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Capítulo 3

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Não havia engano, assegurou Matt a si mesmo enquanto, vagarosamente, dava a volta à mesa para se sentar na sua cadeira.

Os reluzentes cabelos vermelhos levaram-no, imediatamente, para uma noite em Nova Orleães há dez anos. Uma noite antes do Dia das Bruxas naquela extraordinária cidade. As feições delicadas, a pele branca perfeita, os grandes olhos expressivos, o contorno sensual da boca… tudo aquilo veio-lhe à mente como um relâmpago. Uma jovem alta e magra, vestindo um manto preto com acabamento em seda roxa, longos cabelos ruivos esvoaçantes, não presos num rabo-de-cavalo como estavam agora.

Ele vira-a palestrar para o grupo de turistas do lado de fora da Loja Vudu do Reverendo Zombie. Assistira-a, ouvira-a, apreciando-lhe a aparência teatral, enquanto ela capturava a atenção do grupo com o seu discurso aberto sobre Histórias de Terror. Ouvi-la a falar com sotaque australiano, acrescentava-lhe apenas mais poder de sedução.

Ficara ali por um tempo, fascinado pela aparência e performance dela. Provavelmente teria ficado mais, não fossem os amigos com os quais estava, que tinham insistido em levá-lo a um dos coloridos bares do bairro francês.

Todavia, Matt recordava-se claramente dela… os cabelos, a face, a pele alva, acrescentada ao impacto das suas histórias sobre fantasmas. O que fez surgir uma questão: que história contara ela à sua avó para conseguir o trabalho? Será que tinha falsas qualificações? Uma aldrabona a lançar a isca para seis meses de passeio grátis? A sua avó confirmara as qualificações de Nicole? Ou aquilo não importava, dado que o objectivo principal de Isabella era encontrar uma noiva para ele?

Uma profunda raiva aumentou a tensão daquele encontro. A sua avó errara redondamente sobre aquela candidata para um casamento perfeito. Nicole com certeza enganara-a, a fim de se divertir, passando-se por escritora, baseada numa experiência com algumas histórias de terror.

Ele acomodou-se na cadeira, nervoso, e altamente decepcionado com a absurda situação, encarou a mulher sentada à sua frente.

Porquê ela? O que vira a sua avó como atributos especiais que a fazia adequada para ser sua esposa?

Cabelos vermelhos?

Aquilo certamente adoçara a noite exótica em Nova Orleães, mas ali nos trópicos? Aquela pele clara fritaria em Porto Douglas. Loucura total!

Embora ele tivesse de admitir que a coloração dramática e a pele delicada e fina, realmente tinham uma beleza única. Pensara assim dez anos antes e aquilo ainda era verdade. Mas era muito claro que ela não pertencia àquele ambiente. Consequentemente não tinha nenhuma possibilidade de passar uma vida inteira ali…

Estava sentada muito erecta, os joelhos unidos, o chapéu no colo, olhos baixos, projectando uma modéstia que era estranha perante a função que exercera dez anos antes. Com um vestido quase transparente, ele pôde ver que os seios eram pequenos, porém bem feitos. Interessante o facto de usar amarelo, o que não era uma cor discreta.

A mulher estava a fazer algum jogo com ele, decidiu Matt. Então recostou-se na cadeira e relaxou, sabendo que tinha um ponto em seu favor, uma vez que Nicole nunca se poderia lembrar dele. Matt e os amigos estavam a usar máscaras naquela noite, como faz parte da festa do Dia Das Bruxas.

– Está é a sua primeira visita ao norte, certo? – Começou.

Nicole assentiu e, devagar, levantou os olhos para ele.

– Voei para cá há um mês, para fazer uma entrevista com a senhora King.

Olhava-o de modo cauteloso, como se estivesse em modo de alerta. Matt perguntou-se porquê. Necessidade de esconder alguma coisa sobre si mesma? Via-o como uma ameaça para o seu confortável emprego no castelo?

