito bem, só para nós, alcamias (aves do mar da espécie das nossas courlis) e sei que deixou a bordo do navio as provisões da santa barba.

— Sim — replicou ele —, vou procurá-la.

E, efetivamente, trouxe logo duas bolsas de couro, uma muito grande, onde havia perto de libra e meia de pólvora e até de mais, a outra cheia de chumbo, com algumas balas; esta pesava bem cinco ou seis libras, e metemos tudo isso a bordo. Pelo meu lado, achei pólvora no camarote do capitão, e enchi com ela uma das grandes garrafas que achara na adega, depois de ter deitado numa outra o pouco que havia dentro.

Robinson Crusoé

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