Curioso, sorriu para deixá-la mais à vontade, quando perguntou de forma intrigante:

– Seis meses no castelo não lhe soa como uma sentença de prisão?

A ideia pareceu surpreendê-la.

– Nada disso. Porque pensa assim?

– Oh, ficará presa na companhia da minha avó, e a novidade de viver num lugar novo, especialmente romântico, não compensará as coisas que perderá ou que terá de tolerar – disse ele, observando a reacção de Nicole perante as suas palavras.

Ela baixou a cabeça.

– Não gosta da companhia da sua avó?

– Isso não é relevante – respondeu ele, secamente.

Ela franziu o sobrolho.

– Não foi ao almoço de família ontem.

– Verdade. Não permito que a minha avó dite as regras para a minha vida. Eu tinha outro compromisso e não vi nenhuma razão para o cancelar. – Matt fez uma pausa, esperando investigar o carácter dela. – Ofendeu-se porque não cedi ao comando dela?

– Eu? Claro que não.

– Então porque acha que eu deveria ter ido?

– Eu não acho. Apenas pensei… digo… – Nicole parou, meio confusa.

– Estava apenas a sugerir que os próximos seis meses, sob o mesmo tecto com uma senhora de oitenta anos, pode fazer do castelo King uma prisão para uma jovem acostumada a todo tipo de atracções da vida urbana.

Ela deu um pequeno sorriso.

– Na verdade, acho as pessoas idosas mais interessantes do que as jovens. Viveram mais e algumas tiveram vidas incríveis. Não me posso imaginar entediada na companhia da senhora King.

A expressão de Nicole sugeria que se poderia facilmente entediar na companhia dele, o que o incitou a fazer um comentário irónico:

– Está preparada para se enterrar no passado e deixar a sua própria vida de lado pela duração do projecto?

Ela empinou o queixo em desafio.

– Sempre achei a história fascinante. Acho que há muito que aprender com isso. E não considero nenhuma forma de aprendizagem um desperdício de tempo.

– Uma visão muito académica – apontou, perguntando-se o que ela aprendera daquelas histórias de fantasmas. – Dizem que a história se repete, então o que pode colher disso? – desafiou ele. – A natureza humana não muda.

Ela não respondeu. Por vários momentos olhou-o directamente, num silêncio cheio de antagonismo.

– É contra o projecto, Matt?

– Nem um pouco. Acredito que uma publicação dessas será de interesse para futuras gerações da nossa família – respondeu. – E também acho significante a minha avó ter um registo impresso da vida dela. Um último testamento, o que ela merece muito.

– É contra eu fazer isso?

Directo no alvo! Ele tinha de conceder isso a Nicole Redman. Ela tinha certamente uma bola de cristal para colocar as cartas certas na mesa.

– Porque deveria ser?

– Não sei – disse ela. – É você quem tem de me dizer.

Esperta, a jogar a questão de volta para ele.

– Quantos anos tem, Nicole?

– Vinte e oito.

– Está a sair de um mau relacionamento?

– Não.

– Nem comprometida neste momento?

– Não.

– Nem a procurar um?

– Não – respondeu ela, sem entender.

– Porque não? – insistiu ele.

– Porque deveria estar?

– Achei que fosse um passatempo normal para uma mulher da sua idade.

Nicole enrubesceu. A expressão era de orgulho quando respondeu:

– Então imagino que não me encaixo no seu conceito de normal.

Matt ficou sem resposta. Não ia disparar a sua arma escondida até que soubesse alguns factos sobre as circunstâncias mais recentes dela. Muito poderia acontecer em dez anos. Se ela estivesse a falar a verdade sobre a sua idade, tinha apenas dezoito anos em Nova Orleães. Uma adolescente rebelde podia ter aprendido a ser séria.

Obviamente tinha as qualificações que a sua avó queria para uma boa esposa. Solteira, desimpedida, com idade madura para achar que casamento era uma ideia aceitável e, com certeza, muito atraente nos seus gloriosos cabelos vermelhos.

Mas por que motivo a sua avó escolhera uma ruiva para ele? Por que não uma loira ou uma morena? Ele nunca…

A resposta, de súbito, surgiu. Trish no casamento de Tony. A irmã de Hannah tinha uns longos cabelos castanhos e ele tinha ficado com ela na festa. Sendo uma modelo profissional, era alta e magra, e eles tinham-se divertido muito durante a recepção. Nada sério, apenas um alegre caso, aproveitando a companhia um do outro. Será que a sua avó deduzira que Trish era o seu tipo de mulher?

Ele baixou a cabeça e Nicole tomou essa acção exasperada como se lhe fosse dirigida.

– É um projecto que eu quero fazer – começou, irritada pela sugestão de Matt que procurar por um homem devia ser a sua prioridade. – Entendi pelo que a senhora King me falou, que você fundou esta empresa de turismo porque quis. Também desenvolveu um mercado para frutas exóticas por vontade própria. Aposto que as suas realizações não têm nada a ver com a sua ausência, ou desejo, de um relacionamento com uma mulher.

Apanhou-o ali. Era uma menina esperta.

– Bem, espero que encontre muita satisfação em perseguir o passado como eu tenho encontrado em investir no futuro – disse ele.

Ela sorriu.

– É muito afortunado por ter um passado a partir do qual pode construir.

Ali estava! Nos olhos dela. Um vazio que escapara da sua guarda. Os instintos de Matt instantaneamente fizeram uma rápida interpretação. Ela viera do nada e não tinha nenhuma direcção para o futuro. Progredira com as asas da oportunidade, não tendo nenhuma raiz para a segurar num só lugar. Talvez se sentisse como um fantasma, sem uma família para lhe dar alguma solidez real. Ou será que ele estava a deduzir demais por uma expressão fugaz?

– E sobre a sua própria família? – indagou ele.

– Não tenho família – respondeu friamente, confirmando a impressão dele.

– É órfã?

Ela não respondeu a pergunta.

– Sou adulta, responsável por mim mesma, e assumi a responsabilidade desse projecto com a senhora King. Um contrato de seis meses foi assinado para isso. Se tem algum problema sobre o facto de eu desenvolver esse trabalho…

– Isso é um assunto da minha avó e não tenho a menor intenção de interferir – assegurou ele, embora ainda estivesse para descobrir se a sua avó iria beneficiar da escolha para escrever a história da família.

No entanto, aquilo não era problema de Matt.

– Também não quero interferir nos seus negócios. – Ela levantou-se da cadeira com clara intenção de partir. – O seu assistente disse que tinha mapas rodoviários já marcados para mim…

Ele não queria que ela fosse embora. Porém teria de nadar a favor da corrente. Levantou-se, dizendo a si mesmo que tinha mais seis meses para analisar aquela mulher.

Matt apanhou o maço de mapas sobre a mesa e empurrou-os para o lado dela.

– Aqui estão – disse ele, gentilmente. – Usando-os, será capaz de encontrar o seu caminho para todo e qualquer ponto de interesse histórico.

– Obrigada. – Ela agarrou na carteira que estava no chão e pousou-a sobre a mesa para guardar os mapas, numa expressão séria, de quem estava decidida a partir.

Matt não gostou de ser deixado por Nicole Redman. Não estava pronto para a ver ir… para a deixar ganhar. Agarrou na autorização de livre trânsito que deixara perto dos mapas e deu a volta à mesa.

– E isto dá-lhe viagens de graça em qualquer um dos nossos passeios turísticos – disse ele, entregando-lhe a passagem.

Ela teve um sobressalto e alguns dos mapas voaram das suas mãos. Na rápida tentativa de os resgatar, derrubou o chapéu. Ambos se baixaram para o apanhar, as cabeças quase a tocar. Ela levantou-se, recuando, deixando Matt apanhar o chapéu, o que ele fez, endireitando-se para encontrar a respiração acelerada e a face corada de Nicole.

A boca da rapariga estava entreaberta, os olhos arregalados em surpresa. E com aquela proximidade, Matt teve a estranha sensação de ser sugado por uma tempestade de sentimentos vindos directamente da alma dela. Encarou-a, silenciado pela conexão que o colocou completamente fora de equilíbrio.

Teve vontade de a beijar. Queria extrair da boca da mulher todos os segredos que ela estava a esconder, desejava envolvê-la de tal forma que ela desistisse de tudo o que era. A necessidade de a conhecer consumia a mente e o corpo de Matt.

– Obrigada – sussurrou ela.

Atordoado pelos próprios sentimentos inesperados, Matt lembrou-se de que aquela era a mulher que a sua avó planeara para ele. E não cairia na armadilha dela.

Estendeu a autorização.

A mão de Nicole estava a tremer quando a agarrou. Será que ela sentia a mesma coisa que ele? Uma parte de Matt desejava que sim, mas outra queria negar que havia qualquer poder de atracção a operar ali, de qualquer um dos lados.

Ele observou-a a guardar o bilhete e os mapas na carteira, pálpebras baixas, o vermelho dos cabelos tão vibrante que ele teve de apertar as mãos para controlar a vontade de os tocar.

Ainda tinha o chapéu nas mãos. Mas era uma loucura pensar que podia segurar a sua refém com um chapéu. A pressa de fechar a carteira e de a pendurar no ombro dizia que ela queria ir embora. E ele deveria deixá-la ir. Qualquer outra atitude colocá-lo-ia directamente no banco dos perdedores.

Ela conseguiu dar um passo, aumentando a distância entre eles. Então virou-se para o encarar.

– O meu chapéu…

Matt poderia tê-lo estendido para ela. Era a resposta mais simples. Mas um instinto perverso incitou-o a colocá-lo sobre os cabelos provocantes. Deu um passo e aproximou-se e colocou-lhe o chapéu, atento em deixar o girassol na mesma posição em que estava quando Nicole entrara.

Uma mulher desconhecida que ele pretendera que continuasse desconhecida em qualquer assunto pessoal. A não ser o facto do seu corpo inteiro estar de súbito alerta perante o dela, à quase frágil feminilidade daquele corpo. O amarelo do girassol, lembrando-lhe o vestido dela… de botões frontais, que poderiam ser facilmente desabotoados…

– Obrigada.

Nicole respirou profundamente. Estivera sem fôlego?

O pensamento excitou-o. Ganhara alguma coisa da ruiva. Com uma sensação de triunfo, Matt deu um passo atrás e sorriu.

– Tenha cuidado com o calor daqui.

As faces de Nicole estavam a reflectir um calor interno que o colocou nas alturas quando andou para abrir a porta da sala. Ela caminhou com passos firmes, o olhar fixo na porta. Assentiu com um gesto de cabeça para o conselho, quando passou por ele.

Matt riu-se quando fechou a porta atrás dela.

Definitivamente mexera com Nicole Redman.

E de repente sentiu um imenso interesse em conhecê-la melhor. Não casar-se com ela, assegurou a si mesmo. Casamento não estava nos seus planos. Mas algumas noites quentes com a exótica menina Nova Orleães não seria nenhum sacrifício. Porque não… se ela gostava dos trópicos? Não debaixo do nariz da sua avó, claro, mas se Nicole iria fazer todos os passeios turísticos de autocarro, mais cedo ou mais tarde, teria de fazer o trajecto até ao parque Kauri King, onde as frutas exóticas cresciam.

Empenhar-se-ia para estar lá naquele dia.

E então ver como se sentia em relação a ela.

Casamento de compromisso

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